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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 2431/04.8TVLSB.L1-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
DOAÇÃO
DOAÇÃO MORTIS CAUSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 25-06-2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. O contrato-promessa de doação é admissível e válido em face da
nossa ordem jurídica, até por casualmente justificável, não se
confundindo com a própria doação, por não pressupor a imediata
entrega do bem ao donatário;
II. Mas atenta a natureza específica do contrato prometido,
traduzida pela generosidade ou espontaneidade da entrega, a
promessa de doação não é susceptível de execução específica,
justificando-se que as partes conservem a possibilidade de desistir
do mesmo até à sua celebração;
III. Execução específica também inexequível por a doação não se
realizar apenas através de uma declaração de vontade, capaz de ser
suprida pelo tribunal, antes se consubstanciando no efectivo
benefício do donatário, pela entrega da coisa prometida, pela
afectação do direito ou pelo pagamento da dívida.
IV. A promessa de doação de depósitos bancários e de ouro que
venham a existir à data do decesso do promitente-doador, é uma
promessa de doação de bens futuros e por morte, que a lei não
admite e, em todo o caso, é uma promessa insusceptível de execução
específica. (PR)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, instaurou a presente
acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra
B, pedindo a condenação do Réu a celebrar a escritura pública
de doação a favor do Autor em prazo a determinar pelo tribunal.
O Autor alegou em suma e para o efeito que a mãe do Réu fez
uma promessa de lhe doar todo o dinheiro que estivesse
depositado em contas de que fosse titular ou co-titular, bem
como todo o ouro existente à data da sua morte e que a
escritura seria feita logo que a mesma notificasse o Autor para a
escritura pública em causa e que o demandado é o único
herdeiro da mesma. Mais alegou ter vivido com a falecida
durante cerca de 45 anos como se casados fossem e que o Réu
não quer fazer a escritura pública e que o contrato promessa é
válido e que o demandado terá de a outorgar, referindo que a
mãe do Réu faleceu em Outubro de 2003.
Contestando - por impugnação e por excepção - veio o Réu
pugnar pela improcedência da acção, referindo desde logo que
sua mãe foi viver para Reguengos de Monsaraz em Abril de
1999 e que nunca mais se deslocou a Lisboa e que a mesma
sofria de doença de Parkinson, pelo que a assinatura constante
do documento junto aos autos pelo Autor nem podia ser sua e
que o Autor nunca viveu com a falecida e que o Autor se
apropriou de todo o mobiliário da falecida que a mesma tinha na
sua residência de Lisboa. Formulou pedido reconvencional
contra o Autor no sentido da condenação do mesmo a entregar-
lhe todo o mobiliário retirado da morada indicada como sendo a
sua e que era a da falecida e a sua condenação como litigante
de má-fé até porque o Autor tem vindo a propor acções em
nome da falecida e sem para tal estar mandatado e que fez
queixa-crime contra o Réu e sua mulher, em nome da mesma
falecida e contra a sua vontade, tendo-o feito com a intenção de
se apropriar do que não é seu.
Respondendo à contestação e, em suma, à matéria da
excepção e do pedido reconvencional, veio o Autor manter, no
essencial, a posição pelo mesmo assumida na petição inicial,
referindo que o Réu não queria saber da mãe e que ele e a
mulher a maltratavam, não cuidando da sua higiene nem a
alimentando devidamente e que até a fechavam em casa para
não poder contactar com terceiros e que até levantou dinheiro
da conta da falecida sem autorização da mesma e falsificando a
sua assinatura e que a falecida gostava muito do Autor, que
sempre a ajudou economicamente.
O Autor conclui pedindo a condenação do Réu como litigante de
má-fé.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar e elaborado
despacho saneador em que foi julgada improcedente a acção e
absolvido o Réu do pedido, tendo sido ordenado o
prosseguimento da causa para apreciação e decisão do pedido
reconvencional e do pedido de condenação como litigante de
má-fé. Foram assim discriminados os factos assentes e os que
careciam de prova a produzir, peças em relação às quais não
foram apresentadas quaisquer reclamações.
