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Cleber Masson
Direito Penal
Aula 03
ROTEIRO DE AULA
Atenção: nem tudo o que é ilícito, é ilícito perante o Direito Penal. Entretanto, tudo o que é ilícito
para o Direito Penal, também é ilícito perante os demais ramos do direito.
Exemplo: o crime de peculato sempre será ato de improbidade administrativa, mas nem todo ato de
improbidade administrativa constituirá crime diante do Direito Penal.
O professor faz uma analogia, indicando que, em uma noite estrelada, o céu escuro representa a
ilicitude em geral e as estrelas são os ilícitos penais. Assim, apenas aqueles fragmentos (estrelas)
interessam ao Direito Penal. Ex.: A faz sua declaração de imposto de renda, declara tudo
corretamente, mas deixa de pagar o tributo apurado, não pagando a DARF. Ele praticou um ilícito
tributário, mas não um ilícito penal.
Exemplo: o furto nem sempre foi crime. Houve uma época em que os institutos do Direito Civil
eram suficientes para proteger a propriedade e a posse e coibir determinadas condutas. Quando o
direito civil não foi mais capaz de coibir esses ataques ao patrimônio, o Direito Penal foi chamado.
Fragmentariedade às avessas:
10.3.2. Princípio da subsidiariedade – é um soldado de reserva. Ele somente deve ser utilizado
quando não houver meio menos lesivo para a proteção do bem jurídico.
O Direito Penal é a “ultima ratio” (último recurso), é o “executor de reserva”. Isso porque ele é
muito invasivo e pode causar estragos na vida de uma pessoa.
Exemplo: crime de estelionato (art. 171 do CP).
O professor destaca que, no caso concreto, esse crime nem sempre é necessário. No fórum criminal
da Barra Funda, por exemplo, mais de 80% dos inquéritos policiais que apuram estelionatos são
arquivados, pois o Direito Civil acaba resolvendo a questão. E se o direito penal pode ser deixado de
lado, é muito melhor, porque ele é muito invasivo, deixa marcas profundas.
Atenção: Esse princípio se manifesta no plano concreto, isto é, tem como destinatário o operador
do direito.
Observação:
Essa divisão (fragmentariedade no plano abstrato e subsidiariedade no plano concreto) foi criada na
Alemanha e desenvolvida na Espanha. No Brasil, a jurisprudência aplica tais princípios.
Cuidado: Na doutrina, entretanto, existem alguns poucos autores que invertem os conceitos,
colocando a fragmentariedade no plano concreto e a subsidiariedade no plano abstrato.
O princípio da insignificância remonta ao Direito Romano. Ele surge com o brocardo “de minimus
non curat praetor”, isto é, os pretores (juízes e tribunais) não se ocupam do que é mínimo.
✓ No Direito Romano, esse princípio tinha a aplicabilidade restrita ao direito privado.
Somente na década de 1970, este princípio foi trazido para o Direito Penal por Claus Roxin, que a
desenvolvoeu “funcionalismo penal”.
Roxin afirma que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas mínimas, ou seja, não deve se
ocupar de condutas incapazes de lesar ou de colocar em perigo o bem jurídico penalmente tutelado.
a) Condições pessoais do agente: são três as situações que ficam evidenciadas nesse requisito:
a.1) Reincidente:
Em regra, o princípio da insignificância só é aplicado ao réu primário.
Questão: É possível aplicar o princípio da insignificância ao reincidente?
* No STF, prevalece o entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância ao
reincidente. Isso porque o princípio da insignificância é medida de política criminal.
Ressalve-se que o STF já admitiu o princípio da insignificância para o reincidente genérico. Assim,
no STF, a regra é que não se aplica este princípio para o reincidente específico, mas tal princípio já
pôde ser aplicado ao reincidente genérico.
* Por outro lado, no STJ prevalece o entendimento de que é possível a aplicação do princípio da
insignificância ao reincidente.
