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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/29e...

Acórdãos TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto


Processo: 3913/08.8TBGDM-B.P1
Nº Convencional: JTRP00043892
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDAS EM DÍVIDA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP201005043913/08.8TBGDM-B.P1
Data do Acordão: 04-05-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 369 FLS. 24.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART. 15, N° 2 DO NRAU
Sumário: O contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao
arrendatário do montante das rendas em dívida, constitui, nos termos do art. 15,
n° 2 do NRAU, título executivo não apenas contra o arrendatário, mas também
relativamente aos fiadores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3913/08.8 TBGDM-B.P1
Tribunal Judicial de Gondomar – 2º Juízo Cível
Apelação
Recorrente: “B……………, SA”
Recorridos: C…………… e D…………
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A exequente “B…………, SA” veio intentar a presente execução contra os
executados “E…………., Ldª”, C………….. e D…………., apresentando como título
executivo o contrato de arrendamento e a comunicação da resolução desse
contrato por ela efectuada.
Sobre esta pretensão incidiu o despacho judicial que passamos a transcrever:
“A exequente intentou a presente execução juntando como título executivo o
contrato de arrendamento celebrado com a executada sociedade e a notificação
judicial avulsa constante de fls. 12 e ss.
De acordo com o disposto no art. 1083/3 do Código Civil, é inexigível ao senhorio
a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no
pagamento da renda.
E dispõe o art. 15/2 do NRAU que o contrato de arrendamento é título executivo
para a acção (deverá ler-se execução) de pagamento de renda quando
acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em
dívida.
No caso concreto, a exequente juntou aos autos os aludidos documentos.
No entanto, demandou igualmente aqueles que no contrato figuram como
fiadores.
Ora, relativamente aos mesmos, a exequente não detém título executivo, pois
não juntou aos autos qualquer documento que revista força executiva, sendo
certo que o NRAU nenhum título executivo veio criar relativamente aos fiadores
(cfr. citado art. 15/2, do qual resulta de forma inequívoca que apenas se reporta
ao arrendatário).
Concluimos assim que a exequente não detém título executivo relativamente aos
executados D………….. e C…………, o que conduz à rejeição da execução
relativamente aos mesmos (cfr. arts. 820 e 812/2/a) do CPC).
Face ao exposto, julgo verificada a excepção de falta de título executivo
relativamente aos executados D…………. e C………… e, em consequência, rejeito
a execução relativamente aos mesmos."
Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso a exequente, que
finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls., proferido pelo Tribunal

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“a quo” e no qual se julgou “verificada a excepção de falta de título executivo


