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Acérdios TRL Proceso: Relator: Descritores: N° do Docu Data do Acor Vota: Texto Integral Texto Pa Meio Processual: Decisio: Sumario: Decisio Texto Parcial Decisio Texto Integral: Acérdao do Tribunal da Relagao de Lisboa 918/S.6TSSXLLI-2 MARIA JOSE MOURO REMOCAO DE TUTOR PROTUTELA RI 15411-2018 UNANIMIDADE s N APELACAO: PARCTALMENTE PROCEDENTE I-A interdigAo ¢ a inabilitagao s6 podem ser decretadas judicialmente; também a remogio do tutor é decretada pelo tribunal, ouvido o conselho de familia, no podendo resultar simplesmente do acordo das partes no ambito de um determinado incidente. Neste Ambito nao hd um qualquer direito de que se possa dispor — dai nio poderem ser considerados admitidos por acordo os factos alegados pelo apelante, consoante por ele pretendido. I1- A remogao do tutor nomeado e investido pressupie a demonstragao de quaisquer factos que reconduzindo-se a uma das situagdes previstas no art. 1948 do CC ponham em causa a anterior nomeagao, 0 que nao sucedeu no Ambito dos presentes autos: nao est caracterizada uma situacado de falta de cumprimento dos deveres préprios do cargo por parte do tutor, nao se evidencia que 0 tutor revele inaptidao para o exercicio do cargo, nem est& caracterizada uma situagAo em que o tutor, por facto superveniente A investidura tenha ficado em circunstdncias que, nos termos previstos no art. 1933, seriam impeditivas da sua designacio. III - Incumbindo ao conselho de familia, designadamente, vi; modo por que siio desempenhadas as funges do tutor, a fiscalizagao da acgao do tutor é exercida com cardcter permanente por um dos vogais do conselho de familia — 0 protutor. IV Havendo a protutora casado com o tutor, apés a respectiva nomeagio, a fiscalizacio em permanéncia do desempenho da tutela por parte daquela resulta aparentemente prejudicada, tanto mais que a lei da indicagdes no sentido de o tutor e o protutor representarem linhas de parentesco diferentes. V-—Neste contexto, por motivo supervenicnte, a protutora Ana Maria Arzos Abalos deixou de ser pessoa adequada ao desempenho da fungio de protutor, constituindo-se em situagio que obstaria & sua designagio, pelo que deverd ser removida do cargo. Acordam na Sec¢ao Civel (2* Secgdo) do Tribunal da Relagao de isboa: * I-Em 10-11-2016, JD..., na qualidade de sobrinho da interditada VM... deduziu incidente de remogao do tutor e da protutora desta. Alegou 0 requerente, em resumo: Foi decretada a interdigao definitiva, por anomalia psiquica, de YM..., sendo nomeado tutor AC..., protutora AM... ¢ Vogal ML.... O tutor recebe na sua conta pessoal rendas de uma fracgao auténoma de que é proprietdria uma sociedade de que a interditada é sécia, no valor de 2.000,00 € que nao entraram nas contas da sociedade e consequentemente no patriménio da interditada. Também relativamente a outro imével desde 8-3-2015 até 30-12- 2015 0 valor das rendas, segundo o arrendatério, foi entregue ao tutor. ‘Acresce que o tutor e a protutora foram contemplados por testamento com um legado de 50% das quotas da sociedade «T... e S..., Lda.», havendo aqueles assumido a gestio e direcgio da sociedade mas nao cumprindo as respectivas obrigasoes fiscais 0 que levou a testamenteira, por forma a evitar processos de execusiio fiscal que afectem a interditada, a pagar os atinentes montantes. A “conta de caixa” daquela sociedade tem vindo a aumentar significativamente, o que é indicativo de vendas niio facturadas. Uma vez que a protutora vive em comunhio, ou é casada, com 0 tutor no existem condigdes legais para a continuagao do conselho de familia designado. Formutlou o requerente o seguinte pedido: jeve: - O incidente de remogio de tutor e protutor ser considerado procedente e