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Usufruto, uso e

habitação no
registro de imóveis
Ivan Jacopetti do Lago
• Qual é a natureza do usufruto, uso e
habitação?
• “Servidão pessoal” – o que quer dizer?

• Tem usufruto o proprietário pleno?


– “Usufruto causal”: Direito de usar e fruir do
proprietário; “Usufruto formal”: O direito de
usufruto propriamente dito (Voet).
• É o usufruto direito distinto da
propriedade ou parte dela?
– Pampaloni: Resgatou doutrina
medieval segundo a qual o usufruto
seria “pars domini”.
– Romanistas mais recentes (Bretone,
Kaser, Grosso), se opuseram à idéia.
• Há transmissão quando se institui usufruto em favor de
alguém?
– Teixeira de Freitas: O usufruto implica um
desmembramento do domínio, e por isso não se confunde
com o “usar” e o “fruir” – faculdades que se pode ter sem
este desmembramento, como na locação, ou no
fideicomisso.
– Assim, dá-se o destaque da pessoa do proprietário dos
direitos de usar a coisa (“a coisa frutuária”) e de perceber
os frutos. Pressupõe-se que haverá sobre a mesma coisa
duas ordens de direitos, os do proprietário, e os do
usufrutuário.
• A adoção de uma maneira ou outra de se compreender o
instituto (direito sobre coisa alheia ou parte da propriedade)
traz consequências.
– A “reserva de usufruto” – faz sentido quando se pensa que
o usufruto é direito real sobre coisa alheia?
• Reserva não é propriamente reserva, mas a imposição
de um ônus real à coisa (1ª VRPSP, Proc. 1.111/83).
– É possível a constituição de usufruto sobre coisa própria?
• A doutrina alemã entende que sim. No Brasil ensejaria
extinção do usufruto, pela consolidação (mas tem que
se admitir sua possibilidade provisória quando da
instituição seguida de transmissão da nua
propriedade).
– É possível a transmissão de nua-propriedade sem a prévia
constituição do usufruto?
• CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0001748-80.2014.8.26.0615:
Cabe ao registrador interpretar o conteúdo do negócio,
para distinguir alienação da propriedade da alienação
da nua-propriedade.

– E a atribuição de usufruto em partilha?


• A jurisprudência tem admitido (CSM, Apelação Cível
283.893; Apelação Cível 34.918-0/8; dentre outras).
• Problema – Nas partilhas causa-mortis sem testamento
quem institui o usufruto? O espólio?
• O direito do nu-proprietário.
– A substância da coisa, e a este direito, oportunamente,
retornarão aqueles que foram destacados.
– “Substância”: Não é a coisa em si (ou os materiais de que é
constituída), mas sua “forma atual”, seu modo de ser, suas
qualidades inerentes quando foi constituído o usufruto.
– Este direito à substância restringe o poder de ação do
usufrutuário: não poderá alterar, transformar ou destruir a
substância da coisa.
• Isto abrange mudar a destinação que o proprietário
havia lhe dado.
• O grau de supressão dos direitos do nu-proprietário faz com
que o usufruto seja um direito essencialmente temporário.
– O que permanece com o nu-proprietário?
– Permanecem: o direito de reivindicar a coisa se extinto o usufruto; o
direito aos produtos que não sejam frutos; e o direito de adquirir
acessões.

• Por outro lado, não pode o nu-proprietário embaraçar o


exercício do direito do usufrutuário, por exemplo mudando a
forma ou destinação da coisa, impondo à coisa servidões,
renunciando a servidões, ou de qualquer modo piorando as
condições da coisa frutuária.
• Convivência dos dois direitos:
– 1VRPSP - PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS: 1110894-
27.2017.8.26.0100: Caução locatícia de imóvel gravado de
usufruto, se disser respeito à propriedade plena, deve ser
firmada pelo usufrutuário e pelo nu-proprietário.