relativamente aos executados D………… e C………… e, em consequência [se]
rejeito[u] a execução relativamente aos mesmos”.
2. Entendeu o Tribunal que a recorrente não detém título executivo contra os
fiadores do contrato de arrendamento e considerou não ter sido junto “qualquer
documento que revista força executiva, sendo certo que o NRAU nenhum título
executivo veio criar relativamente aos fiadores (cfr. citado artigo 15º/2, do qual
resulta de forma inequívoca que apenas se reporta ao arrendatário)”.
3. Consequentemente, o despacho recorrido, deferiu a cumulação requerida pela
recorrente unicamente em relação à executada arrendatária.
4. A recorrente não se conforma com o teor aqui vertido do despacho recorrido.
5. Pois que o título executivo junto com a presente execução é válido e exequível
perante todos os executados demandados no requerimento executivo,
nomeadamente os fiadores, aqui recorridos.
6. A recorrente celebrou contrato de arrendamento com a executada
“E……………”, na qualidade de arrendatária (docs nºs 1 e 2, juntos com o
requerimento executivo).
7. Os recorridos C………… e D………….. declararam-se fiadores da arrendatária,
tendo ambos renunciado ao benefício da excussão prévia (docs nºs 1 e 2, juntos
com o requerimento executivo).
8. Ora, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente
obrigado perante o credor” (artigo 627, nº 1 CC).
9. Certo é que as obrigações resultantes do contrato de arrendamento
relativamente ao arrendatário, nomeadamente a obrigação de pagamento da
renda, podem ser garantidas através de fiança. (Vide Ac. do Tribunal da Relação
do Porto, de 6.10.2009, disponível em www.dgsi.pt).
10. Atento o atraso verificado no pagamento das rendas devidas, a recorrente
procedeu à comunicação à arrendatária da cessação do contrato de
arrendamento e das quantias em dívida (doc. nº 3, junto com o requerimento
executivo).
11. A recorrente comunicou ainda aos fiadores, por carta registada com aviso de
recepção, as quantias em dívida. (docs nºs 4 e 5, juntos com o requerimento
executivo).
12. A recorrente procedeu à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento,
nos termos dos art. 1083, nº 3 e 1084, nº 1 do CC e 9, nº 7 do NRAU, e uma vez
que existia mora superior a 3 meses.
13. Resolução extrajudicial esta, cuja obrigatoriedade é já defendida por alguma
da nossa jurisprudência (Ac. do Trib. da Relação de Coimbra, de 15.04.2008,
disponível em www.dgsi.pt).
14. Sucede que a arrendatária não desocupou o locado nem procedeu ao
pagamento das quantias em mora, pelo que a recorrente intentou acção
executiva para, nomeadamente, obter o valor das rendas em dívida.
15. Estabelece o art. 15, nº 2 do NRAU que “o contrato de arrendamento é título
executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhada do
comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.
16. Se, em regra, o título executivo é constituído apenas por um único
documento, casos há em que é constituído por vários — título múltiplo ou
complexo —, como sucede com o título dos presentes autos. (V. Ac. do Trib. da
Relação do Porto, de 6.10.2009, disponível em www.dgsi.pt).
17. Ora, sendo atribuída força executiva aos aludidos documentos por
disposição legal (art. 46, nº 1, al. d) do CPC e artigo 15, nº 2 do NRAU) têm os
mesmos de ser admitidos verdadeiro título executivo, porquanto é o mesmo
exequível.
18. E a sua exequibilidade tem de ser admitida contra o arrendatário, bem como
contra o fiador de um qualquer contrato de arrendamento celebrado.
19. Até mesmo porque não se retira da lei qualquer especificidade quanto ao
título com força executória relativamente ao fiador, o que sempre caberia ao
legislador estabelecer, caso esse fosse o seu entendimento, não se antevendo
que a figura do fiador
tenha sido esquecida!
20. Neste sentido — da exequibilidade do presente título executivo contra o
fiador — vide Ac. do Trib. da Relação do Porto de 12.5.2009, de 23.6.2009 e de
6.10.2009, Ac. do Trib. da Relação de Coimbra, de 15.04.2008 e Ac. do Trib. da
Relação de Lisboa de 12.12.2008, disponíveis em www.dgsi.pt.)

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21. É que, e se por um lado, “o contrato de arrendamento não suscita dúvidas de


