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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0fbd...

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
EXEQUIBILIDADE
EXECUTADO
FIADOR
RENDA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 26-11-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS
OBRIGAÇÕES - CONTRATOS EM ESPECIAL / ARRENDAMENTO URBANO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA / TÍTULO EXECUTIVO -
PROCESSO DE EXECUÇÃO / PENHORA.
Doutrina:
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 6ª edição, página 329.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 627.º, N.ºS 1 E 2, 634.º, 638.º, 640.º, ALÍNEA A),
1041.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 46.º, N.º1, ALS. C) E D), 828.º.
LEI N.º 6/2006, DE 27 DE FEVEREIRO, NA REDACÇÃO ANTERIOR À DA
ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 31/2012, DE 14 DE AGOSTO (NRAU):-
ARTIGO 15.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 31.03.2009 E DE 21.04.2009, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


-DE 17.06.2010 E DE 6/05/2014,ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


-DE 23.06.2009 E DE 6.10.2009, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O art. 15.º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o art. 46.º, n.º 1, al. d),
do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento
acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do
montante das rendas em dívida.
II - A comunicação ao arrendatário, a que alude o art. 15.º, n.º 2, do
NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do
título.
III - O título executivo referido em I, tendo natureza complexa,
integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída;
(ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da
liquidação do valor das rendas em dívida.
IV - A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato

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de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio,


ao pagamento das rendas em dívida.
V - Não obstante o art. 15.º, n.º 2, do NRAU apenas fazer referência à
comunicação ao arrendatário, a mesma – por identidade de razões e
enquanto condição de exequibilidade do título – deve ser feita
também aos fiadores.

VI - Constitui título executivo, tanto em relação ao arrendatário como


em relação aos fiadores, o contrato de arrendamento acompanhado do
comprovativo da comunicação referida em V.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - AA – Comércio de Artigos Desportivos, L.da, intentou, em


24/02/2012, contra BB, S.A., CC e DD acção executiva para haver
deles a quantia de € 54.455,86.
Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que celebrou
com a 1ª executada, em 21 de Setembro de 2010, um contrato de
arrendamento, pelo prazo de cinco anos, sucessivamente renovável,
com início em 1 de Outubro de 2010, tendo os demais executados
assumido nele a posição de fiadores, responsabilizando-se
solidariamente com a arrendatária pelo cumprimento das obrigações
emergentes do contrato.
Tendo sido acordada a renda mensal de € 2.500, a 1ª executada nada
pagou, para além da quantia de € 1.250 na data da outorga do
contrato, tendo entregue o local arrendado à exequente em 15 de
Julho de 2011, o que constituiu denúncia unilateral do contrato, sem
respeitar o pré-aviso de 180 dias acordado.
São, por isso, devidas as rendas de Outubro de 2010 a Janeiro de
2012, no valor global de € 35.000, a que acrescem € 17.500, quantia
correspondente a 50% do valor das rendas em atraso, nos termos do
artigo 1041º, nº 1 do C. Civil e bem assim € 1.955,86, a título de
despesas respeitantes a electricidade, água e condomínio.
Apesar de interpelados, nenhum dos executados pagou à exequente a
quantia em dívida.
Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o requerimento
executivo quanto aos executados fiadores, com o fundamento de que,
quanto as eles, inexistia título executivo.
Contra tal decisão apelou a exequente, tendo a Relação, por douto
acórdão de 6/05/2014, na parcial procedência da apelação, declarado
a existência de título executivo quanto aos fiadores no tocante às
rendas indicadas como estando em dívida na comunicação feita, ou
seja as rendas respeitantes aos meses de Outubro de 2010 a Janeiro de

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2012, ordenando, por isso, que, também quanto a eles, a execução


