Você está na página 1de 14
Acérdios TRL Proceso: Relator: Descritores: N° do Documento: Data do Acordic: Votacio: ‘Texto Integral: Texto Parcial: Meio Processual: Decisio: Decisio Texto Parcial: Decisio Texto Integral: Acérdao do Tribunal da Relagao de Lisboa 397417 9T8FNC.LLT CARLOS OLIVEIRA MAIOR ACOMPANHADO PRESSUPOSTOS NECESSIDADE JUSTIFICACAO RL 04-02-2020 UNANIMIDADE s N APELACAO PROCEDENTE, I-A medida de acompanhamento de maior sé é decretada se estiverem preenchidas duas condigdes: - uma positiva (principio de necessidade): tem de haver justificacio para decretar 0 acompanhamento do maior e uma das medidas enumeradas no Art. 145, n° 2 do C.C,, sendo que na diivida, nao é decretada nenhuma medida de acompanhamento; - uma negativa (principio de subsidiariedade): a medida de acompanhamento é subsidiaria perante deveres gerais de cooperacio ¢ assisténcia, nomeadamente de Ambito familiar (Art. 140.°, n.° 2, C.C.), nao devendo o tribunal decretar essa medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior. I-A regra geral é de reconhecer a capacidade da pessoa humana para exercer de forma livre os seus direitos pessoais (Art. 147.° n.° 2 do C.C,), sendo as restrigdes ou limitagdes ao seu exercicio a excegio, que sempre deverA ser bem fundamentada, Acordam os Juizes na 7" Secgao do Tribunal da Relacao de Lisboa: I- RELATORIO O Ministério Publico, ao abrigo dos Art.s 138.° n.° 1 ¢ 141.°, 152." a 156.° do C.C. ¢ Art.s 891.° ss do C.P.C., veio intentar a presente ago especial de interdic4o por anomalia psiquica, contra B. Alegou, em sintese, que a Requerida, desde data nao posterior ao ano de 1990, apresenta uma patologia mental grave, traduzida numa esquizofrenia, que implica sérias limitagdes na realizagao das atividades da sua vida diaria, deixando-a totalmente dependente de uma supervisao e cuidados permanentes na sua vida a cargo de terceiros, sendo tal patologia permanente e irreversivel. Concluiu pedindo que fosse declarada a interdi¢éo da Requerida, por anomalia psiquica e fosse nomeado tutor. Foram publicados os aniincios nos termos do Art. 892.° do C.P.C. Em virtude da Requerida se encontrar impossibilitada de receber a citagao, foi citada na pessoa do curador provisério, que nao deduziu contestagio. Na sequéncia foi solicitada indicagao de defensor oficioso, nos termos do Art.s 894.° n° 1 e 21. n.° 2 do C.P.C., que também nao contestou, sendo assim a a¢ao nao contestada. Foi realizado exame pericial 4 Requerida, sendo que na pendéncia do proceso, entrou em vigor a Lei n.° 49/2018, de 14 de Agosto, que criou o regime juridico do maior acompanhado e eliminou os institutos de interdigio e da inabilitagio, 0 qual é de aplicagio imediata aos processos de interdi i tendo-se procedido As adaptacdes necessdrias no processado, ao abrigo do disposto no Art. 26.° daquele diploma legal, passando os autos a seguir os termos do regime juridico do maior acompanhado. Procedeu-se & audig&o pessoal e direta da Requerida, foram solicitados esclarecimentos aquando dessa audigao e veio a ser junta aos autos informacio social apresentada pela Assistente Social da institui¢io onde aquela reside (cfr. fls. 38). Instruido 0 proceso veio a ser proferida sentenca que decidiu 0 seguinte: 1, Julgar a a¢do procedente por provada e, em consequéncia: 1.1. Declarar B, beneficiaria de medida de acompanhamento, sujeita ao regime da representagao geral (cfr. Art.s 138.” e 145.°, n.? 2, al. b), 1." parte, do C.C.). 1.2. Designar o filho da Requerida, C, acompanhante da beneficidria (poderes de representacio geral) - (cfr. Art. 143.", n.° 2, al. e) do C.C,) e designar a filha da Requerida — D — acompanhante da Requerida na vertente emocional e familiar — (cfr. Art. 143.° n.° 3d0C.C). 1.3. Atribuir ao acompanhante designado em 1.2., poderes de representacio geral da beneficidria, que segue o regime da tutela, com as necessarias adaptacdes por forga da entrada em vigor da Lei n.’ 49/2018, de 14/8, designadamente os poderes para receber pensdes e/ou subsidios e geridos em beneficio e de acordo com as necessidades da beneficidria. 1.4, Consignar que o acompanhante designado em 1.2., no exercicio da sua fungi, deverd privilegiar o bem-cstar e a recuperagao da acompanhada, com a diliggncia requerida a um bom pai de familia, na concreta situacao, devendo manter um contacto permanente com aquela, visitando-a, no minimo, uma vez por més. 1.5. Dispensar a nomeagao de Conselho de Familia (cfr. Art. 900." n.2do 1.6. Consignar que, para os efeitos do disposto no Art. 2189.°, al. b) do C.C,, a beneficiaria é incapaz de testar, alienar ou onerar. 1.7. Consignar que, nos termos ¢ para os efeitos do disposto no Art.” 1601.°, al. b) do C.C., a presente decisio de declaragao de acompanhamento da beneficidria é impedimento dirimente absoluto para o casamento. 