• Limites dos direitos do usufrutuário – pode este dar


o direito em garantia?
– CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 081895-0/6: Admite-se registro
de anticrese constituída por usufrutuário.
• O que é fruto?
– Fruto é aquilo que periodicamente nasce e renasce da
coisa, sem acarretar sua destruição, em todo ou em parte.
– Mas a definição é escorregadia, já que a qualificação como
fruto por vezes depende do destino que o proprietário dá
à coisa.
– E se houver florestas ou recursos minerais? Deve o título
fixar a extensão do gozo e a maneira de exploração.
• Esta “modulação” atinge a própria estrutura do direito
real.
• A nua-propriedade e o usufruto têm valor definido em lei?
– Decreto 4335, de 17 de abril de 1869: Regulamento do
imposto de transmissão de propriedade.
• 5ª O do usufructo vitalicio será o producto do
rendimento de um anno, multiplicado por 10, e o do
temporario, producto do rendimento de um anno
multiplicado por tantos annos, quantos os do
usufructo, nunca excedendo de 10.
• 6ª O valor da nua-propriedade será o produto do
rendimento de um anno multiplicado por 20, deduzido
o valor do usufructo, na fórma da regra antecedente.
• Legislação estadual atual: Estabelece um critério
como base de cálculo do imposto de transmissão
(mas apenas para este fim).
– Exemplo: Lei Estadual de SP 10.705/2000, art. 9º:
• 3. 1/3 (um terço) do valor do bem, na instituição do
usufruto, por ato não oneroso;
4. 2/3 (dois terços) do valor do bem, na transmissão
não onerosa da nua-propriedade.
• Cabe ao registrador verificar o quanto foi
recolhido?
• E no cancelamento do usufruto? Incide ITCMD?
• O problema: Decreto Estadual de SP 46.655/2002, art. 31: O
imposto será recolhido:
II - na doação:
c) nos momentos indicados no §3.º, se houver reserva do usufruto, do
uso ou da habitação sobre o bem, em favor do doador;
§ 3.º - Na hipótese prevista na alínea "c" do inciso II, o imposto será
recolhido:
1 - antes da lavratura da escritura, sobre o valor da nua- propriedade;
2 - por ocasião da consolidação da propriedade plena, na pessoa do nu-
proprietário, sobre o valor do usofruto , uso ou habitação;
3 - Facultativamente, antes da lavratura da escritura, sobre o valor da
propriedade.
• CGJSP - RECURSO ADMINISTRATIVO: 1120534-
20.2018.8.26.0100 (dentre outros): Não é
exigível ITCMD para o cancelamento do
usufruto, ainda que recolhido apenas 2/3
quando de sua instituição.
• Receita Estadual, em ofício encaminhado aos
registradores comunica que “V. S. não deverá
proceder ao registro da extinção do usufruto
sem a comprovação do pagamento do 1/3
diferido” (sic).
• A constituição do usufruto - Usufruto legal:
• Pais em relação aos bens dos filhos sob poder familiar
(CC, art. 1.689).
• Brasileira casada com estrangeiro sob regime que
exclua a comunhão universal, sobre a quarta parte dos
bens deste (Decreto-Lei 3.200/41, art. 17).
• Cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de
bens, relativamente ao imóvel destinado à residência
da família, desde que seja o único daquela natureza a
inventariar (atualmente, direito real de habitação).
• Índios, em relação às riquezas do solo, rios e lagos
existentes nas terras tradicionalmente ocupadas por
eles (CF, art. 231).
1VRPSP - PROCESSO: 0011105-48.2012.8.26.0100
1VRPSP - PROCESSO: 0011105-48.2012.8.26.0100
1VRPSP - PROCESSO: 0011105-48.2012.8.26.0100