prosseguisse em conformidade, ou seja, quanto ao pedido valor de €
35.000 (trinta e cinco mil euros).
Inconformado, recorreu de revista para o Supremo Tribunal de
Justiça, o executado CC, finalizando a alegação com as seguintes
conclusões:
1ª - O presente recurso tem o seu fundamento no facto de o ora
recorrente não se conformar com o douto acórdão de fls. 56 e
seguintes, que, julgando a apelação parcialmente procedente, declarou
a existência de título executivo quanto aos fiadores, sendo que a
presente Revista é referente apenas à matéria de direito, tendo por
essência, o disposto no artigo 674º, n.º 1 alínea c) do Código de
Processo Civil.
2ª - Deliberou o Acórdão recorrido que, tendo em conta o disposto no
artigo 15º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na sua redacção anterior
à alteração operada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, o título executivo
assim formado também respeita aos fiadores. Ora,
3ª - O citado artigo 15º n.º 2 do NRAU veio atribuir força executiva
ao contrato de arrendamento para a acção de pagamento de renda,
quando acompanhado do comprovativo da comunicação ao
arrendatário do montante em divida.
4ª - Continuava o nº 1 do artigo 45º do CPC a dispor que toda a
execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os
limites da execução, destacando-se de entre as espécies de títulos
previstas no n.º 1 do artigo 46º, no que ao caso importa, os
documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a
constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo
montante seja determinado ou determinável por simples cálculo
aritmético, e os documentos a que por disposição especial, seja
atribuída força executiva.
5ª - Assim sendo, não restam dúvidas que o nº 2 do artigo 15º da Lei
n.º 6/2006, ao conferir força executiva ao contrato de arrendamento
condicionada à apresentação do mencionado comprovativo, criou um
título executivo complexo, porque composto por dois documentos
específicos, e constitui uma disposição especial para efeitos de
cumprimento coercivo das rendas.
6ª - E porque se trata de norma especial não comporta interpretação
analógica (cfr. artigo 11º do Código Civil), não podendo ademais
olvidar-se que o intérprete não pode considerar o pensamento
legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência
verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que tem de presumir
que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube

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exprimir adequadamente o seu pensamento (cfr. artigo 9º n.os 2 e 3


CC).
7ª - Deste modo, em presença de norma especial que cria um
específico título executivo, também ele de natureza especial, face à
letra da lei e à presumida correcção do acerto e correcta expressão do
pensamento legislativo, temos de concluir que o artigo 15º nº 2 do
NRAU só permite a formação de título executivo contra o
arrendatário e não contra os fiadores, ainda que figurem no contrato
como principais pagadores.
8ª - A interpretação de que a dívida exequenda emerge do próprio
contrato de arrendamento e, por isso, tem como sujeito passivo todo
aquele que se obrigou a pagar as rendas em dívida, incluindo os
fiadores, vai contra a letra da Lei, porque se assim fosse então qual a
utilidade da comunicação ao arrendatário, prevista especificamente na
Lei.
9ª - Não havendo a obrigação de comunicação ao fiador, este pode ser
surpreendido com uma execução, com penhora dos seus bens, sem
sequer saber previamente que havia rendas em dívida.
10ª - O fiador de um arrendamento, assumindo a responsabilidade por
rendas em dívida, pode, confirmando que a dívida existe, querer
pagar voluntariamente ao senhorio e não ser sujeito a um processo
executivo, com os custos inerentes com agentes de execução e custas
processuais e com o seu nome constando de listas públicas em que
figuram executados.
11ª - O fiador, mesmo à data da assinatura do contrato em causa nos
presentes autos em que um mero documento particular de confissão
de dívida poderia servir de título executivo, não admitia que ao
assinar um contrato de arrendamento, nessa qualidade, pudesse
conferir a esse mesmo contrato, o valor de título executivo, caso o
arrendatário não pagasse as rendas.
12ª - A fiança é uma garantia de satisfação do direito de crédito -
artigo 267º do Código Civil - sendo que e devedor só fica constituído
em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado
para cumprir – artigo 805º, do Código Civil; e, não sendo a obrigação
voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir
judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do
devedor, nos termos declarados no Código Civil e nas leis de
processo - artigo 817º, do Código Civil.
13ª - Pelo que, a interpretação feita no Acórdão recorrido viola,
também, todas estas regras gerais.
Não houve contra – alegações.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.


