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DIVULGAÇÃO DE PARECER DO CONSELHO CONSULTIVO N.

º 22/ CC /2020

N/Referência: Pº R.P.74/2019 STJSR-CC Data de homologação: 14-02-2020

Recorrente: Mónica P...., advogada.

Recorrido: Conservatória do Registo Predial de .....

Assunto: Documento particular( contrato de compra e venda) autenticado. Alegada falta de identificação do
comprador no termo de autenticação, o qual não tinha outorgado o contrato porque, sendo menor,
tinha sido representado pelos seus pais, que também outorgam o termo de autenticação –

Palavras-chave: Documento particular autenticado – Termo de autenticação -

Relatório

1. Mónica P...., advogada e ora recorrente, pediu online registo de aquisição do prédio descrito sob o nº
284/19881221 da freguesia de B…., concelho de F…., a favor de Ruben …. B…., solteiro, menor. Tal pedido, a
que coube a Ap. … de 2019/03/28, foi distribuído à Conservatória do Registo Predial de .....
1.1. Mediante menção do correspondente do código de depósito eletrónico, o pedido de registo foi
instruído com documento particular autenticado de contrato de compra e venda - cuja autenticação e depósito
(ambos com data da 21/03/2019) foram da autoria da apresentante -, bem como dos documentos que o instruíram.
O contrato de compra e venda foi outorgado por: Alexandre ….. B…., viúvo, vendedor e representante
legal (pai) do comprador, supra identificado; Susana M…., também representante legal (mãe) do dito comprador;
e, dando o consentimento «ao seu pai e sogro», Bruno ……. B….. e mulher, Carla R…., e Catarina B…., solteira,
maior.
O termo de autenticação foi outorgado pelos todos os indicados outorgantes do contrato.
1.2. A aquisição do indicado prédio encontra-se inscrita a favor do mencionado vendedor pela Ap…8 de
2015/08/07.
Encontram-se também em vigor uma inscrição de «2/3 de ÁGUA EXPLORADA», a favor de José B….
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(Ap… de 1915/03/31), uma inscrição de hipoteca voluntária, a favor do “Banco…, S.A.”( Ap. ..9 de 2015/08/07) e
uma inscrição de penhora, em que são exequentes S…. Augusto …. T… e Sérgio A….. T…., e executados
Alexandre ….. B…. e Rafael J…. ( pela Ap. …3 de 2018/12/20).
2. O registo foi recusado nos seguintes termos:
«Recusado: o menor comprador não foi identificado no termo de autenticação ( art.º 68º
e 69º, nº 2, 2.ª parte, CRP). Não fosse recusado, seria feito provisoriamente por dúvidas

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por não ter sido feita a advertência da ineficácia do ato ( art.º 174º, nº 2 Código Notariado
e 819º Código Civil).»
3. Daquela qualificação interpôs a apresentante o presente recurso (pela Ap. …56 de 2019/05/24), que
aqui damos por integralmente reproduzido e no qual, em síntese, se alega que:
- Num primeiro momento, o termo de autenticação não incluiu a identificação do comprador, mas o mesmo
foi posteriormente retificado pela requerente, que «elaborou “novo” termo de autenticação, no qual já consta a
identificação do menor comprador (…).Isto é retificou a primeira página e recolheu as assinaturas/rubricas da
mesma»), o qual juntou posteriormente ao pedido de registo mediante apresentação complementar;
- A deficiência que constituiu fundamento da recusa é inexistente, pois que se encontrava devidamente
sanada.
4. Em despacho proferido em cumprimento do disposto no art. 142º-A/1 do CRP, o senhor conservador
sustentou a decisão nos seguintes termos:
«(…)
Consultada a plataforma eletrónica para depósito dos documentos que baseiam os
pedidos de registo, constata-se que, efetivamente, a recorrente não depositou o
documento retificado que diz ter depositado, razão pela qual o presente recurso deve
ser indeferido.»

