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N.

º 24/ CC /2014

N/Referência: PROC.: R. P. 10/2014 STJ-CC Data de homologação: 14-04-2014

Recorrente: P…. Proença V….., solicitadora.

Recorrido: Conservatória do Registo Predial de ……

Assunto: Documento particular autenticado de partilha – Documento particular autenticado de retificação de partilha –
Menção da explicação do conteúdo dos documentos particulares nos termos de autenticação - Anulabilidade
por falta de consentimento específico de representado (negócio consigo mesmo) e de cônjuge – Data do
documento - Emendas na numeração das folhas do documento particular de retificação não ressalvadas –
Assinatura e rubricas –- Erro no cálculo da quota de cada herdeiro -
Palavras-chave: Documento particular autenticado de partilha – Documento particular autenticado de retificação de partilha –
Negócio consigo mesmo – Consentimento conjugal – Data do documento particular - Ressalvas - Explicação de
conteúdo - assinatura - quota de herdeiro.

DELIBERAÇÃO

Relatório

1. A recorrente pediu online, pela Ap. …./ 20131118, a aquisição de prédio não descrito a favor
de Cristina M……, casada com Carlos A….., na comunhão de adquiridos, com base em documento particular de
partilha da herança de Purificação ……V…., viúva, com data de 29 de outubro de 2013, autenticado e
depositado nesse mesmo dia, outorgado por Albertino V……. e mulher, Isaura G….., casados na comunhão de
adquiridos, Maria … P……. e marido, Manuel L….., casados na comunhão de adquiridos e Cristina M…., casada
com Carlos A….., na comunhão de adquiridos, por si e em representação de seu marido e de António M…..,
solteiro, maior., e ainda com base em documento particular de retificação daquele DPA, autenticado e
depositado em 15 de novembro de 2013, constando do seu introito a data de 29 de outubro de 2013 e seu
encerramento a data de 15 de novembro de 2013.
Foram ainda apresentadas: a) Escritura de habilitação de herdeiros; b) Procuração outorgada
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pelo indicado António M……, conferindo poderes, entre outros, “para com os demais interessados ou co-
herdeiros o representar em quaisquer partilhas…”; c) Autorização do referido Carlos A……, prestando à esposa
“o necessário consentimento para, com os demais interessados, proceder a quaisquer partilhas…”.

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2. O Senhor conservador recusou laconicamente o registo, sem indicação de qualquer
fundamentação de facto, nos seguintes termos: “Recusada a aquisição nos termos da alínea b) do nº 1 do art.
69º do Código do Registo Predial”.

3. A apresentante interpôs o presente recurso hierárquico em 6 de janeiro de 2014 (Ap. ….),


cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos. Confrontado com tão lacónico despacho de
qualificação, a recorrente limitou-se a alegar, em síntese: a) que os DPAs apresentados obedecem aos
requisitos legais; b) que houve acordo de todos os interessados; c)que art. 38º do D.L. nº 76-A/2006, de 29 de
março, alterado pelo D.L. nº 8/2007, de 17 de janeiro, confere competência aos solicitadores para autenticar
documentos particulares, nos termos previstos na lei notarial; e d) que, nos termos do art.22º/f) do D.L. nº
116/2008, de 4 de julho, as partilhas podem ser validamente celebrados por meio de DPAs.