2.
Os elementos processuais aqui certificados e com interesse para a
decisão do recurso são os seguintes:
1º - Como título executivo, a exequente apresentou o contrato de
arrendamento de fls. 10/17, celebrado pela exequente e pela 1ª
executada, nos termos do qual a 1ª declarou dar de arrendamento à 2ª
a fração correspondente ao 2º andar letra D do imóvel situado na
Rotunda …, nº …, na Portela de Sacavém, em Loures, de que é dona,
mediante o pagamento, por esta última, de renda mensal no valor de €
2.500 (dois mil e quinhentos euros).
2º - Segundo o mesmo acordo, o arrendamento, com início em 1 de
Outubro de 2010, vigoraria pelo período de cinco anos, renovando-se
por períodos iguais e sucessivos de três anos, salvo se alguma das
partes se opusesse à renovação.
3º - Nele intervieram como terceiros contraentes os 2º e 3º
executados, os quais, como consta da cláusula 10ª, declararam
constituir-se “Fiadores da Inquilina” e, sem benefício de excussão
prévia, responsabilizar-se pessoalmente perante a senhoria “pelo
exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para
aquela resultam do contrato de arrendamento (…), durante o prazo
deste e as suas eventuais renovações.”
4º - A exequente, através da sua Advogada, enviou aos executados
BB, S.A., DD e CC as cartas juntas em cópia a fls. 18/19, 21/22 e
24/25, onde lhes pede o pagamento das rendas correspondentes aos
meses de Outubro de 2010 a Janeiro de 2012, a indemnização legal
pela mora e os valores respeitantes às despesas de electricidade, água
e condomínio, no valor global de € 46.955,86.
3.
Atendendo às alegações do Recorrente e respectivas conclusões, a
questão sujeita à apreciação do STJ é a de saber se o artigo 15º nº 2
do NRAU só permite a formação de título executivo contra o
arrendatário, que não contra os fiadores, ainda que figurem no
contrato como principais pagadores.
4.
A sentença, depois de concluir que o artigo 15º, n.º 2 do NRAU só
permite a formação de título executivo contra o arrendatário, veio a
considerar, como corolário lógico retirado da 1ª conclusão, que a
exequente não dispõe de título executivo contra os executados
fiadores.

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Nestes termos, a sentença decidiu pelo indeferimento liminar parcial


do requerimento executivo no que aos fiadores concerne,
prosseguindo a execução apenas contra a executada sociedade.
Os fundamentos da sentença foram, em síntese, os seguintes:
1º - O nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, na anterior redação, ao
conferir força executiva ao contrato de arrendamento, condicionada à
apresentação do comprovativo da comunicação ao arrendatário do
montante em dívida, criou um título executivo complexo, porque
constituído por dois documentos específicos, e constitui uma
disposição especial para efeitos de cumprimento coercivo das rendas
que, por isso, não comporta interpretação analógica – artigo 11º do
Código Civil.
2º - Por outro lado, não pode esquecer-se que o intérprete não pode
considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo
de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que
tem de se presumir que o legislador consagrou as soluções mais
acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento – artigo
9º, n.os 2 e 3 do Código Civil.
3º - Perante norma especial que cria um específico título executivo e
face à letra do preceito e à presumida correção de expressão do
pensamento legislativo, tem de concluir-se que o nº 2 do citado artigo
15º só permite a formação de título executivo contra o arrendatário.
Por sua vez, o acórdão recorrido assentou a decisão, acima referida,
nos seguintes fundamentos:
1º - O contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da
comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida,
a que alude o n.º 2 do artigo 15º do NRAU, constitui título executivo
não só em relação aos arrendatários mas também em relação às
pessoas que no contrato tenham assumido a obrigação de fiadores.
2º - Com efeito, emergindo do próprio contrato de arrendamento, a
dívida exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou a
pagar as rendas em dívida, no caso, não só a arrendatária, mas
também os seus fiadores que naquele acordo se vincularam perante o
senhorio, nos termos descritos no facto nº 3 – artigos 627º, nº 1, 634º
e 640º, alínea a), todos do Código Civil.
3º - Porém, a força executória dos referidos documentos apenas
abrange o montante das rendas em dívida constante da comunicação
feita ao arrendatário e não a indemnização prevista no n.º 1 do artigo
1041º do Código Civil nem quaisquer outros valores alegadamente
em dívida.
5.

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O recorrente CC, na sua qualidade de fiador, não se conforma com o


