Você está na página 1de 14

MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAIS

Direito Penal
Cleber Masson
Aula 02

ROTEIRO DE AULA

Continuação: Princípios do Direito Penal

10.3. Divisões: fragmentariedade e subsidiariedade


O princípio da intervenção mínima se subdivide em fragmentariedade e subsidiariedade.
Pelo princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve atuar nas hipóteses estritamente
necessárias para proteção do bem jurídico.

10.3.1. Princípio da fragmentariedade ou caráter fragmentário do Direito Penal


Pelo princípio da fragmentariedade, o Direito Penal é a última fase, a última etapa, o último grau de
proteção do bem jurídico. A palavra fragmentariedade vem de fragmentos, ou seja, dentro do
universo da ilicitude nem todos os ilícitos constituem ilícitos penais porque apenas alguns fragmentos
são assim considerados.

De acordo com o gráfico abaixo é possível observar que nem todos os ilícitos são ilícitos penais, mas
que todo ilícito penal também é ilícito perante os demais ramos do Direito.

Exemplo 01: contribuinte que declara corretamente todas as suas despesas e receitas, sendo gerado
o imposto devido para pagamento - entretanto, não realiza o pagamento. Nesse caso, existe ilícito
tributário mas não crime tributário.

1
www.g7juridico.com.br
Exemplo 02: contribuinte que omite receitas e cria despesas inexistentes - nesse caso o contribuinte
comete ilícito tributário sonegação fiscal, que também é ilícito tributário, motivo pelo qual responde
pelo crime tributário e realiza o pagamento devido com juros, multa, correção monetária etc.

Dessa forma, nem tudo que é ilícito é ilícito penal, mas todo ilícito penal também é ilícito perante os
demais ramos do Direito. Por esse motivo, o Direito Penal é a última fase de proteção do bem jurídico.

O professor explica que o crime de furto passou a ser assim considerado quando os institutos de
Direito Civil deixaram de ser suficientes para a proteção do bem jurídico.

O princípio da fragmentariedade se manifesta no plano abstrato, ou seja, possui como destinatário o


legislador. O legislador deve verificar a necessidade de tipificar a conduta e de cominar a pena.

O princípio da fragmentariedade é desdobramento do princípio da intervenção mínima de forma


abstrata.

- A fragmentariedade às avessas: na fragmentariedade às avessas o crime já foi criado, de forma que


o tipo penal já existe. O legislador realiza juízo de valor e conclui que determinado crime deixa de ser
necessário, motivo pelo qual o revoga (ex.: adultério - art. 240 do CP, crime de ação penal privada
personalíssima revogado no ano de 2005,).

A fragmentariedade às avessas não se confunde com abolitio criminis porque a fragmentariedade às


avessas é a causa, ao passo que a abolitio criminis é a consequência (a primeira acarreta a segunda).

10.3.2. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

2
www.g7juridico.com.br
O Direito Penal é a ultima ratio, a última medida prática para a proteção do bem jurídico - o Direito
Penal funciona como um “executor de reserva”.

Enquanto a fragmentariedade atua no plano abstrato, a subsidiariedade se desenvolve no plano


concreto, possuindo como destinatário o operador do direito.

O Direito Penal é um executor de reserva porque se aplica a situações excepcionais em que os demais
ramos do direito não conseguem proteger devidamente o bem jurídico.

O professor cita como exemplo o crime de estelionato - embora se trate de crime necessário mais de
80% dos inquéritos policiais instaurados no Fórum Mário Guimarães, localizado na Barra Funda, são
arquivados porque, na prática, pode ser resolvido pelo Direito Civil (fraude contratual,
inadimplemento contratual etc.).

Obs.: O professor destaca que alguns autores invertem os conceitos, afirmando que subsidiariedade
se refere ao plano abstrato e fragmentariedade ao plano concreto, mas que esta interpretação é
incorreta e que o STJ assim se manifestou no HC 197.601 (Inf. 479): a subsidiariedade se refere ao
plano concreto e é destinada ao operador do direito, ao passo que a fragmentariedade se refere ao
plano abstrato, sendo destinada ao legislador.

11. Princípio da Insignificância (Criminalidade de Bagatela)


No Brasil, o princípio da insignificância foi moldado pelo STF.

11.1. Introdução e finalidade


O princípio da insignificância surge no Direito Romano por meio do brocardo de minimus non curat
praetor (os pretores, os juízes, os tribunais, não cuidam do que é mínimo/insignificante).

