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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ALCPV
Nº 70036101012
2010/CÍVEL

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E


EXTRAPATRIMONIAIS. TRANSPORTE AÉREO
INTERNACIONAL. OVERSELLING C/C EXTRAVIO DE
BAGAGEM. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL. CONVENÇÃO DE
MONTREAL.
CONVENÇÃO DE MONTREAL/CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. Superado nesta Corte ser inaplicável a
Convenção de Montreal, em detrimento do CDC, pois
inegável a relação de consumo.
DANOS MORAIS. QUANTIFICAÇÃO. Abalo moral
indubitável, traduzido na situação caótica vivenciada
pela autora e seus familiares, acomodados em outro
avião, de outra companhia, e para outro destino. Alia-se
a isso o fato do extravio da bagagem da autora, não
recuperada, exasperando as consequências negativas
na viagem. Valor fixado com moderação, em atenção
aos aspectos punitivo/pedagógico/compensatório da
indenização, em sintonia com precedentes desta
Câmara.
DANOS MATERIAIS. Listagem condizente com os
pertences normalmente carregados por uma mulher em
viagens do gênero, ademais, hipoavaliados. Ausência
de prova de que os pertences da autora não superavam
a quantia oferecida pela ré a título de reembolso pela
bagagem extraviada.
APELO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Nº 70036101012 COMARCA DE PORTO ALEGRE

ALITALIA - LINEEA AIREE ITALIANE APELANTE

MARCIA BOZZETTI MOREIRA APELADA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Décima
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade,
em desprover o apelo.
Custas na forma da lei.
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Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes


Senhores DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR (PRESIDENTE E
REVISOR) E DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK.

Porto Alegre, 20 de maio de 2010.

DESA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA REBOUT,


Relatora.

RELATÓRIO
DESA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA REBOUT (RELATORA)
Trata-se de apelação interposta por ALITALIA LINEE AEREE
ITALIANE, inconformada com a sentença que julgou procedente a ação de
reparação de danos materiais e extrapatrimoniais proposta por Márcia
Bozzetti Moreira, com o seguinte dispositivo:
ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por
Marcia Bozzetti Moreira nos autos da Ação de Indenização que moveu
em face da Alitalia - Lineea Airee Italiane para o fim de:
a) condenar a requerida ao pagamento da quantia de R$5.660,40
(cinco mil seiscentos e sessenta reais e quarenta centavos) a título de
danos materiais, corrigidos pelo IGP-M desde a data do extravio da
bagagem (19.02.2007), acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, a
contar da citação;
b) condenar a demandada ao pagamento de indenização, por
dano moral, em valor equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais),
corrigidos pelo IGP-M desde a data da prolação desta sentença, e
acrescido de juros de mora de 12% ao ano, contados da data da
citação;
Em consequência, a demandada arcará com as custas
processuais e os honorários advocatícios da parte adversa, cuja verba
vai arbitrada em 20% sobre o valor da condenação, com base no artigo
20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil.
Cientifiquem-se as partes que, decorrido o prazo de 15 dias da
data do trânsito em julgado da sentença sem o efetivo pagamento,
incidirá a multa de 10% prevista no artigo 475-J do Código de Processo
Civil.

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Alega a apelante, em síntese, que deve ser aplicada a


Convenção de Montreal em detrimento do Código de Defesa do
Consumidor, já que se trata da lei específica para a regência de normas de
transporte aéreo de internacional.
Prossegue, argumentando que a indenização fixada em R$
10.000,00 a título de condenação pelos danos morais impingidos se revela
excessiva e totalmente discrepante de situações análogas. Para tanto, lista
jurisprudência ao encontro dos seus argumentos.
No que tange aos danos materiais, ressalta que a apelada
apresentou lista unilateral dos bens que supostamente se encontravam na
bagagem extraviada, não podendo se conferir idoneidade a tais afirmações.
Pugna a reforma da sentença, nos termos propugnados.
Em contrarrazões de apelo, a apelada frisou o abuso de direito
praticado pela ré, destacou ter sido vítima, não apenas de overselling (venda
de bilhetes superior à capacidade da aeronave) e de extravio de bagagem.
A ré vendeu mais acentos do que a capacidade de sua
aeronave permitia, e, ainda, com a mesma passageira já lesada pelo não
embarque como previsto, falhou ao perder a bagagem com todos os seus
pertences.
Destaca que o caso foi tão grave, que foi noticiado pelo
Caderno Viagem do Jornal Zero Hora, consoante documentos juntados.
Reafirma a correção da sentença e pede a sua manutenção.
Subiram os autos a este grau de jurisdição, vindo-me
conclusos para julgamento.
Foram cumpridas as formalidades do art. 551 do CPC.
É o relatório.