O Autor interpôs recurso do despacho saneador na parte
em que foi julgada improcedente a acção, apresentando
doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
1. A doação pode consistir no facto de alguém assumir
gratuitamente uma obrigação em benefício do outro contraente
(Código Civil art.° 940.°, n. ° 1).
2. A promessa de doação constitui, no nosso sistema, um
contrato (válido) de doação, em atenção ao efeito económico-
jurídico que dele promana. A lei considerou a promessa de
doação como verdadeira doação, pois desde logo o promitente-
doador enriquece o património do promitente-donatário, à custa
do seu, mediante a atribuição que lhe faz de um direito de
crédito, (cfr. douto acórdão junto sob doc. 1).
3. A sentença recorrida deve ser substituída por outra que julgue
a acção procedente.
Prosseguindo os autos os seus trâmites, procedeu-se a
audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida
sentença, julgando a reconvenção procedente e condenando o
autor no pedido reconvencional.
Inconformado com a decisão, o A. interpôs novo recurso
para este Tribunal da Relação, apresentando doutas
alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
1. A doação pode consistir no facto de alguém assumir
gratuitamente uma obrigação em benefício do outro contraente
(Código Civil art.° 940.°, n. ° 1).
2. A promessa de doação constitui, no nosso sistema, um
contrato (válido) de doação, em atenção ao efeito económico-
jurídico que dele promana.
3. A lei considerou a promessa de doação como verdadeira
doação, pois desde logo o promitente-doador enriquece o
património do promitente-donatário, à custa do seu, mediante a
atribuição que lhe faz de um direito de crédito, (cfr. douto
Acórdão da Relação de Coimbra, junto a fls... dos autos).
4. In casu, a Testemunha, José, assistiu à celebração do
contrato consubstanciado no doc. 5.
5. Esta testemunha e o irmão do A., assistiram à assinatura do
contrato por parte da falecida, cfr. rotação 00.02.03.
6. Quando o Advogado subscritor lhe perguntou: "Como é que
sabe que é dela?", a testemunha respondeu peremptoriamente:
"Porque eu assisti", cfr. rotação 00.02.026, referindo até que o
fez de livre vontade, cfr. rotação 00.02.26.
7. Em face deste depoimento, que não foi minimamente posto
em crise, impunha-se uma resposta positiva ao quesito 1° da
acção.
8. Ademais, o pedido reconvencional foi julgado
prematuramente.
9. E, olhando para o douto Acórdão da Relação de Coimbra
inserto a fls. . dos autos, resulta claro a legalidade dum contrato-
promessa de doação:
- Portanto, se o doador assume uma obrigação, ela abrange o
doar, ou seja, o transmitir gratuitamente: "a promessa de doação
constitui, no nosso sistema, ..., um oontrato (válido) de doação,
em atenção ao efeito económico-jurídico que dele promana". A
lei considerou a promessa de doação como verdadeira doação,
pois desde logo o promitente-doador enriquece o património do
promitente-donatário, à custa do seu, mediante a atribuição que
lhe faz de um direito de crédito. ...".
10. Em lado nenhum dos autos resultou provado que a
concretizar-se a doação, a mesma, ofendia a legítima do Réu.
11. Deve, pois, a sentença recorrida, ser substituída por outra
que julgue a acção procedente.
Não houve contra-alegação em qualquer dos recursos.
Admitidos os recursos na forma, com o efeito e no regime de
subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação,
sendo que nada obstando ao conhecimento dos mesmos,
cumpre decidir.
A questão essencial a resolver é a de saber se o contrato-
promessa dos autos é exigível e exequível.
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II. FUNDAMENTOS DE FACTO.
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1 - C teve, em tempo, um relacionamento com o Autor (Resp. ao
Qt° 2°)).
2 - Em momento não concretamente apurado do ano de 1999
mas anterior a 5 de Julho de 1999, C foi viver com o Réu para o
Outeiro, freguesia de Monsaraz, concelho de Reguengos de
Monsaraz e, desde aí, a mesma não mais voltou a Lisboa (Resp.
ao Qt° 3°)).
