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sTy Process 1’ Conve Relator: Deseritores: Data do Acordio: Votasio: Texto Integral: Privacidade: Meio Processual: Decisio: Area Doutrina: Legislagio Nacional: ia Nacional: Acérdio do Supremo Tribunal de Justiga 369/2002.1.8 I" SECGAO MARTINS DE SOUSA PROPRIEDADE HORIZONTAL. TiTULO CONSTITUTIVO FRACCAO AUTONOMA REQUISITOS MODIFICACAO ‘ABUSO DO DIREITO 20-10-2011 UNANIMIDADE s 1 REVISTA NEGADAA REVISTA DIREITO CIVIL - RELAGOES JURIDICAS - DIREITOS REAIS DIREITO DO URBANISMO += Carvalho Fernandes, Ligdes de Dircitos Reais, 2009, p.395, 372,375,376. + Oliveira Ascensio, A Tipicidade dos Direitos Reais, 1965, p.198. ires de Lima ¢ Antunes Varela, "Cédigo Civil Anotado", vol. III, 2* edigio, com a colaboragio de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, p. 66. = Manuel H. Mesquita, A Propriedade horizontal... Separata da RDES, pp. $3, 71. ~ Menezes Cordeiro, Tratado, I, parte Geral, tomo IV, 313 e ss.. *R. Pardal e Dias da Fonseca, in Da Propriedade Horizontal, 101/103, 3* edigao. Var Serra, BMS 85, p.283. CODIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 294.*, 334.%, 34: }, 1251.", 1253.°, 1263.", 1287.", 12942 A 12972, 14142, 14152, 14162 14182, 14192, No1, 14202, 1421 CODIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 493.", N.°3, 516.°, 660.", N.°2, 664.°, 684, N3, 6902, No, 7134, N’2. REGIME JURIDICO DA URBANIZACAO E EDIFICAGAO (RJUE): - ARTIGOS 4.°, N.°4, 662,N°1, 622, W'S 1E2. ACORDAOS SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA: “DE 29/11/2006, P*V6A33S5; “DE 13/12/2007, P*07A3023; DE 5/06/2008, P*0BA1432; “DE 23/09/2008, P*osB214; “DE 29/06/2010, AGRAVO N'46/10. [ASSENTO DO STI DE 10/5/89. I - Apés a constituig&o da propriedade horizontal, s6 as fracgdes individualizadas no titulo constitutivo (fracgdes auténomas) ¢ que podem ser reconhecidas como tal e s6 essas podem ser objecto do direito de propriedade exclusiva dos condéminos — arts. 1414.°, 1415.°, 1418.° ¢ 1420.° do CC ~e assim sera até que tal titulo seja objecto de modificagao —art. 1419.°, n.° 1, do CC. WN, II - Aos requisitos legais de constituigdo da propriedade horizontal, previstos no art. 1415.° do CC, acrescem requisitos administrativos, impostos pelo RJUE, tendo o legislador, com a alterago dos n.°s 2 € 3 do art. 1418.° do CC, operada pelo DL n.° 267/94, de 25-10, deixado claro que, subjacente & disciplina imposta por aqueles diplomas de natureza administrativa, esta em causa 0 cumprimento de normas de direito publico, de interesse ¢ ordem publica. III-A modificagio do titulo constitutive da propriedade horizontal apenas pode ser efectuada de acordo com o preceituado no art. 1419.°, n.’ 1, do CC, e nunca através de decisao judicial. IV-- 0 decurso do tempo, sé por si e sem mais, no é adequado a eriar a Decisio Texto Integral: convieg&o a quem quer que seja, de que o titular do direito jamais o exercerd, ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTICA: L O Condominio do prédio Lote ... da Rua ..., em Quarteira, representado pelo seu Administrador, intentou, na comarca de Loulé, contra AA e BB, acco na forma ordindria de processe e alegando que as duas arrecadagées, sitas no terrago daquele prédio, constituido em propriedade horizontal cujo uso se encontra adstrito em exclusivo as fracgdes C aN, de acordo com 0 teor do concemente titulo constitutivo, tém sido ocupadas de forma abusiva pelos RR. (a do lado direito pela Ré ea do lado esquerdo pelo Réu), pede a sua condenagio a desocupé- las ¢ entregé-las para que possam ser usadas por todos os proprietarios das fracgdes que a tal tém direito. Na contestagdo, os RR excepcionaram a ilegitimidade do A. e impugnaram o pedido, afirmando que as referidas arrecadagdes constituem unidades independentes (ou fracgdes auténomas), as quais até foram construidas