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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SFVC
Nº 70077619476 (Nº CNJ: 0127159-86.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

TESTAMENTO. NULIDADE DE DISPOSIÇÃO SOBRE DIREITO


REAL DE USUFRUTO VITALÍCIO SOBRE IMÓVEL EM
ESTADO DE CONDOMÍNIO. INEXISTÊNCIA DE CONSENSO
DO CONDÔMINO. INEFICÁCIA A DISPOSIÇÃO. Se o imóvel não
era de propriedade exclusiva do de cujus, não poderia ele deixar em
usufruto vitalício para sua companheira sem a concordância da filha,
pois o bem pertence a ambos em condomínio. Incidência do art.
1.314, parágrafo único, do CCB. Recurso desprovido.

APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70077619476 COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL


(Nº CNJ:0127159-86.2018.8.21.7000)

L.F.S. APELANTE
..
B.Z. APELADO
..
E.L.A. INTERESSADO
..
S.B.A. INTERESSADO
..
S.H.S.A. INTERESSADO
..
S.O.A.S.S. INTERESSADO
..
A.M.A. INTERESSADO
..

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras


DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO E DES.ª SANDRA BRISOLARA
MEDEIROS.
Porto Alegre, 25 de julho de 2018.

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
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Nº 70077619476 (Nº CNJ: 0127159-86.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,


Relator.

RELATÓRIO
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)

Trata-se da irresignação de LOURDES F. S. com a r. sentença que julgou


parcialmente procedente a ação declaratória de ineficácia de testamento que lhe move
BEATRIZ Z.

Sustenta a recorrente que o falecido onerou somente a sua parte disponível,


dispondo do que lhe cabia na herança, não tendo violado a lei, motivo pelo qual não prospera
a anulação do testamente. Diz que o testador não onerou nada além da parte que poderia
dispor em testamento, não prejudicando a legítima dos herdeiros necessários, cumprindo o
que diz no artigo 1.857 do Código Civil. Não procede a alegação do recorrido de que o
falecido desconsiderou que ele não era o único proprietário dos bens, tanto que relacionou os
filhos no testamento como herdeiros necessários. Alega que a autora e seus irmãos sabiam da
vontade do genitor em manter sua companheira morando no imóvel, tendo essa vontade do
falecido sido exposta, na frente da companheira e dos filhos. Pretende seja reformada a
sentença para que não se reconheça a nulidade do testamento. Pede o provimento do recurso.

Intimada a recorrida ofereceu contrarrazões pugnando pelo desprovimento


do recurso.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer


opinando pelo desprovimento do recurso.

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É o relatório.

VOTOS
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)

Estou desacolhendo o pleito recursal.

Com efeito, a questão posta nos autos é singela, pois o testador dispor em
usufruto vitalício em favor da sua companheira de bem imóvel que não era de propriedade
exclusiva, pois fora adquirido no casamento anterior com a mãe da autora, que faleceu, tendo
sido partilhado, motivo pelo qual a autora era condômina.

Sendo assim, o de cujus, não poderia ele deixar em usufruto vitalício para
sua companheira sem a concordância da filha, pois o bem pertence a ambos em condomínio,
tendo incidência o disposto no art. 1.314, parágrafo único do Código Civil:

Art. 1.314 – Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela
exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindica-la de terceiro,
defender a sua posse e alhear respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa


comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos
outros.

Portanto, sendo inequívoco que o imóvel está em situação condominial, bem


como que a autora, ora recorrida, é condômina do bem, é evidente que não poderia o de
cujus “alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos,
sem o consenso dos outros”.

Portanto, não se trata do fato de ter o testador afirmado que estava dispondo
da sua parte disponível, como sustenta a apelante, insistindo que a disposição de última
vontade não afronta o disposto no art. 1857 do CCB, pois o imóvel está em situação

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condomínio ele não poderia dar posse, uso e gozo a estranhos, sem o consenso da
condômina, tendo clareza solar o que estabelece o art. 1.314, parágrafo único do CCB

É oportuno lembrar, aliás, a sempre atual lição de CARLOS


MAXIMILIANO (in “Hermenêutica e Aplicação do Direito” Forense, 1979, pág. 247), no
sentido de que “aplica-se a regra geral aos casos especiais, se a lei não determina
evidentemente o contrário” e, depois, citando GIUSEPPE FALCONE, de que “quando o
texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a
todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista
explicitamente”.

Portanto, não poderia o falecido gravar com usufruto vitalício em imóveis


que não eram de sua propriedade exclusiva, motivo pelo qual não merece qualquer reparo a
bem lançada sentença recorrida.

Finalmente, estou acolhendo, também, o lúcido parecer de lavra do ilustre


Procurador de Justiça Fabio Bidart Piccoli, que peço vênia para transcrever, in verbis:

Trata-se de ação declaratória de ineficácia de testamento ajuizada pela


recorrida Beatriz em face da recorrente Lourdes, alegando na inicial que o seu pai
Hélio, falecido em 30/12/2014, legou à requerida, sua companheira na época, direito
de usufruto vitalício sobre dois imóveis que compunham o espólio de sua mãe Odet,
falecida em 18/08/2001.