Questão prévia
1. Em sede de suprimento de deficiências a apresentante foi “alertada” para a necessidade de retificação
do termo de autenticação, por falta de indicação do “SEGUNDO (COMPRADOR)”.
A apresentante efetuou apresentação complementar, mencionando o mesmo Código do Depósito
Eletrónico relativo ao documento particular autenticado que havia apresentado com o pedido de registo, sem ter
prestado qualquer declaração complementar.
Confrontada com o fundamento da recusa, a apresentante veio em sede do presente recurso alegar que
“já” não se verifica a falta de identificação do comprador, porque procedeu á retificação do termo de autenticação
e que apresentou essa retificação mediante a referida apresentação complementar.
A recusa foi sustentada porque, consultado o documento a que respeita o código eletrónico (mencionado
no pedido de registo e na apresentação complementar), o mesmo correspondia exclusivamente à “versão” inicial.
2. Recebido o recurso no IRN, foi solicitada informação ao Helpdesk do SIRP «quanto à questão de saber
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se houve ou não alguma retificação ou alteração à autenticação e ao depósito eletrónico do documento em causa
que por algum motivo (técnico/tecnológico) não esteja ou não possa estar visível».
2.1. O referido helpdesk solicitou esclarecimento ao IGFEJ, que respondeu nos seguintes termos:
«Enviei um pedido de esclarecimento para a equipe do FileNet e obtivemos a resposta»: “Esse
documento não tem mais versões. O que leva a crer que foi usado sempre o mesmo documento particular
autenticado e que este não foi alterado”.

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2.3. Verificamos, por consulta entretanto efetuada, que sob o referido código constam depositados dois
documentos: um, de 21/03, relativo à 1ª versão do DPA e outro, de 28 de junho, relativo à 2ª versão do DPA,
correspondente ao teor resultante da “retificação” efetuada nos termos constantes do recurso.
3. Em face do exposto – nem a recorrente invoca qualquer constrangimento informático para o eventual
obstáculo à visualização do documento retificativo alegadamente depositado sob o mesmo código, nem o IGFEJ
logrou identificar esse eventual constrangimento - perece-nos poder intuir que terá havido lapso da apresentante
que, tendo procedido à “retificação”, se terá olvidado de proceder desde logo ao seu depósito [o qual veio a efetuar
muito mais tarde (28 de junho), já depois de haver interposto o recurso].
Temos, assim, que aquela “retificação” não pode aqui ser tida em conta1.
Resta, assim, saber se está em falta a referida falta de identificação do comprador e, em caso afirmativo,
qual a qualificação adequada.

Saneamento: o processo é o próprio, as partes legítimas, o recurso tempestivo, e inexistem outras


questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito.

Pronúncia: a posição deste Conselho vai expressa na seguinte

Deliberação

1. Cabe dar por cumprido o disposto no art. 46º/1-c) 2 do Código do Notariado, aplicável aos termos de
autenticação de documentos particulares por força do determinado no art.151º/1 do mesmo diploma( «na parte

1 Apesar disso, não podemos deixar de chamar a atenção para a irregularidade no procedimento utilizado para o efeito (daí a
utilização das aspas) e que afastaria a possibilidade de lhe atribuir efeito retificativo: substituiu-se a primeira página do termo de autenticação
(com 20 linhas, para lá do cabeçalho, e sem identificação do comprador) por outra página (com 27 linhas, para lá do cabeçalho, já com
identificação do comprador) – ainda assim indevidamente numerada como “fls.62” em vez de “fls.61”, donde resultou uma numeração
repetida (“fls.62”) - que voltou a ser assinada, mantendo tudo o resto inalterado, inclusive a data.
Este Conselho já teve oportunidade de defender que o ato de autenticação pode ser retificado mediante novo termo de
autenticação ou por meio de averbamento (nos termos e condições previstao no art. 132º do Código do Notariado) – cfr. Pºs R.P. 259/2009
IMP.IRN.Z00.07 • Revisão: 04 • Data: 24-01-2017

SJC-CT e Div.72/2009 SJC-CT, acessíveis em www.irn.mj.pt (Doutrina).


Foi a primeira das referidas modalidades que no presente caso se terá pretendido utilizar, embora, como vimos, de forma
absolutamente irregular. Em vez de um novo termo de autenticação, integralmente assinado na respetiva data e de que resultasse «o
propósito sanador ou regularizador do primeiro termo» ( como se escreveu no 2º processo supra indicado), o que verdadeiramente temos
é uma falsificação material do termo de autenticação, traduzida no acrescentamento da identificação do comprador.