3 - O texto da carta de fls. 43 dos autos foi iniciado pela referida
C e que a mesma não chegou a ser expedida, por não
terminada, devido à dificuldade da mesma em escrever (Resp.
ao Qt° 4°)).
4 - A escrita da carta de fls. 43 dos autos revela dificuldade da
sua autora em escrever e tremura da mão (Resp. ao Qt° 5°)).
5 - C sofria da doença de Parkinson e em Abril de 2001 a
mesma sofria já de rigidez parkinsonica dos quatro membros,
com atrofia muscular e tremor, estando completamente
imobilizada (Resp. ao Qt° 6°)).
6 - Foi este o diagnóstico do médico que a assistiu na Unidade
de Apoio Integrado (UAI) de Reguengos de Monsaraz em Abril
de 2001 e que consta de fls. 3 da certidão do recurso e autos de
inquérito n° 137/2001 dos Serviços do Ministério Público do
Tribunal Judicial da Comarca de Reguengos de Monsaraz
(Resp. ao Qt° 7°)).
7 - C declarou, no âmbito do Inquérito n° 137/2001 dos Serviços
do M° P° do Tribunal Judicial da Comarca de Reguengos de
Monsaraz sofrer da doença de Parkinson há cerca de dez anos,
que tinha ido viver com o filho há dois anos e meio e que estava
acamada há três anos (Resp. ao Qt° 8°)).
8 - As declarações referidas foram feitas pela falecida em
momento não concretamente apurado do ano de 2002 mas
anterior a 29 de Maio de 2002, perante a Sr.ª Procuradora
Adjunta (Resp. ao Qt° 9°)).
9 - Aquando da prestação das referidas declarações Catarina
Armado declarou que há cerca de um ano que não conseguia
pegar numa caneta para escrever e que quando o advogado a
visitou no lar não assinou qualquer documento e,
designadamente, a procuração junta ao processo referido em 7
-, assinatura que a mesma declarou nessa altura considerar
demasiado bem feita para ser sua (Resp. ao Qt° 10°)).
10 - Todo o recheio da casa de C em Lisboa, ficou nas mãos do
Autor desde que C foi viver para o Alentejo, com o filho, ora Réu
e, durante algum tempo, era o Autor que recebia a pensão da
falecida C, por a mesma ser dirigida para aquela morada em
Lisboa quando a mesma já estava em Reguengos de Monsaraz
(Resp. ao Qt° 13°)).
11 - No momento em que prestou declarações no âmbito do
inquérito referido em 7 - C declarou que nunca quis fazer queixa
contra o ora Réu e mulher do mesmo e quem queria fazer
queixa era o Autor (Resp. ao Qt° 14°)).
12 - C era amiga do Autor (Resp. ao Qt° 15°)).
13 - Enquanto a referida C esteve em casa do Réu as refeições
eram-lhe deixadas pela mulher do mesmo na mesa de
cabeceira, para que pudesse comer, por a mulher do Réu e este
terem de sair para trabalhar (Resp. ao Qt° 19°) ).
14 - Como os Réus se ausentavam para irem trabalhar,
deixavam a porta da sua casa, onde C estava alojada, fechada
(Resp. ao Qt° 21°)).
15 - C foi para um lar em 2001 (Resp. ao Qt° 23°)).
16 - C apresentava escaras decorrentes da situação de
acamada (Resp. ao Qt° 25°)).
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III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Para ensaiar resposta para a questão que enunciada se deixa
vejamos o que diz a lei e a interpretação que da mesma se
aconselha fazer.
Nos termos do artigo 940º/1 do CC “doação é o contrato pelo
qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu
património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito,
ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
E reportando-se ao seu objecto diz o artigo 942º/1 que “a
doação não pode abranger bens futuros”.
E no tocante às proibições estabelece o artigo 946º que:
“1. É proibida a doação por morte, salvo nos casos
especialmente previstos na lei.