provado e consequentemente o tutor AC... ea protutora AM..., serem considerados indignos e removidos das fungies de tutela da interditada VM...; - Mais, deve o conselho de familia ser exonerado e constituide de novo, de modo a assegurar os interesses da interdita VM... - Para defesa dos interesses da interditada, deve o presente incidente ser decretado sem audicio prévia do tutor nomeado». Foi determinada a notificagio do tutor nomeado para em 10 dias deduzir oposi¢ao e para os demais efeitos previstos no art. 293, n° 1 do CPC. O tutor deduziu oposi¢io dizendo que o presente incidente carece de fundamento legal e material e requerendo a improcedéncia do mesmo. Foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo requerente apés 0 que teve lugar reuniao do Conselho de Familia em que intervieram, para além do Ministério Publico, 0 Tutor, a Protutora ea Vogal que expuseram as suas posigdes (estando igualmente presentes os mandatarios do requerente e do tutor). A final foi proferida decisio julgando o incidente de remogao de tutor e protutora improcedente. Apelou o requerente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegagio de recurso: 1.° 0 tutor nao deduziu propriamente dito qualquer oposigao ao presente incidente, no impugnou qualquer dos factos referidos no requerimento inicial nem os documentos juntos a este e no apresentou quaisquer meios de prova. 2.° Nos termos do disposto no artigo 293.° do CPC, “a falta de oposigao no prazo legal determina, quanto A matéria do incidente, a producio do efeito cominatério que vigore na causa em que 0 icidente se insere”. ° Nao se verificando qualquer das excepgses previstas no artigo 568.° do CPC, deviam considerar-se confessados os factos articulados pelo Requerente, tal como dispée o artigo 567.", n.° 1 do crc. 4." E, considerando-se confessados aqueles factos, deveria ter sido proferida sentenga de remogio de tutor. 5.° Mais, existem pontos da matéria de facto considerados nao provados que, para além de nao terem sido impugnados pelo tutor, face A prova documental ¢ testemunhal produzida, deveriam ter sido considerados provados ao invés de ndo provad 6.° Assim, quanto a alinea a) dos factos nao provados, o ora Recorrente juntou com o Requerimento Inicial como Doc. n.° 1 0 comprovativo de transferéncia da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), efectuada para a conta do tutor, referente ao pagamento da renda do més de Mar¢o/2015 respeitante ao restaurante em Azeitao, propriedade da sociedade M..., cuja titularidade é do falecido AG... e da interditada VM..., que nunca entrou nas contas da sociedade. Tal facto porque provado documentalmente e nao impugnado deveria constar dos factos provados. 7.° Quanto 4 alinea b) dos factos nao provados, o ora Recorrente juntou com o Requerimento Inicial como Doc. n.° 2 uma declaragio em que AS..., arrendatario da garagem n°, sita na Rua ..., n°... — C, no Feijé, concelho de Almada, declara que desde a morte do Senhor AG... até 30/12/2015, entregou o valor das rendas (50,00€/mensais) ao senhor tutor AC.... Esse facto no foi impugnado e encontra-se igualmente provado documentalmente, pelo que deveria igualmente constar dos factos provados. 8.° Quanto & alinea c) e d) dos factos nao provados, a testamenteira prestou depoimento e confirmou que tem pago os impostos em falta para evitar processos de execugao fiscal que afectem a interditada, © que demonstra que o tutor e protutora, tendo os designios da sociedade indicada em 9) dos factos provados nas maos, nao vém cumprindo as obrigagées fiscais. Tal deveria igualmente constar dos factos provados por provado testemunhalmente e nao ter sido impugnado. 9.