a expensas suas por ocasiio da edificagaio do prédio (em 1975), e que sempre estiveram na sua posse e as usaram sem a oposigdo dos demais condéminos, pelo que invocam a sua aquisigao por usucapido ou, se assim no se entender, por acessio industrial imobilidria e formulam pedido reconvencional que declare serem seu donos e legitimos possuidores. No despacho saneador veio a ser julgada improcedente a excepgo dilatéria de ilegitimidade do A e estabelecidos os factos assentes e a base instrutéria, foi realizado o julgamento, na sequéncia do qual foi lavrada sentenga em que se decidiu julgar procedente a acgo ¢ improcedente a reconvengao. Inconformados com tal decisao, dela apelaram os RR., mas viram sua pretenso recusada pelo Tribunal da Relagdo de Evora e dai a presente revista cuja alegagdo concluem do seguinte modo: a Estao provados todos os factos de que depende a invocacao da usucapido, como se aceita expressamente no douto acérdao recorrido. b) A questao a resolver é, assim, meramente juridica, e tem a ver com a possibilidade, ou nao, de adquirir por usucapiao partes comuns de um edificio constituido em propriedade horizontal. ©) Cabe distinguir entre as partes comuns imperativas, previstas no Art. 1421°, n.° 1 do Céd. Civil, e as que apenas 0 sao por op¢ao, como é 0 caso das arrecadagées dos autos. @)— Nocaso destas iiltimas, nada impede que sejam adquiridas por usucapiao, do mesmo modo que nada impede que sejam objecto de negécio juridico pela unanimidade dos condéminos. 2) As arrecadagées dos autos obedecem aos condicionalismos do Art.1415° do Céd. Civil e, por isso, podem ser transformadas em fraccdes auténomas, deixando de ser partes comuns. Por outro lado, a posse que leva d usucapido é oponivel d unanimidade dos condéminos, pelo que nenhuma objeccéo se retira da regra da unanimidade para a alteragao do titulo, prevista no Art. 1419°, n.° 1 do Céd. Civil, para impedir a aquisigdo das arrecadagdes pelos Recorrentes, por via da prescricéo. ivo da unanimidade dos condémino: g) — Ocomportamento omiss longo de mais de trinta anos, que contribuiu para a usucapiao, tem tanto valor como manifestagao de vontade quanto teria uma expressa declaragdo sua prestada em negécio que atribuisse aos Recorrentes as arrecadacées como coisa prépria sua. ao h) Independentemente da solucao a dar & questao da possibilidade de aquisi¢ao das arrecadacées por usucapiao, € certo que a pretensio do condominio Recorrente é abusiva. i) Ela viola os principios da boa fé, vai contra os bons costumes, € muito para além do que possa ter estado na base da atribuigao do direito de propriedade das arrecadagées ao condominio. i) Ao fim de mais de trinta anos, 0 condominio criou uma situagdo que impede que exija agora a entrega das arrecadag6es, mesmo que se admita que tem direito a fazé-lo; se tem tal direito, nao 0 pode exercer desta forma, pois isso é indecente. As regras juridicas violadas pelo douto acérdito recorrido sdo as que foram sendo invocadas ao longo do texto, e que agora se resumem: a) art. 1287° do Céd. Civil, conjugado com os Arts. 217°, 1415°, 1419° e 1421°, n.° 1, na medida em que estes sejam interpretados no sentido de que impedem a aquisigao por usucapiao de partes comuns néo imperativas de edificio em propriedade horizontal, e, bem assim, por se exigir unanimidade dos condéminos na alteracao do respectivo titulo, pois nao é esse, no entender dos Recorrentes, 0 sentido de tais normas. b) — Oart, 334° do Céd. Civil, na medida em que deu cobertura a uma pretensio manifestamente abusiva, por violar a boa fé, os bons costumes ¢ os limites econémicos e sociais do direito invocado. Foi mandada desentranhar a alegagdo oferecida pelo Recorrido Condominio. , ora, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Sio as conclusdes da alegagao do recurso que define 0 seu objecto