2 Na parte em que institui como requisito comum do ato notarial a indicação do nome completo, estado, naturalidade e residência
habitual das pessoas singulares representadas pelos outorgantes.
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aplicável e com as devidas adaptações»), na situação em que, como a dos presentes autos - contrato de compra
e venda outorgado pelos representantes legais do comprador menor(concretamente por ambos os pais) -, em
que os termos utilizados permitem considerar que se remeteu para a identificação do representado que consta
do contrato objeto de autenticação3.

2. A falta de consignação, no termo de autenticação, da advertência da ineficácia do ato determinada


pelo art. 174º/2 do Código de Notariado (ex vi do disposto no art. 24º/1 do D.L. nº 116/2008, de 4 de julho), constitui
mera preterição de formalidade de que se compõe o modelo legal de redação do documento, cuja verificação por
si só não determina que o ato de registo que nele se baseie se tenha de admitir em termos minguantes4 .

3 Na identificação dos outorgantes do termo de autenticação reproduziu-se exatamente o que consta do contrato, exceto na
parte em que se omitiu o “SEGUNDO (COMPRADOR”, precisamente porque este não outorgou o termo. Vejamos:
a) No contrato:
«CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Entre
PRIMEIRO(VENDEDOR):
1) (…);
SEGUNDO(COMPRADOR):
1)(…);
TERCEIRO(AUTORIZANTES):
1)(…);
2)(…);
3)(…);
QUARTO (REPRESENTANTES LEGAIS):
1)(…);
2)(…), ambos na qualidade de representantes legais do segundo interveniente, melhor identificado na al. 1).»

b) No termo de autenticação:
«No dia 21 de Março de 2019, na cidade…, compareceram:
(…)».
Seguiu-se o mesmo texto supra, exceto, como referimos, a parte do “SEGUNDO (COMPRADOR)”.
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Perante a forma utilizada, embora pouco curial ou consentânea com o tipo de intervenção em causa, parece-nos que só uma
visão muito apegada à forma consente que se defenda que o termo de autenticação omite a identificação do representado dos outorgantes
“QUARTO (REPRESENTANTES LEGAIS)”.

4 Reproduzimos, com a devida adaptação, o ponto 2) da deliberação deste Conselho emitida no Pº R.P.46/2010 SJC-CT,
acessível no sítio da internet supra indicado, para cuja fundamentação remetemos e que aqui damos por reproduzida, o que traduz
discordância com a qualificação de provisoriedade por dúvidas incluída pelo senhor Conservador, a título subsidiário, no despacho de
qualificação.
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Em consonância com o exposto, propomos a procedência da presente impugnação.

Deliberação aprovada, por maioria, em sessão do Conselho Consultivo de 14 de novembro de 2019.


Luís Manuel Nunes Martins, relator. Blandina Maria da Silva Soares, com declaração de voto de vencido, em
anexo.
Esta deliberação foi homologado pela Senhora Presidente do Conselho Diretivo, em 14.02.2020.
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Processo R.P. 74/2019 STJSR-CC

Voto de vencido

Não concordo com a proposta de procedência do recurso, porquanto, para mim, em face da conjugação do
disposto nos artigos 46.º, n.º 1, alínea c) e 151.º, n.º 1, do Código do Notariado, a identificação dos outorgantes
em termo de autenticação de contrato de compra e venda celebrado pelos outorgantes em representação do filho
menor deve incluir a menção do exercício da representação legal e a identificação do menor representado.

Contudo, no meu entendimento, tal omissão não deveria constituir fundamento de recusa, antes de qualificação
provisória por dúvidas, na medida em que a falta não constitui vício de forma que possa ter como consequência a
nulidade formal do termo de autenticação (cfr. artigo 70.º, n.º 1, a contrario, do Código do Notariado), nem implica
falta de elementos para o registo, que posso determinar a recusa nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 2 do
CRP.

O membro do Conselho Consultivo

Blandina Maria da Silva Soares


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