° Mais, embora nao conste da sentenga como facto provado nem como facto nao provado, tem particular relevancia para a decisio da causa que o tutor e a protutora sao casados um com 0 outro, como resulta do Assento de Casamento junto com o requerimento referéncia .... Tal deveria constar dos factos provados. 10.° Consta da fundamentagao da matéria de facto quanto aos factos no provados que e nao foram juntos aos autos documentos comprovatives dos mesmos quando tal nao corresponde a realidade. 11.° Sendo tais factos dade como provados, a fundamentagao de direito da sentenga teria necessariamente de ser diferente do que foi. 12. Com efeito, esses factos demonstram a incapacidade do tutor para o cargo, por falta de cumprimento adequado dos deveres préprios do cargo, nos termos dos artigos 1948." e 1949." do Cédigo Civil, aplicaveis por forga do disposto do artigo 139.” do mesmo diploma. 13.° E, para além disso, é juridicamente inadmissivel a continuagio do conselho de familia designado sendo o tutor casado com a protutora. 14.° O protutor tem como missio a fiscalizacdo permanente da acgao do tutor, tal como dispée o artigo 1955.", n.” 1 do Cédigo Civil ¢, por isso, deve, sempre que possivel (como é 0 caso), representar a linha de parentesco diversa da do tutor, nos termos do n.° 2 do mesmo artigo. 15.° Mesmo relativamente aos vogais do Conselho de Familia, determina 0 artigo 1952.° do Cédigo Civil, aplicavel por forga do disposto do artigo 139." do mesmo diploma, que “Sempre que possivel, um dos vogais do conselho de familia pertencera ou representar a linha paterna ¢ 0 outro a linha materna do menor”. 16.° O propésito de tais normas é assegurar a efectiva fiscalizagio da aco do tutor pelos vogais nomeados, mormente pelo protutor. 17.’ Aplicando-se com as devidas adaptagées tais artigos 4 presente situagdo, constatamos que, sendo tutor e protutora marido e mulher, a pretendida fiscalizagao da acco do tutor pela protutora est manifestamente prejudicada. 18.° Pelo que, também por isso, um desses dois membros do Conselho de Familia deverd ser, s.m.o., removido do cargo. O tutor contra alegou nos termos de fls. 101 e seguintes. * Il -1-O Tribunal de 1* instAncia julgou provados 0s seguintes facto: 1) O requerente é filho de ML..., irma da interditada VM... 2) Em 29-04-2015, MT..., Advogada, na qualidade de testamenteira de AG..., veio interpor acgo declarativa especial para interdigao, por anomalia psiquica, de VM..., 3) A interdigao de VM..., foi requerida na sequéncia do cumprimento do testamento, outorgado por AG..., em 05-03-2015; 4) Na petigao inicial da acco em causa, acgao principal, foram indicados para comporem o conselho de familia, os seguintes nomes: a) ML..., b) FM..., ¢) JD..., d) CL..., €) PM..., nos termos que constam do documento de fls. 34 a 42 dos autos principais cujo teor se di por reproduzido e assente; 5) Foi proferida na acco principal sentenca com data de 03.07.2016, transitada em julgado, que decretou interdigio da requerida, sendo que desta além do mais consta que a “Requerida apresenta-se incapaz (...) sendo uma deficiéncia psiquica que limita acentuadamente a sua capacidade de decisio ¢ juizo critico (...)”3 6) E conclui-se pela presenca de uma anomalia psiquica de caracter permanente e irreversivel “(...) pelo que necessdrio se torna a sua interdigao e a instituigdo da tutela para o suprimento da incapacidade.” tendo assim sido decretada a interdigao definitiva por anomalia psiquica da requerida VM..., tudo nos termos que constam da sentenca proferida nos autos principais de fls. 222 a fls. 228 cujo teor se da por integralmente reproduzido e assente; 7) Na sequéncia foi nomeado para tutor, o requerido AC...; 8) E para integrar o Conselho de Familia, tendo sido nomeada para protutora, AM... e para vogal, ML...; 9) O tutor foi contemplado por um legado, em conjunto com AM... — protutora — com cinquenta por cento das quotas da sociedade comercial “T... & S..., LDA.” NIPC .... I-2-O Tribunal de 1" instancia nao considerou provados os seguintes factos: a) AC..., recebe na sua conta pessoal as rendas de uma fracco auténoma, referente a uma Loja em Azeitio, designada pela letra “T”, fracciio “A”, propriedade de uma sociedade comercial denominada “M...