interpretação quanto aos elementos da obrigação de pagar a renda: (…)
montante (…) prazo de vencimento (…), devedores, que atribui em igualdade de
condições aos arrendatários e aos fiadores, na medida em que estes
renunciaram ao benefício da excussão prévia, assim se assumindo como
pagadores principais (artigo 640º, al. a) do Código Civil).”, por outro lado, “as
rendas em dívida podem ser exigidas coercivamente de quaisquer devedores ou
de todos em conjunto. Incluindo, portanto, os fiadores. (….) A fiança tem o
conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais
da mora ou culpa do devedor.” (Ac. do Trib. da Relação do Porto de 12.5.2009,
disponível em www.dgsi.pt).
22. Retirando-se de tal Ac. que, maxime, o próprio contrato de arrendamento,
enquanto documento subscrito pelos fiadores, no qual estes reconhecem a sua
obrigação no pagamento das rendas que vencerem, e cujo montante é
concretamente determinado, consiste num verdadeiro título executivo.
23. A única justificação para a exigência da prévia comunicação ao arrendatário é
a de obrigar o exequente a proceder à liquidação prévia das rendas em dívida,
por forma a conferir maior grau de certeza ao montante da dívida exequenda.
24. Sendo que, repita-se, a recorrente efectuou tal comunicação.
25. Sempre se diga ainda que “esta conclusão [exequibilidade do título executivo
também perante o fiador] não é contrariada pela norma do nº 2 do art. 15 do
NRAU. A qual, diferentemente do que é afirmado no despacho recorrido, não se
limita à pessoa do arrendatário o carácter executivo do contrato de
arrendamento. Com efeito, o que aí se diz é que “o contrato de arrendamento é
título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do
comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”. Mas não
diz que é título executivo apenas em relação ao arrendatário.” (Ac. do Trib. da
Relação do Porto de 12.5.2009. Vide também Ac. do Trib. da Relação do Porto, de
6.10.2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
26. “Parece (…) evidente que a referência da norma ao “comprovativo da
comunicação ao arrendatário” não tem em vista limitar ao arrendatário o carácter
executório do contrato de arrendamento e de excluir o fiador, (…) mas tão só a de
tornar obrigatória a comunicação prévia ao arrendatário do valor das rendas em
dívida. Passando então o conjunto dos referidos documentos (…) a valer como
título executivo em relação a todos os obrigados ao pagamento da renda,
incluindo o fiador.” (Ac. do Trib. da Relação do Porto de 12.5.2009, disponível em
www.dgsi.pt)
27. A lei não declara que tal título executivo tenha apenas eficácia executiva
contra o arrendatário.
28. A lei estabelece, sim, a obrigatoriedade de o título ser constituído pelo
contrato de arrendamento e por documento comprovativo da comunicação ao
arrendatário das rendas em dívida.
29. Nada referindo relativamente a eventual obrigatoriedade de tal comunicação
ter também de ser efectuada ao fiador.
30. Nem se vislumbra qual a justificação para tal entendimento, atenta a
obrigação assumida pelo fiador.
31. Neste sentido, vide Ac. do Trib. da Relação do Porto, de 6.10.2009 e Ac. do
Trib. da Relação do Porto de 12.5.2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
32. Sendo que, e não obstante o supra exposto, a recorrente procedeu à
comunicação a cada um dos fiadores dos montantes em dívida, através de carta
registada com aviso de recepção, e cujas cópias se encontram juntas aos
presentes autos.
33. Pelo que carece de absoluto fundamento o despacho recorrido,
nomeadamente quando invoca a inexistência de título executivo relativamente
aos fiadores.
34. Resulta à evidência que os documentos apresentados pela recorrente, com o
seu requerimento executivo (contrato de arrendamento e comprovativo da
comunicação à arrendatária do montante das rendas em dívida, sendo que juntou
igualmente cópia das cartas dirigidas aos fiadores comunicando o montante em
dívida), e atento o espírito da lei, constituem título executivo contra os fiadores
do contrato em causa, aqui recorridos.
(neste sentido, vide Ac. do Trib. da Relação do Porto de 12.5.2009, disponível em
www.dgsi.pt).
35. É que, a inexequibilidade do título executivo previsto no art. 15, nº 2 do

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NRAU, defrauda, totalmente, os interesses do credor, supostamente acautelados


pela fiança, desvirtuando totalmente o conceito da fiança e a obrigação do fiador.
36. Tal entendimento perverte por completo o instituto da fiança e o interesse
subjacente à criação de títulos executivos extrajudiciais, obrigando o senhorio a
instaurar duas acções (uma executiva e uma outra declarativa) por forma a
accionar afiançado e fiador, sendo que, no caso em concreto (e tendo havido
renúncia ao benefício da excussão prévia), aqueles são devedores solidários!
37. E cria dúvidas quanto à delimitação processual das situações em que os
fiadores podem (ou não!) ser accionados na fase executiva!
38. Pelo que, vingando a posição vertida no despacho recorrido as fianças
prestadas no âmbito de contratos de arrendamento tornar-se-iam totalmente
inúteis e inócuas, pois que dificilmente se vislumbra qual o interesse processual
do senhorio em, depois de intentar acção executiva contra o arrendatário,
instaurar uma acção declarativa contra os fiadores que só poderia vir a executar
anos mais tarde!
39. Tal entendimento é, ainda, plenamente desconforme ao princípio da economia
processual, e manifestamente contrário às ideias de agilização e celeridade
processual, que o legislador pretendeu implantar com a aprovação do NRAU
(Vide Ac. do Trib. da Relação do Porto de 23.6.2009, disponível em www.dgsi.pt).
40. Pois que “seria de todo desajustado com o sistema de agilização proposto
com as alterações à Lei do Arrendamento obrigar a uma acção executiva e uma
acção declarativa para cobrar as rendas em atraso.” (Ac. do Trib. da Relação do
Porto de 23.6.2009, disponível em www.dgsi.pt).
41. Assim, resta concluir que “aqueles documentos são extrinsecamente
exequíveis também relativamente ao fiador ou fiadores.” (Ac. do Trib. da Relação
do Porto, de 06.10.2009, disponível em www.dgsi.pt).
42. Pelo que “o recorrente dispõe de título executivo, tanto contra a arrendatária
como contra os fiadores, no tocante à obrigação de pagamento da renda
correspondente ao período de pré-aviso que a comunicação de denúncia não
observou.” (Ac. do Trib. da Relação do Porto, de 6.10.2009, disponível em
www.dgsi.pt).
43. Não se compreende, pois a infundada decisão do Tribunal “a quo” posta em
crise.
44. Cumpre, pois, ser deferida a pretensão da recorrente, revogando-se o
despacho na parte recorrida, e admitindo-se o prosseguimento da execução
contra os fiadores do contrato de arrendamento em apreço, o que expressamente
se requer.
45. Em consequência, deverá, a cumulação da execução, que foi deferida pelo
despacho recorrido relativamente à arrendatária, sê-lo também, em relação aos
fiadores, o que, igualmente se requer.
Não foi apresentada resposta.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é aplicável o regime de
recursos resultante do Dec. Lei nº 303/2007, de 24.8.
*
O âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram
apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684, nº 3 e 685 – A, nº 1 do
Cód. do Proc. Civil.
*
A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da
comunicação ao arrendatário do montante em dívida, constitui título executivo
quanto ao pagamento das rendas também contra os fiadores, nos termos do art.
15, nº 2 do NRAU.
*
A factualidade com interesse para o conhecimento do presente recurso é a que
consta do precedente relatório, para o qual se remete.
*
Passemos agora à apreciação jurídica.
O art. 45, nº 1 do Cód. do Proc. Civil estatui que «toda a execução tem por base
um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.»
Trata-se do chamado título executivo, que constitui pressuposto ou condição