1.8. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 2.°, al. b) da Lei n.” 7/2001 de 11/5, a situago de acompanhamento de maior, declarada pela presente sentenga, impede a atribuigao de direitos ou beneficios, em vida ou por morte, fundados na unio de facto. 1.9. Consignar que, nos termos ¢ para os efeitos do disposto no Art. 5.°, n° 3 da Lei n.” 36/98, de 24/7 (Lei de Satide Mental), a situagao de acompanhamento de maior, declarada pela presente sentenca, nao faculta 0 exercicio direto de direitos pessoais. 1.10. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 13.° da Lei n.° 36/98, de 24/7 (Lei de Satide Mental), a situagio de acompanhamento de maior, declarada pela presente sentenga, ocorre restrigdo de direitos pessoais, pelo que o acompanhante tem legitimidade para requerer as providéncias previstas na referida lei. 1.11. Consignar que, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 4°, n. 1 do Dee.Lei n.° 272/2001, de 13/10, 0 acompanhado nao pode aceitar ou rejeitar liberalidades a seu favor. 1.12. Consignar que o tribunal autoriza o internamento da beneficidria na Casa de Saude Camara Pestana, no Funchal, onde atualmente reside (cfr. Art. 148.", n.° 1 do C.C.).. 1.13. Consignar que nao existe noticia de que a beneficiéria tenha outorgado testamento vital e/ou procuragio para cuidados de satide (cfr. Art. 900.°, n.° 3 do C.P.C. ¢ Arts 4." al. b), 14.° n° 3 ¢ 16.° da Lei n.° 25/2012, de 16/7). 1.14. Fixar em cinco anos 0 prazo de revisio da medida aplicada, nos termos e para os efeitos previstos no Art. 155.” do C.C 1.15. Determinar a publicagdo da presente sentenca em sitio oficial (cfr. Art. 893.° n.° Le 2 do C.P.C. e Art. 153.°, n." 1 do C.C.). O Ministério Publico, nao se conformando com a sentenca vem agora dela interpor recurso de apelagao, apresentando no final as seguintes conclusdes: A- O Regime Juridico de Acompanhamento a Maior Acompanhado, instituido pela Lei 49/2018 de 14 de agosto, tem como objetivo, plasmado no n.° 1 do artigo 140° do Cédigo Civil, 0 bem-estar do acompanhado e a sua recuperacao, em pleno exercicio de todos 0 seus direitos, B- Constituindo a restrigao de tais direitos um regime excecional, cuja imposigao, por sentenga, deverd justificar-se mediante cada situagao concreta. C- Por isso, 0 n.° 1 do artigo 145° do Cédigo Civil limita 0 acompanhamento ao estritamente necessario eo n.° 1 do artigo 147° do mesmo Diploma Legal, estatui, como principio geral, a liberdade no exercicio dos direitos pessoais dos acompanhados, tais como os de casar, de estabelecerem relagdes de unio de facto, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados. D- O direito de se constituir familia e de contrair casamento, em condigées de plena igualdade nao se encontra unicamente protegido pela Lei, em relacio aos Maiores Acompanhados nas citadas normas legais, merecendo, ainda, protecio constitucional, prevista nos artigos 67° ¢ 36° n° 1 da Constituigio da Republica Portuguesa. E- Nao obstante, a sentenga que determinou a aplicacao de medida de acompanhamento & requerida, impediu-a de casar, de constituir, com protegio juridica, relagdes de facto, e de decidir sobre a pratica de atos médicos no seu corpo e satide e que a Lei de Saiide Mental permite, com cardcter geral, que sejam consentidos por portador de doenca mental. F- E tais decisées, restritivas dos direitos pessoais fundamentais da requerida, foram adotadas sem se alicergarem em qualquer facto, ou razio de direito, que se encontre descrito na sentenga, ou tenha sido alegado na petigo inicial que deu origem ao presente proceso. G- Pois que, dos factos dados como provados, nao resulta, nem se retira essa conclusio da sentenca, que a requerida se encontre incapaz de compreender e de exercer os direitos e deveres inerentes ao casamento, a uma relacao de unio de facto ou em relacao aos seus direitos reprodutivos, H- Do mesmo modo que inexiste qualquer elemento que permita concluir que a requerida nfo tenha maturidade para assumir responsabilidades parentais ou para decidir sobre a pratica, no seu corpo, dos atos de satide descritos na Lei de Satide Mental, de que foi inibida mas cuja decisao se encontra autorizada, de modo geral, a portadores de doenca mental. J- Asentenga padece, assim, de total fundamentagio de facto e de direito, incumprindo o dever de fundamentasao imposto pelos artigos 205° n° 1 da Constituicdo da Republica Portuguesa e 154° n' 1 do Cédigo de Processo Civil, violando, ainda, o disposto nos artigos 140° n°1, 145° n° 1, 147° n° 1 do Cédigo Civil e os artigos 36° n° 1, 67°, 25° n.” 1 da Constituiciio da Republica Portuguesa, ao restringir os mencionados direitos pessoais da requerida. Pede assim que seja dado provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da sentenga, por falta de fundamentagio, nos termos do disposto no Art. 615.