-SOCIEDADE DE CONSTRUGOES LDA.”, NIPC....3 b) E manteve o mesmo procedimento em relagao a outros bens, concretamente, quanto & garagem n°l, sita na Rua ..., n° ...—C, no Feijé, concelho de Almada, onde o arrendatario AS..., desde a morte do Senhor AG... (08-03-2015) até 30/12/2015, entregou 0 valor das rendas (50,00€/mensais) a AC...; ©) Desde o dito do testador que tutor e protutora nao vém cumprindo as obrigagses fiscais relativas A sociedade indicada em 9) dos factos provados; d) Levando a que a testamenteira, por forma a evitar processos de execugao fiscal que afectem a interditada, tenha vindo a pagar os montantes relativos a impostos em falta; e) A “conta de caixa” da sociedade referida em 9) tem vindo a aumentar significativamente, 0 que s6 por si é indicativo de vendas nio facturadas; f) O tutor tem vindo a praticar actos em prejuizo da interdita, g) Bem assim como a protutora; * III — Sao as conclusées da alegagio de recurso, no seu confronto com a decisio recorrida, que determinam o ambito da apelagio, salvo quanto a questdes de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Assim, face ao teor das conclusées de recurso apresentadas as questdes que se nos colocam sio as seguintes: se deve ser alterada a decisio proferida sobre a matéria de facto, nos termos e pelas razées invocadas pela apelante (no apresentacio de oposigao, prova documental e prova testemunhal); se existe fundamento para a remogio do tutor; se, de qualquer modo, a protutora deveria ser retirada do cargo. IV-1-De acordo com o art. 139 do CC «sem prejuizo do disposto nos artigos seguintes, o interdito equiparado ao menor, sendo-Ihe aplicaveis, com as necessarias adaptagies, as disposigdes que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal». Temos, pois, que 0 interdito sofre de incapacidade genérica de exercicio, por aplicacio do regime do art. 123 do CC, relativo A incapacidade dos menores. A forma de suprimento da incapacidade de exercicio do interdito é a representagio e o meio de suprimento a tutela. Tal incapacidade tera de ser judicialmente decretada, através do meio préprio, 0 processo especial de interdigao ¢ inabilitagao previsto e regulado nos arts. 891 e seguintes do CPC. Sio drgdos da tutela do interdito 0 tutor ¢ o conselho de familia (art. 1924 do CC), sendo ainda de destacar, entre os vogais do conselho de familia, as fungdes especificamente atribuidas ao protutor (arts. 1955 e 1956 do CC). Sobre a ac¢ao de remocao do tutor dispée o art. 1949 do CC do qual decorre, feitas as necessarias adaptagdes para a cireunstancia de se tratar de um interdito (e nio de um menor — ver o art. 140 do CC), que a remogao do tutor é decretada pelo tribunal, ouvido 0 consetho de familia, a requerimento, designadamente do Ministério Piblico ou de qualquer parente. Diziam-nos Pires de Lima e Antunes Varela ({1]) que coube a este art. 1949 «fixar os termos adjectivos da remogio» e que os termos do processo de remogio do tutor «vém hoje sumariamente regulados nos artigos 1402.° e 1403.