Entretanto, o Direito Romano previa o princípio da insignificância unicamente em relação ao direito


privado, de forma que referido princípio é trazido ao Direito Penal apenas na década de 1970 por
Claus Roxin. Para o autor, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas insignificantes, isto é,
comportamentos incapazes de lesar ou colocar em perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal.

A finalidade do princípio da insignificância é efetuar uma interpretação restritiva da lei penal, que é
muito ampla e abrangente. Desta forma, o princípio da insignificância diminui o alcance da lei penal.

3
www.g7juridico.com.br
11.2. Natureza jurídica
Para Pontes de Miranda, a natureza jurídica é o grupo, a categoria ou a classe a que pertence
determinado instituto do Direito.

- Natureza jurídica do princípio da insignificância: causa supralegal de exclusão da tipicidade - não está
prevista em lei, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial.

- Tipicidade penal = tipicidade formal + tipicidade material.

- Tipicidade formal = é o juízo de adequação entre o fato e a norma - o fato praticado pelo agente na
vida real se amolda ao modelo de crime descrito na norma penal.

- Tipicidade material é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico - não basta que o fato se encaixe na
norma por ser necessário que seja capaz de lesar ou colocar em perigo o bem jurídico protegido pela
norma.

Exemplo: subtração de uma garrafa de água de R$ 1,00 - há tipicidade formal, mas não material por
inexistir lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

11.3. Requisitos: objetivos e subjetivos


Os requisitos objetivos se relacionam ao fato praticado, ao passo que os subjetivos dizem respeito ao
agente e à vítima.

Requisitos objetivos:
a) Mínima ofensividade da conduta;
b) Ausência de periculosidade social da ação;
c) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
d) Inexpressividade da lesão jurídica.

O STF estabelece os requisitos objetivos acima porque antes de ser um princípio a insignificância é
medida de política criminal. A política criminal é o fito entre a letra da lei e os anseios da sociedade,
de forma que quando bem aplicada permite que a letra legal seja compatibilizada com os anseios da
sociedade.

4
www.g7juridico.com.br
O professor explica não ser possível a explicação individual dos requisitos por guardarem semelhança
e que esta semelhança permite a flexibilidade do princípio da insignificância no caso concreto.

Exemplo 01: dois rapazes que furtam uma cabra avaliada em R$ 70,00 no sertão de Pernambuco e são
presos em flagrante enquanto faziam churrasco do animal - o princípio da insignificância não foi
aplicado pelo STF.

Exemplo 02: pessoa que está voltando de Miami e tenta não declarar os bens trazidos do exterior que,
se declarados, gerariam o pagamento de R$ 9.882,39 de imposto de importação - o STF aplicou o
princípio da insignificância.

Como justificativa utilizada para manter a condenação de ambos os rapazes o STF esclareceu que na
região de Pernambuco muitas famílias vivem nas chamadas lavouras de subsistência, criando animais
e plantando alimentos para próprio consumo, de forma que nesta região a aplicação do princípio da
insignificância estimula o furto de cabras, causando alto prejuízo social. Já no caso da sonegação de
imposto de importação, como o Brasil possui alta arrecadação, à época, a sonegação de até dez mil
reais era tida como insignificante por não compensar a movimentação de todo o maquinário estatal
para sua cobrança.

Por esse motivo, o professor explica que os requisitos são muito parecidos e difíceis de serem
explicados e diferenciados, uma vez que visam conferir maior flexibilidade ao julgador no caso
concreto.

Requisitos subjetivos:
a) Condições pessoais do agente:
a.1. Reincidente: o princípio da insignificância pode ser aplicado ao reincidente? Existem duas
posições:
- 1ª posição: não - o princípio da insignificância se trata de benefício de natureza extraordinária; a
regra é a aplicação da lei ao caso concreto. Para esta corrente, o princípio da insignificância, como
medida de política criminal, é benefício que só deve ser aplicado a quem merecer, não sendo o caso
do reincidente que possui condenação definitiva transitada em julgado.
Obs.: Este foi o entendimento do STF por muito tempo, mas existem julgados que aplicam o princípio
da insignificância ao reincidente genérico.