° n.° 1, alinea b) do Cédigo de Processo Civil e determinando-se a sua substituig4o por outra que nfo restrinja os direitos pessoais da requerida, que se encontram descritos nos pontos 1.9, 1.10, 1.11 e 1.12 da decisao da sentenga. Nao foram apresentadas contra-alegagdes. O Tribunal a quo, ao admitir 0 recurso, pronunciando-se sobre as alegadas nulidades da sentenga deixou ai consignado o seguinte: «OM? P’ veio recorrer da sentenca e arguiu nulidade da mesma por ‘falta de fundamentacao de facto e de direito que justifiquem a deciséo, nos termos do disposto no n° 1, alinea b) do art’. 615 do CP! «Apreciando. «Os fundamentos invocados pelo Exm’, recorrente para justificar 0 pedido de declaragao de nulidade da sentenca proferida reconduz-se & alinea b) do n.° I do artigo 615° do CPC. «Wispée o artigo 615°, n.” 1, al. b) do CPC que “é nula a sentenca quando néo especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisio”. «No que tange a alinea b), é mister referir, na esteira de Lebre de Freitas, que “hé nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicagao dos fundamentos de facto ou a indicacéo dos fundamentos da deciséio”. (cfr. Lebre de Freitas, Cédigo de Processo Civil Anotado, Volume 2°, 2" edigéo, Coimbra Editora, pégina 703). «Cotejado 0 teor da deci do proferida, afigura-se-nos verificar-se que 0 tribunal especificou os fundamentos ficticos e juridicos que justificam a decisio, inexistindo qualquer nulidade. «Porém, V's. Ex's., em seu alto critério, fardo como sempre justiga.» (cfr. fls 55 verso a fls 56). Il- QUESTOES A DECIDIR Nos termos dos Art.s 635° n.° 4 e 639° n.° 1 do C.P.C., as conclusées delimitam a esfera de atuagao do tribunal ad quem, exercendo uma funcao semelhante a do pedido na peticao inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Cédigo de Processo Civil”, Almedina, 2017, pag. 105 a 106). Assim, em termos sucintos, as questdes essenciais a decidir sio: a) A nulidade por falta de fundamentagio de direito e de facto; e b) A adequacao das concretas medidas de acompanhamento de maior constantes da sentenga recorrida. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. TH- FUNDAMENTACAO, DE FACTO Asentenga recorrida sustentou-se na seguinte matéria de facto que julgou por provada: 1. A Requerida B, nasceu a 18/8/1943, é divorciada desde 4/12/1992, natural da freguesia e concelho de Santa Cruz. 2. E filha de Daniel ....e de C ‘onceicao .. 3. A Requerida padece de Esquizofrenia Paranoide, apresenta delirio. 4, Tal patologia teve inicio provavel em 1990, é de caracter permanente e de tal modo grave que a torna incapaz de governar a sua pessoa e bens. 5. A Requerida fala de forma percetivel, anda sem apoio, & auténoma nos cuidados de higiene. 6. Tem nogio do tempo e do espaso. 7. A Requerida esta na instituigio Casa de Satide Camara Pestana desde 10/7/1990, ou seja, ha cerca de 29 anos. 8. A Requerida tem filhos, sendo que 0s filhos C, que exerce as fungées de tutor, e D, so os que mantém uma relacdo mais préxima com a Requerida. 9. Quinzenalmente vai passar o fim de semana com a filha C, que a vai buscar e levar instituigdo. 10. A Requerida recebe uma pensio mensal de 255,54€. 11. Nao existe noticia de testamento vital ou procuragio para cuidados de saude. ‘Tudo visto, cumpre apreciar. * Iv- FUNDAMENTAGAO DE DIREITO Estabelecidas as questdes que fazem parte do objeto da apelacao, cumpre entao delas tomar conhecimento pela ordem de precedéncia logica, comecando pela alegada nulidade da sentenca recorrida. 1. Da nulidade por falta de fundamentagao. O Recorrente veio invocar a nulidade da sentenga recorrida com base na falta de fundamentacao de facto e de direito, fundamentalmente com o argumento de que os factos dados por provados nao se pode concluir que a Requerida se encontre incapaz de compreender e exercer os direitos ¢ deveres inerentes a0 casamento ou a uma unio de facto, ou ainda que nao tenha maturidade para assumir responsabilidades parentais ou decidir sobre atos de saiide descritos na Lei de Saude Mental de que foi inibida. Como vimos, nao foram apresentadas contra-alegagdes e o tribunal recorrido sustentou que 0 vicio apontado nao se verifica, pot relevariam apenas como causa de nulidade da sentenga a omissio absoluta de fundamentasao, 0 que nao se verificaria no caso. Nos termos do Art. 615° n.