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DIVULGAÇÃO DE PARECER DO CONSELHO CONSULTIVO N.

º 34/ CC /2022

N/Referência: P.º R P 46/2022 SJ-CC Data de homologação: 27-12-2022

Recorrente: Maria J...., Advogada

Recorrido: Conservatória do Registo Predial de .... (....)

Assunto: Pedido de registo de aquisição de ½ indivisa, por sucessão, com base em Certificado Sucessório
Europeu que institui o adquirente como único herdeiro da falecida – Inscrição de aquisição em vigor a
favor dos sujeitos ativos, de nacionalidade alemã, identificados como casados sob o regime da
comunhão de adquiridos, sem menção do ordenamento jurídico a que o regime de bens do casamento
pertence – Registo provisório por dúvidas.

Palavras-chave: Desconformidade pedido e registo – Regime de bens – Certificado Sucessório Europeu – Título para registo.

PARECER

Relatório

1. Em 17 de dezembro de 2021, a Sra. Advogada Maria J.... requereu na Conservatória do Registo Predial de ....
(....) um registo de aquisição de ½ indivisa a favor de Ralf ....., viúvo, residente na Alemanha, por sucessão, por
óbito de Daisy ......, sobre o prédio n.º 5279/19930624, da freguesia de ... B...., concelho de S…, ao qual veio a
corresponder a AP. ..2 de 2021/12/17.

1.1. Para o efeito, juntou, entre o mais, uma cópia autenticada, válida até 13/01/2022, de um Certificado Sucessório
Europeu (Certificado ou CSE) emitido pelo Tribunal de comarca (A….) de E…, Alemanha1, traduzido para a língua
portuguesa, com o respetivo certificado de tradução, do qual resulta: que a autoridade emissora se considerou
competente para emitir o CSE por força do artigo 4.º do Regulamento (EU) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu
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e do Conselho, de 4 de julho de 2012 (Regulamento Europeu das Sucessões ou RES); que o requerente, Ralf .....,
é viúvo, nacional e residente na Alemanha e era o cônjuge da pessoa falecida; que a falecida, Daisy ......, era
natural de H...., Alemanha, faleceu no estado de casada e era nacional alemã; que o endereço no momento do

1 Cfr. https://e-justice.europa.eu/content_succession-380-pt.do?clang=pt, quanto às autoridades nacionais competentes, no


Estado-Membro internacionalmente competente, para emitir o CSE.

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óbito era na Alemanha e o óbito ocorreu no dia 17/01/2021 em … B….., Portugal; que a sucessão é testamentária
e tem por base um testamento de mão comum redigido em 24/06/2019 em K...., Alemanha; que a lei aplicável à
sucessão é a lei alemã, a qual foi determinada nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do RES; que o casamento entre
os cônjuges ocorreu em 07/07/2007, em W….., sem contrato de casamento; que a lei aplicável ao regime
patrimonial é a lei alemã, não baseada em escolha de lei, e que o regime patrimonial aplicável era o da comunhão
de adquiridos, na língua original, zugewinngemeinschaft, § 1363 em diante do Código Civil alemão (Bürgerliches
Gesetzbuch ou BGB); e que o requerente, Ralf ....., aceitou a sucessão sem condições, é o único herdeiro, tendo
sido designado por uma disposição de morte, e tem direito à seguinte quota hereditária: “1/1 único herdeiro”2.

1.2. O prédio objeto do registo, o n.º 5279/19930624, da freguesia de ... B...., à data do pedido, tinha inscrição de
aquisição em vigor a favor de Daisy ...... casada com Ralf ....., no regime da comunhão de adquiridos, e de Ralf
..... casado com Daisy ......, no regime da comunhão de adquiridos, ambos de nacionalidade alemã e residentes
em K.... 29, 91… Ge...., Alemanha (AP. ..71 de 2019/07/01)3.

2. O registo de aquisição de 1/2 foi qualificado como provisório por dúvidas, por, no entendimento da Sra.
Conservadora, existirem divergências quanto à quota adquirida por Ralf ..... por óbito de Daisy ......, já que no CSE
consta que a quota a que o herdeiro tem direito é 1/1; na declaração para efeitos de imposto do selo e no pedido
de registo consta 1/2; e através da análise do registo anterior e do título que lhe serviu de base concluiu que o
prédio foi adquirido em comum e partes iguais.