delimita o ambito de intervenc&o do tribunal para o qual se recorre (cf. art9S 684°, n° 3, e 690°, n° 1, do CPC), salvaguardando-se, porém, a apreciagao das questdes de conhecimento oficioso (cfr. art°S 660°, n° 2, ¢ 664°, ex vi do art’ 713°, n° 2, do CPC). Acrescente-se, também que este Tribunal apenas est obrigado a resolver as questdes que sejam submetidas 4 sua apreciagao, e ndo a apreciar todos os argumentos produzidos nas aludidas alegagio e conclusdes do recurso, nio the cabendo proniincia sobre as questdes cuja decisao fique prejudicada (art®S 660°, n° 2, ¢ 713°, n° 2, do CPC). Do teor das conclusdes dos Recorrentes resulta que a matéria a decidir se resume, no essencial, & usucapio ¢ a0 abuso direito TI: Antes de mais vejamos os factos que a Relagdo de Evora deu como provados: 1° Ocondominio do prédio lote A, sito na Rua ..., em Quarteira, representa os proprietarios de todas as fracgdes auténomas constitutivas do prédio urbano, constituido em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatéria do Registo Predial de Loulé sob o n?..., afl. 124 verso, do livro .... ( 2° A constituigao do referido prédio urbano em regime de propriedade horizontal, foi outorgada em escritura piblica, lavrada no Cartério Notarial de Loulé, em 21 de Abril de 1975, tendo-se nela consignado, além do mais, que o prédio é constituido pelas fraccdes auténomas designadas pelas letras “A” a “N” e que: “No terraco de cobertura — parte comum do edificio ~ existem duas arrecadagdes, que se destinam a uso comum, em exclusivo, porém, das fracgdes “C” a “N” (al. B) dos Factos Assentes) 3° AréAA tem usado a arrecadagio sita do lado direito do terrago apenas em seu uso exclusivo. (al. C) dos Factos Assentes) 4° Oréu BB tem usado a arrecadagio sita no lado esquerdo do terrago em seu uso exclusivo. (al. D) dos Factos Assentes) 5° As ocupagdes das arrecadagées referidas nos factos 3° e 4° so contestadas pelos restantes condéminos, ha cerca de 12 anos. (Resposta aos Factos 1° e 5° da Base instrutéria) 6° Os Réus negam-se a deixar de utilizar em exclusivo aquelas arrecadagdes. (Resposta ao Facto 2° da Base instrutéria) 7? ARéAAusa a arrecadagao do lado direito, para férias ou arrendamento, a qual é composta por um apartamento. (Resposta a0 Facto 3° da Base instrutéria) 8° Tal atitude da Ré gera discussées entre esta e os condéminos do edificio e 9° Aarrecadagio do lado direito, ocupada pela Ré AA, é composta por duas divisdes ¢ casa de banho, com a area de 15 m2, sita no 4° andar direito do edificio e tem um valor de, pelo menos, 15.000 €. (Resposta ao Facto 20° da Base instrutéria) 10° E dispde de ligagdes de aguas ¢ esgotos. (Resposta ao Facto 4° da Base instrutéria) 11° O Réu BB tem mantido sempre trancada a porta da arrecadagao do lado esquerdo do terrago. (Resposta ao Facto 6° da Base instrutéria) 12° As arrecadagdes referidas nos Factos 3° 4°, considerando-se apenas a realidade fisica, constituem unidades independentes, distintas ¢ isoladas entre si, sendo 0 acesso as mesmas, efectuado através do terraco comum do edificio. (Resposta ao Facto 9° da Base instrutéria) 13° Os Réus AA e BB construiram as arrecadagdes no ano de 1975 e até ao presente momento nelas tém habitado, guardados os seus haveres, comido, dormido, recebido visitas dos amigos ¢ usufruido de todas as suas utilidades. (Resposta ao Facto 10° da Base instrutéria) 14° A utilizagio das referidas arrecadagdes pelos Réus foi feita a vista de toda a gente, de forma continuada e sem oposigiio de quem quer que seja, até hd cerca de 12 anos atrés, conscientes de exercerem um direito proprio ¢ de que nao lesam direitos ou interesses de outras pessoas. (Resposta ao Facto 11° da Base instrutéria) 15° Em 1975, data da construco das arrecadagGes, 0 prédio encontrava-se em fase de acabamento (Resposta ao Facto 12° da Base instrutéria) 