° 1 al. b) do C.P.C., é nula a sentenca quando nfo especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisao. Trata-se de um vicio formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentenga. Ensinava a este propésito Alberto dos Reis (in “Cédigo de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pag. 140) que: «Ha que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivaao da motivagio deficiente, mediocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivacio; a insuficiéncia ou mediocridade da motivagao é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentenga, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas nao produz nulidade, Por falta absoluta de motivagao deve entender-se a auséncia total de fundamentos de direito e de facto.». No mesmo sentido, vejam-se Acérdio da Relagio de Coimbra de 14/4/1993 — Relator: Ruy Varela, in BMJ n.° 426, pag. 541; Acérdio da Relagio do Porto de 6/1/1994 — Relator: Anténio Velho, in C.J. 1994 — Tomo I, pag. 197; Acérdio da Relagio de Evora de 22/5/1997 — Relatora: Laura Leonardo, in C.J. 1997 - Tomo II, pag. 266; Acérdio do Supremo Tribunal de Justiga de 19/10/2004 — Relator: Oliveira Barros, acessivel em www.dgsi.pt/jstj, Rodrigues Bastos in “Notas ao Cédigo de Processo Civil”, Vol. III, Lebre de Freitas in “Cédigo de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 2001, pag. 669). Nas palavras precisas de Tomé Gomes (in “Da Sentenga Civel”, pag. 39): «Assim, a falta de fundamentagio de facto ocorre quando, na sentenga, se omite ou se mostre de todo ininteligivel 0 quadro factual em que era suposto assentar. Situagao diferente é aquela em que os factos especificados sao insuficientes para suportar a solugio juridica adotada, ou seja, quando a fundamentagio de facto se mostra mediocre e, portanto, passivel de um juizo de mérito negativo. / A falta de fundamentagio de direito existe quando, nao obstante a indicagao do universo factual, na sentenga, nio se revela qualquer enquadramento juridico ainda que implicito, de forma a deixar, no minimo, ininteligivel os fundamentos da decisio.» Conforme se refere de forma lapidar no Acérdao do Supremo Tribunal de Justiga de 26/4/1995 (Relator: Raul Mateus in C.J. 1995 — Tomo II, pag. 58): «(...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisao. Isto é to evidente que uma mera leitura, ainda que obliqua, de tal acérdo logo mostra que assim é, Se bons, se mans esses fundamentos, isso é outra questo que nesta sede no tem qualquer espécie de relevancia.» O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentenga por falta de fundamentagao nio se verifica quando apenas tenha havido uma justificagao deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificacao da nulidade, a auséneia de motivacao que impossibilite 0 antincio das razdes que conduziram & decisio proferida a final (Cfr. Acérdao de 15/12/2011 — Relator: Pereira Rodrigues, Proc. n.° 2/08). $6 a absoluta falta de fundamentagao — e nao a sua insuficiéncia, mediocridade, ou erroneidade — integra a previsio da alinea b) do n’l do Artigo 615°, cabendo o putativo desacerto da decisio no campo do erro de julgamento (cfr. Acérdio do Supremo Tribunal de Justia de 2/6/2016 — Relatora: Fernanda Isabel Pereira, Proc. n.° 781/11 e, no mesmo sentido, Acbrdios do Supremo Tribunal de Justiga de 28/5/2015 — Relator: Granja da Fonseca, Proc. n.° 460/11, de 10/5/2016 — relator: Joo Camilo, Proc. n.” 852/13). Como escreveram Luis Mendonca e Henrique Antunes (in “Dos Recursos”, Quid Juris, pag. 116): «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivacao; a insuficiéncia ou mediocridade da motivagao é espécie diferente, afeta o valor doutrinal persuasive da decisio — mas nao produz nulidade.». Anio concordancia do Recorrente com a subsungio dos factos As normas juridicas e/ou com a decisao sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentenga (cfr. Acérdao do Tribunal da Relacio de Lisboa de 17/5/2012 - Relator: Gilberto Jorge Proc. n.” 91/09). No caso dos autos, conforme se pode constar da sentenga recorrida, a mesma é expressa na indicagio das normas juridicas que sustentam a sua decisio. Por outro lado, sio descritos os factos provados ¢ a prova com base na qual assentou a conviccio do tribunal, em termos perfeitamente sindicaveis pela recorrente. Assim sendo, mais nio resta que julgar inexistente a alegada nulidade da sentenga recorrida, por no se verificar omissio absoluta de fundamentagao de facto e de direito, sendo evidente que os fundamentos do recurso se sustentam apenas e s6 na discordancia do Recorrente sobre a suficiéncia da matéria de facto para permitir a decisio tomada com a extensio integral ai constante. Mas, tal sera matéria de eventual “erro de julgamento” e nao de nulidade da sentenga. Improcedem, portanto, todas as conclusdes apresentadas em sentido diverso do exposto. 2. Da adequagio das medidas de acompanhamento de maior constantes da sentenga recorrida. ‘A presente ago tinha por finalidade inicial a declaragio de interdi¢ao da Requerida, por anomalia psiquica e a instauragio da tutela, nos termos do Art. 141.” e 152." a 156.