° do Cédigo de Processo Civil». Efectivamente, o anterior CPC, na versio entio em vigor (que antecedeu o dl 227/94, de 8-9) determinava, nos seus arts. 1402 1403, que requerida a remocio de pessoa investida em cargo de tutela, com a especificagio dos fundamentos do pedido, o arguido seria notificado para responder, sendo aplicavel ao incidente o disposto nos arts. 302 e 304 do CPC, sendo o conselho de fami sempre ouvido sobre a remogio. Estas disposiges foram revogadas pelo dl 227/94, do mesmo modo nio tendo correspondéncia no actual CPC Estamos, no caso, perante uma instAncia incidental — nesses termos havendo sido processados estes autos. Tratando-se de um incidente sem regulamentagao especial, aplicar-se-4 0 disposto nos arts, 292 seguintes do CPC. Sustenta, desde logo, o apelante que os factos por si alegados deveriam ter sido julgados provados, uma vez que o tutor nio deduziu propriamente qualquer oposi¢’o nem impugnou os factos referidos no requerimento inicial. Dispde o n° 3 do art. 293 do CPC que a «falta de oposigao no prazo legal determina, quanto A matéria do incidente, a produgao do efeito cominatério que vigore na causa em que o incidente se Seren. Dizem-nos, a propésito, Lebre de Freitas ¢ Isabel Alexandre que a «revelia do requerido tem os mesmos efeitos que a revelia ocorrida na causa em que 0 incidente se insere, os quais so os dos arts. 567 € 568 quando essa causa siga a forma de processo declarative comum e quando, seguindo a forma de processo especial, nao haja norma prépria sobre esses efeitos (art. 549-1)». No caso que nos ocupa o tutor deduziu uma oposigao genérica, dizendo que o presente incidente carece de fundamento legal ¢ material e requerendo a improcedéncia do mesmo. Nao estamos, pois, perante um caso de “revelia”, de verdadeira falta de oposigao. ‘Acresce que o estabelecido no art, 1949 do CC sobre a remogio do tutor e nos arts. 891 e seguintes do CPC sobre o processo de interdigao ¢ inabilitago nao é consentAneo com a aplicagao do disposto no art. 567 do CPC. A interdigio e a inabilitagdo sé podem ser decretadas judicialmente ({2]); também a remogao do tutor é decretada pelo tribunal, ouvido o conselho de familia, nao podendo resultar simplesmente do acordo das partes no Ambito de um determinado incidente — ver, alids, a alinea c) do art. 568 do CPC. Neste Ambito nao hé um qualquer direito de que se possa dispor — dai considerarmos nao podermos considerar admitidos por acordo os factos alegados pelo apelante/requerente, consoante por ele pretendido. IV -2- Prossegue o apelante defendendo que deveria ter sido julgada provada a alinea a) dos factos nao provados, atento 0 documento por si junto correspondente a um comprovativo de transferéneia da quantia de € 2,000,00 efectuada para a conta do tutor, referente ao pagamento da renda do més de Margo/2015 respeitante ao restaurante em Azeitio, propriedade da sociedade «M...» cuja titularidade é do falecido AG... e da interditada VM... e que nunca entrou nas contas da sociedade. O documento em referéncia — documento de fls. 14 — corresponde a uma cépia de taléo de transferéncia multibanco datada de 11-3 2015, no montante de 2.000,00 €, sendo o nome do destinatario dessa transferéncia AC... O dito documento demonstra, apenas, aquela transferéncia de 2.000,00 para uma conta de AC... naquela data — e nada mais, dele nao decorrendo qual a proveniéncia daquela quantia (apenas ali consta 0 numero da conta de origem, nao se sabendo a quem a mesma pertence). Tal facto — “em 11-3-2015 foi feita transferéncia por multibanco da quantia 2.000,00 € para uma conta de AC...” — é por si s6, indcuo. Aquilo que consta do ponto a) dos factos néo provados («AC.... recebe na sua conta pessoal as rendas de uma frac¢io auténoma, referente a uma Loja em Azeit&o, designada pela letra “I”, fraccao “A”, propriedade de uma sociedade comercial denominada “M...