segmento do acórdão na parte em que declarou a existência de título
executivo quanto aos fiadores, pretendendo que a execução prossiga
apenas quanto à arrendatária, retomando os argumentos em que se
apoiou a sentença, atrás explicitados.
Ou seja, enquanto o acórdão recorrido considerou que o contrato de
arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação feita
ao arrendatário do montante das rendas em dívida, a que alude o n.º 2
do artigo 15º do NRAU, constitui título executivo não só em relação
aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no contrato
tenham assumido a obrigação de fiadores, o recorrente pretende a
repristinação da sentença na parte em que considerou que o artigo
15º, n.º 2 do NRAU só permite a formação de título executivo contra
o arrendatário, não dispondo, por isso, a exequente de título executivo
contra os executados fiadores.
Assim sendo, transitou o segmento do acórdão na parte em que
considerou inexistir título quanto às rendas vincendas ou não
mencionadas na comunicação à arrendatária, não abrangendo
igualmente tal força executiva as demais obrigações imputadas ao
arrendatário e seus fiadores, como sejam a indemnização pela mora
(artigo 1041º, n.º 1 do Código Civil) ou outros valores alegadamente
em dívida.
Vejamos, então, a quem assistirá a razão:
Dispõe o n.º 2 do artigo 15º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na
redacção anterior à da alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de
14 de Agosto, aqui aplicável o seguinte:
“O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de
pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de
comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Por seu lado, o artigo 46º do CPC, à altura vigente e aqui aplicável[1],
estabelecia no seu nº 1,[2] que à execução podem servir de base, além
de outros, os documentos particulares assinados pelo devedor, que
importem a constituição ou reconhecimento de obrigações
pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por
simples cálculo aritmético – alínea c) -, e, ainda, os documentos a
que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – alínea
d).
Assim o artigo 15º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o disposto no
artigo 46º, n.º 1, alínea d), confere especificamente força executiva ao
contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da
comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, para
a sua cobrança judicial.

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Como muito bem considerou o acórdão recorrido, merecendo a nossa


anuência, “a comunicação ao arrendatário do montante em dívida,
exigida no nº 2 do artigo 15º do NRAU, cuja única razão de ser será a
de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação
aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a
conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado,
tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato”[3],
funciona, pois, como requisito complementar da exequibilidade
daquele título que é agora de natureza complexa por integrar dois
elementos: o contrato onde a obrigação exequenda foi constituída e a
demonstração da realização de comunicação ao arrendatário da
liquidação do valor das rendas em dívida”.
“Mas o dito preceito legal, limitando-se a acrescentar um requisito
para a exequibilidade de documento assinado pelo devedor que
demonstra a constituição da dívida exequenda, não indica o
arrendatário - nem podia fazê-lo, sob pena de contrariar o regime
substantivo vigente - como único sujeito passivo da obrigação ínsita
no título complexo que cria, antes omitindo toda e qualquer referência
à identidade do obrigado, e fazendo referência ao arrendatário apenas
como destinatário da comunicação que exige em complemento do
contrato de arrendamento”.
“Daí que, a nosso ver, não tenha fundamento, salvo o devido respeito
por opinião contrária, a ideia segundo a qual o título executivo assim
formado respeita apenas ao arrendatário, e não também ao seu fiador,
por só ao primeiro se referir o preceito”.
Com efeito, como flui do artigo 627º, n.º 1 do Código Civil, “o fiador
garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente
obrigado perante o credor”. A situação do fiador é, assim, a de
garante da obrigação com o seu património pessoal.
A fiança tem como características principais a acessoriedade e a
subsidiariedade. A acessoriedade aparece referida no artigo 627º, n.º
2, que nos diz que «a obrigação do fiador é acessória da que recai
sobre o principal devedor”. Esta característica significa que a
obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e
funcional da obrigação do devedor, sendo determinado por essa
obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos[4].
Dito de outro modo, por força da regra da acessoriedade, “a fiança
tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências
legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (artigo 634º). Daqui
resulta que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos
que tem perante o devedor.
Por sua vez, a subsidiariedade reconduz-se à possibilidade de o fiador
invocar o benefício da excussão, conforme resulta do artigo 638º,

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impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não


tiver tentado sem sucesso a execução através do património do
devedor (artigo 828º do CPC aplicável).
O benefício da excussão visa evitar a execução judicial dos bens do
fiador enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou
por outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança
não se mostre insuficiente para assegurar o cumprimento da
obrigação.
Ora, como ficou provado, no aludido contrato de arrendamento, os 2º
e 3º executados intervieram como terceiros contraentes e declararam
constituir-se fiadores da inquilina e, sem benefício de excussão
prévia, responsabilizar-se pessoalmente perante a senhoria “pelo
exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para
aquela resultam do contrato de arrendamento (…), durante o prazo
deste e as suas eventuais renovações.”
Significa isto que o benefício de excussão prévia foi excluído, porque
os fiadores a ele renunciaram, responsabilizando-se desse modo como
principais pagadores.
Assim, “emergindo do próprio contrato de arrendamento, a dívida
exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou a pagar as
rendas em dívida, no caso, não só a arrendatária, mas também os seus
fiadores que naquele acordo se vincularam perante o senhorio, nos
termos descritos no facto nº 3 – artigos 627º, nº 1, 634º e 640º, alínea
a), todos do Código Civil”.
Apesar de o artigo 15º, n.º 2 da Lei 6/2006 se referir apenas à
comunicação ao arrendatário, consideramos que, por identidade de
razão, a comunicação também deverá ser feita aos fiadores.
Ora, no caso, aos aqui fiadores foi feita comunicação idêntica à que
foi dirigida à arrendatária.
Deste modo, o contrato de arrendamento acompanhado do
comprovativo da comunicação feita ao arrendatário e aos fiadores do
montante das rendas em dívida, a que alude o n.º 2 do artigo 15º do
NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários
mas também em relação às pessoas que no dito contrato tenham
assumido a obrigação de fiadores.
Neste sentido se tem pronunciado, ao que cremos, maioritariamente, a
nossa jurisprudência. [5]
Acrescentou o acórdão recorrido que “do teor do citado artigo 15º, nº
2, resulta que o contrato de arrendamento e o comprovativo da
comunicação feita à arrendatária dos valores em dívida, é título
executivo apenas quanto às rendas indicadas naquela comunicação, e

