Você está na página 1de 7

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JLPS
Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758-23.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

APELAÇÃO. MANDATOS. INDENIZAÇÃO POR


DANOS MATERIAIS. ATUAÇÃO NEGLIGENTE DA
IMOBILIÁRIA. DEVER DE REPARAR.
As circunstâncias do caso autorizam a responsabilização da
imobiliária pelo fato de ela não ter atuado com a diligência
necessária no cumprimento das funções de mandatário.
Demonstrado o agir negligente, configurada culpa, impondo,
por consequênca, a obrigação de indenizar o autor pelos
prejuízos sofridos.
Recurso provido.

APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758- COMARCA DE PORTO ALEGRE


23.2018.8.21.7000)

MA WANDEL ME APELANTE

MAFFER IMÓVEIS SERVIÇOS APELADO


IMOBILIARIOS LTDA EPP

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao
recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes
Senhores DES. ÉRGIO ROQUE MENINE (PRESIDENTE) E DES.ª DEBORAH
COLETO ASSUMPÇÃO DE MORAES.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2018.

DES.ª JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS,


Relatora.

1
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JLPS
Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758-23.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

RELATÓRIO
DES.ª JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS (RELATORA)
Trata-se de apelação interposta por MA WANDEL ME contra
sentença que julgou improcedente a ação de indenização por danos materiais,
ajuizada contra MAFFER IMÓVEIS SERVIÇOS IMOBILIARIOS LTDA. EPP,
condenando a apelante ao pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios fixados em R$2.000,00 (fls. 430/433).
Nas razões do recurso (fls. 442/448), postula a condenação da apelada
pelos danos materiais (R$72.000,00 corrigidos monetariamente pelo IGPM e com
juros de 1% ao mês) decorrentes da omissão relativa à ausência de assinatura do
locatário na vistoria inicial, o que teria impossibilitado a cobrança pelos danos após a
desocupação do imóvel. Pede, ainda, a inversão do ônus de sucumbência.
Apresentadas as contrarrazões (fls. 454/459).
Saliento que foi observado o disposto nos artigos 931 e 934 do CPC,
tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.

VOTOS
DES.ª JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS (RELATORA)
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Assiste razão ao autor-apelante.
A imobiliária, ao representar o proprietário do imóvel no contrato de
locação, atua como mandatário, em razão dos poderes previamente recebidos (art.
653 e seguintes do CC), tendo o dever de “ aplicar toda sua diligência habitual na
execução do mandato, e indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua” , conforme
disposição do art. 667 do CC.
Ela foi contratada para administrar um imóvel e autorizada a
intermediar contratos de locação (fl. 10) pela contraprestação de 30% do primeiro

2
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JLPS
Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758-23.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

aluguel (taxa de intermediação) e 10% mensal (taxa da administração). Logo, era


responsável por cuidar do contrato de locação e diligenciar pelo seu cumprimento
mês-a-mês, serviço que não foi prestado com zelo e cuidado exigidos.
Não há dúvida de que ao se contratar uma imobiliária conhecida,
como no caso, cujo slogan é “você conhece, você confia”, o contratante tem a intenção
de minimizar os riscos decorrentes contrato, por isso entrega o bem a uma
imobiliária, caso contrário, não haveria motivos para pagar pelo serviço.
Não se pode esquecer que as imobiliárias têm a prática e estão
acostumadas a enfrentar problemas ocorridos no curso da locação, por isso fazem um
contrato prevendo tudo o que pode ocorre e colocando cláusulas que contemplam a
conservação do imóvel.
No caso em exame, consta que o locatário é obrigado a devolver o
bem no estado em que recebeu – cláusula segunda (fl. 12):
“O (A) LOCATÁRIO declara ter pleno conhecimento das plantas e do
estado em que se encontra o imóvel, uma vez que o visitou antes da elaboração
deste contrato, o que foi considerado no valor do locativo acordado, e atenderá
ao uso à que se destina, obrigando-se a restitui-lo findo a locação, no mesmo
estado em que o recebeu, fazendo por sua conta, as reparações de estrago à
que der causa. Fará parte deste contrato, ficha de inspeção, onde descreverá as
condições do imóvel locado. Quaisquer modificações, benfeitorias, mesmo as
necessárias, e acessões, dependerão de anuência e autorização escrita do
LOCADOR, sob pena de rescisão da locação, ficando as feitas sem esta
solenidade incorporadas ao imóvel ora locado sem direito de indenização e
nem podendo o LOCATÁRIO nelas fundamentar o direito de retenção; mais
ainda que permitidas as modificações, benfeitorias e acessões, ficarão elas, da
mesma forma, aderidas ao imóvel, sem direito à indenização, retenção,
ressalvando-se, todavia, a obrigação do LOCATÁRIO de retirá-las se não
convier ao LOCADOR permanecer com as mesmas.
Caso não convier ao LOCADOR a permanência de quaisquer
benfeitorias ou modificações feitas pelo LOCATÁRIO, deverá este removê-las
às suas expensas, deixando o imóvel e suas dependências no estado em que
encontravam por ocasião da locação. [...]
Paragrafo 3º. Caso o imóvel não esteja nas condições de conservação e
em perfeito estado de servir ao uso a que destina, o (a) locatário (a) terá o
prazo de (30) dias para que efetue, por sua conta, os reparos necessários.
Findo o prazo previsto, caso o (a) locatário (a) não tenha providenciado na
restauração do imóvel ou caso o imóvel não se ache, ainda nas perfeitas
condições de conservação e em perfeito estado de servir ao uso a que destina, a
3
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JLPS
Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758-23.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