5
www.g7juridico.com.br
- 2ª posição: sim - é possível a aplicação do princípio da insignificância ao reincidente. Este é o
entendimento do STJ. Para esta corrente, presente o princípio da insignificância pouco importa se o
condenado é primário ou reincidente porque o fato será atípico tanto ao primário quanto ao
reincidente - a reincidência possui natureza jurídica de agravante genérica, incidindo na segunda fase
da dosimetria da pena, e o princípio da insignificância possui natureza jurídica de causa supralegal de
exclusão da tipicidade, que torna o fato atípico.

a.2. Criminoso habitual: é aquele que faz da prática de crimes o seu meio de vida. Ao criminoso
habitual não se aplica o princípio da insignificância (jurisprudência pacífica do STF e STJ).

CPP, art. 28-A, § 2º: “O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: (...) II - se
o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal
habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas.”

O art. 28-A do CPP trata do acordo de não persecução penal e foi inserido pelo Pacote Anticrime -
anteriormente a esta positivação era regulado por Resolução do CNMP.

O professor destaca que a insignificância foi utilizada neste dispositivo de forma equivocada por não
ser possível considerar as infrações penais pretéritas insignificantes se o próprio dispositivo menciona
o criminoso habitual/profissional - a reincidência e a criminalidade habitual, reiterada e profissional,
são incompatíveis com a insignificância das infrações penais pretéritas.

a.3. Militares: o princípio da insignificância não é aplicado aos crimes praticados pelos militares em
razão da hierarquia e disciplina que regem as relações militares, bem como pelo sentimento de
segurança pública por eles proporcionados.

O professor destaca que em seu entendimento o mesmo raciocínio deve ser aplicado a outras pessoas
que atuam na área da segurança pública, como delegados, membros do MP e da magistratura.

b) Condições da vítima
b.1. Extensão do dano: se a conduta aparentemente irrelevante causa dano à vítima o princípio da
insignificância não pode ser aplicado.

6
www.g7juridico.com.br
Exemplo: furto de uma bicicleta velha e enferrujada que servia como meio de trabalho para um
servente de pedreiro, com valor irrisório; subtração de uma máquina de costura de uma senhora
costureira - nestes casos, não é possível aplicar o princípio da insignificância em razão do dano causado
às vítimas.

b.2. Valor sentimental do bem: não basta analisar apenas o aspecto econômico do bem porque seu
valor sentimental também deve ser analisado.

Exemplo 01: na tentativa de praticar o crime de furto os criminosos se deparam com uma casa em
situação de extrema pobreza, furtando apenas um porta-retratos de plástico com uma foto preto e
branco, única lembrança que a mãe possuía de seu único filho já falecido - não é possível aplicar o
princípio da insignificância em razão do valor sentimental do bem.

Exemplo 2: subtração de discos de ouro que cantores recebiam no programa do Chacrinha em razão
do número de exemplares vendidos - não é possível aplicar o princípio da insignificância em razão do
valor sentimental do bem.

- HC 107.615 - Inf. 639:

“Habeas corpus. Furto de quadro denominado "disco de ouro". Premiação conferida àqueles artistas
que tenham alcançado a marca de mais de cem mil discos vendidos no País. Valor sentimental
inestimável. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Bem restituído
à vítima. Irrelevância. Circunstâncias alheias à vontade do agente. Paciente reincidente específico em
delitos contra o patrimônio, conforme certidão de antecedentes criminais. Precedentes. Ordem
denegada. 1. As circunstâncias peculiares do caso concreto inviabilizam a aplicação do postulado da
insignificância à espécie. Paciente que invadiu a residência de músico, donde subtraiu um quadro
denominado "disco de ouro", premiação a ele conferida por ter alcançado a marca de mais de cem
mil discos vendidos no País. 2. Embora a res subtraída não tenha sido avaliada, essa é dotada de valor
sentimental inestimável para a vítima. Não se pode, tão somente, avaliar a tipicidade da conduta
praticada em vista do seu valor econômico, especialmente porque, no caso, o prejuízo suportado pela
vítima, obviamente, é superior a qualquer quantia pecuniária. 3. Revela-se irrelevante para o caso o
argumento da defesa de que o bem teria sido restituído à vitima, pois ocorreu em circunstâncias
alheias à vontade do paciente. Segundo o inquérito policial o paciente foi abordado por policiais

7
www.g7juridico.com.br
militares em via pública na posse do objeto furtado, o que ensejou a sua apreensão e,
consequentemente, a sua restituição. 4. Impossibilidade de acatar a tese de irrelevância material da
conduta praticada pelo paciente, especialmente porque a folha de antecedentes criminais que instrui
a impetração demonstra a presença de outros delitos contra o patrimônio por ele praticados. Com
efeito, esses aspectos dão claras demonstrações de ser ele um infrator contumaz e com personalidade
voltada à prática delitiva. 5. Conforme a jurisprudência desta Corte, o reconhecimento da
insignificância material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um deletério
incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do
Poder Judiciário (HC nº 96.202/RS, DJe de 28/5/10). 6. Ordem denegada. (HC 107615, Relator(a): DIAS
TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, Informativo 639)”.