16° Mediante acordo celebrado com o empreiteiro, os Réus construiram as arrecadagdes em causa no terrago comum do edificio. (Resposta aos Factos 13° ¢ 14° da Base instrutéria) 17° Logo que as respectivas obras se completaram, em 1975, passaram os Réus a utilizar as arrecadagées, sendo tal facto do conhecimento de todos os proprietarios do edificio, contratando, inclusive, o fornccimento de cnergia cléctrica e agua. (Resposta ao Facto 16° da Base instrutéria) 18° A arrecadago do lado esquerdo, ocupada pelo R. BB, tem a Area de 12 m2, sita no 4° andar esquerdo do edificio, e tem um valor de, pelo menos, 10.000 €. (Resposta ao Facto 21° da Base instrutéria) 19° Encontra-se descrito na Conservatéria do Registo Predial de Loulé, sob o n° ..., antes sob o n° ..., a fls. 124 verso, do livro ...,0 prédio urbano constituido sob o regime da propriedade horizontal, sito na Rua projectada 4 Rua ..., Bloco ..., freguesia de Quarteira, composto por edificio de cave, rés-do-chdo, | a 3° andar, e constituido pelas fracgdes auténomas designadas pelas letras A, B, C, H, K, N, D, E, G, J, M, F, Ie L, existindo no terrago da cobertura 2 arrecadagdes destinadas ao uso das fracgdes C a N. (certidio de fls. 478 e seguintes dos autos) 20° A data da escritura referida no Facto 2° o direito de propriedade sobre o prédio ai mencionado encontrava-se inscrito, em comum, a favor de CC e DD. (certidio de fs. 478 e seguintes dos autos)» B. 1. Indo ao encontro do que foi perspectivado no acérdio recorrido, 0 Recorrente, dando por verificados os requisitos da usucapido, refere que a questo a discutir & puramente juridica e consiste, essencialmente, em saber se as partes comuns nao imperativas, na propriedade horizontal, podem ser objecto de usucapido como sendo fracgdes destinadas & habitagao. Sabe-se que a propriedade horizontal veio contrariar o principio superficies solo cedit, ao permitir a repartigao do dominio por varios proprietarios, nas edificagdes incorporadas no solo e compostas por fracgdes. E 0 que se estabelece no art?1414° do CCivil nos seguintes termos: as fracgdes de que um edificio se compée, em condigaes de constituirem unidades independentes, podem pertencer a proprietarios diversos em regime de propriedade horizontal. Ea sua conformagao é a que vem assinalada no art?1420° do mesmo diploma: I-cada condémino é proprietario exclusivo da fracgao que the pertence e comproprietario das partes comuns do edificio. 2. O conjunto dos dois direitos é incidivel; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é licito renunciar a parte comum como meio do condémino se desonerar das despesas necessdrias & sua conservacdo ou fruigdo. Trata-se de uma figura juridica nova, de um dircito real novo que, embora moldado sobre os direitos reais a custa dos quais se formou, ¢ mais do que a sua justaposigo, reunindo uma teia de relagdes num complexo incindivel de propriedade singular que recai sobre uma parte determinada de um prédio urbano e de compropriedade sobre outras partes dele, essenciais tanto a sua estrutura como 4 sua utilizagao funcional, quer dizer, ao exercicio do dominio pleno sobre ele (cfr Oliveira Ascensio, A Tipicidade dos Direitos Reais, 1965, 195, Carvalho Fernandes, Ligdes de Direitos Reais, 2009, 335, Manuel H. Mesquita, A Propriedade horizontal...., Separata da RDES, 53 Como escreveu este iiltimo autor: “o que hd de especifico no direito de propriedade sobre as fraccdes auténomas é apenas 0 facto de sobre tal direito impenderem restrigdes que ndo derivam do regime normal do dominio mas que a lei estabelece ou permite em virtude de 0 objecto do direito de cada condémino se integrar num edificio de estrutura unitdria, onde existem outras fracgées pertencentes a proprietarios diversos” (idem, 71). Restrigdes de cardcter geral e ainda provenientes da lei que rege 0 instituto