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12/09/23, 23:08 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
destes, nas seguintes condições, por inteiro e até à morte do último, a prestação dos
seguintes serviços:
Um - Apoio domiciliário e acompanhamento diário, através de serviços domésticos,
designadamente, de preparação e confeção das normais refeições diárias, lavagem e
tratamento de roupas de uso pessoal e doméstico, limpeza e conservação da casa e
serviços de companhia pessoal e coabitação de ambos os casais;
Dois - Prestação de todos os cuidados de assistência médica e medicamentosa, bem
como dos serviços de enfermagem e fisioterapia, de que o casal de H... e esposa
carecessem, com fornecimento de todos os medicamentos, meios e exames auxiliares de
diagnóstico, artigos pessoais de conforto e higiene pessoal e equipamentos auxiliares da
autonomia física daqueles, incluindo internamentos hospitalares ou tratamentos
ambulatórios ou domiciliários de que os mesmos carecessem, com pagamento dos
respetivos custos pelos aí segundos outorgantes e aqui réus F… e esposa;
Três - Transportes e deslocações de passeio e lazer que os aí primeiros outorgantes
pretendessem, bem como quaisquer deslocações de que os mesmos carecessem por
motivos de saúde;
Quatro - Realização dos funerais dos aí primeiros outorgantes, com pagamento dos
respetivos custos.
2º. Mais aí ficou declarado que esse negócio foi feito com a natureza “intuitu personae”,
tendo em vista a prestação dos referidos serviços a favor do casal de H… e esposa ou,
no caso de o casal dos réus F… e esposa não os quiserem ou não os puderem prestar
devidamente, serem os mesmos prestados por pessoa a contratar por aqueles, mas com
o respetivo custo a ser suportado por estes últimos.
3º. Ficou ainda declarado que, tendo em vista a idade dos aí primeiros outorgantes e as
dificuldades de cuidarem deles próprios, que progressivamente se acentuariam com o
avançar da idade, eles ficaram com a faculdade de nomear uma terceira pessoa com
poderes para fiscalizar e aferir a prestação dos indicados serviços pelos aí segundos
outorgantes, podendo destes exigir a devida prestação de todos os serviços e verificar
não estarem a ser correta e devidamente prestados e mesmo levar a efeito a contratação
de uma terceira pessoa, a fim de prestar tais serviços devidamente, bem como exigir dos
aí segundos outorgantes o pagamento do respetivo custo.
4º. Ficou declarado pelo casal de H… e esposa que autorizavam os aí segundos
outorgantes e aqui réus F… e esposa a habitar no prédio na companhia daqueles, tendo
ainda declarado aquele casal de H… e esposa que reservavam para si o usufruto vitalício
do prédio identificado, até à morte do último.
5º. As autoras, C… e D…, são irmãs, e netas da 1ª ré E….
6º. O pai das autoras, I…, era filho da 1ª ré e de H…, tendo falecido, no estado de
divorciado, em 09 de abril de 2012, na Alemanha.
7º. O avô das autoras faleceu no estado de casado com a 1ª ré, em 22 de março de
2015, à data com 82 anos, e na residência atual de todos os réus.
8º. A 1ª ré tem atualmente 78 anos de idade.
9º. Os avós das autoras, desde o ano de 1997 e até ao presente, não tiveram, nem têm
hoje, quaisquer relações familiares, nem com o seu único filho, I…, entretanto falecido,
nem com as netas.
10º. A relação entre netas, aqui autoras, e seus avós, nunca foi estimada nem querida,
chegando a 1ª Ré a dizer que não tinha filho nem netas.
11º. A 1ª ré e o marido sempre trabalharam, até se reformarem, na Alemanha onde
trabalharam por conta de outrem, auferindo, cada um deles, vencimentos de valor não
concretamente apurados.
12º. Fruto do seu trabalho, a 1ª ré e marido adquiriram um lote para construção em …,
tendo aí construído uma moradia, e 2 apartamentos no Algarve, em termos que se
desconhecem, e que já venderam.
13º. Após a reforma de ambos, os avós das autoras passaram a viver em Portugal, na
casa que haviam construído.
14º. A 1ª Ré aufere uma pensão de reforma e ainda parte da reforma do marido, cujos
valores se desconhecem, em concreto.
15º. Os avós das Autoras sempre fizeram uma vida poupada, regrada e sem luxos ou
gastos ostensivos.
16º. Os avós das autoras viviam sozinhos na freguesia de …, na Póvoa de Varzim,
fazendo uma vida recatada, de mútua companhia.
17º. Apesar de viverem confortavelmente foram-se apercebendo que a solidão e a falta
de convívio era uma realidade que os entristecia e não lhes agradava, constituindo
também uma séria preocupação o avançar das suas idades e o receio de, com a
fragilização das condições de saúde, não terem ninguém que cuidasse deles.
18º. Encetaram contactos com vista a aferir de eventuais locais de assistência à terceira
idade, os vulgarmente conhecidos “lares de idosos”, apercebendo-se que nos locais onde
eram proporcionadas melhores condições de alojamento e assistência, ou não existiam
vagas ou, onde existiam, os valores necessários para serem admitidos como utentes
vitalícios eram elevados.