4. Em despacho proferido nos termos do art. 142-A/1 do Código de Registo Predial, cujos termos
igualmente de dão aqui por integralmente reproduzidos, o senhor conservador compensou o laconismo do
despacho de qualificação, nele inserindo a fundamentação de facto e a restante de direito que determinara a
recusa, que manteve, defendendo, em síntese: a) que, no plano que designa por “Da invalidade dos documentos
instrutórios”, a procuração e a autorização não cumprem os requisitos legais, por faltar a especialidade dos
poderes exigida, respetivamente, pelos art.s 261º/1 e 1684º/1 do Código Civil, de que resulta a anulabilidade.; b)
que, agora no plano que designa por “Da invalidade do próprio documento particular autenticado”, também
ambos os termos de autenticação (da partilha e da retificação) não cumprem os requisitos legais - art.s
46º/1/c),e) e f) e 151º do Código do Notariado, de que resulta a nulidade desses documentos depositados, nos
termos dos art.s 220º e 377º do Código Civil - , por não ser verdade a declaração, que deles consta, de que
Cristina M…. “assina por si e em representação dos seus referidos marido e irmão” , já que nem a mesma
representa o marido, nem estão identificados os representados; c) e que, ainda no mesmo plano, a numeração
das folhas do documento de retificação de partilha encontra-se rasurada e que a comparação das assinaturas e
rubricas constantes do documento de partilha com as constantes do documento de retificação “revelou
«demasiadas» semelhanças”, aparentando que as constantes do segundo são cópias das constantes do
primeiro1.
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Saneamento: O processo é o próprio, as partes legítimas, o recurso tempestivo, e inexistem


questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito.

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Considerando existirem indícios de que tal tenha ocorrido, fez participação para fins de investigação às entidades
competentes”, referindo a remessa de cópias ao SAID.
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Pronúncia: a posição deste Conselho vai expressa na seguinte

Deliberação

1. Nem a falta de consentimento especial do cônjuge, para partilha de herança celebrada pelo
outro cônjuge, nos casos em que é exigível (art. 1682º-A/1/a) do Código Civil), nem a falta de consentimento
específico do representado, para partilha de herança celebrada pelo representante consigo mesmo (art. 261º do
Código Civil), constituem fundamento de invalidade dos instrumentos de consentimento e de procuração, de
caráter genérico2. O que a falta de qualquer daqueles consentimentos vicia ou pode viciar é a própria partilha,
tornando-a ou podendo torná-la anulável, nos termos do art. 1687º/1 e do mencionado art. 261º/1 do mesmo
diploma, respetivamente, de que decorre, no primeiro caso 3 , a provisoriedade por natureza ao abrigo da alínea
e) do nº 1, do art. 92º do C.R.P.

2. Embora considerando que a omissão, nos termos de autenticação, da menção da explicação


do conteúdo dos próprios documentos particulares de partilha e de retificação, não constitui fundamento de
invalidade, essa falta torna os documentos insuficientes para prova da partilha e da retificação, respetivamente,
e, sendo suprível, não determina a recusa mas a provisoriedade por dúvidas 4.

2
É indiscutível que assim é, e só o facto de o recorrido, como deixámos relatado, situar as faltas de consentimento do
irmão e do marido da outorgante Cristina, que são também incontestáveis, no plano da invalidade dos documentos instrutórios, por falta
dos requisitos legais, justifica a afirmação feita. Pressupomos, apesar do teor lacónico do despacho de qualificação e da falta de clareza
do despacho de sustentação, que o recorrido não tenha pretendido fundamentar a recusa também na dita invalidade da procuração e
consentimento apresentados, e que as tenha referido a título meramente subsidiário, tendo em vista a provisoriedade por natureza a que
a seguir nos referiremos, por ser totalmente inconcebível enquadrar esse fundamento na invocada alínea b) do nº 1 do art. 69º do C.R.P..
3
Conforme entendimento deste Conselho, constante Pº R.P.2/2014 STJ-CC, para cuja fundamentação remetemos, esta
decorrência não se verifica relativamente ao negócio consigo mesmo. Ali se concluiu: «V- O negócio consigo mesmo, sendo em princípio
anulável, não se integra contudo na facti-species da norma da al. e) do nº 1 do art. 92º CRP, pelo que não deve o registo respetivo ser
efetuado como provisório por natureza nos correspondentes termos”.
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Vejamos o que, quanto aos documentos particulares autenticados que titulem atos elencados no art. 22º do D.L. nº
116/2008, de 4 de julho, ficou entendido no Pº R.P.67/2009 SJC-CT: «Portanto, a entidade autenticadora deverá no momento da
autenticação apreciar os requisitos de legalidade do ato, devendo recusar a autenticação do documento se o ato nele “incompletamente
titulado”for nulo [ cfr. art. 173º, nº 1, a) , do C.N. ] ou se tiver sido violada norma imperativa que no momento da autenticação não possa
ser observada( v.g. norma atinente ao princípio da legitimação). Como deverá advertir as partes se o ato for anulável ou ineficaz (cfr. art.
174º do C.N.) Cremos mesmo ser de entender que esta norma exige à entidade autenticadora que explique às partes o próprio conteúdo
do documento (apenas) por elas assinado (e não apenas o conteúdo do “termo de autenticação”, como no “vulgar “termo de autenticação”
- cfr. art.s 46º, nº 1, l), e 151º, nº 1, do C.N. , e parecer emitido no Pº C.P. 81/2009 SJC-CT)»..
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3. Levando em conta a unidade do documento formado pelo documento particular e pelo
respetivo termo de autenticação – documento particular autenticado - e que a autenticação inclui a declaração
das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este
exprime a sua vontade(art. 151º/1/a) do Código do Notariado), não deve ser relevada a falta, no termo de
autenticação, da identificação do representado de uma outorgante ( mencionou-se em representação de seu
irmão, acima identificado, quando o não está), já que esta também outorgou o documento particular na
mesma qualidade e dele consta a identificação do representado5.