3. No requerimento de recurso hierárquico, a Sra. Advogada, depois de explanar o que resulta de cada um dos
documentos apresentados, defende que estão em causa dois conceitos jurídicos distintos: “por um lado a quota
ideal ou quota na herança e por outro [a] quota-parte transmitida no prédio”. Assim, explicita, “Ralf ..... é herdeiro
universal da cônjuge falecida, logo a sua quota ideal na herança é 1/1, e a herança de sua falecida mulher é
composta por ½ indivis[a] (quota-parte transmitida no prédio), pelo que como o cônjuge sobrevivo já é titular de ½
indivis[a] do prédio, herdou agora por sucessão testamentária ½ indivis[a] que era propriedade de sua mulher.”

2 Anexou ainda os seguintes documentos: certidão multilingue do assento de óbito de Daisy ......; certidão multilingue do
assento de casamento de Daisy ...... e Ralf .....; cópia autenticada de abertura de “testamento cerrado de mão comum” e
respetivo testamento, abertura e testamento traduzidos para a língua portuguesa, com certificado de tradução; comprovativo
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de participação da transmissão gratuita (quota parte transmitida: ½ artigo 66 66, secção EL, e ½ do artigo urbano 5599 ); e
cadernetas prediais do artigo rústico 66, secção EL, e do artigo urbano 5599, ambos da freguesia de … B….., relativos ao
prédio em causa.

3 O registo foi inicialmente efetuado como provisório por natureza, ao abrigo do artigo 92.º, n.º 1, alínea f), tendo sido
posteriormente convertido através da AP. ..77 de 2019/09/17.

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4. No despacho de sustentação, a Sra. Conservadora sustenta a existência de desconformidade e afirma que “[a]
falta de prova do concreto regime de bens do casamento indicado no registo ou, noutra perspetiva, a
desconformidade, entre o registo e o título, quanto à natureza jurídica da titularidade do bem (comunhão
conjugal/compropriedade), não permite comprovar que o direito inscrito coincide, na sua estrutura subjetiva e
objetiva, com o direito indicado no título (arts. 34.º/4 e 70.º do CRP)4.

5. O processo é o próprio, as partes têm legitimidade e o recurso é tempestivo, pelo que cumpre emitir,

PRONÚNCIA

1. A questão que interessa responder é a de saber se existe uma desconformidade entre o pedido e o título, por
um lado, e o que se encontra registado, por outro, quanto à natureza jurídica da titularidade do bem, que implique
que o registo tenha de ser qualificado como provisório por dúvidas.

2. Tendo o registo por base um Certificado Sucessório Europeu, antes de dar resposta à questão formulada,
iremos recordar os seus efeitos e, em particular, a pertinência do CSE concretamente apresentado como
documento válido para a inscrição do prédio no registo, atentando no quanto já se disse no processo C.P. 69/2013
STJ-CC acerca da suscetibilidade de o Certificado Sucessório Europeu constituir documento bastante para o
registo e, em geral sobre o CSE, nos pareceres emitidos nos processos C.P. 31/2015 STJ-CC e R.P. 127/2017
STJSR-CC5.

3. Como se sabe, o CSE foi instituído pelo Regulamento Europeu das Sucessões, e regulado nos seus artigos
62.º e seguintes6, como um documento uniforme importante para que, nas sucessões com incidência
transfronteiriça, o herdeiro, o legatário, o executor testamentário ou o administrador da herança pudessem
comprovar a sua qualidade e ou os seus direitos e poderes noutro Estado-Membro, designadamente no Estado-
Membro onde se situassem os bens da herança (cfr. Considerando 67)7. Em todo o caso, os seus efeitos

4 Com apoio em parte do Processo R.P. 12/2017 STJSR-CC (N.º 14/CC/2017).


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5 Cfr, ainda, “Os Regulamentos Europeus: Impacto na Atividade Registal e Notarial”, disponível em
https://www.redecivil.csm.org.pt/os-regulamentos-europeus-impacto-na-atividade-registal-e-notarial/, pp. 99-120.

6 A menção de artigo sem indicação do diploma aplicável, significa que pertence ao Regulamento Europeu das Sucessões.

7 O seu efeito útil foi logo destacado na primeira decisão do Tribunal de Justiça proferida em relação ao Regulamento n.º
650/2012, o Acórdão de 12 de outubro de 2017, K…, processo C-218/16.