ser averiguada através da verificação do estado do imóvel a ser feita pela


administração num prazo de 72h, o (a) locador (a) tomará para si o encargo,
por conta exclusiva do (a) locatário (a), e providenciará na restauração do
imóvel, não cessando, contudo, desde a entrega das chaves a fluência dos
aluguéis e encargos, que só ocorrerá quando cumpridas as obrigações
previstas na filha de inspeção”

Entretanto, esta cautela não se repetiu no momento de fechar o


negócio, pois a imobiliária deixou de colher a assinatura do locatário na ficha de
inspeção (fls. 19/22), documento que integra o contrato para comprovar o estado em
que se encontrava o imóvel no início da locação.
E isso, indiscutivelmente, não pode ser admitido de uma empresa
especializada, a qual deveria ser a maior interessada em seguir as determinações
contratuais, que exigiam a realização dessa ficha para garantir os interesses do
proprietário do imóvel.
Ainda mais considerando que se tratava de uma locação não
residencial, nas quais é comum que o locatário adapte o imóvel para a finalidade
comercial que pretende desenvolver no local.
Além do mais, chama atenção que esse não foi o único sinal da má
prestação do serviço contratado; também não foi documentado pela imobiliária a
situação do imóvel no momento da desocupação, demonstrando a inexistência de
qualquer preocupação em verificar o cumprimento da cláusula segunda do contrato.
Nesse sentido, a prova pericial corrobora a negligência da imobiliária
ao informar os defeitos da ficha de vistoria, a qual, ainda que estivesse assinada, não
serviria para atestar as condições do imóvel.
Segundo o perito, as “vistorias para efeitos de locação de imóvel
(edificação) usualmente descrevem detalhadamente as dependências, seus acabamentos,
estado de conservação e existência de eventuais danos pré-existentes, acompanhados de
levantamento fotográfico, complementado com as mesmas informações na data da efetiva
desocupação (após as obras de recuperação, quando necessárias). A ficha de inspeção
apresentada não se presta para esta finalidade.” (fl. 285).

4
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JLPS
Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758-23.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

A atuação negligente da imobiliária teve graves consequências para o


locador, o qual recebeu o imóvel bastante danificado após o encerramento da
locação, sem poder acionar o locatário para que arcasse com os reparos devidos.
Saliento que além dos três orçamentos trazidos pelo autor elencando
todos os danos a serem corrigidos (fls. 119/128), as fotografias do imóvel dias antes
do início da locação, em 27.12.07, e na data de entrega das chaves, em 12.12.12 (fls.
292/299 e 315), demonstram que o imóvel foi devolvido em péssimo estado, sem que
tenha havido conservação por parte do locatário.
A esse respeito o perito teceu as seguintes considerações (fls.
285/286):
“Se tomadas as fotografias fornecidas pela demandada (imobiliária) em
meio eletrônico (CD´s anexos), é possível verificar o estado do imóvel em duas
datas distintas:
- em 27 de dezembro de 2007: imóvel usado mas em bom estado de
conservação, paredes pintadas, louças e metais dos banheiros funcionais,
assoalho e piso cerâmico sem defeitos aparentes;
- em 12 de dezembro de 2012, dois dias após a entrega das chaves pelo
locatário. Estado precário das instalações e do imóvel. É possível identificar
diversos pontos de infiltração na laje de cobertura devidos à manutenção
preventiva falha ou inexistente, paredes com marcas de remoção de
objetos/equipamentos sem a devida recuperação, cobertura em policarbonato
com peças quebradas e espalhadas pelo chão, móveis deteriorados, sem
possibilidade de recuperação entre outros, configurando abandono do imóvel
sem nenhuma ou poucas obras de recuperação”.