2. Será, porém, havida como disposição testamentária a doação
que houver de produzir os seus efeitos por morte do doador, se
tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos”.
A doação pressupõe, antes de mais, a disposição gratuita de
bens ou de direitos, ou assunção de uma dívida, em favor do
donatário. A doação significa sempre uma atribuição patrimonial
sem contrapartida, que se pode concretizar, quer pela
transferência da propriedade de um bem ou de outro direito real
ou de um direito de crédito, do doador para o donatário, quer
pelo pagamento ou assunção de uma dívida do donatário.
Pressupõe também a doação que a atribuição patrimonial sem
contraprestação se faça à custa do património do doador, que
deve restar diminuído com o consequente enriquecimento do
património do donatário.
E exige sempre que da parte do doador se verifique espírito de
liberalidade traduzida pela generosidade ou espontaneidade da
entrega, com afastamento de qualquer dever ou necessidade de
oferta.
E este espírito de liberalidade poderia estar ausente nas
doações de bens futuros, na medida em que, não sentindo
imediatamente o efeito da mesma liberalidade, o doador
incorreria, casualmente, em não agir com a ponderação e a
consciência que exige um negócio com a índole da doação,
motivo por que o legislador não consente a doação de bens
futuros.
Por outro lado, proíbe o mesmo legislador as doações que
produzam os seus efeitos por morte do doador, doações “mortis
causa”, - excepto nos casos especialmente previstos na lei, que
são os das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1700° e do n.º 2 do
art. 1755º[1] - sendo nulas tais doações, não importando que
sejam havidas como pactos sucessórios ou como simples
doações por morte[2].
E compreende-se que o legislador proíba as doações por morte,
dado que existe uma forma mais adequada e segura de “deixar”
os bens por morte, que é o testamento, dadas as formalidades
que carece de revestir[3]. Por outro lado, com tal proibição
assegura-se que o poder de disposição para depois da morte se
mantenha livre e incoercível até ao último momento da vida[4].
Contudo, a doação por morte, que em princípio é nula,
converter-se-á em testamento, se tiverem sido observadas as
respectivas formalidades.
Revestindo a doação tais características e estando sujeita
àquelas restrições, tem-se suscitado a dúvida sobre a
admissibilidade, ou não, do contrato-promessa de doação.
Segundo uns não é admissível tal contrato, porque isso iria
colocar em causa a espontaneidade e liberalidade, intrínsecas à
doação, que carecem de existir no momento da doação e não no
momento da promessa, sob pena de se ter de considerar esta
como o próprio contrato definitivo de doação. A promessa de
doação, aceite pelo beneficiário, constituiria, assim, uma
verdadeira doação, na medida em que criaria desde logo um
direito de crédito em benefício do promissário à custa do
património do promitente. Por isso, a ser celebrado, não seria
juridicamente vinculativo o contrato-promessa de doação[5].
Contudo, a doutrina tem sido dominantemente no sentido da
admissibilidade e validade da promessa de doação[6]. E
também a jurisprudência tem propendido para a mesma
solução[7]. E este entendimento parece ser o que mais
convence, porque se a promessa da doação pressupõe desde
logo o espírito de espontaneidade e liberalidade da doação,
esse mesmo espírito também não deixará de estar presente e
até reforçado no momento da celebração do contrato prometido,
mesmo que se defenda que pelo contrato-promessa se crie
desde logo um direito de crédito na esfera jurídica do
promissário.
Certo é que no contrato-promessa da doação não existe ainda a
entrega do bem ou atribuição do direito ou a solvência de uma
dívida, o que apenas se tornará efectivo pela celebração do
contrato definitivo, o que é bastante para que as duas figuras se
não possam confundir.
Mas o que mais importa é que o contrato-promessa de doação,
tolerável em face do princípio da liberdade contratual, é
susceptível de conter inteira justificação, porque o doador pode
ter razões para prevenir ou anunciar determinada doação que
não esteja em condições, ou não tenha interesse, em efectivar
de imediato.