° do C.C., instituto que foi revogado pela Lei n.° 49/2018 de 14 de agosto, que criou 0 regime do maior acompanhado. A Lei n.° 49/2018, que entrou em vigor em fevereiro de 2019 (Art. 25.°), alterou nao apenas 0 Cédigo Civil e 0 Cédigo de Processo Civil, mas dezassete outros diplomas que se reportavam a pessoas na situagio de interditas ou inabilitadas, tendo imediata aplicacio aos processos de interdicAo e de inabilitagao pendentes aquando da sua entrada em vigor, devendo os juizes utilizar os poderes de gestio processual e de adequagao formal para proceder As adaptagies necessdrias nos processos pendentes (Art. 26.” n.’s 1 2). Houve uma alteragao de paradigma na rigidez do anterior sistema que assentava em duas figuras (interdigAo e inabilitagio) que imitavam a capacidade de exercicio do requerido de forma estanque e pré-definida na lei. Esse sistema deu lugar A uma figura maleayel do maior acompanhado, com um conteddo a preencher casuisticamente pelo juiz em fungao da real situagao e das capacidades ¢ possibilidades da pessoa em conereto. Onde antes a regra era a da incapacidade de exercicio, agora é a da capacidade. Conforme refere Pinto Monteiro, a pergunta agora jA nao é “aquela pessoa possui capacidade mental para exercer a sua capacidade juridica?”, mas “quais os tipos de apoio necessarios Aquela pessoa para que ela exerga a sua capacidade juridica?”. Parte-se de uma ideia de capacidade, para dotar a pessoa dos instrumentos necessarios para a sua tutela nos casos pontuais — e sempre tendo em conta as particularidades de cada atuaciio ou dominio de atuacio — em que dela carega. A solugio jd nao é generalizante, procurando, pelo contrario, preservar até ao limite a possibilidade de atuagio auténoma do sujeito. No fundo, pretende-se proteger sem incapacitar» (Mafalda Miranda Barbosa in “Maiores Acompanhados: da Incapacidade A Capacidade?”, ROA, Ano 78, jan./jun. 2018, pag. 236, a obra que cita de A. Pinto Monteiro é O Cédigo Civil Portugués entre o elogio do passado ¢ um olhar sobre 0 futuro). O Prof. Anténio Pinto Monteiro (in RLJ, Ano 148, n.° 4013, Seccao de Legislagio, “Das incapacidades ao maior acompanhado”, a pig. 72 e segs) refere que: «(...) a Lei n.’ 49/2018 veio dar resposta positiva as preocupasdes que se faziam sentir no campo das incapacidades das pessoas com deficiéncia, com a consagracio deste novo regime juridico do maior acompanhado. A Lei acolheu a mudanga de paradigma j ha muito anunciada, afastando-se do modelo de tomada de decisdes por substituigiio e abracando 0 modelo do acompanhamento, pela tomada de decises com recurso A assisténcia e apoio. “Proteger sem incapacitar”, recorde-se, é a palavra de ordem do novo modelo. Mas fé-lo com realismo, permitindo o recurso A representagio legal quando, excecionalmente, no houver alternativa credivel, no interesse do necessitado e por decisao judicial. Temos hoje, pois, em vez do modelo do passado, rigido e dualista, de tudo ou nada, de substituigao, temos hoje, dizia, um regime que segue um modelo flexivel e monista, de acompanhamento ou apoio, casuistico e reversivel, que respeita na medida do possivel a vontade das pessoas ¢ o seu poder de autodeterminagao. E claro que 0 sucesso, na pritica, deste novo modelo vai depender, em grande medida, dos tribunais, pela responsabilidade acrescida que o novo regime Ihes atribui, na definigao - e revisiio — das medidas adequadas a cada deficiente, a cada situagao! E esta mais uma tarefa que a lei confia aos tribunais, no desempenho da nobre missio de servir a vidal» O mesmo autor escreve ainda (a fls. 80 da citada R.L.J) que: «Optou o legislador, como se vé, por uma formulacao ampla, afastando-se claramente da posi¢Ao fechada relativa aos fundamentos da interdigao ¢ da inabilitagao. Um ponto muito importante que neste contexto importa sublinhar é o de que na atual formulagio ampla que permite o recurso as medidas de acompanhamento cabem as pessoas idosas e/ou doentes». E ainda (a fls. 72 73) que: «E claro que hd razdes de fundo, razdes que estiveram presentes na tomada de posicio de varias instAncias internacionais, no sentido de valorizar os direitos das pessoas deficientes, da sua dignidade e autonomia. Para la dos avangos da cigncia médica, também de um ponto de vista social foram varios os apelos — entre nds ¢ por esse mundo fora - a uma nova compreensio dos problemas das pessoas com deficiéncias fisicas ou mentais, ou com quaisquer outras limitagdes que afetem a sua capacidade juridica, Essa tomada de consciéncia deu corpo a um movimento internacional de peso. A este respeito, impde-se mencionar a Convengo de Nova Torque sobre os Direitos das Pessoas com