- SOCIEDADE DE CONSTRUGOES LDA.”, NIPC ...») ndo se encontra, efectivamente, provado. Defende, também, o apelante que quanto & alinea b) dos factos nao provados, juntou uma declaragio em que AS... arrendatario da garagem n°l, sita na Rua ..., n° ... —C, Feijé, concelho de Almada, declara que desde a morte do Senhor AG... até 30-12-2015 entregou o valor das rendas (50,00 €/mensais) ao tutor AC..., pelo que o facto que integra a alinea b) dos factos nao provados deveria igualmente constar dos factos provados. Dos autos (fls. 15) consta um escrito assinado, datado de 3 de Maio de 2016, nos termos do qual AJ... declara que a partir da morte do Sr. AG..., 8-3-2015, e até 30-12-2015 pagou a renda mensal referente a uma garagem arrendada na Rua ..., n°... —C, no Feijé no valor de 50,00 € ao seu sobrinho AC... e que essa garagem é propriedade da «M. Vejamos. O “documento” em causa é como que um arremedo de depoimento escrito — sem prestago de juramento nem interrogatério preliminar, logo de duvidoso valor. Por outro lado, nao temos nos autos elementos que nos levem a concluir que a dita garagem era propriedade da sociedade «M...» (3) — na verdade, nem temos nestes autos quaisquer elementos que estabelecam uma relagao entre a interdita e a dita sociedade. Refira-se, ainda, que a circunstancia de o actual tutor, anteriormente a haver sido decretada a interdigdo, ter recebido rendas respeitantes a uma garagem é, igualmente, por si sé inécua (4). Pelo que também nao fazemos transitar este facto para os factos provados. Na sequéncia pretende o apelante que constem dos factos provados os elencados sob as alineas c) e d) dos factos nao provados, porque provado testemunhalmente, uma vez que a testamenteira prestou depoimento e confirmou que tem pago os impostos em falta para evitar processos de execugao fiscal que afectem a interditada. Constam daquelas alineas ¢) e d): «c) Desde 0 ébito do testador que tutor e protutora nao vem cumprindo as obrigagées fiscais relativas A sociedade indicada em 9) dos factos provados [*T... & S..., Lda.”]; d) Levando a que a testamenteira, por forma a evitar processos de execucao fiscal que afectem a interditada, tenha vindo a pagar os montantes relativos a impostos em falta». Trata-se de afirmacées vagas — a que “obrigagées fiscais” se reporta © apelante? — sendo que dos autos nao constam quaisquer elementos escritos que comprovem os alegados pagamentos efectuados pela testamenteira. Segundo o apelante a testamenteira prestou depoimento e confirmou que tem pago os impostos em falta para evitar processos de execugao fiscal que afectem a interditada. Baseando-se 0 apelante, nesta parte, no depoimento de uma das testemunhas, nao Ihe bastava, para efeitos da impugnagio da decisao proferida sobre a matéria de facto, trazer aos autos a sua versio daquilo que a testemunha dissera, cumprindo, igualmente, porque o meio probatério invocado foi gravado, «indicar com exatidao as passagens da gravacdo em que funda 0 seu recurso» - n° 2-a) do art. 640 do CPC. O que o apelante nao fez. Deste modo e nesta parte no haverd que apreciar a impugnagao do apelante. * IV —3-Alegou 0 apelante no requerimento inicial que o tutor ea protutora vivern em comunhio ou sho casados. A fls, 36-37 encontra-se uma certidao de casamento da qual resulta que AC... e AM... contrairam casamento na Conservatéria do Registo Civil do Seixal, em 14-11-2016. Assim, adita-se aos factos provados 0 seguinte facto: 10 - Em 14-11-2016, AC... e AM... casaram um com o outro na Conservatéria do Registo Civil do Seixal. IV —4-Determina 0 art. 1948 do CC que pode ser removido da tutela: - O tutor que falte ao cumprimento dos deveres préprios do cargo ou revele inaptidao para o exercicio; - O tutor que por facto superveniente a investidura do cargo se constitua nalguma das situagdes que impediriam a sua nomeagao. Correspondendo a remogio do tutor ao seu afastamento compulsivo do exercicio do cargo, um dos fundamentos