Nesse contexto, embora em regra não seja possível imputar à


imobiliária os danos causados pelo locatário no imóvel, as circunstâncias do caso
autorizam a responsabilização dela pelo fato de não ter atuado com a diligência
necessária no cumprimento das funções de mandatário.
Sobre o tema, cito precedente desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDATOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
C/C INDENIZAÇÃO. LOCAÇÃO. RESPONSABILIDADE DA
IMOBILIÁRIA. A RELAÇÃO ENTRE A LOCADORA E A IMOBILIÁRIA,
COMO INTERMEDIÁRIA NA LOCAÇÃO DE IMÓVEL, É DE MANDATO.
APLICAÇÃO DOS ART. 653 E SEGUINTES DO CÓDIGO CIVIL. A
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MANDATÁRIO, SEGUNDO O ART. 667

5
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JLPS
Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758-23.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

DO CÓDIGO CIVIL, É SUBJETIVA, POIS EXIGE QUE ESTE TENHA


ATUADO COM DOLO OU CULPA NO EXERCÍCIO DO MANDATO,
CAUSANDO PREJUÍZOS AO MANDANTE. RESPONSABILIZAÇÃO DA
IMOBILIÁRIA PELOS DANOS MATERIAIS CAUSADOS À
LOCADORA/MANDANTE, POR SUA CONDUTA DESIDIOSA.
APURADOS OS LUCROS CESSANTES NA PERÍCIA REALIZADA. MULTA.
AUSÊNCIA DE "BIS IN IDEM". PEDIDO DE REDUÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO NÃO ACOLHIDO. NEGARAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível nº 70069857522, Décima Quinta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas
Barcellos, Julgado em 09/11/2016). (grifei)

Demonstrado o agir negligente, configurada culpa da imobiliária,


impondo, por consequência, a obrigação de indenizar o autor pelos prejuízos
sofridos, no valor do menor dos três orçamentos apresentados em juízo, qual seja,
R$72.100,00 (fls. 119/121), corrigido monetariamente pelo IGPM desde a data do
efetivo prejuízo, ou seja, desde a entrega das chaves (Súmula 43 do STJ 1) e com
juros de 1% ao mês desde a citação (art. 405 do CC2).
Por fim, dou por prequestionados os artigos indicados pelas partes, a
fim de evitar eventual oposição de embargos declaratórios apenas com esta
finalidade. Saliento não ser o julgador obrigado a manifestar-se a respeito de todos os
dispositivos legais e constitucionais discutidos no curso do processo, sendo suficiente
fundamentar a decisão, nos termos do artigo 1.025 do CPC.
Assim, voto no sentido de dar provimento ao recurso, condenando a
imobiliária demandada ao pagamento do R$72.100,00, corrigido monetariamente
pelo IGPM desde a data da entrega das chaves e com juros de 1% ao mês desde a
citação.
Diante do resultado do julgamento, inverto o ônus da sucumbência,
condenando a demandada ao pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios, os quais fixo em 15% sobre o valor da condenação, já considerando a
atuação na fase recursal (art. 85, §§ 2º e 11º, do CPC).

1
Súmula 43 do STJ. Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo
prejuízo.
2
Art. 405 do CC. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial
6
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

JLPS
Nº 70078345469 (Nº CNJ: 0199758-23.2018.8.21.7000)
2018/CÍVEL

DES.ª DEBORAH COLETO ASSUMPÇÃO DE MORAES - De acordo com o(a)


Relator(a).

DES. ÉRGIO ROQUE MENINE (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ÉRGIO ROQUE MENINE - Presidente - Apelação Cível nº 70078345469, Comarca


de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO."

Julgador(a) de 1º Grau: BRUNO BARCELLOS DE ALMEIDA

Você também pode gostar