Deficigncia, adotada pelas Nagdes Unidas em 30 de Marco de 2007 (aprovada pela Resolugao da Assembleia da Republica n° 56/2009, de 7 de Maio, ¢ ratificada pelo Decreto do Presidente da Republica n° 71/2009, de 30 de Julho), bem como o respetivo Protocolo Adicional, adotado pelas Nagdes Unidas na mesma data de 30 de Margo de 2007 (e aprovado pela Resolugio da AR n° 57/2009, tendo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da Repiiblica n° 72/2009, de 30 de Julho)o» Miguel Teixeira de Sousa (fls 51 da apresentago realizada no CES, em 11/12/2018, no Ambito da ago de formagao “O Novo Regime Juridico do Maior Acompanhado” - O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspetos Processuais), refere que: «A medida de acompanhamento de maior sé € decretada se estiverem preenchidas duas condigdes: (0 positiva (orientada por um principio de necessidade): tem de haver justificagao para decretar o acompanhamento do maior e, designadamente, uma das medidas enumeradas no Art.’ 145, n.° 2 do C.C.; isto significa que, na duvida, no é decretada nenhuma medida de acompanhamento; - Uma condigao negativa (norteada por um principio de subsidiariedade): dado que a medida de acompanhamento & ia perante deveres gerais de cooperacio e assisténcia (nomeadamente, de Ambito familiar) (Art. 140.°, n.° 2, C.C.), 0 tribunal no deve decretar aquela medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior.». Assim, atualmente, o Art. 138 do CC, com redagao da Lei 49/2018, ¢ epigrafado “Acompanhamento” e estabelece que: «o maior impossibilitado, por razées de sade, deficiéncia, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Cédigo». O Art. 140. do C.C. (Objetivo e supletividade), estabelece: «1 - O acompanhamento do maior visa assegurar 0 seu bem-estar, a sua recuperagao, o pleno exercicio de todos os seus direitos ¢ 0 cumprimento dos seus deveres, salvo as excecdes legais ou determinadas por sentenca. «2-A medida nao tem lugar sempre que 0 seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperagéo e de assisténcia que no caso caibam.» Do Art. 141.° n.° 1 do C.C. (Legitimidade) decorre que: «d - O acompanhamento é requerido pelo préprio ou, mediante autorizagao deste, pelo cénjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessivel ou, independentemente de autoricagao, pelo Ministério Piblico.» O Art. 143.° (Acompanhante) dispie que: «1 - O acompanhante, maior e no pleno exercicio dos seus direitos, € escothido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente. «2-Na falta de escolha, 0 acompanhamento é deferido, no respetivo processo, & pessoa cuja designagao melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficidrio, ...» No Art. 145.° (Ambito ¢ conteddo do acompanhamento) estabelece- se: «d - O acompanhamento limita-se ao necessério. «2 - Em funcéo de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, 0 tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes: «a) Exercicio das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstincias; «b) Representacéo geral ou representagao especial com indicagéo expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessdria; «c) Administragio total ou parcial de bens; «d) Autorizacao prévia para a pritica de determinados atos ou categorias de atos; ©) Intervengaes de outro tipo, devidamente explicitadas. G) Art. 146.° (Cuidado e diligéncia) regula que: «1 - No exercicio da sua fungao, 0 acompanhante privilegia o bem- estar e a recuperacao do acompanhado, com a diligéncia requerida a um bom pai de familia, na concreta situagao considerada. E 0 Art.” 147.° (Direitos pessoais e negécios da vida corrente) det que: «1 - O exercicio pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebragao de negocios da vida corrente so livres, salvo disposigéo da lei ou decisio judicial em contréi «2 - Sio pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situagoes de uniao, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os fithos ou os adotados, de escolher profissiio, de se deslocar no pais ou no estrangeiro, de fixar domicilio e residéncia, de estabelecer relagdes com quem entender e de testar. De referir que 0 Art. 155.° do C.C. estabelece o prineipio da revisio periddica da situacdo de 5 em 5 anos, sendo o regime subordinado aos principios da subsidiariedade e do respeito pela autonomia da pessoa humana (Art.s 141.°, 143.° e 147.°), da necessidade (Art.s 145." e 155.°), do bem-estar e recuperagio do sujeito (Art.s 140." e 146.°), que funcionam como as traves mestras que orientam 0 novo regime ¢ as medidas a aplicar a cada caso. Refira-se ainda que no s6 a nova legislagao se aplica aos processos pendentes, como também as interdigdes ¢ inabilitages anteriormente decretadas (Art. 26.° n.