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geral de qualquer execução (“nulla executio sine titulo”), podendo ser definido,
de acordo com o ensinamento de Manuel de Andrade, como o documento de
acto constitutivo ou certificativo de obrigações a que a lei reconhece a eficácia
de servir de base ao processo executivo.[1]
Depois, o art. 46 do mesmo diploma diz-nos que apenas podem servir de base à
execução os títulos indicados nas respectivas alíneas, donde resulta a natureza
taxativa da enumeração que aí é efectuada. Tal significa que só serão exequíveis
os documentos que se enquadrarem em alguma das espécies de títulos que
nessa norma são referidos.
O carácter executório do contrato de arrendamento urbano está previsto no art.
15 do NRAU para duas situações concretas:
a) em primeiro lugar, para obter a entrega do locado, em caso de cessação do
contrato de arrendamento por alguma das causa que vêm enunciadas nas
alíneas a) a f) do seu nº 1, desde que acompanhado pelo documento
comprovativo das respectivas causas de cessação;
b) em segundo lugar, para a acção de pagamento de renda, quando
acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em
dívida.
Em qualquer destes casos, o contrato de arrendamento, acompanhado pelos
referidos documentos, constituirá título executivo por força da alínea d) do art. 46
do Cód. do Proc. Civil, onde se preceitua que servem de base à execução «os
documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.»[2]
Interessa-nos somente a segunda situação acima mencionada, à qual se reporta
o nº 2 do art. 15 do NRAU, cuja redacção é a seguinte: «O contrato de
arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda, quando
acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em
dívida.»
Estamos assim perante um título executivo múltiplo ou complexo, uma vez que é
constituído, não apenas por um documento, como é regra, mas sim por vários
documentos, que no seu conjunto certificam a existência de um dever de prestar,
sendo neste caso concreto integrado por dois elementos corpóreos – o contrato
de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao
arrendatário do montante das rendas em dívida.
Acontece que a Mmª Juíza “a quo”, no despacho recorrido, circunscreveu a
eficácia executiva deste título ao arrendatário, excluindo dela os fiadores, pelo
que quanto a estes rejeitou a execução.
Assentou esta sua posição no entendimento de que o NRAU não criou qualquer
título executivo relativamente aos fiadores, tendo considerado que o texto do
citado art. 15, nº 2 respeita apenas aos arrendatários.
Trata-se de posição que não poderemos acolher.
Antes de mais, a lei não diz que o contrato de arrendamento tem eficácia
executiva apenas em relação ao arrendatário. Com efeito, o que nela se estatui é
algo de bem diferente – que esse contrato só é título executivo se for
acompanhado do documento que demonstre a comunicação ao arrendatário das
rendas que o senhorio considera não satisfeitas.
Ora, a exigência prévia do comprovativo desta comunicação não tem em vista
demonstrar a constituição da dívida exequenda, uma vez que esta decorre do
próprio contrato, nem se destina a interpelar o devedor, já que se está perante
uma obrigação pecuniária de montante já determinado e prazo certo. O que
realmente se pretende com esta exigência é obrigar o exequente a proceder à
liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza
quanto ao montante da dívida exequenda, face à vocação tendencialmente
duradoura do contrato e ao carácter periódico das rendas.
Sucede que esta mesma exigência já não se justifica quanto ao fiador. Em
primeiro lugar, porque a fiança é um elemento acidental ou eventual do contrato
de arrendamento. Em segundo lugar, porque garante a satisfação da obrigação
principal, independentemente de interpelação, a qual, a menos que se tenha
estipulado de modo diverso, só é exigida em relação à pessoa do devedor (cfr.
arts. 627 e 634 do Cód. Civil).
Assim, o art. 15, nº 2 do NRAU, ao aludir ao comprovativo da comunicação ao
arrendatário do montante em dívida, não tem como objectivo circunscrever ao
arrendatário o carácter executório do contrato de arrendamento, dele excluindo,
caso exista, o fiador, mas tão só tornar obrigatória a comunicação prévia do
valor das rendas que se encontram em dívida.