11.4. Aplicabilidade e inaplicabilidade


- Regra geral: é a aplicabilidade do princípio da insignificância a todo e qualquer crime que seja com
ele compatível e não somente aos crimes patrimoniais.

Exemplos de crimes patrimoniais: furto, estelionato, apropriação indébita.

O professor destaca que no crime de furto, embora não exista um valor fixado, a jurisprudência possui
algumas decisões no sentido de ser em torno de 22 ou 23% do salário mínimo.

Exemplo de crimes tributários: tributos que não ultrapassam o valor de R$ 20.000,00; crimes contra a
propriedade imaterial.

O professor também cita a lesão corporal leve e crimes ambientais.

- Exceções: existem crimes incompatíveis com o princípio da insignificância.


Exemplo: crimes contra a vida, crimes contra a dignidade sexual, latrocínio etc.

Súmula 599 do STJ: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração
pública.”

O STJ não admite o princípio da insignificância nos crimes contra a administração pública (embora seja
admitido pelo STF em situações excepcionalíssimas). Além disso, não se admite o princípio da
insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados com violência contra a mulher.

8
www.g7juridico.com.br
Súmula 589 do STJ: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais
praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.”

11.5. Valoração pela autoridade policial


Indaga-se: Quem pode aplicar o princípio da insignificância? Este princípio pode ser aplicado pela
autoridade policial?

- 1ª posição: apenas a autoridade judiciária pode aplicar o princípio da insignificância, de forma que a
autoridade policial não pode aplicar o princípio em questão (STJ - HC 154.949 - Inf. 441).

“PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. IRRELEVÂNCIA PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.


RESISTÊNCIA. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE RESISTÊNCIA ANTE A
ATIPICIDADE DA CONDUTA DE FURTO. IMPOSSIBILIDADE. ATO LEGAL DE AUTORIDADE. I - No caso de
furto, a verificação da relevância penal da conduta requer se faça distinção entre ínfimo (ninharia) e
pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia
conglobante (dada a mínima gravidade). II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado
e o tipo de injusto. III - In casu, imputa-se ao paciente o furto de dois sacos de cimento de 50 Kg,
avaliados em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais). Assim, é de se reconhecer, na espécie, a irrelevância
penal da conduta. IV - Ademais, a absolvição quanto ao crime de furto, tendo em vista a aplicação do
princípio da insignificância, não tem o condão de descaracterizar a legalidade da prisão em flagrante
contra o paciente. Na hipótese, encontra-se configurada a conduta típica do crime de resistência pela
repulsão contra o ato de prisão, já que o paciente, por duas vezes após a captura e mediante violência,
conseguiu escapar do domínio dos policiais, danificando, neste interregno, a viatura policial, fato este
que o levou posteriormente a ser algemado e amarrado. Habeas corpus parcialmente concedido. (STJ,
HC 154.949/MG, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgamento 03.08.2020, Informativo
441)”.

- 2ª posição: a autoridade policial pode aplicar o princípio da insignificância em razão de sua natureza
jurídica - por ser um causa de exclusão da tipicidade, o fato será atípico.
11.6. Insignificância imprópria ou bagatela imprópria
O princípio da insignificância imprópria ou bagatela imprópria é uma criação alemã e não possui
previsão legal.

9
www.g7juridico.com.br
Princípio da insignificância:
- Fato atípico (causa supralegal de exclusão da tipicidade);
- Não se instaura a persecução penal.

Princípio da insignificância imprópria:


- Fato típico e ilícito;
- Agente é culpável;
- Há persecução penal;
- Desnecessidade da pena.

Exemplo: “A” pratica furto simples, é denunciado e a denúncia é recebida, mas a audiência de
instrução e julgamento é realizada apenas quatro anos mais tarde, sendo observado pelo juiz a
ausência da prática de qualquer crime no período, além de se tratar de empresário que emprega
muitos trabalhadores - aqui se aplica o princípio da insignificância imprópria para os que o admitem.