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já não quanto às vincendas ou às não mencionadas naquela


comunicação, não abrangendo igualmente tal força executiva as
demais obrigações imputadas ao arrendatário e seu fiador, como
sejam a indemnização pela mora – artigo 1041º, nº 1 do C. Civil - ou
outros valores alegadamente em dívida”[6], inexistindo, por isso,
título executivo quanto ao mais pedido dos fiadores, sendo certo que
apenas quanto a estes a questão é objecto de recurso.
Este segmento do acórdão recorrido transitou em julgado,
tornando-se, por isso, inútil apurar se seria também devido ao
senhorio a indemnização pela mora (artigo 1041º, n.º 1) e outros
valores alegadamente em dívida.
Assim, os documentos dados à execução constituem título executivo
quanto aos fiadores no tocante às rendas indicadas como estando em
dívida na comunicação feita – as respeitantes aos meses de Outubro
de 2010 a Janeiro de 2012.
6.
Sumariando:
I - O artigo 15º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o artigo 46º, n.º 1,
alínea d), do CPC, confere força executiva ao contrato de
arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao
arrendatário do montante das rendas em dívida.
II - A comunicação ao arrendatário, a que alude o artigo 15º, n.º 2, do
NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do
título.
III - O título executivo referido em I, tendo natureza complexa,
integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída;
(ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da
liquidação do valor das rendas em dívida.
IV - A identidade do obrigado pelo título resulta do próprio contrato
de arrendamento e abrange quem nele se obrigou, perante o senhorio,
ao pagamento das rendas em dívida.
V - Não obstante o artigo 15º, n.º 2, do NRAU apenas fazer referência
à comunicação ao arrendatário, a mesma – por identidade de razões e
enquanto condição de exequibilidade do título – deve ser feita
também aos fiadores.
VI - Constitui título executivo, tanto em relação ao arrendatário como
em relação aos fiadores, o contrato de arrendamento acompanhado do
comprovativo da comunicação referida em V.
7.

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0fbd...

Pelo exposto, negando-se a revista, confirma-se o acórdão recorrido.


Custas a cargo do Recorrente.
Lisboa, 26 de Novembro de 2014
Manuel F. Granja da Fonseca
António Silva Gonçalves
Fernanda Isabel Pereira
_________________________
[1] Segundo o disposto no artigo 6º, nº 3 da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, o CPC por ela
aprovado em anexo, relativamente aos títulos executivos, só se aplica às execuções iniciadas
após a sua entrada em vigor.

[2] Matéria hoje regulada no nº 1, alíneas c) e d) do artigo 703º do NCPC.

[3] Decisão singular desta Relação, proferida em 12.12.2008, Relator Manuel Tomé Soares
Gomes, www.dgsi.pt

[4] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 6ª edição, página 329.

[5] Para além da já referida decisão singular, foi neste sentido o entendimento adoptado nos
acórdãos da Relação de Lisboa de 17.06.2010, Relatora Fátima Galante e de 6/05/2014, Relatora
Rosa Ribeiro Coelho; da Relação do Porto de 23.06.2009, Relator Cândido Castro de Lemos e
de 6.10.2009, Relator Henrique Ataíde Rosa Antunes; e da Relação de Coimbra de 21.04.2009,
Relatora Sílvia Pires, todos acessíveis em www.dgsi.pt

Em sentido diverso se decidiu no acórdão desta Relação de 31.03.2009, Relatora Ana Resende ,
www.dgsi.pt.

[6] Cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 6.10.2009, Relator Henrique Ataíde
Rosa Antunes, já citado.

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