ou do titulo constitutivo do condominio. E neste ultimo que por norma se modela o estatuto da propriedade horizontal, sendo o repositério da manifestagaio de vontade dos condéminos cujas determinagées ai adoptadas, relativas as fracgdes ou as partes comuns, gozam de eficacia real, ou seja, interferem com a fixagdo do contetido dos direitos reais envolvidos. No caso em aprego, como resulta da factualidade atris descrita, as arrecadagdes reclamadas como fracgdes pelos Recorrentes, existentes “no terrago de cobertura — parte comum do edificio...” so destinadas, no titulo constitutivo da propriedade horizontal, a uso comum se bem que, em exclusive, das fracgdes “C” a “N”. Erigidas sobre o terrago de cobertura do edificio, tais arrecadagées, nlio podem considerar-se coisas obrigatoriamente comuns, nos termos da al.b) do n°1 do art’1421° do CC porquanto, funcionalmente, néo esto afectadas a todos os condéminos, no compéem ou integram a estrutura do edificio nem sao indispensdveis utilizagdo normal de cada fracgao. Nao sao fracgdes, no entanto, pois nado foram especificadas como tal naquele mesmo titulo (art°1418° do CC) e, em tal contexto, no gozando, por outro lado, das caracteristicas das coisas necessariamente comuns ¢ muito embora sejam destinadas apenas ao uso exclusive de algumas das fracgées integrantes, nem por isso deixam de ser partes comuns, conforme advém do disposto no citado art*1421°, 2, al.e) ¢ 1, al b) in fine do CC. Como ja se referiu, é da natureza da propriedade horizontal a convivéncia no edificio dela objecto, de partes que sfo pertenga exclusiva de cada condémino e de outras que a todos so comuns e que 86 0 so por constarem como tal, do respectivo titulo constitutive, salvo quanto as coisas imperativamente comuns que assim sio definidas pela lei. Com as restrigdes derivadas nao do dominio mas do figurino desenhado para este direito novo de propriedade horizontal, as partes que sio objecto de direito de propriedade, exclusivo, por banda dos condéminos, sio as fracges auténomas, ¢ apenas elas, tal como sio especificadas, imperativamente, no titulo constitutivo (art"1420°,1 1418? do citado diploma); o restante edificio porque afectado ao uso comum dos diversos condéminos é objecto da compropriedade de todos, excepto se 0 titulo dispuser 0 contrario, isto é, se atribuir 0 uso exclusivo de partes comuns a um desses condéminos (mencionado art®1421°,1 ou 2 ¢ al.e) deste ultimo nimero). Deste quadro estrutural derivam inferéncias inevitaveis: quanto 4 situagdo juridica do imével que precedeu a propriedade horizontal deixa ela de ser invocavel face a transformagdo operada nos direitos constituintes por este novo instituto e a natureza real de seu titulo constitutivo; apés a constituigao da propriedade horizontal, s6 as fracgdes individualizadas no titulo constitutivo é que podem ser reconhecidas como tal e s6 essas podem ser objecto do direito de propriedade exclusiva dos condéminos. Apesar destas restrigdes sobre aqueles dircitos constituintes, nao se poderd aceitar que os RR adquiriram a propriedade das arrecadagdes a que os autos se referem através da usucapidio? ‘A Relagdo nega essa possibilidade, apesar de dar por verificados os requisitos de tal instituto. Vejamos: Dispde o art, 1287° do CC que "a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposigdio em contrario, a aquisigdo do direito a cujo exercicio corresponde a sua actuaga Afirma este preceito que 0 possuidor tem a faculdade de adquirir 0 direito a cujo exercicio corresponde a sua actuagao, o que "significa que, havendo na posse uma actuagao correspondente ao exercicio do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251°), é 0 direito possuido que pode ser adquirido por usucapiao, e ndo outro — eft Pires de Lima e Antunes Varela, in "Cédigo Civil Anotado", vol. III, 2* edigdo, com