No princípio da insignificância imprópria o fato é típico, ilícito e o agente culpável, sendo a persecução
penal instaurada, mas o juiz apura a desnecessidade da pena em razão da ausência de função social
da pena.

O princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade, ao passo que a


insignificância imprópria é uma causa supralegal de extinção da punibilidade.

12. Princípio da proibição do “Bis In Idem”


O princípio da proibição do bis in idem ou ne bis in idem não admite a dupla punição pelo mesmo fato.

Art. 8º, 4, do Pacto de São José da Costa Rica: “O acusado absolvido por sentença transitada em
julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

Obs.: O Pacto de São José da Costa Rica foi incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto n. 678/92.
Súmula 241 do STJ: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e,
simultaneamente, como circunstância judicial”.

10
www.g7juridico.com.br
A Súmula 241 do STF proíbe a dupla valoração do mesmo fato contra o agente: se o agente possuir
uma condenação definitiva que caracteriza a reincidência, o magistrado deverá utilizá-la como
agravante genérica na segunda fase de dosimetria da pena; se não caracterizar reincidência o
magistrado deverá utilizá-la na primeira fase da dosimetria da pena como maus antecedentes.
Entretanto, se o acusado possui várias condenações definitivas o juiz deve utilizar uma como
reincidência (agravante genérica) e as demais como circunstâncias judiciais desfavoráveis.

A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO DIREITO PENAL

1. Funcionalismo Penal
1.1. Introdução
O funcionalismo penal é um movimento doutrinário que surgiu na Alemanha na década de 1970 e se
propagou pelo mundo todo. O funcionalismo busca discutir qual a função do Direito Penal.

O professor observa inexistir um único funcionalismo penal porque existem várias concepções
funcionalistas - os penalistas possuem posições diversas sobre a função do Direito Penal.

1.2. Características fundamentais


a) Proteção do bem jurídico: o Direito Penal só é legítimo quando protege o bem jurídico e na medida
exata desta proteção;

b) Flexibilidade na aplicação do Direito Penal: o operador do direito não pode ser engessado pela lei
penal, sendo necessário uma flexibilidade no caso concreto para que o bem jurídico seja protegido.

c) Prevalência do jurista sobre o legislador: o jurista tem um papel muito mais importante que o
legislador porque resolve o caso concreto - o legislador cria regras gerais e abstratas que são
adaptadas ao caso concreto pelo jurista (a lei é apenas um ponto de partida).

O professor destaca que as características do funcionalismo penal possuem relação com o princípio
da insignificância e que este princípio é uma criação realizada pelo funcionalismo penal.

1.3. Espécies

11
www.g7juridico.com.br
As duas principais vertentes do funcionalismo penal são apresentadas por Roxin e Jakobs. O professor
destaca que a cobrança do tema em provas de forma geral, sem especificação, se refere a visão de
Roxin.

a) Funcionalismo moderado, dualista ou de política criminal: Claus Roxin (Escola de Munique)


- Moderado: o Direito Penal deve respeitar os limites impostos pelo próprio Direito Penal, pelos
demais ramos do direito e pela sociedade;

- Dualista: o Direito Penal é um sistema de regras e valores que dialoga com os demais ramos do
direito.

- Política criminal: o Direito Penal deve ser aplicado para atender os interesses legítimos da sociedade,
sendo mais um instrumento que a sociedade possui à disposição para auxiliar na solução de seus
problemas.

Obs.: Alguns doutrinadores utilizam a nomenclatura funcionalismo racional-teleológico: racional


porque movido pela razão e pelo bom senso; teleológico porque se pauta na finalidade de proteger
bens jurídicos. Ao proteger adequadamente os bens jurídicos, o Direito Penal auxilia a sociedade.

Para Roxin, a função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos. O autor afirma que o Direito Penal
é escravo da sociedade porque está à sua disposição para auxiliar na solução de problemas.

b) Funcionalismo radical, monista ou sistêmico: Günther Jakobs (Escola de Bonn)


Jakobs é o grande criador da teoria do direito penal do inimigo.

- Radical: o Direito Penal deve respeitar apenas os limites impostos pelo próprio Direito Penal.

- Monista: o Direito Penal é um sistema próprio de regras e valores que independe dos demais ramos
do direito.