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19º. Em data não concretamente apurada os avós das Autoras conheceram os aqui 2ºs
Réus, F… e esposa, com quem começaram a ter contactos recíprocos, nascendo entre
ambos os casais uma amizade, que foi compensando a solidão em que aqueles viviam, e
que, em breve prazo, se transformou num contacto e convívio muito frequente, com
visitas dos 2ºs Réus a casa da 1ª Ré e marido e destes a casa daqueles.
20º. Em pouco tempo se afeiçoaram ambos os casais ao convívio recíproco e foi com
agrado que os avós das Autoras viram nos aqui 2ºs Réus uma boa alternativa para si às
instituições de apoio à terceira idade.
21º Em data não concretamente apurada, os 2ºs Réus passaram a prestar ao casal do
falecido H… e esposa assistência e companhia pessoal e serviços domésticos,
acompanhando-os e proporcionando-lhes o que necessitavam, incluindo passeios
frequentes, carinhos e atenções, o que contribuiu para afastar a solidão e isolamento em
que antes viviam.
22º. Quando o avô das Autoras precisou de cuidados de saúde, com recurso ao hospital,
os 2ºs Réus estiveram presentes e foram companhia constante nas idas aos médicos e
hospitais, bem como em deslocações para a realização de exames e outros meios
complementares de diagnóstico.
23º. Foram visita enquanto o avô das Autoras esteve internado no hospital, e companhia
constante da sua esposa, a quem sempre dispensaram todos os serviços e
acompanhamento necessários.
24º. A celebração e outorga da escritura dos autos foi depois a formalização e
concretização daquela que foi e era a vontade dos avós das Autoras.
25º. Os 2ºs Réus liquidaram as despesas de funeral do Sr. H…, no valor de 1.945,00
euros, o imposto de selo pago e referido na escritura, de 519,30 euros, o IMT referido na
escritura, de 649,12 euros e os atos de registo predial no valor global de 550,00 euros.
4. Subsunção jurídica
4.1. A nulidade do contrato por objeto legalmente impossível
As Autoras recorrentes impugnam a escritura de permuta realizada pelos seus avós
paternos, pedindo a declaração de nulidade, nos termos do disposto no artigo 280º do
Código Civil, diploma a que pertencerão todas as normas que indicarmos sem menção
de origem.
Toda a problemática suscitada na ação gira em torno da celebração do contrato de
permuta, mediante o qual os avós paternos das Autoras transmitiram aos Réus F… e
esposa a nua propriedade do prédio urbano inscrito na matriz predial respetiva sob o
artigo 5839º da União de Freguesias de …, … e …, concelho de Póvoa do Varzim, e
aqueles dão-lhes em troca a prestação serviços diversificados que, em suma,
correspondem a assumir a qualidade de seus cuidadores até ao seu decesso.
A primeira perplexidade manifestada pelas Recorrentes reside, precisamente, na
natureza dos serviços trocados com o imóvel, parecendo supor que o contrato de
permuta só pode ter por objeto bens da mesma natureza.
Consabido que o atual ordenamento juscivilista omite a regulação do contrato de troca ou
permuta, mas dessa omissão apenas decorre o entendimento da desnecessidade da sua
tipicização[1]. Ainda assim, não deixam de surgir algumas pontuais referências
normativas, como sejam o artigo 1378º do Código Civil, relativo à troca de terrenos no
âmbito do emparcelamento dos prédios rústicos, o artigo 480º do Código Comercial,
respeitante aos requisitos da comercialidade da troca e algumas normas esparsas dos
códigos fiscais e registrais. Solução que não se distancia da adotada por alguns
ordenamentos jurídicos europeus, como o espanhol, o francês e o alemão, que lhe
deferem a definição da figura contratual e remetem para o regime próprio do contrato de
compra e venda, com as devidas adaptações.
A troca ou permuta corresponde ao contrato que tem por objeto a transferência recíproca
entre os contraentes da propriedade de coisas ou direitos, com exclusão de dinheiro[2].
Trata-se de um contrato obrigacional e oneroso, porque faz surgir a obrigação de entrega
e vantagens para as duas partes, e real quoad effectum, porque a propriedade dos bens
trocados se transmite por mero efeito do contrato. Sendo um contrato oneroso, aplicam-
se-lhe as normas relativas à compra e venda, na medida em que sejam conformes com a
sua natureza (artigo 939º)[3].
A definição doutrinária do contrato contempla, sem dúvida, a troca operada pelas partes:
a nua propriedade de um imóvel pela prestação de diversificados serviços unificados num
desiderato comum, a obrigação dos permutantes dos serviços de cuidar dos permutantes
do imóvel até ao fim de vida. Para além disso, o contrato encontra plena cobertura no
princípio da liberdade contratual, que faculta aos contraentes amplitude bastante para
disciplinarem os seus interesses do modo que lhes aprouver, permitindo-lhes, dentro dos
limites da lei, configurar os contratos com o conteúdo concreto que desejarem (artigo
405º/1). De facto, no domínio dos contratos, as partes podem fixar livremente, dentro dos
limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação, o seu conteúdo global,
celebrar contratos diferentes dos tipificados na lei e incluir neles as cláusulas que
entenderem ou reunir regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados
na lei. Não há um numerus clausus de obrigações, mas um numerus abertus[4]. Portanto,
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