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específicos apenas se produzirão nos Estados vinculados pelo Regulamento8, já que o CSE é “emitido para fins
de utilização noutro Estado-Membro” (artigo 62.º, n.º 1) e “produz efeitos em todos os Estados-Membros” (artigo
69.º, n.º 1)9-10.

3.1. Com o propósito de que a utilização do CSE se tornasse eficaz, o legislador europeu não admitiu que cada
um dos Estados-Membros pudesse determinar os seus efeitos. Antes, precisou, no Considerando 71, que o
Certificado deveria produzir os mesmos efeitos em todos os Estados-Membros, reiterando-o no n.º 1 do artigo
69.º, onde aditou a desnecessidade de recurso a qualquer procedimento.

3.2. Assim, de acordo com a primeira parte do n.º 2 do artigo 69.º, presume-se que o certificado comprova com
exatidão os elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação
aplicável a determinados elementos. Esclarece o Considerando 71 que o CSE não deverá ser um título executivo
em si mesmo, mas deverá ter força probatória e presumivelmente comprovar com precisão os elementos
estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra lei aplicável a elementos especiais,
como a validade material de disposições por morte.

3.2.1. Portanto, o valor do Certificado como meio de prova não se limita às matérias reguladas pela lei aplicável à
sucessão (elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão), mas também às relativas a outra
legislação aplicável a determinados elementos, como a validade material de disposições por morte, esta
disciplinada nos artigos 24.º a 27.º. No entanto, a precisão efetuada no Considerando 71 ― no sentido de que a
força probatória do certificado não deve ser estendida a elementos não regulados pelo Regulamento, tais como

8 O Regulamento Europeu das Sucessões apenas vincula os Estados-Membros que participaram na sua adoção. A
Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido foram Estados-Membros da UE não participantes no Regulamento Europeu das
Sucessões (cfr. Considerandos 82 e 83). No que respeita especificamente ao Reino Unido, já não poderá notificar a sua
intenção de opt in, em face do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia
e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (publicado no Jornal Oficial da União Europeia, C 66 I, de 19 de fevereiro de
2019, acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=OJ:C:2019:066I:TOC). Todavia, as disposições do
Regulamento Europeu das Sucessões sobre competência e sobre conflitos de leis são aplicáveis erga omnes, portanto
compreendidas também nas relações com os Estados não vinculados pelo Regulamento (cfr. artigo 11.º e artigo 20.º,
respetivamente).

Cfr. ANDREA BONOMI e PATRICK WAUTELET, Le droit européen des successions, Commentaire du Règlement n.º 650/2012 du
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4 juillet 2012, Bruxelles, Bruylant, 2013, p. 32.

10 Não obstante a sua vocação extraterritorial, salientamos que o Certificado poderá ter efeitos internamente. Isto é, o
Certificado não deverá poder ser solicitado se não tiver vocação para ser utilizado noutro Estado-Membro, mas, tendo sido
emitido, produzirá os seus efeitos no Estado-Membro de origem (artigo 62.º, n.º 3), portanto, no Estado-Membro no qual foi
emitido.

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as questões da filiação ou a questão de saber se um determinado bem pertencia ou não ao falecido ―, conduz à
conclusão de que nem todos os elementos constantes do certificado beneficiam da presunção de exatidão
estabelecida pelo artigo 69.º.

3.2.2. No entendimento de ANDREA BONOMI e PATRICK WAUTELET, será o caso daqueles relativos ao “estado das
pessoas singulares, bem como as relações familiares e as relações que a lei aplicável considera produzirem efeitos
comparáveis” ou as “questões relacionadas com regimes matrimoniais e regimes patrimoniais no âmbito de
relações que a lei aplicável considera produzirem efeitos comparáveis ao casamento” [cfr. artigo 1.º, n.º 2, alíneas
a) e d)]11; para ISIDORO VIDAL, os elementos excluídos do âmbito da presunção serão aqueles elementos que,
embora integrando o conteúdo do Certificado, terão de resolver-se como questões prévias à determinação dos
elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a
elementos específicos, e que são regidas por normas do direito das pessoas, da propriedade dos direitos reais,
das obrigações, dos contratos e da família12.

3.3. Em todo o caso, em face da última parte do n.º 2 do artigo 69.º, a presunção de exatidão abrange a qualidade
de herdeiro, legatário, executor testamentário ou administrador da herança e os direitos ou os poderes indicados
no Certificado, bem como a informação de que não estão associadas a esses direitos ou poderes outras condições
e ou restrições para além das aí referidas.

