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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TURMAS RECURSAIS

GDD
Nº 71005284773 (N° CNJ: 0051988-79.2014.8.21.9000)
2014/CÍVEL

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR.


PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONFECÇÃO DE
VESTIDO SOB MEDIDA. AJUSTES QUE NÃO
FORAM REALIZADOS PELA RÉ E QUE
TORNARAM A ROUPA IMPRÓPRIA PARA O USO.
DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DE ENTREGA
PELA REQUERIDA E AUSÊNCIA DE REPAROS NO
PRAZO DE 30 DIAS, INCIDINDO O DISPOSTO NO
ART. 18, § 1º, INCISO II DO CDC. DESISTÊNCIA DO
NEGÓCIO. DIREITO AO RESSARCIMENTO DO
PREÇO PAGO. AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA
DO VALOR PAGO PELO TECIDO E DOS CUSTOS
COM OS TRANSPORTE PARA DESLOCAMENTO
ATÉ A CIDADE DA REQUERIDA PARA A PROVA
DO VESTIDO. DANOS MORAIS NÃO
CONFIGURADOS. HIPÓTESE DE MERO
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL, SEM OFENSA
A DIREITOS DA PERSONALIDADE. SENTENÇA
REFORMADA EM PARTE. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.

RECURSO INOMINADO QUARTA TURMA RECURSAL CÍVEL

Nº 71005284773 (N° CNJ: 0051988- COMARCA DE PORTO ALEGRE


79.2014.8.21.9000)

MOEMA IZABEL NODARI RECORRENTE

FRANCIELE HERMOZA RECORRIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Quarta Turma
Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do
Sul, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

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Nº 71005284773 (N° CNJ: 0051988-79.2014.8.21.9000)
2014/CÍVEL

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes


Senhores DR. LÉO ROMI PILAU JÚNIOR (PRESIDENTE) E DR.
ROBERTO CARVALHO FRAGA.
Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2015.

DR.ª GLAUCIA DIPP DREHER,


Relatora.

RELATÓRIO
Narra a autora, que adquiriu um tecido em uma viagem à
China, em agosto de 2013 e contratou a ré para confeccionar um vestido sob
medida, o qual deveria ficar pronto até o dia 09/12/2013 para ser utilizado
em uma festa de final de ano. Narrou que no dia 06/12/2013 o vestido foi
deixado na portaria do seu prédio, sem qualquer condição de uso e
apresentando uma série de defeitos, entre eles: “fecho torto, bainha
desparelha, forro descosturado, sobras nas cavas, costuras internas
desfeitas, etc”. Afirmou que após diversas tentativas, a requerida não
conseguiu consertar os defeitos, nem mesmo lhe devolveu o vestido.
Requereu a procedência da ação para condenar a ré ao pagamento de
danos morais; ao ressarcimento de R$ 573,60 pagos pelo tecido e de R$
311,70 decorrentes dos valores gastos com passagens de ônibus e táxi para
deslocamento de Porto Alegre a Caxias do Sul para provar o vestido; bem
como a devolução em dobro da primeira parcela paga pelo vestido (R$
315,00), totalizando R$ 630,00.
A contestação foi apresentada às fls. 50/65. A requerida
afirmou que o vestido foi devidamente confeccionado de acordo com as
medidas da autora e de acordo com as determinações da cliente, sendo-lhe
entregue em perfeitas condições de uso em dezembro de 2013, quatro dias

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antes da data aprazada. Salientou que já na segunda prova, a autora se deu