° 4 en.” § do citado diploma), sendo atribuidos ao acompanhante poderes gerais de representacio, mas podendo o juiz autorizar a pratica de atos pessoais, direta e livremente, mediante requerimento justificado. Nos termos do n.” 6 do Art. 26.°, As inabilitagdes decretadas antes da vigéncia dessa lei, aplica-se o regime do maior acompanhado, cabendo ao acompanhante autorizar os atos antes submetidos aprovagio do curador. Os tutores e curadores nomeados antes da entrada em vigor da nova lei passam a acompanhantes (n.” 7 do Art. 26.") e os acompanhamentos que resultaram de conversio de anteriores terdigdes inabilitagdes nos termos dos n.’s 4 a 6 sao revistos a pedido do préprio, do acompanhante ou do Ministério Pablico, 4 luz do regime atual (n.° 8 do mesmo Art. 26.°). No presente recurso nao se pe em causa a necessidade da aplicagao da medida de acompanhamento de maior, mas é suscitada a questo da adequacao de algumas das medidas concretamente aplicadas As condigdes concretas da beneficidria ¢ & sua autonomia ¢ liberdade, tendo em atengao que a regra é a capacidade geral da pessoa humana para exercer os seus direitos, sendo as restrigdes ou limitagbes a excegio, que sempre deverA ser bem fundamentada. No pedido final formulado nas alegacdes de recurso foram diretamente postas em causa as medidas constantes dos pontos 1.9 a 1.12 da parte dispositiva da sentenga recorrida. No ponto 1.9 foi condicionado 0 exercicio de fos pessoais, nos termos do Art. 5. n.° 3 da Lei de Satide Mental (Lei 36/98 de 24/7). No ponto 1.10 foi condicionado o exercicio de providéncia referidas no Art. 13.” da mesma Lei de Saude Mental. No ponto 1.11 limitou-se 0 exercicio do direito de aceitar ou rejeitar liberalidades a favor da beneficidria. No ponto 1.12 autorizou-se o internamento da beneficiaria na Casa de Satide Camara Pestana, no Funchal, que é 0 local onde reside. Esta em causa 0 Art. 147.° n.° 1 do C.C. que, como vimos, estabelece que a regra geral é do livre exercicio dos direitos pessoais pelo maior acompanhado, fazendo no n.° 2 uma enumeragio nio exaustiva desse tipo de direitos. Comegando pelo ponto 1.9 da sentenga recorrida, temos de referir que a sentenca nao estabeleceu uma limitagao genérica para o exercicio de todos e quaisquer direitos pessoais da beneficidria do regime de acompanhamento. A sentenga s6 restringiu os direitos pessoais mencionados no Art. 5.° n.° 3 da Lei 36/98 de 24/7. Estabelece essa norma que: «3 - Os direitos referidos nas alineas c), @ ee) don.’ I séo exercidos pelos representantes legais quando os doentes sejam menores de 14 anos ou maiores acompanhados e a sentenca de acompanhamento nao faculte o exercicio direto de direitos pessoais». Por seu turno, nas alineas ¢), d) ¢) do n.° 1 esto previstos os seguintes direitos aos utentes dos servigos de satide mental: «c) Decidir receber ou recusar as intervengoes diagnésticas ¢ terapéuticas propostas, salvo quando for caso de internamento compulsivo ou em situagées de urgéncia em que a néo intervengao criaria riscos comprovados para o préprio ou para terceiros; ad) Nao ser submetido a electroconvulsivoterapia sem o seu prévio consentimento escrito; «e) Aceitar ou recusar, nos termos da legislagao em vigor, a participacio em investigacées, ensaios clinicos ou atividades de formacion. Dos factos provados resulta que a Requerida padece de esquizofrenia paranoide e apresenta delirio, 0 que assume gravidade tal que a incapacita de governar a sua pessoa e bens, ainda que tenha suficiente autonomia para os seus cuidados de higiene, andando sem apoio, falando de forma percetivel ¢ com perfeita nogio do tempo e do espaso. No entanto, como nao se indicia que possam estar sequer em causa a possibilidade de alguma das intervengdes ou terapéuticas a que se reporta o Art. 5.° n.” 3 da Lei de Saude Mental, nao vemos que facga sequer sentido essa limitacio seja estabelecida, sem prejuizo da reavaliagio da ago nos termos do Art, 155.” do C.C.. Passando ao ponto 1.10, uma vez mais a limitagio estabelecida na sentenga recorrida reporta-se apenas As providencias referidas no Art. 13.° da Lei de Satide Mental, que trata da matéria da legitimidade para requerer o internamento compulsivo. Decorre desse preceito que: «/- Tem legitimidade para requerer 0 internamento computlsivo o representante legal do menor, 0 acompanhante de maior quando o préprio nao possa, pela sentenga, exercer direitos pessoais, qualquer pessoa com legitimidade para requerer a instauragao do acompanhamento, as autoridades de satide piiblica e o Ministério Piblico. «2 - Sempre que algum médico verifique no exercicio das suas funcées uma anomalia psiquica com os efeitos previstos no artigo 12.