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Por isso, os dois documento a que se refere o art. 15, nº 2 do NRAU – o contrato
de arrendamento e o comprovativo da comunicação ao arrendatário – constituem
título executivo não apenas no que toca ao arrendatário, mas também quanto aos
fiadores.
Com efeito, a lei não estabelece que este título executivo seja eficaz apenas
contra o arrendatário. O que realmente estabelece é a obrigatoriedade deste
título ser composto pelo contrato de arrendamento e pelo documento
comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em
dívida, nada referindo quanto à eventual obrigatoriedade desta comunicação ser
efectuada igualmente ao fiador.
Por outro lado, não será ocioso assinalar que a posição adoptada pela 1ª
Instância, ancorando-se numa leitura excessivamente literal do art. 15, nº 2 do
NRAU, perverte o instituto da fiança, destinado a proteger os interesses do
credor e as próprias alterações introduzidas à legislação do arrendamento no
sentido de uma maior agilização, pois obrigaria o senhorio a propor duas acções
para cobrar as rendas em atraso – uma executiva contra o arrendatário e outra
declarativa contra os fiadores, sendo certo que estes são devedores solidários,
atendendo a que houve renúncia ao benefício da excussão prévia.
Aliás, conforme diz a recorrente nas suas alegações, a aceitar-se o entendimento
sustentado na decisão recorrida, seria de questionar a utilidade da prestação de
fianças no âmbito de contratos de arrendamento, porquanto não se vislumbraria
que interesse teria o senhorio em, depois de instaurar acção executiva contra o
arrendatário, intentar então uma acção declarativa contra os fiadores, cuja
decisão só poderia executar bem mais tarde.
Regressando ao caso concreto e na linha do que se vem expondo, o que se
constata é que os documentos que foram apresentados pela exequente com o
requerimento executivo – contrato de arrendamento e comprovativo da
comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida[3] – constituem
título executivo tanto contra a arrendatária como contra os fiadores.
Impõe-se, por conseguinte, a procedência do recurso interposto, com a
consequente revogação do despacho na parte recorrida, prosseguindo a
execução também contra os fiadores do contrato de arrendamento aqui em
apreciação.
*
Sumário (art. 713, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- O contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação
ao arrendatário do montante das rendas em dívida, constitui, nos termos do art.
15, nº 2 do NRAU, título executivo não apenas contra o arrendatário, mas também
relativamente aos fiadores.[4]
*
DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar
procedente o recurso de apelação interposto pela exequente “B……….., SA”,
revogando-se a decisão na parte recorrida, prosseguindo agora a execução
também contra os fiadores C…………. e D…………….
Sem custas, face à não oposição dos recorridos.

Porto, 4.5.2010
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás
Manuel Pinto dos Santos
______________
[1] Cfr. Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 10ª ed., pág. 23;
Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 58.
[2] Cfr.Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 2.ª ed., pág.
96.
[3] Anote-se ainda que a exequente, embora tal não lhe fosse legalmente exigível,
até juntou ao requerimento executivo cópia de cartas que dirigiu aos fiadores
comunicando-lhes o montante em dívida.
[4] Neste sentido, cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 12.5.2009 (relator Guerra
Banha), p. 1358/07.6 YYPRT-B.P1, de 23.6.2009 (relator Cândido Lemos), p.
2378/07.6 YYPRT-A.P1 e de 6.10.2009 (relator Henrique Antunes), p. 2789/09.2
YYPRT.P1 e decisão da Relação de Lisboa (relator Tomé Gomes), p. 10790/2008.7,
todos disponíveis in www.dgsi.pt., cuja linha argumentativa, no essencial

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coincidente, seguimos no presente acórdão.

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