por satisfeita com a confecção do vestido e dispensou a realização da
terceira prova. Após a reclamação da autora, mesmo entendendo que o
vestido estava em perfeitas condições de uso, se propôs a realizar os
reparos postulados pela cliente, o que foi feito, mas mesmo assim não ficou
do agrado da autora. Afirmou que se propôs a devolução de um tecido
semelhante e a restituição do valor pago pela autora, o que não foi aceito.
Diante do impasse, propôs manter a peça em seu ateliê para venda,
repassando o valor à cliente quando essa fosse concretizada, situação que
não ocorreu porque o vestido não foi vendido. Salientou que não há motivos
para o inconformismo da autora, tratando-se de mero arrependimento.
Realizou pedido contraposto às fls. 62/65.
A audiência de instrução e julgamento foi realizada às fls.
91/92, oportunidade na qual as partes foram ouvidas.
A sentença foi proferida às fls. 104/106. O Juízo de origem
julgou improcedente os pedidos da autora e improcedente o contrapedido da
requerida, determinando que a autora recolha o vestido no estado em que
se encontra na cidade de Caxias do Sul.
A autora apresentou recurso inominado às fls. 108/118.
Sustentou que o prazo para a entrega do bem ficou ajustada para
06/12/2013 e que a requerida não cumpriu com a parte que lhe cabia, pois
entregou um vestido sob medida impróprio para uso, não havendo nenhuma
negativa sua em realizar quantas provas fossem necessárias para o
conserto. Salientou que em março de 2014 o vestido permanecia sem os
reparos necessários. Requereu a reforma da decisão e a procedência de
seus pedidos.
A requerida apresentou contrarrazões às fls. 121/125.

VOTOS
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DR.ª GLAUCIA DIPP DREHER (RELATORA)


Recebo o recurso, eis que presentes os requisitos de
admissibilidade.
O Juízo de origem julgou improcedentes os pedidos da inicial,
sob o entendimento de que as provas do vestido deveriam ocorrer até o
resultado pretendido pela autora, de modo que não houve descumprimento
contratual por parte da requerida, uma vez que os ajustes ainda estavam
sendo realizados.
Não obstante esse entendimento, entendo que a sentença
merece ser reformada, pois, de acordo com as informações constantes nos
autos, especialmente no item 6.1 do contra pedido (fls. 62), verifica-se que
as partes ajustaram que a entrega do vestido, pronto para uso, deveria
ocorre até o dia 06/12/2013, data em que se venceria a segunda parcela do
preço ajustado. Porém, ainda em março de 2014, a autora estava em
tratativas com a ré no intuito de consertar os vícios decorrentes da
confecção.
Ainda, na contestação às fls. 52, a requerida afirma que enviou
o vestido à autora quatro dias antes da data aprazada para entrega, em
perfeito estado e na forma como contratada, o que permite a conclusão de
que realmente foi estipulada uma data para a entrega do produto à autora e
que a ré deu por concluído o serviço.
Apesar de parecer obvio que a confecção de um vestido sob
medida pode demandar tempo e necessitar de várias provas, isso não
significa dizer que a estilista ou a costureira possui prazo indeterminado para
confeccioná-lo ou para corrigir os vícios apresentados, nem que o
consumidor tenha que ficar à disposição para infinitas provas, mormente
quando a própria requerida deu o vestido como pronto e acabado em
dezembro de 2013.

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Havendo data para entrega, deveria a ré comprovar que


cumpriu com a sua parte no contrato. Ocorre, que conforme se observa
pelas fotografias de fls. 24/28, o vestido realmente não estava em condições
de uso pela autora.
Não se verifica nos autos nenhuma negativa da autora em
colaborar para a realização dos ajustes e realizar as provas necessárias. Ao
contrário, a autora teve paciência para aguardar os ajustes necessários no
vestido até o mês de março de 2014, quando então, desistiu do negócio.
A impossibilidade de deixar o vestido do agrado da cliente,
bem como o desinteresse da autora em dar seguimento à confecção do
vestido é fato incontroverso e pode ser evidenciado a teor dos emails
trocados às fls. 30/32. A própria requerida concordou que no caso de não
conseguir deixar o vestido ao agrado da autora, ficaria com a peça e
restituiria o valor investido.
Deste modo, incide ao presente caso as disposições do art. 18,
§ 1º, II do CDC, uma vez que os vícios do vestido não foram sanados no
prazo de 30 dias, a contar da data estipulada para a entrega, bem como
essa era a vontade da consumidora.
Portanto, a sentença deve ser reformada para determinar que a
requerida devolva à autora o valor de R$ 315,00 equivalente a primeira
parcela paga pela confecção do vestido. A devolução deve ocorrer de forma
simples, sem incidência do parágrafo único do art. 42 do CDC, uma vez que
não se trata de cobrança indevida, nem se verifica a má-fé da requerida.
Nesse sentido, a jurisprudência:

CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONFECÇÃO


DE VESTIDO DE FESTA. ROUPA QUE APRESENTA PEQUENOS
DEFEITOS, IMPEDINDO A AUTORA DE USÁ-LA NOS COMPROMISSOS
SOCIAIS MARCADOS PARA AQUELE MÊS. DIREITO AO
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RESSARCIMENTO DO PREÇO PAGO. DANOS MORAIS NÃO


CONFIGURADOS. HIPÓTESE DE MERO DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL, SEM OFENSA A DIREITOS DA PERSONALIDADE.
Embora inegável que a autora viu-se aborrecida com o fato, já que havia
previamente escolhido tecido e modelagem para um vestido que usaria em
algumas festividades, não tendo conseguido usá-lo em razão dos defeitos
apresentados, a situação não pode ser alçada ao patamar de verdadeiro
dano moral, sob pena de banalização do instituto, notadamente porque a
demandante não chega a afirmar que o vestido fora confeccionado
especialmente para usá-lo em determinada ocasião. Além disso, a autora
não teve a cautela de contratar os serviços com maior antecedência, pois
em se tratando de vestido confeccionado a pedido da cliente, é muito
comum haver pequenas insatisfações quanto ao resultado final. Por isso, em
casos tais, muitas vezes é necessário haver diversas provas do vestido e
realização de pequenos ajustes, até que se atinja o resultado pretendido. No
caso, como o vestido ficaria pronto em data muito próxima às dos eventos,
não houve tempo hábil para a realização de ajustes mínimos, que
certamente resolveriam a questão. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso
Cível Nº 71002437960, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais,
Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 13/05/2010)

Apesar de estar prevista a indenização por perdas e danos no


art. 18, § 1º, inciso II do CDC, incumbia à autora comprovar, de forma
inequívoca, o valor gasto com a aquisição do tecido, prova essa que não
veio aos autos e ônus que incumbia à autora, nos termos do art. 333, I do
CPC. Ainda que o feito verse sobre direito do consumidor, tal prova lhe era
de fácil acesso, e a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII do
CDC, deve ser usada naquelas situações em que o consumidor não possui
condições de obter provas a seu favor.
Desta feita, a fim de minimizar os prejuízos sofridos pela
autora, mantenho a sentença no que se refere à busca do vestido no estado
em que se encontra na cidade de Caxias do Sul, mediante prévio
agendamento, isso se for do seu interesse.
Quanto aos valores das passagens e táxi para deslocamento
até Caxias do Sul para a prova do vestido, também não há comprovantes
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nos autos demonstrando esses gastos, ônus que também incumbia à autora.
Ademais, se a autora escolheu a confecção de um vestido em cidade
diversa de sua residência, estava ciente de que teria gastos com
deslocamentos nos momentos das provas, devendo, pois, arcar com o ônus
de suas escolhas.
Quanto aos danos morais, também não restaram configurados
no caso em tela. Apesar de ser inegável os aborrecimentos e incômodos
suportados pela autora ante as dificuldades na confecção de um vestido que
tanto queria, com um tecido de valor sentimental que alega ter sido
comprado em uma viagem à China, não há provas de que tais
aborrecimentos foram suficientemente graves a ponto de atingir seus direitos
de personalidade
Ante o exposto, VOTO PELO PARCIAL PROVIMENTO DO
RECURSO, para fins de condenar a ré à devolução, na forma simples, do
valor de R$ 315,00 decorrentes da primeira parcela paga pelo vestido,
atualizado monetariamente da data do desembolso e juros de 1% ao mês a
partir da citação, mantendo-se a sentença quanto ao mais.

Sem sucumbência, ante o resultado do julgamento.

DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA - De acordo com o(a) Relator(a).


DR. LÉO ROMI PILAU JÚNIOR (PRESIDENTE) - De acordo com o(a)
Relator(a).

DR. LÉO ROMI PILAU JÚNIOR - Presidente - Recurso Inominado nº


71005284773, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO
AO RECURSO. UNÂNIME."
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Juízo de Origem: 4.JUIZADO ESPECIAL CIVEL-F.CENTRAL PORTO


ALEGRE - Comarca de Porto Alegre

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