a colaboragdo de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pag. 66. No caso sub judice, é, exclusivamente, a averiguagdo da existéncia ou nao dos pressupostos da aquisigao, através da usucapido, de um direito de propriedade horizontal, sendo, portanto, a posse em termos desse direito, exercida durante certo periodo, que difere conforme as respectivas caracteristicas (arts. 1294° a 1297° do citado Cédigo) que pode conduzir & dita aquisigao originaria Ora, "posse & o poder de facto que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercicio do direito de propriedade ou de outro direito real" (art. 1251° do Civil). Como ¢ sabido, e segundo a doutrina tradicional esta disposigo, adequadamente conjugada com o art, 153°, al. a), consagram a concep¢io subjectiva inicialmente propugnada por Savigny, segundo a qual se configura a existéncia de uma situagao possesséria quando simultaneamente confluem dois elementos essenciais: 0 corpus ¢ 0 animus. Sem corpus nao haverd posse porquanto falta a actuagao de facto correspondente ao exercicio do direito e sem animus nao haverd posse, porque falta a intengdo da titularidade do direito. Apretenso dos Recorrentes de se verem reconhecidos como donos ¢ legitimos possuidores das arrecadagdes em apreo com fundamento na usucapiio supde que a “correspondente posse hé-de traduzir comportamento que seja equivalente ao que assumiria um condémino, em relago a certa unidade de determinado prédio urbano”, valendo também “para a usucapido a exigéncia dos requisitos legalmente impostos para a constituigo da propriedade horizontal” - cfr Carvalho Fernandes, ob cit, 375/6. Independentemente de saber-se se os actos materiais de posse que a prova denunciou se enquadram ou denunciam aquele comportamento equivalente ao do condémino, certo & que tais actos, reiterados, publicitados, traduzindo, ao longo do tempo, actos materiais de gozo ¢ fruigdo das referenciadas arrecadagdes, como sendo a expressio de um direito préprio, configuram, sem sombra de divida, uma situagao possesséria que, todavia, neste dominio da propriedade horizontal, nio se constitui como fonte aquisitiva de direitos (usucapidio), se nao se situar nos estritos limites em que a propriedade horizontal se enquadra, nunca a extravasando (art. 1263.°-a) do Ct cfr no site da DGSI, 0 acérdio deste Tribunal e secgdo, de 13.12.2007, proferido no P°07A3023 (Conselheiro Mario Cruz) -, sob pena de implosio de o seu regime legal. Na verdade, como se ja viu acima, as arrecadagdes reclamadas como propriedade exclusiva pelos Recorrentes, em conformidade com o titulo constitutivo da propriedade horizontal, integram as partes comuns do edificio, se bem que 0 seu uso exclusivo pertenga as fracgdes C aN. A actuagdo que sobre elas recaiu bem como a pretensio dos Reconvintes de sobre elas reclamarem a sua propriedade exclusiva deixam claro o seu propésito de alterar aquele titulo constitutivo que, desse modo, é adulterado quanto 4 composigao das partes comuns e ao numerus clausus das respectivas fracgdes auténomas. Sucede que, como ja se referenciou acima, na propriedade horizontal 0 direito de propriedade exclusiva sé se pode exercer sobre fracgdes auténomas, tal como esto individualizadas no titulo constitutivo (arts. 1414, 1415.%, 1418.° ¢ 14202 do CC.), E assim serd até que tal titulo seja objecto de modificacao (art’1419°,1 do CC) Ora a modificagao do titulo constitutivo da propriedade horizontal apenas pode ser efectuada de acordo com o preceituado naquele normativo ¢ nunca através de decisio judicial - efi in Sumarios de 2010, Acérdao deste Tribunal e secgdo de 29.06.2010, proferide no Agravo n°46/10 (Conselheiro Sebastiio Povoas). Em consequéncia, ¢ tal como se concluiu no citado Acérdao deste Tribunal de 13.12.2007, ndo pode operar aqui a usucapido para adquirir a propriedade sobre as mencionadas arrecadagdes “na medida em que esse objectivo é legalmente impossivel sem a alteragdo do titulo constitutivo da propriedade horizontal, area em que 0 Tribunal néo pode actuar porque se exige acordo prévio de todos os condéminos”. 