• Usufruto (e habitação) legal – há necessidade/ possibilidade


de registro?
– CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 99458-0/9: Ressalvada a
hipótese do direito de família, usufruto sempre depende
de registro para ser constituído.
– 1VRPSP - PROCESSO: 66/86: Usufruto legal decorrente do
direito de família prescinde de registro.
– 1VRPSP – Processo 0011105-48.2012.8.26.0100: Admitiu o
registro de usufruto vidual oriundo de partilha anterior ao
CC/2002.
– CSMSP - Apelação Cível 68107-0/6: Admitiu o registro do
usufruto vidual e afirmou a natureza declaratória deste
registro.
1VRPSP - PROCESSO: 0011105-48.2012.8.26.0100
1VRPSP - PROCESSO: 0011105-48.2012.8.26.0100
1VRPSP - PROCESSO: 0011105-48.2012.8.26.0100

– NSCGJSP, Cap. XX, Item 11, a, 6: No Registro de Imóveis,


além da matrícula, serão feitos o registro de usufruto e uso
sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do
direito de família (Livro 2).

– Ademar Fioranelli: Somente se constitui o usufruto


independentemente de registro quando este é adquirido
pela prescrição aquisitiva.
• A constituição do usufruto – usufruto convencional:
– Ato voluntário do proprietário, mortis causa (em
testamento que lega o usufruto; que lega a propriedade
mas reserva o usufruto em benefício de herdeiro; ou que
expressamente lega a um a propriedade e a outro o
usufruto); ou inter vivos, oneroso ou gratuito.
• Doação a filhos menores, seguida de instituição: CSMSP
- APELAÇÃO CÍVEL: 113-6/8: Instituição de usufruto por
filho incapaz em favor dos pais demanda nomeação de
curador especial.

– E na constituição mortis causa sem testamento?


• Usufruto oneroso e gratuito – a rigor, oneroso ou gratuito é o
negócio jurídico causal, e não a instituição do usufruto
propriamente dita.
– Usufruto em permuta;
– Usufruto em dação em pagamento;
– Usufruto em doação;
– Usufruto em compra e venda;
– Etc.
• E promessa?
• CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 282-6/8: Não se admite registro de
promessa de instituição de usufruto; nem de promessa de venda
de nua-propriedade, se antes o usufruto não foi constituído.
• Conferência de bens com nua-propriedade:

– CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 0001685-


55.2011.8.26.0358: Admite-se conferência de bem
em integralização de capital social, com reserva de
usufruto, pelo próprio contrato arquivado na
junta;
• mas não em favor de terceiro (caso em que seria
exigível escritura pública).
• Modulação do usufruto:
– A constituição do usufruto admite alguma modulação, que
ensejará uma mutação da própria estrutura do direito real.
• Possibilidade de restrição a porção do imóvel;
• Possibilidade de “modulação funcional” - quais frutos –
ou produtos - serão objeto de apropriação pelo
usufrutuário.
• Modulação temporal?
– Segundo Venezian, a possibilidade de dividir o
usufruto em tantas unidades quantos sejam os
períodos de gozo deu origem, no Direito Romano, à
cláusula “habitandi causa”.
• Em que momento se constitui o usufruto convencional?
– Tratando-se de constituição por ato inter vivos, no
momento do registro.
– E na constituição mortis causa?
• Lafayette (séc. XIX):- No caso de testamento, “por força
própria”.
• Atualmente: Força própria? Aplica-se a regra da
saisine?
– Tratando-se de direito real sobre coisa alheia (e não
de parte da propriedade), a constituição se dará no
momento do registro.
• A constituição do usufruto – prescrição aquisitiva:
– Usucapião judicial e extrajudicial;

– 1VRPSP - PROCESSO: 1036238-31.2019.8.26.0100:


É possível usucapião extrajudicial de usufruto,
desde que demonstrado o animus domini
específico.

– Como caracterizar o animus domini?


• A cessão do usufruto:
– O usufruto em si é intransmissível, ou seja, não
pode o usufrutuário cedê-lo a terceiro, a título
oneroso ou gratuito.