4. A falta de ressalva, no termo de autenticação, das emendas contidas no documento particular,


e que neste não estejam devidamente ressalvadas (art. 151º/1/b) do CN), não prejudica a validade do
documento particular autenticado, determinando “apenas” a consideração das palavras emendadas por não
escritas, sem prejuízo de – que não é o caso de a omissão de ressalva respeitar à numeração das folhas do
referido documento - poder excluir ou reduzir a sua força probatória ( art. 41º/4 do CN, art. 371º/2 e art. 377º
do Código Civil).

5. Deve ser considerada irrelevante, para efeito de qualificação, a circunstância de constarem


duas datas do documento particular de retificação de partilha – uma no início e outra no final -, se existirem
elementos que, com total segurança, permitam identificar a data do facto , nomeadamente pelo confronto

Já no que respeita à consequência da falta de menção da indicada explicação no termo de autenticação – a insuficiência do
título, como mencionámos no texto - a mesma foi defendida por este Conselho, nos pareceres emitidos nos Pºs R.P. 3/2014 STJ –CC
e R.P. 9/2014 STJ-CC , com fundamento na essencialidade do elemento em falta, dando a insuficiência por suprível, afastando-a,
assim, do âmbito da manifesta falta de título prevista como fundamento de recusa no art. 69º/1/b) do C.R.P. e colocando-a como
fundamento da provisoriedade por dúvidas.
Isso não significa que o registo que fosse lavrado como definitivo não devesse ser considerado nulo, para efeito do disposto no
art. 16º/b) do C.R.P., pelo que, de acordo com o entendimento reiteradamente defendido por este Conselho ( cfr por ex. o parecer emitido
no Pº nº 2/96 R.P.4, in B.R.N. 5/1996), não constitui impedimento de pronúncia da entidade ad quem a circunstância de o recorrido a
não ter incluído na fundamentação da sua decisão.
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O recorrido invoca a mesma circunstância (falta de identificação) relativamente ao marido da outorgante, o que não
corresponde à verdade, já que quanto a este, como é mencionado, a identificação consta acima, na identificação da outorgante, que inclui
também o respetivo regime de bens. Diga-se, aliás, que não tendo o marido intervindo – o termo de autenticação foi simplesmente
instruído com o seu consentimento ( cfr. ponto 3 supra, no texto) - o que poderia considerar-se em falta seria a identificação completa
da outorgante, por falta do nome do cônjuge, o que, como referimos, não se verifica.
Foi ainda invocada a circunstância de a mesma outorgante declarar, no documentos particulares e nos termos de autenticação,
que outorga por si e em representação do seu marido quando, em face dos documento instrutórios, o marido se limitou a prestar o seu
consentimento, a qual deve ser tida por simples lapso de escrita, irrelevante no plano da respectiva validade formal.
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com a data do próprio documento particular de partilha( data indicada no início) e com a data do termo de
autenticação e do depósito eletrónico(data indicada no final6.