2. Mas nfo s6 por este acervo de razdes claudica a invocada usucapitio pois que a falta de verificagdo de requisitos que autorizassem a pretensa constituigdo e reconhecimento das fracges auténomas também a inviabilizam O Cédigo Civil, no seu art"1415°, dispde que “sé podem ser objecto de propriedade horizontal as fraegdes auténomas que, além de constituirem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si com saida prépria para uma parte comum do prédio ou para a via piiblica”. Esta hoje assente que a estes requisites civis, digamos assim, acrescem requisitos administrativos, impostos pelo Regime Juridico da Urbanizagao e Edificagio, “decorrentes de exigéncias mitltiplas — seguranca, salubridade, arquitectonica, estética, urbanistica — que tém de ser respeitadas por condicionarem a construgao de edificios e sua utilizagéo” (Carvalho Fernandes, ob cit, 372). Na verdade, além da certificagio pela camara municipal de que 0 edificio satisfaz os requisitos legais para a sua constituigao em propricdade horizontal, esto sujeitas a autorizagdo administrativa a utilizago dos edificios ¢ suas fracgdes bem como as alteragdes da utilizagdo dos mesmos (art°4°,4 do RIUE), podendo ela, no caso de constituida a propriedade horizontal, ter por objecto o edificio na sua totalidade ou cada uma das sua fracgdes auténomas (art°66°,1 desse diploma); destina-se essa autorizagiio “a verificar a conformidade da obra concluida com o projecto aprovado e com as condigdes de licenciamento ou da comunicagio prévia” e quando nao haja lugar a realizago de obras “a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicaveis e a idoneidade do edificio ou sta fracg%io auténoma para o fim pretendido” (art’%62°,1 e 2 do mesmo diploma), A falta destes, como dos primeiros dos requisitos apontados, importa a nulidade do titulo constitutive da propriedade horizontal, como parece resultar dos n°I e 2 do art°1416° do CC. Como, alids, ja resultava da doutrina do assento do STJ de 10.5.89, segundo o qual nos termos do art. 294° do Cédigo Civil o titulo constitutive ou modificativo da propriedade horizontal ¢ parcialmente nulo ao atribuir & parte comum ou a fracgo auténoma do edificio destino ou utilizagao diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela camara municipal. Recorde-se que na origem do assento esteve a interpretagao a dar A norma do art.° 1416°, n° 1 Cédigo, ou seja, se na expresso "falta de requisitos legalmente exigidos" se inclufam apenas os requisitos civis do art.” 1415° citado ou, além deles, "os concretizados pelas competentes autoridades camaririas, de acordo com as normas que regem as construgdes urbanas”. A opgio do assento que o legislador de 1994 (DL 267/94 de 25.10) veio confirmar com a alteragao dos n°2 e 3 do art’1418° do CC deixou claro que subjacente a disciplina imposta por aqueles diplomas de natureza administrativa, est em causa 0 cumprimento de normas de direito piblico, de interesse e ordem piblica (cfr R. Pardal e Dias da Fonseca, in Da Propriedade Horizontal, 101/103, 3* ed) que fazem do cumprimento de tais requisitos uma condigo de procedéncia da acco cuja falta de demonstragdo leva a rejei¢do do pedido (cfr neste sentido os Acérdios STJ de 53.06.2008, P°08A 1432 (Conselheiro Alves Velho), de 29.11.2006, P°06A3355 (Conselheiro Nuno Cameira) e de 23.09.2008, P°08B214 (Conselheira Teresa Beleza). Remontando ao caso concreto, constata-se que a este propésito os Reconvintes nada disseram ou esclareceram. Ora, se ha situagZo que, de todo, ndo pode dispensar a aludida intervengdo administrativa, sera esta em que os