° pode comunicé-la & autoridade de sattde publica competente para os efeitos do disposto no nimero anterior. «3 - Se a verificagao ocorrer no decurso de um internamento voluntario, tem também legitimidade para requerer 0 internamento compulsivo o diretor clinico do estabelecimento.» Quanto a este aspeto, da matéria de facto sé decorre que a Requerida esta a residir numa Casa de Saude e sofre duma doenca do foro psiquiatrico. Nao resulta daqui que tenha havido, ou sequer se coloque a questao, do internamento compulsivo. Nao esta também evidenciada uma auséncia total de consciéncia por parte da Requerida que nao Ihe permita exercer esse direito, sendo que se algum dia a questo se colocar de forma premente, perante uma situagao de saude mental mais grave, a Lei de Saude Mental estabelece um naipe de solucées suficientemente amplo que salvaguardara o caso. Pelo que, também este ponto 1.10 devera ser exeluido. Diretamente relacionado com esta tiltima situagao est 0 ponto 1.12 da sentenga recorrida, que se refere & autorizagao dada pelo tribunal para o internamento, tendo em atengao o disposto no Art. 148.” do C.C.. A questo coloca-se precisamente nos mesmos termos da anterior. Nao decorre dos autos a necessidade premente do internamento. O que decorre dos autos é apenas que a mesma se encontra numa “Casa de Saiide”, onde reside. Se a Requerida reside na “Casa de Satide”, trata-se de situago voluntiria que nio exige autorizacao do tribunal. Mas se a questo do internamento se vier a colocar, poder ser oportunamente decidida, nos termos do n.° 2 do Art. 148.” do C.C.. Passando ao ponto 1.11, refere-se 0 mesmo limitagao da capacidade para aceitar ou rejeitar liberalidades, nos termos do Art. 4° n.° 1 do Dec.Lei n.” 272/2001 de 13/10, Estabelece esse preceito que: «/- Sao da competéncia do Ministério Public as decisoes relativas a pedidos de notificacéo do representante legal para providenciar acerca da aceitagao ou rejeigho de liberalidades a favor de incapaz menor ou de maior acompanhado que, nos termos da sentenca de acompanhamento, néo o possa fazer pessoal ¢ livremente.» Quanto a esta matéria o tinico facto relevante é 0 constante do ponto 4 dos factos provados. Resulta desse ponto que a Requerida sofre de patologia tal, de carater permanente e de tal modo grave que a torna incapaz de governar os seus bens. O que, a nosso ver, & insuficiente para se estabelecer a limitagio mencionada no ponto 1.1. Mas para além do pedido constante do final das alegacées de recurso, o Ministério Piblico, aqui Recorrente, pos ainda em causa as limitagdes constantes dos pontos 1.7 ¢ 1.8 da sentenga recorrida, sobre as quais incide grande parte das conclusdes do recurso. No 1.7 a sentenga recorrida impede a Requerida de casar, considerando que a doenca mental verificada constituiria impedimento dirimente, nos termos do Art. 1601.° al. b) do C.C.. Ja no ponto 1.8 impede a Requerida da atribuigao de direitos ou beneficios, em vida ou morte, fundados em unio de facto. Sucede que, apenas a “deméncia notéria”, que no se demonstra ser ainda o caso, constitui impedimento dirimente absoluto para casar, nos termos do Art. 1601.° al. b) do C.C.. Repita-se, sé excecionalmente, com fundamentagao relevante, ponderando o supremo interesse do acompanhado, se poderd coartar por decisio judicial 0 exercicio de direitos pessoais. Entre esses direitos pessoais esto precisamente os de casar, constituir familia ou viver em unio de facto (Art. 147.° n.° 2 do C.C.), Para além de que sao direitos fundamentais que assistem a todos os cidados, com tutela constitucional nos Arts 36.’ n.° 1 e 67.° da nossa Constituigao. A doenga de esquizofrenia paranoide, com delirios, pode ser controlada por via medicamentosa e pode nio se traduzir numa situagdo de “deméncia notéria” que justifique as limitagdes estabelecidas na sentenga recorrida. Em suma, concordando nesse aspeto com as conclusdes das alegacdes de recurso, fundamentalmente julgamos que a matéria de facto provada ¢ insuficiente para justificar a subsisténcia dos pontos 1.7 a 1.12 da sentenca, que assim deve ser alterada nessa parte, climinando-se essa parte dispositiva da decisio recorrida. V- DECISAO: Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelagao procedente por provada e, apesar de julgarmos nio verificada a nulidade apontada A sentenga recorrida, julgamos alterar a mesma na sua parte dispositiva, climinando as restrigdes constantes dos pontos 1.7 a 1.12 relativas a direitos pessoais da Requerida sujeita ao regime de maior acompanhado. No mais, a sentenca deverd manter-se nos mesmos termos. - Sem custas, por nao haver vencido (Art. 527° n.° 1 do C.P.C.) eo Recorrente delas estar isento (Art. 4.’ n.” 1 al. a) do R.C.P.). * Lisboa, 4 de fevereiro de 2020 Carlos Oliveira Diogo Ravara ‘Ana Rodrigues da Silva

Você também pode gostar