6. Concluindo-se pela insuficiência do documento particular autenticado de retificação,


mencionada no nº 3 supra, por meio do qual se visou retificar o valor da quota de cada herdeiro constante da
partilha, impõe-se qualificar o registo provisoriamente por dúvidas, com fundamento no incumprimento do que,
relativamente ao cálculo daquele valor, é imperativamente determinado pelo do art. 2044º/1 do Código Civil7.

Em conformidade com o exposto, propomos a procedência parcial do recurso, alterando a


qualificação do registo para provisório por dúvidas, pelos motivos constantes dos pontos nºs 3 e 6, e para

6 In casu é totalmente seguro que a data do documento particular de retificação da partilha é a que consta no seu final, ou
seja, a data do termo de autenticação e do depósito eletrónico: em vez de ter sido elaborado documento totalmente novo que, para lá
da identificação das partes, contivesse apenas a retificação pretendida – operações da partilha e adjudicações, dos pontos H e I - , optou-
se por criar um documento, designado por RECTIFICAÇÂO DE PARTILHA, em que a parte relativa à retificação é precedida da
reprodução da própria partilha( fls. 1 a 4) não tendo havido o cuidado de substituir a data da partilha pela data da retificação. Percebe-
se, assim, que a indicação da data da partilha no início do documento se deveu a mero lapso, o que é confirmado pela menção final da
data da retificação, que coincide com a do termo de autenticação e do depósito eletrónico.
Para lá do lapso manifesto quanto à data, nada há a apontar, quer no plano da validade quer no plano da suficiência
probatória, à prática de incluir no documento retificativo uma parte do texto do documento objeto de retificação, desde que conste a
declaração de vontade na retificação e não haja dúvidas quanto ao seu objeto, como no caso se verifica.
Além disso, não nos parece – ao contrário do recorrido - que a simples semelhança entre rubricas e/ou assinaturas constantes
de ambos aqueles documentos, permita duvidar seriamente de que o original do documento particular de retificação esteja assinado
e as suas folhas rubricadas, pois que o natural é que exista tal semelhança. A existir dúvida séria, a mesma só poderia ser desfeita à
vista do próprio original em papel.
A forma como nos é dado visualizar os documentos depositados adapta-se suficientemente à hipótese em que tenha sido
utilizado parte do texto da partilha, cujas folhas se rubricaram e nas quais se emendou a numeração na parte relativa ao número total das
folhas do documento, por forma a conformá-la com o facto de o documento de retificação ter 6 folhas em vez de 5( onde constava 1/5,
2/5 e 3/5 passou a constar, 1/6, 2/6 e 3/6).
7 Este fundamento de qualificação desfavorável está claramente implícito na fundamentação da decisão objecto de
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impugnação, pois que o próprio pedido foi instruído com documento que visou supri-lo e o recorrido “conformou-se” com a necessidade
da rectificação.
Consta da habilitação de herdeiros que a autora da herança, viúva, deixou como herdeiros dois filhos e dois netos, estes em
representação de filho pré-falecido, mas o cálculo do valor da quota de cada herdeiro foi efetuado por cabeça, contrariando assim o
disposto na referida disposição legal: “Havendo representação, cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente respetivo”.
Para lá do indicado caráter imperativo, há que notar que do cálculo efetuado dependerá o valor do excesso da quota-parte, em
bens imóveis, para efeito de IMT (art. 2º/2/c) do Código Do Imposto Municipal Sobre As Transmissões Onerosas de Imóveis).

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provisório por natureza (art. 92º/1/e) do C.R.P. - por falta do consentimento do cônjuge da outorgante Cristina
M….).

Deliberação aprovada em sessão do Conselho Consultivo de 28 de março de 2014.


Luís Manuel Nunes Martins, relator.
Esta deliberação foi homologada pelo Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 14.04.2014.
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