A reincidência é agravante genérica. As agravantes incidem na segunda fase de aplicação da pena.
Assim sendo, de acordo com o entendimento do STJ, a reincidência não tem relação com a tipicidade
penal. Em suma: o fundamento utilizado é que este princípio exclui a tipicidade, ou seja, torna o fato
atípico. Assim, se o fato é atípico, é atípico para o réu primário e para o réu reincidente.
b) Condições da vítima
Exceções:
É necessário ressaltar que alguns crimes são totalmente incompatíveis com este princípio.
Exemplo: crimes contra a vida, crimes sexuais, roubo e demais crimes praticados com violência à
pessoa ou grave ameaça, tráfico de drogas.
Sobre este princípio, há duas súmulas importantes:
Súmula 589, STJ: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais
praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas”.
Súmula 599, STJ: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração
pública”
✓ No caso da Súmula 599 do STJ, o fundamento é a moralidade, a probidade e a ética especial que
devem regular a atuação dos agentes públicos.
✓ O professor afirma que a Súmula 599 do STJ causa polêmica, pois, no caso do descaminho (art.
334 do CP), embora seja crime tributário, trata-se, em última análise, de crime contra a
Administração Pública. Cabe destacar que o STF e o STJ firmaram entendimento, com base na Lei
10.522/2001 e nas Portarias nº 75 e 130 do Ministério da Fazenda, de que, até R$ 20.000,00, o crime
de descaminho é insignificante.
✓ Atenção: cuidado com a Súmula 599 do STJ! O STF, em situações excepcionalíssimas, já admitiu
o princípio da insignificância em crimes contra a Administração Pública.
Exemplo: subtração de rádio velho inservível da repartição que havia sido jogado no lixo.
O acordo de não persecução penal foi criado por resolução do CNMP. Atualmente, o acordo de não
persecução penal foi colocado na lei de maneira muito próxima ao que consta na resolução do
CNMP. Trata-se da inserção feita pela Lei nº. 13.964/19 - Pacote Anticrime.
Trata-se de negócio jurídico formalizado por escrito e firmado pelo Ministério Público, pelo
investigado e por seu defensor, cabível nas infrações penais praticadas sem violência ou grave
ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, obrigatoriamente homologado em audiência
pelo juízo competente.
CPP, art. 28-A, § 2º: “O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
(...) II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta
criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas”.
Atenção: o art. 28-A, §2º do CPP informa que o acordo de não persecução penal não se aplica ao
criminoso habitual, exceto se as infrações pretéritas forem insignificantes.
O professor destaca que, se as infrações pretéritas são insignificantes, os fatos são atípicos e não há
crime.
2ª) Sim.
A autoridade policial pode aplicar no princípio da insignificância desde que o faça de forma
fundamentada.
Os que entendem ser possível, defendem que a natureza jurídica do princípio da insignificância
possibilita tal aplicação, já que o fato é atípico.
Exemplo de insignificância imprópria: ocorrência de furto simples. Instaura-se ação penal contra o
agente e, por algum motivo, essa ação fica 4 anos em trâmite e, após esse período, há a audiência de
instrução e julgamento.
O juiz constata que a pena não terá nenhuma função social no caso concreto, pois o furto foi um fato
isolado e o agente, no período de 4 anos, não cometeu mais nenhum “deslize”. Assim, o juiz deixa de
condenar o agente em razão da desnecessidade da pena.
Súmula 241, STJ: “ A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e,
simultaneamente, como circunstância judicial”.
✓ Observação: a circunstância judicial citada na súmula é o mau antecedente.
Para entender a Súmula 241 do STJ, imagine o caso em que o agente tem uma única condenação
definitiva. Se essa condenação definitiva caracterizou reincidência, ela não pode, ao mesmo tempo,
ser usada como circunstância judicial desfavorável (mau antecedente), pois isso caracterizaria bis in
idem.