desse afastamento é, assim, a falta - que Pires de Lima e Antunes Varela ({5)) qualificam como sendo “significativa” - do cumprimento dos deveres préprios do cargo. Nos termos do art. 1935 do CC 0 tutor deve exercer a tutela com a diligncia de um bom pai de familia tem as mesmas obrigagdes dos pais com as modificacdes constantes dos artigos que Aquele se seguem, No caso de interdigao 0 tutor «deve cuidar especialmente da saiide do interdito» (podendo para esse efeito alienar os bens deste, obtida a necessdria autorizagao judicial) — art. 145 do CC. Saliente-se que o tutor sé pode utilizar os rendimentos dos bens do seu tutelado no sustento (bem como satide e seguranca) deste e na administragao dos seus bens (art. 1936) e é obrigado a prestar contas ao tribunal quando cessar a sua geréncia ou, durante ela, sempre que o tribunal o exigir (art. 1944), sendo responsavel pelo prejuizo que por dolo ou culpa causar (art. 1945). Como explicam Pais de Sousa e Carlos Matias ({6]) «o tutor nao deve proceder mal na sua geréncia quer em relacao a pessoa do seu tutelado, quer no que respeita & administragao dos seus bens». Ora, nos autos nao esté caracterizada uma situagao de falta de cumprimento dos deveres préprios do cargo por parte do tutor. Do mesmo modo ndo se evidencia que o tutor revele inaptidao para o exercicio do cargo - 0 que essencialmente se traduz em ao tutor faltarem «condicées fisicas ou psiquicas para exercer a tutela» ([7]). Também ndo estd caracterizada uma situac&o em que o tutor, por facto superveniente a investidura tenha ficado em circunstancias que, nos termos previstos no art. 1933, seriam impeditivas da sua designagao. A remogio do tutor nomeado e investido pressupunha a demonstragao de quaisquer factos que reconduzindo-se a uma daquelas situagdes previstas no art. 1948 do CC pusessem em causa a anterior nomeagio — 0 que ndo sucedeu no ambito dos presentes auto: IV—5-O conselho de familia é composto por dois vogais, sendo presidido pelo Ministério Publico, consoante determina o art. 1951 do CC. Vem sendo entendido que nfo indicando a lei o critério por que devem ser designados os vogais do conselho de familia no caso de interdig&o, sera de aplicar o art. 143 do CC ([8]). Como decorre do art. 1954 do CC incumbe ao conselho de familia, designadamente, vigiar o modo por que séo desempenhadas as funcées do tutor. Comentando a propésito Pires de Lima e Antunes Varela ({9]) que 0 conselho de familia tem um «papel fundamental de vigilancia, de fiscalizagao ou de orientagao geral da actividade do tutor». Dispie o art. 1955 do CC que a fiscalizagao da acco do tutor & exercida com cardcter permanente por um dos vogais do conselho de familia — 0 protutor — a quem cabem as demais fungoes previstas no art, 1956 do CC, Resulta ainda deste artigo que a preferénc lei é no sentido de o protutor «representar a linha de parentesco diversa da do tutor». Diz-nos Luis Silveira ({10]) que tal sucede «por dbvias razdes de equilibrio familiar». Cabe, pois, ao protutor a incumbéncia de fiscalizar com permanéncia o desempenho da tutela, substituir 0 tutor nos seus impedimentos, auxilié-lo e representar o interdito se houver conflito de interesses entre este e 0 tutor. De acordo com o n° I do art. 901 do CPC a sentenca que decreta a interdig&o confirma ou designa 0 tutor e o protutor. Quando foi proferida a sentenca que decretou a interdigao, em 3-7- 2016, o tutor e a protutora designados ainda nao haviam contraido matriménio, 0 que veio a suceder em Novembro de 2016. Asociedade conjugal pressupse uma plena comunhio de vida, Neste Ambito, preceitua o art. 1672 do CC que os cdnjuges esto reciprocamente vinculados por deveres de respeito, fidelidade, coabitacio, cooperagao e assisténcia. O casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cAnjuges (art. 1671 do CC) € nio contende com os direitos que a Constituigao e a lei conferem a cada pessoa; todavia, aquela comunhio de vida (e de interesses), nfio deixara de influenciar as perspectivas, andlise e posicionamento dos membros da sociedade conjugal perante as diversas situacdes que se Ihes deparam, pese embora a imparcialidade que desejem manter. Neste contexto, a fiscalizacdo em permanéncia do desempenho da tutela (exercida pelo marido) que incumbe a protutora poder ser influenciada, ainda que inconscientemente, pela circunstancia de ser casada com o tutor, néo ocorrendo o equilibrio de perspectivas que a lei tem por aconselhdvel. Mesmo que assim nao seja a aparéncia perante terceiros em relacao ao desempenho das funcoes atinentes serd comprometida, surgindo 0 tutor e a protutora como um “bloco familiar”. O que a lei, em termos gerais nao deseja — assim, o n° 2 do art. 1955 prescreve que o protutor deve, sempre que poss representar linha de parentesco diversa da do tutor. Consoante prevé 0 art. 1960 do CC sao aplicaveis aos vogais do conselho de familia, com as necessdrias adaptagées as disposigbes relativas A remogao do tutor. Como vimos, incumbe ao protutor a fiscalizacio permanente da acco do tutor — fungao essencial que, pelas razées supra aludidas, por motivos supervenientes a protutora designada deixou de ser a pessoa adequada a faz@- Deste modo, por motivo superveniente, a protutora AM... deixou de ser pessoa adequada ao desempenho da fungao de protutor, nos termos previstos na lei. Feitas as adaptacdes a que alude o art. 1960, entendemos que a situagdo é susceptivel, em razo dessas mesmas adaptacdes, de se enquadrar na previsao da alinea b) do art. 1948 do CC, numa interpretago ampla do preceito ([L1]) — por facto superveniente & investidura do cargo, pela sua posigao pessoal, a protutora constituiu- se numa situacdo que obstaria & sua designag Pelo que a protutora AM... deverd ser removida do seu cargo — 0 que, alids, foi também peticionado pelo requerente. * V — Face ao exposto, acordam os Juizes desta Relagdo em julgar parcialmente procedente a apelagao e, em consequéncia, determinam a remogo da protutora AM..., devendo o Tribunal de I’ instancia proceder em ordem a ter lugar a sua substituigao. Custas na proporsio de metade por requerente e requeridos. * Lisboa, 15 de » jovembro de 2018 Maria José Mouro Jorge Vilaga Vaz Gomes IL] No «Cédigo Civil Anotado», Coimbra Editora, vol V, 1995, pags. 475-476. [2] No processo especial de interdigio e inabilitagao a falta de contestagio nio importa a confiso dos factos articulados pelo autor - ver, a propésito Emidio Santos, «Das Interdigdes ¢ Inabilitagées», Quid Juris, 2011, pags. 30-31. [3] Nao basta para tal que alguém o afirme; para o efeito poderia o apelante ter junto aos autos certidio de registo predial relativa ao imével em causa. [4] Assim: Recebeu-as fé-las suas? Entregou-as? 15] Obra citada, pag. 474. 16] Em «Da Incapacidade Juridica dos Menores Interditos e Inabilitados, Almedina, 2* digo, pag. 166. 11] Ver Luis Silveira em «Cédigo Civil Anotado», coordenagio de Ana Prata, Almedina, 2017, ILvol., pag. 887. [8] Ver Gabriela Paris Fernandes em «Comentario ao Cédigo Civil- Parte Geral», coordenagio de Carvalho Fernandes ¢ Brandio Proenga, Universidade Catéliea Editora, 2014, pag. 313. 19] Obra citada, pag. 483. 110] No jf citado «Codigo Civil Anotado», coordenagio de Ana Prata, vol I, pag. 863. LLL] Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (obra citada, pag. 451) a enumeragao constante do n* 1 do art. 1933, relativamente ao tutor, «no possui nenhum sinal externo de revestir cariieter taxativon

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