Reconvintes almejam converter em fracgdes autnomas, arrecadagdes com a drea de, respectivamente, 12 e 15 metros quadrados (!) e cuja idoneidade para o fim a que se destinam, por isso mesmo, no poderd deixar de ser questionada 3. Resta apreciar o abuso de direito que os Recorrentes imputam ao condominio pois 0” comportamento omissivo da unanimidade dos condéminos, ao longo de mais de trinta anos, que contribuiu para a usucapiao, tem tanto valor como manifestagao de vontade quanto teria uma expressa declaragio sua prestada em negocio que atribuisse os Recorrentes as arrecadagées como coisa prépria sua...e “ao fim de mais de trinta anos, 0 condominio criou uma situagdo que impede que exija agora a entrega das arrecadacées, mesmo que se admita que tem direito a fazé-lo...” Preceitua 0 art334° do CC que “é ilegitimo o exercicio de um direito quando 0 titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econdmico desse direito”. ‘Nao basta, no entanto que o titular do direito exceda os limites referidos pois é necessario que esse excesso seja manifesto e constitua uma “clamorosa ofensa do sentimento juridico socialmente dominante”(Vaz Serra, BMJ 85,253). A modalidade de abuso de direito que parece servir de fundamento aos Recorrentes é a supressio, tida na doutrina como subtipo do “venire” ¢ que se analisa no comportamento contraditério do titular do direito que, apos prolongada inacgo, o vem exercer. Inacgaio que, portanto, em determinadas circunstancias, concorreria para a criagdo de razoavel & legitima expectativa de que aquele titular nao venha a exercer seu direito, a ele renunciando, afinal. A situagao de confianga criada no beneficiario teria de ser justificada e razoavel ou como escreve 0 Professor Menezes Cordeiro, “teremos de compor um modelo de decisio, destinado a proteger a confianga de um beneficidrio, com as proposigées seguintes: nao exercicio prolongado, uma situagdo de confianga, uma justificagdo para essa confianga, um investimento de confianga ¢ a imputagao da confianga ao nao exercente” (Tratado, I, parte Geral, tomo IV, 313 ¢ ss). Temos que ver que no caso em presenga 0 decurso do tempo, 86 por sie sem mais, nunca seria adequado a criar a conviegiio a quem quer que seja de que o titular do direito jamais o exerceria. Na verdade, nao é sé 0 procedimento adoptado que é imprescritivel, também os Recorrentes nada imputaram ao A que Ihes desse garantias nesse sentido. Pelo contrdrio, ¢ conforme a prova produzida, ha mais de doze anos que os RR tém a oposigo dos representados do A quanto a sua utilizagZio, em regime de exclusividade, das arrecadagdes objecto de dissidio. Depois, sabe-se que a supressio tem por designio mais a protecgfio da confianga do beneficidrio do que a penalizagio da inércia do titular do direito e indagando-se dos pressupostos de tal confianga, no se vé como a justificar através de elementos objectivos que a tornem plausivel ou da aposta que nela tenham feito os Recorrentes que, mais uma vez, a este propésito nada adiantaram (cabe-Ihes o énus da prova em sede de excepgio peremptéria — art°342°,2 do CC, 493°,3 e 516" do crc). Por fim, refira-se que, dada a abstracco da entidade que 0 A Condominio, sempre seria dificil conceber que Ihe possa ser atribuida a responsabilidade pela situagdo criada ou seja que possa responder pela imputagdo da confianga a tutelar. Em suma, nio se verifica qualquer excesso manifesto de limites a0 exercicio do direito do A e, deste modo, no comprovado 0 abuso de direito, improcedem, também, neste capitulo as conclusdes dos Recorrentes. Tl. Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se a decisio recorrida. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 20 de Outubro de 2011 Martins de Sousa (Relator) Gabriel Catarino Sebastido Pévoas

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