• O que exatamente é vedado, quando se diz que o


usufruto não pode ser transmitido?
• CSMSP - APELAÇÃO CÍVEL: 9000001-68.2012.8.26.0434:
A vedação de alienação do usufruto atinge o
usufrutuário, e não o proprietário pleno.
• Usufruto simultâneo, direito de acrescer e usufruto sucessivo:
– CGJSP - PROCESSO: 10.109/2015: Usufruto
simultâneo (em favor de A e B) é válido, e
somente pode sobreviver ao usufrutuário no caso
de cláusula de acrescer;
– mas é inválido o usufruto sucessivo (em favor de
A, e, após a morte deste, B).
• De certo modo, o “direito de acrescer” é usufruto
sucessivo cuja pactuação conta com admissão expressa
em lei.
• Todavia, seu exercício, ou sua comodidade, é transmissível
(caso em que será exercido por meio de terceiro), e este pode
até mesmo ser penhorado.
• A despeito da cessão do exercício, o direito permanece
vinculado à pessoa do usufrutuário: a ele continuam a
pertencer as ações petitórias e possessórias dele
derivadas; e é em sua pessoa que o direito se extingue.

• Esta cessão de exercício de alguma maneira ingressa no


registro?
• 1VRPSP - PROCESSO: 1003212-76.2018.8.26.0100:
Não é possível o registro da cessão do exercício do
usufruto; mas é possível o registro do próprio
usufruto, se, e somente se, destinado a consolidação
da propriedade.

• CGJSP - PROCESSO: 68750/2011: Não é possível a


averbação da penhora dos direitos decorrentes do
exercício do usufruto; nem do próprio usufruto.
• O regime de bens pode ensejar a transmissão de
usufruto ao cônjuge, pela via da comunicação?

– 1VRPSP - PROCESSO: 0026947-39.2010.8.26.0100


(100.10.026947-7): Não há comunicação do
usufruto ao cônjuge, ainda que casado pela
comunhão universal de bens, sob pena de se
violar o caráter personalíssimo e intransmissível
do instituto.
• Decretação de indisponibilidade dos bens do
usufrutuário – deve-se averbar a indisponibilidade
na matrícula?

– CGJSP - PROCESSO: 2007/22001: Admite-se a


averbação da indisponibilidade do usufruto, já que
é admitida a sua transmissão pelo usufrutuário ao
nu-proprietário, para consolidação da
propriedade.
• A distinção entre o usufruto e o direito real de uso:
– Doutrina tradicional (Donellus), retomada por Puchta –
diferença quantitativa: Uso é o direito de apropriar-se das
vantagens da coisa – mesmo frutos - nos limites de suas
necessidades pessoais.
– Doutrina “moderna” (Thibaut e a maior parte dos
pandectistas) – diferença qualitativa: O “ usufruto é
composto por duas faculdades, “usar” e “fruir”. O “fruir”
não pode vigorar sem o “usar” (já que para fruir, se deve
também usar a coisa de variadas maneiras); mas o “usar”
pode vigorar sem o “fruir”, pelo que pode o usufrutário
ceder seu exercício, e o usuário não.
• O Código Civil Brasileiro parece ter-se inclinado para a
posição tradicional, englobando também a família do
usuário:
Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus
frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua
família.
§ 1º Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário
conforme a sua condição social e o lugar onde viver.
§ 2º As necessidades da família do usuário compreendem as
de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu
serviço doméstico.
• E o direito real de habitação?
– A habitação surge no Direito Romano como uma cláusula
que modula o usufruto: a cláusula habitandi causa.
– Neste caso, a diferença é sempre qualitativa: o direito real
de habitação tem finalidade específica de “habitar
gratuitamente casa alheia”.
• Por isso, o Código Civil veda a cessão do exercício: o
titular não pode alugar, nem emprestar a casa.
• O Código também veda a aquisição de qualquer fruto
civil: se vários são os titulares, simultaneamente,
aquele que habita sozinho não pode impedir as demais
de exercer seu direito; mas também não pode ser
constrangido a lhes pagar aluguel.

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