Entretanto, se o agente possui duas (ou mais) condenações definitivas, a primeira delas será usada
como reincidência (agravante genérica) e as demais podem ser usadas como maus antecedentes.
1. Funcionalismo penal
1.1. Introdução
Funcionalismo penal é um movimento doutrinário que surge na Alemanha na década de 1970 e,
posteriormente, irradia seus efeitos pelo mundo todo. Este movimento se propõe a discutir qual é a
função do Direito Penal na sociedade.
✓ Não há um único funcionalismo penal, mas diversos. O professor ressalta que não há um conceito
exato do funcionalismo penal, pois cada estudioso tem um modo de pensar diverso sobre esse
assunto.
✓ Quando a prova não fizer diferenciação sobre a qual funcionalismo ela se refere, deve ser tomado
como base o funcionalismo de Claus Roxin.
O funcionalismo pode ser verificado, por exemplo, no princípio da insignificância, já que há casos
em que o bem jurídico não está em perigo, não sofre lesão de modo expressivo. Assim, neste caso, a
lei não precisa ser aplicada a qualquer custo, há uma ponderação feita pelo jurista.
1.3. Espécies
Há duas espécies principais:
* Este funcionalismo é considerado moderado por defender que o Direito Penal tem limites: aqueles
impostos pelo próprio Direito Penal, pelos demais ramos do Direito e também pela sociedade.
* Roxin afirma que o funcionalismo é dualista, pois convive em harmonia com outros ramos do
direito.
* Por fim, o funcionalismo de Roxin é de política criminal, ou seja, é mais um instrumento a serviço
da sociedade. Assim sendo, o Direito Penal é aplicado em sintonia com os anseios da coletividade a
que ele se destina.
* É também denominado de racional, pois é Direito Penal guiado pela razão e pelo equilíbrio. É
teleológico porque possui uma finalidade: ajudar a sociedade a enfrentar os seus problemas.
Para Roxin, é o Direito Penal que tem que se adaptar à sociedade. Ele está a serviço da sociedade,
para que ela resolva seus problemas
2. Direito de Intervenção
O direito de intervenção ou intervencionista é uma proposta do penalista alemão Winfried Hassemer,
que defende que o Direito Penal está sobrecarregado e, portanto, tem pouca ou nenhuma utilidade
prática. Assim, este estudioso propõe a diminuição do alcance do Direito Penal.
- Hassemer afirma que muitas condutas levadas para o Direito Penal não deveriam estar nesse ramo
do direito. Assim como se busca resolver tudo através do Direito Penal, ele acaba não conseguindo
resolver nada. Ele propõe que parte do que está no Direito Penal seja levada para um novo ramo do
direito, pode ser transferido para o “Direito de Intervenção”, que não tem natureza penal e é aplicado
pela Administração Pública.
- Hassemer pretende reduzir o alcance do direito penal.
- Segundo ele, devem ficar no Direito Penal apenas o núcleo fundamental, ou seja, os crimes de dano
e de perigo concreto contra bens jurídicos individuais (núcleo fundamental do Direito Penal). Já os
crimes de perigo abstrato e crimes em geral contra bens jurídicos difusos e coletivos perdem a
natureza de Direito Penal e vão para o Direito de Intervenção.
Em suma:
✓ O Direito de Intervenção não tem natureza penal e, portanto, não é aplicado pelo Poder Judiciário,
mas sim pela Administração Pública.
✓ O Direito de Intervenção se parece com o chamado “Direito Administrativo Sancionador”.
Ex.: uma empresa que está jogando dejetos poluidores em um rio. O Direito penal não sabe enfrentar
isso. Ele vai investigar, essa investigação será longa, e, até lá, o rio já está morto, sem peixes,
pessoas prejudicadas, etc. Seria mais fácil a Administração Pública agir por conta própria, por
exemplo, caçando licenças, interditando a empresa, aplicando multa, etc. Isso seria muito mais
eficaz, e o direito de intervenção faria muito melhor que o Direito Penal.