3.3.1. Por conseguinte, por um lado, presume-se que o herdeiro ou o legatário ou qualquer outra pessoa a quem
o Certificado reconheça determinada qualidade e ou certos direitos, poderá valer-se dele para os comprovar; por
outro lado, não poderá ser solicitado ao herdeiro ou ao legatário ou a qualquer outra pessoa a quem o Certificado
reconheça determinada qualidade e ou certos direitos, outros documentos que se destinem a comprovar o mesmo,
bastando a junção, para o efeito, de cópia autenticada do certificado, válida (cfr. artigo 70.º)13-14.

11 Cfr. ANDREA BONOMI e PATRICK WAUTELET, Le droit européen des successions, Commentaire du Règlement n.º 650/2012
du 4 juillet 2012, cit., pp. 786-789, que se referem expressamente aos elementos relativos ao regime matrimonial (p. 788).

12 Cfr. ISIDORO ANTONIO CALVO VIDAL, El certificado sucessório europeo, Madrid, La Ley, 2015, pp. 314-317.

13 No Acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2021, Succession de VJ, processo C-301/20, concluiu-se, entre o mais,
que uma cópia autenticada do certificado sucessório europeu produz efeitos se for válida no momento da sua apresentação
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inicial à autoridade competente.

Veja-se ISABEL ANTÓN JUÁREZ, Cuadernos de Derecho Transnacional, Octubre 2021, Vol. 13, n.º 2, pp. 604-611, em
comentário ao referido Acórdão.

14 Perante as possibilidades, estabelecidas nos artigos 71.º e 72.º, de retificação, suspensão ou anulação do Certificado e de
recurso, a doutrina afirma que estamos perante uma presunção iuris tantum. Cfr. ANDREA BONOMI e PATRICK WAUTELET, Le
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3.4. Em razão de o Certificado produzir efeitos em todos os Estados-Membros, sem necessidade de recurso a
qualquer procedimento; e da presunção de exatidão que, como vimos, lhe está associada, quer quanto aos
elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a
determinados elementos, quer relativamente à qualidade, aos direitos e aos poderes mencionados no Certificado,
estabelece o n.º 5 do artigo 69.º que o Certificado constitui um documento válido para a inscrição de bens da
sucessão no registo competente de um Estado-Membro, sem prejuízo do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alíneas k) e
l), por virtude das quais se encontram excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento a natureza dos direitos
reais e os requisitos legais para a inscrição num registo de direitos sobre um bem imóvel ou móvel, e os efeitos da
inscrição ou não inscrição desses direitos num registo (cfr. Considerandos 18, 19, 68 e 69).

3.4.1. Por conseguinte, em harmonia com o disposto no artigo 345.º do Tratado de Funcionamento da União
Europeia15, ainda que o Certificado sirva como título formal e substantivo para registo, será o ordenamento jurídico
de cada Estado-Membro que definirá a inscrição, os requisitos legais e os efeitos da inscrição registal16.

3.4.2. Quanto à aceitação do Certificado como título formal para registo, já se disse, no aludido processo C.P.
31/2015 STJ-CC, que o disposto nos Considerandos 18, 68, 69 e 71 e nos artigos 62.º, n.º 3 e 69.º bastará para
delimitar os parâmetros de qualificação do certificado sucessório europeu, para admitir o seu enquadramento no
artigo 43.º, n.º 1 do CRP e para o equiparar, do ponto de vista probatório, aos documentos internos utilizados para
efeitos análogos17; e quanto a ser título substancial para registo, desde que nele se encontre representado o facto

droit européen des successions, Commentaire du Règlement n.º 650/2012 du 4 juillet 2012, cit., pp. 791-793; e ISIDORO
ANTONIO CALVO VIDAL, El certificado sucessório europeo, cit., p. 315.

15 Do qual resulta a exclusiva competência dos Estados-Membros em matéria de regime da propriedade e, consequentemente,

de regime do registo.