Não se vê, por isso, que exista obstáculo sério de ordem jurídica
para a validade da promessa de doação.
Questão diferente da validade da promessa de doação é a de
saber se a mesma é passível de execução específica.
Por regra, o contrato-promessa é susceptível de execução
específica nos termos do artigo 830º/1 do Código Civil. Porém,
este dispositivo legal desde logo previne que a execução
específica não tem cabimento quando a natureza da obrigação
assumida a ela se oponha.
E como salienta I. Galvão Telles, “tal acontece sempre que o
acto prometido não possa, pela sua estrutura ou formalismo, ser
substituído por uma sentença, ou apresente uma índole pessoal
que, por vontade inequívoca da lei, justifique deixar-se às partes
liberdade de facto de não celebrar o contrato definitivo,
mantendo assim até ao último momento a possibilidade de não
se vincularem definitivamente, embora incorrendo em
responsabilidade por violação do dever resultante do contrato-
promessa[8].
No tocante ao contrato-promessa de doação, a doutrina e a
jurisprudência afinam pelo mesmo diapasão, sem que se
conheça voz discordante, no sentido do impedimento da sua
execução específica. Isto porque, atenta a natureza específica
do contrato prometido, aceita-se que as partes conservem a
possibilidade de desistir do mesmo até à sua celebração[9].
Acresce que não é possível a execução específica do contrato-
promessa de doação também porque a mesma doação não se
realiza apenas através de uma declaração de vontade, capaz de
ser suprida pelo tribunal, antes se consubstanciando no efectivo
benefício do donatário, pela entrega da coisa prometida, pela
afectação do direito ou pelo pagamento da dívida.
Ora, no caso dos autos o contrato-promessa em discussão é do
seguinte teor:
“ contrato-promessa
Eu C, prometo doar a A, todo o dinheiro que estiver depositado
em contas de que eu seja titular ou co-titular, bem como todo o
ouro existente à data do meu falecimento. A escritura de doação
será feita logo que eu o notificar para a escritura pública de
doação.
Eu A aceito sem reservas esta promessa.
Os contraentes
………………………………….”.
Como se constata – e independentemente de o contrato ser
verdadeiro ou falso, pois que o réu arguiu a sua falsidade – o
contrato-promessa em análise diz respeito a uma doação que
tem por objecto bens futuros. A promitente-doadora não promete
doar o dinheiro e o ouro que possui no momento da promessa,
mas sim o dinheiro que estiver depositado e o ouro existente à
data do seu falecimento, que não podem deixar de ter a
natureza de bens futuros, por apenas verificáveis no momento
do decesso da doadora.
Daí que o contrato prometido seja inexequível, por a doação não
poder abranger bens futuros.
Por outro lado, o contrato prometido diz respeito a uma doação
por morte, que pela aplicação da regra é proibida e que não é
autorizada pelos casos excepcionais previstos na lei.
Daí que o contrato prometido seja irrealizável, por proibido.
Finalmente o contrato prometido não é susceptível de execução
específica, por a natureza da obrigação assumida a tal se opor.
Daí que o contrato prometido seja inexigível.
O autor/recorrente diz na sua alegação, com vista a convencer
da procedência da acção, que a promessa de doação constitui,
no nosso sistema, um contrato (válido) de doação, em atenção
ao efeito económico-jurídico que dele promana e que a lei
considerou a promessa de doação como verdadeira doação,
pois desde logo o promitente-doador enriquece o património do
promitente-donatário, à custa do seu, mediante a atribuição que
lhe faz de um direito de crédito.
Mas, como vimos, não parece de seguir tal entendimento, por
não ser aquele que mais convença nem que dominantemente
seja seguido. É que é difícil conceber uma verdadeira doação
sem que se verifique a entrega do bem.
Em todo o caso, sempre o contrato seria nulo (art. 280º e 294º
do CC), por ter por objecto bens futuros e por os seus efeitos se
destinarem a ser produzidos por morte da doadora.