Para instruir a ação, juntou os seguintes documentos: certidão de casamento


dos seus falecidos pais (fl. 29); escritura pública de inventário e partilha de bens do
espólio de sua mãe Odet, na qual se ajustou que os imóveis registrados sob nºs
55.302 e 55. 258 caberiam, em partes iguais, à autora e a seu pai (fls. 31/34);
certidão de óbito de seu pai Hélio (fl. 36); certidão de óbito da herdeira pré-morta
Bernadete (fl. 38); escritura pública de renúncia dos herdeiros Edson e Ângela, seus
irmãos (fl. 40); certidão de testamento público de Hélio (fl. 42); e a escritura pública
de união estável de Hélio e Lourdes (fl. 44).

O testamento feito por Hélio, em 09/01/2009, assim dispõe (fl. 42):


Que, tendo, pois, herdeiros, necessários descendentes, e, podendo por isso, livremente
dispor dos direitos reais de seus bens e haveres que então existirem por ocasião de
sua morte, quer e ora determina que os direitos reais do USUFRUTO VITALÍCIO,
sobre o APARTAMENTO N.º 802 (oitocentos e dois) e do BOX N.º 12 (doze), do
EDIFÍCIO ILHA DO CARIBE, situado na Rua Professor Dourado, n.º 329, nesta

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cidade, e, oriundo das Matrículas 55.302 e 55.258 do Registro de Imóveis desta


Comarca, e, oriundos da parte disponível dos seus bens, que então existirem por
ocasião de sua morte, caibam e venham a pertencer exclusivamente, a favor de
LOURDES F. S., brasileira, viúva, do lar, residente e domiciliada na Rua professor
Dourado, n.º 329. AP 802, bairro Santo Inácio, nesta cidade, inscrita no CPF,
portadora da cédula de identidade RG n.º xxx, a que nomeia e constitui como a sua
herdeira, somente sobre o citado direito real de USUFRUTO VITALÍCIO” (...)

Como se vê, Hélio instituiu, em favor de sua companheira Lourdes, ônus real
sobre bens dos quais não era exclusivo proprietário. Afinal, a morte precedente de
sua esposa Odet, coproprietária e meeira dos direitos em questão, fez abrir a
sucessão, de sorte a deixar também para os filhos (no caso, hoje apenas para a
autora, diante da superveniente renúncia dos demais) os direitos correspondentes.

Apesar de reconhecer-se que o testador não ultrapassou a parte disponível e,


com isso, não comprometeu a legítima da herdeira necessária, ao instituir usufruto
vitalício sobre os imóveis de propriedade condominial com sua filha, ele violou a
regra do artigo 1.314 do Código Civil, o qual dispõe que:
Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela
exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro,
defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa
comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.
(grifou-se)

Ademais, como o imóvel que servia de residência do casal não pertencia


exclusivamente ao companheiro falecido, tampouco se reconhece o direito real de
habitação em favor da recorrente, já que isso privaria a filha coproprietária dos
atributos da propriedade que titula.

Essa copropriedade anterior ao passamento do testador impede o


reconhecimento do aludido direito real de habitação, conforme jurisprudência:
CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INOPONIBILIDADE A TERCEIROS
COPROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. CONDOMÍNIO PREEXISTENTE À
ABERTURA DA SUCESSÃO. ART. ANALISADO: 1.611, § 2º, do CC/16.
(...) 2. Discute-se a oponibilidade do direito real de habitação da viúva aos
coproprietários do imóvel em que ela residia com o falecido.
3. A intromissão do Estado-legislador na liberdade das pessoas disporem dos
respectivos bens só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional
outorgada à família (art. 203, I, da CF/88), que permite, em exercício de ponderação
de valores, a mitigação dos poderes inerentes à propriedade do patrimônio herdado,
para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o direito à
moradia do cônjuge supérstite.
4. No particular, toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão
do direito real de habitação ao cônjuge supérstite deixa de ter razoabilidade, em
especial porque o condomínio formado pelos irmãos do falecido preexiste à abertura
da sucessão, pois a copropriedade foi adquirida muito antes do óbito do marido da
recorrida, e não em decorrência deste evento.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1184492/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 01/04/2014, DJe 07/04/2014)

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2018/CÍVEL

Nesse contexto, não merece reforma a sentença fustigada, uma vez que o
falecido não poderia gravar com ônus real imóvel que não era de sua exclusiva
propriedade.

Diante do exposto, manifesta-se o Ministério Público pelo conhecimento e o


desprovimento do presente recurso.

ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.

DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL - Presidente - Apelação Cível nº 70077619476,


Comarca de Santa Cruz do Sul:

"NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: DANIELA FERRARI SIGNOR

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