16 De acordo com a interpretação que o TJ faz da alínea l) do n.º 2 do artigo 1.º, no processo K…, mencionado.

17 A doutrina atribuiu-lhe a natureza de documento público. ISIDORO ANTONIO CALVO VIDAL, El certificado sucessório europeo,
cit., pp. 90-94, define-o como o documento público, estritamente europeu, cuja finalidade é apurar os factos com base nos
quais se pode fundamentar a declaração da condição de herdeiro, de legatário, de executor testamentário ou de administrador
da herança, e o conteúdo dos seus direitos e poderes, para a utilização do mesmo num Estado-Membro diferente do da sua
emissão (no original, documento público, estrictamente europeo, que tiene por objeto la constatación y la fijación de los hechos
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sobre cuya base puede ser fundada la declaración de la condición de heredero, legatario, ejecutor testamentario o
administrador de la herencia, y el contenido de sus derechos y facultades, para la acreditación de los mismos en un Estado
miembro distinto al de su expedición).

Recorda-se que a cópia autenticada do Certificado poderá necessitar de tradução (artigo 43.º, n.º 3, do CRP), mas não implica
legalização ou outra formalidade análoga (artigo 69.º, n.º 1 e 74.º).

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sucessório submetido a registo, cabendo, em princípio, à lei aplicável à sucessão determinar a causa ou o
fundamento do chamamento sucessório18.

3.4.3. Por isso, no nosso entendimento, em casos como o que está em causa no presente recurso hierárquico,
para efeitos de registo, não será necessária a junção do testamento, como foi. O Certificado será o título base
para registo (artigo 43.º do CRP)19;

3.4.4. Com efeito, na apreciação do pedido a entidade emissora terá extraído as declarações contidas no
testamento relativas à sucessão (cfr. artigo 66.º); e o Certificado emitido, comprova, entre o mais previsto nas
alíneas a) a i) do artigo 68.º, porque terá sido requerido com essa finalidade (cfr. artigo 63.º, n.º 2), os dados
relativos ao caráter testamentário da sucessão, aos elementos sobre os quais decorrem os direitos do herdeiro e
à quota-parte que cabe ao herdeiro testamentário [alíneas j) e l)];

3.4.5. E de harmonia com o exposto no Considerando 67, que justifica a criação do Certificado com a necessidade
de que as sucessões com incidência transfronteiriça na União sejam decididas de uma forma célere, fácil e eficaz;
no Considerando 69, que evidencia que nenhuma autoridade poderá solicitar, em vez do Certificado, uma decisão,
um ato autêntico ou uma decisão judicial; no Considerando 71 e no artigo 69.º, n.º 2, que conferem uma presunção
de verdade ao Certificado; e, finalmente, com o estabelecido no n.º 5 do artigo 69.º, que determina que o
Certificado constitui um documento válido para a inscrição de bens da sucessão no registo competente de um
Estado-Membro.

4. Uma vez considerado que o documento trazido a registo cumpre o disposto no artigo 43.º, n.º 1, do CRP, resta
dizer que, efetivamente, existe uma desconformidade entre o pedido e o título, por um lado, e o facto registado,
por outro, que tem consequências na indefinição da titularidade do bem (património próprio de cada um dos
cônjuges ou património comum). O regime de bens considerado no pedido e refletido no Certificado Sucessório
Europeu é o da “participação nos adquiridos” (zugewinngemeinschaft), disciplinado pelo ordenamento jurídico
alemão; diferentemente, o que está indicado no registo de aquisição em vigor é o da comunhão de adquiridos.

4.1. Concretamente, solicitou-se o registo de aquisição de ½ indivisa a favor de Ralf ....., viúvo, por sucessão, por
óbito de Daisy ......; mas o que se encontra registado é a aquisição a favor de Daisy ...... casada com Ralf ....., no
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18 ISIDORO ANTONIO CALVO VIDAL, El certificado sucessório europeo, cit., pp. 334-337, considera que o reconhecimento, ao
Certificado, de efeitos jurídicos de caráter real, em virtude da sucessão, poderá afirmar-se a partir do “efeito útil” produzido
pelo artigo 69.º, n.º 5, que põe à disposição dos interessados um documento para inscrição de bens da sucessão no registo
competente de um Estado-Membro.

19 Sem prejuízo de o Conservador poder sempre solicitar documentos ou informações complementares, em sede de
suprimento de deficiências. Cfr. Considerando 18 e artigo 69.º, n.º 5.
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regime da comunhão de adquiridos, e de Ralf ..... casado com Daisy ......, no regime da comunhão de adquiridos,
ambos de nacionalidade alemã e residentes na Alemanha.