Pelos fundamentos que se deixam expostos e sem necessidade
de mais amplas considerações se tem de concluir que o autor
não podia exigir do réu a entrega do dinheiro e do ouro de que a
promitente-doadora era detentora na data do seu falecimento,
pelo que a acção sempre teria de improceder, ainda que se
entenda que por fundamentos não coincidentes com os
invocados na 1.ª instância.
Deste modo, o recurso interposto pelo autor do pedido
formulado na acção não pode proceder.
No que respeita ao recurso que o autor interpôs da decisão do
pedido reconvencional é o mesmo manifestamente
improcedente, já que o autor limitou-se a alegar quanto a este
recurso que o pedido reconvencional foi julgado
prematuramente. No restante, voltou apenas a insistir pela
procedência da acção, ampliando a sua alegação com a
invocação da prova testemunhal, o que não só foi efectuado fora
do recurso próprio, como irrelevante se mostraria em face de
quanto se deixou fundamentado e que, em qualquer hipótese,
sempre conduziria á improcedência da acção.
Em Sumário:
I. O contrato-promessa de doação é admissível e válido em face
da nossa ordem jurídica, até por casualmente justificável, não se
confundindo com a própria doação, por não pressupor a
imediata entrega do bem ao donatário;
II. Mas atenta a natureza específica do contrato prometido,
traduzida pela generosidade ou espontaneidade da entrega, a
promessa de doação não é susceptível de execução específica,
justificando-se que as partes conservem a possibilidade de
desistir do mesmo até à sua celebração;
III. Execução específica também inexequível por a doação não
se realizar apenas através de uma declaração de vontade,
capaz de ser suprida pelo tribunal, antes se consubstanciando
no efectivo benefício do donatário, pela entrega da coisa
prometida, pela afectação do direito ou pelo pagamento da
dívida.
IV. A promessa de doação de depósitos bancários e de ouro que
venham a existir à data do decesso do promitente-doador, é uma
promessa de doação de bens futuros e por morte, que a lei não
admite e, em todo o caso, é uma promessa insusceptível de
execução específica.
Improcedem, por isso, as conclusões dos recursos, sendo
de manter as decisões recorridas.
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IV. DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se
provimento às apelações e confirmam-se as decisões
recorridas.
Custas nas instâncias pelo apelante.
Lisboa, 25 de Junho de 2009.
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela Gomes
Olindo Santos Geraldes
__________________________
[1] São doações de estrutura contratual ou negociada (Galvão Telles,
Dir. das Obrigações, 7.ª ed, 98-99.
[2] Vd. P. de Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, em comentário
aos artigos citados..
[3] Vd. art.s 32º/2, 48º, 67º , 106º a 115º, 164º/1/a) e 207º do Código do
Notariado.
[4] Vd. Manuel Batista Lopes, in Das Doações, 1970, pg. 36.
[5] Vd. Nesse sentido Ac. da RL de 05.12.1995, acessível em
http://www.dgsi.pt/jrl.
[6] cf. Vaz Serra “Anotação Ac. STJ 18/5/1976” na RLJ 110 (1977), pp.
207-208 e 211-214, e BMJ 76; Antunes Varela, “Anotação Ac.
16/7/1981”, em RLJ 116 (1983), pp. 30-32 e 57-64 (61 e ss,) Das
Obrigações em Geral Vol I, 4ª Edição pág 275 e Pires de Lima/Antunes
Varela Código Civil Anotado em anotação ao art. 940. °; Eridano de
Abreu, “Da doação de direitos obrigacionais” in Dir 84 (1952), pp. 217-
235 (226 e ss.); Ana Prata «O contrato-promessa e o seu regime civil»,
Almedina, 1995, pp. 305 e ss. (315).
[7] Veja-se, por todos, o Ac do STJ de 21.11.2006, acessível em
http://www.dgsi.pt/jstj, onde se citam outros arestos no mesmo sentido.
[8] In Direito das Obrigações, 7.ª ed, 142.
[9] Vd. M. J. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, pág. 279 e
Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, pág. 286.

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