- Sistêmico: baseada na teoria dos sistemas, criada por Nikas Lihmann - o Direito Penal enquanto
sistema é:
i) autônomo: possui suas próprias regras, valores e limites;
ii) autorreferente: todas as referências do Direito Penal estão no próprio Direito Penal; e

12
www.g7juridico.com.br
iii) autopoiético (autopoiesis): como um sistema autopoiético o Direito Penal se renova por si só.

Jakobs cria um funcionalismo em que o Direito Penal é totalitário. Para o autor, a função do Direito
Penal é a proteção da norma, ou seja, punir - o Direito Penal só é respeitado quando pune de forma
severa e reiterada, de forma que a sociedade deve se adequar ao Direito Penal (e não o contrário).

2. Direito de Intervenção ou Intervencionista


Criado por Winfried Hassemer, o direito de intervenção busca diminuir a intervenção do Direito Penal
na sociedade e não o contrário. Para o autor, o Direito Penal está muito sobrecarregado e, por esse
motivo, muitas condutas abrangidas pelo Direito Penal devem ser levadas para um novo ramo do
direito chamado de Direito de Intervenção.

Assim, deve ser mantido no Direito Penal apenas seu núcleo fundamental, que são os crimes de dano
e de perigo concreto contra bens individuais (exemplo: homicídio, lesão corporal, furto, roubo,
estupro etc.), de forma que todo o restante deve ser transportado ao Direito de Intervenção (exemplo:
crimes de perigo abstrato e crimes contra bens jurídicos difusos e coletivos).

Contudo, como o Direito de Intervenção não tem natureza penal, as condutas deixam de ser
criminosas e são julgadas pela Administração Pública - Direito Administrativo Sancionador: sanções
aplicadas diretamente pela Administração Pública em razão de seu poder de autotutela, sem
interferência do Poder Judiciário.

Exemplo: crime de poluição seriam de competência da Administração Pública, que diante de poluição
de rios poderia embargar o funcionamento da empresa, interditar seu prédio, aplicar multas etc.

Obs.: A proposta do Direito de Intervenção não é aceita pela doutrina. O professor cita o português
Jorge de Figueiredo Dias que afirma que o Direito de Intervenção coloca o princípio da subsidiariedade
"de penas para o ar” por abrir mãos de interesses valiosos como os interesses difusos e coletivos.

3. Velocidades do Direito Penal


Esta teoria foi desenvolvida por Jesus Maria Silva Sanchéz, professor da Universidade Pompeo Fabra
(Barcelona), em sua obra “A expansão do Direito Penal”.

13
www.g7juridico.com.br
O autor afirma que o Direito Penal sempre se desenvolveu em duas velocidades.

- 1ª Velocidade: chamado de Direito Penal da prisão ou nuclear, são os poucos crimes que
inevitavelmente levam à privação da liberdade do responsável (ex.: homicídio qualificado, latrocínio,
extorsão mediante sequestro, estupro qualificado pela morte).

Características: se trata de um Direito Penal extremamente lento por ser extremamente garantista
em razão da necessidade de cautela por se referir à liberdade do ser humano.

Exemplo: em caso de homicídio qualificado o processo caminha lentamente porque todos os direitos
e garantias devem ser observados.

- 2ª Velocidade: chamada de Direito Penal sem prisão ou periférico, se refere às penas alternativas
como a pena de multa e as penas restritivas de direito, bem como o acordo de não persecução penal,
a transação penal, a suspensão condicional do processo, o regime aberto etc. - a maioria dos crimes
pertencem a esse grupo.

Características: rápido e célere porque admite a flexibilização de direitos e garantias (não se fala em
supressão ou eliminação de direitos e garantias, mas apenas em flexibilização).
Exemplo: lesão corporal leve em razão de briga de bar entre dois homens. O delegado de polícia
registra o termo circunstanciado de ocorrência e encaminha as partes ao Juizado Especial Criminal,
onde será designada audiência preliminar com uma proposta de aplicação imediata de pena restritiva
de direitos ou multa (sem prisão) - art. 98, I da CF.

O professor destaca que em ambas as velocidades as condutas continuam sendo crimes e de


competência da justiça penal:

- 3ª Velocidade: chamada de Direito Penal do Inimigo (Jackobs).

- 4ª Velocidade: Neopositivismo ou panpenalismo (Daniel Pastor).

14
www.g7juridico.com.br

Você também pode gostar