4.2. Se, como parece ser20, o regime de bens que regulou o dito casamento foi o regime denominado
zugewinngemeinschaft, disciplinado pelo ordenamento jurídico alemão21, previsto nos §§ 1363 e seguintes do BGB
e em virtude do qual, durante o casamento, tudo se passa como se o regime de bens que o regula fosse o da
separação de bens22, será imperioso proceder à retificação do registo inexato, nos termos previstos nos artigos
120.º e seguintes do CRP.

4.3. Só após essa retificação poderá o registo, efetuado como provisório por dúvidas, ser convertido em definitivo,
porque então a inscrição de aquisição ficará coincidente, na sua estrutura subjetiva e objetiva, com o que foi
considerado no pedido e refletido no Certificado Sucessório Europeu23.

*******

Em conformidade, propomos a improcedência do presente recurso hierárquico e formulamos a seguinte,

20 No título que serviu de base à referida aquisição os outorgantes compradores foram assim identificados: “DAISY ......, […]
casada com Ralf ..... sob o regime alemão da comunhão de adquiridos (Zugewinngemeinschaft), natural de H…., Alemanha,
de nacionalidade alemã, residente em K….l 29, 91… Ge…., Alemanha, […] que outorga por si e na qualidade de gestora de
negócios em representação de seu referido marido RALF ....., […] de nacionalidade alemã, consigo residente”; e que a venda
foi feita à outorgante DAISY ...... e “ao seu gestido, em comum e partes iguais.”

21 Habitualmente identificado em português como de “participação nos adquiridos” (em inglês, property regime of community
of accrued gains). Cfr. HELENA MOTA, Os efeitos Patrimoniais do Casamento em Direito Internacional Privado, Coimbra,
Coimbra Editora, 2012, p. 170.

22 De acordo com o § 1363 do BGB, o regime de bens supletivo alemão é o da participação nos adquiridos
(zugewinngemeinschaft), no qual os bens de cada um dos cônjuges, adquiridos antes ou depois do casamento, não se tornam
comuns; mas em que, com a dissolução do casamento, os ganhos excedentes adquiridos após o casamento serão igualados.
Segundo HANNELORE THIJS, durante o casamento, é como se o regime de bens que o regula fosse o da separação de bens,
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embora sujeito às regras específicas previstas nos § 1365.º a §1369, designadamente as relativas à disposição dos bens.
Cfr. HANNELORE THIJS, “The Franco-German Common Optional Matrimonial Property Regime: A Guide for Future European
harmonization”, European Review of Private Law 29(3), 2021, pp. 489-516 (p. 493); e ALEXIA OLIVA IZQUIERDO, ANTONIO
MANUEL OLIVA RODRÍGUEZ e ANTONIO MANUEL OLIVA IZQUIERDO, Matrimonial Property Regimes Throughout the World, Colegio
de Registradores de la Propiedad, 2019, pp. 347 e ss.

23
Cfr. citado Processo R.P. 12/2017 STJSR-CC (N.º 14/CC/2017).
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CONCLUSÃO

Num pedido de registo de aquisição de ½ indivisa a favor do ex-cônjuge marido, viúvo, por sucessão, por
óbito do ex-cônjuge mulher, existirá desconformidade entre o pedido e o título, por um lado, e o facto
registado, por outro, com consequências na indefinição da titularidade do bem (património próprio de cada
um dos cônjuges ou património comum) se o regime de bens considerado no pedido e refletido no título
for o da “participação nos adquiridos”, disciplinado pelo ordenamento jurídico alemão
(zugewinngemeinschaft), e o que se encontra indicado no registo de aquisição em vigor for o da comunhão
de adquiridos; pelo que, se o regime de bens que regulou aquele casamento foi de facto o regime de bens
supletivo alemão, haverá que proceder previamente à retificação do registo de aquisição, para que este,
efetuado como provisório por dúvidas, possa ser convertido em definitivo.

Parecer aprovado, por unanimidade, em sessão do Conselho Consultivo de 22 de novembro de 2022.


Blandina Maria da Silva Soares, relatora, António Manuel Fernandes Lopes, Maria Madalena Rodrigues Teixeira.
Este parecer foi homologado pela Senhora Presidente do Conselho Diretivo em 27 de dezembro de 2022.
IMP.IRN.Z00.07 • Revisão: 06• Data: 27-01-2022

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