VOTOS

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DESA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA REBOUT (RELATORA)


Eminentes Colegas.
Tenho que deva ser mantida, na íntegra, a inteligente e bem
lançada sentença, da lavra da Dra. Jane Maria Kohler Vidal, que analisou a
prova e o contexto dos fatos com percuciência e propriedade, dando a
correta solução à demanda.
Rogo vênia para transcrever a sentença no que tem
pertinência, integrando-a ao presente voto:

“A questão de mérito é de direito e de fato, mas não há


necessidade de produzir outras provas em audiência, o que autoriza o julgamento
antecipado da lide, nos termos do artigo 330, I do Código de Processo Civil.

“O debate instaura-se em relação ao dever da demandada de


reparar eventual dano patrimonial e extrapatrimonial e, em caso positivo, ao valor da
indenização incidente na hipótese.

“De início, convém assinalar que a contratação para o transporte


da autora via aérea, de ida e volta à Europa, pela empresa demandada, é fato
incontroverso.
“Pelo que se depreende dos autos, o trajeto originariamente
contratado com a requerida tinha saída em Porto Alegre/São Paulo rumo à Roma e
retorno de Frankfurt/Milão/São Paulo.

“Posteriormente, com alteração no voo, o trajeto passou a ter


conexão em Londres, até Roma, retardando em várias horas a chegada da autora ao
destino.

“Pois bem, desde logo percebe-se que ocorreu quebra contratual


por parte da Alitalia, já que esta não cumpriu com a sua obrigação de voar
diretamente de São Paulo para Roma, remarcando o voo em companhia aérea diversa
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e com conexão em local distinto - Londres, gerando à autora angústias em face de


sua má organização.
“Em face da conduta da demandada, a viagem que estava prevista
para se inciar num determinado horário, foi procrastinada, além do acréscimo de
outra conexão em país diversos (Inglaterra), somada a inúmeros contratempos e um
tempo de angústia prolongado, pois a passageira não estava preparada para enfrentar
tal manobra.

“Tal descaso com os direitos e interesses do consumidor,


resultantes de prática a que se denomina de overbooking, é capaz de gerar os danos
morais pretendidos na exordial.

“Com efeito, conquanto tivesse adquirido bilhete com


antecedência, a parte autora viu-se impedida de embarcar na aeronave que a
conduziria diretamente ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para Roma, sendo
alocado em voo diverso para outro país.

“Isso, por si só, já é o bastante para caracterizar o atentado aos


direitos de personalidade do autor, não se tratando de mero aborrecimento.

“De fato, a conduta da empresa aérea, além de desrespeitosa,


impingiu à autora um sem número de constrangimentos e dissabores, causando-lhe
irritações e angústia que, sem dúvida, extrapolam as triviais incomodações.

“Ainda, no caso dos autos, em face do extravio da bagagem que


se seguiu ao incômodo do início da viagem, tenho que a situação atravessada pela
autora ultrapassa a seara do mero aborrecimento, configurando efetiva lesão à
personalidade caracterizadora de dano moral que decorreu da conduta da demandada.

“O extravio da mala da autora também é fato inconteste. O


documento de fl. 41 inclusive comprova que a demandada efetuou proposta de
transação pelo incidente ocorrido.

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“Esse fato deve ser analisado à luz do Código de Defesa do


Consumidor, pois, trata-se de uma relação de consumo, especificadamente, de um
defeito referente à prestação de serviços.

“Na esteira do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor “o


fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição
e riscos”.

“A responsabilidade objetiva do transportador aéreo resulta


também da interpretação sistemática dos arts. 21, inciso XII, alínea “c” e 37, § 6º,
ambos da Constituição Federal, uma vez que a exploração do transporte aéreo traduz
atribuição privativa do Poder Público da União que pode ser cometido ao particular,
por autorização, concessão ou permissão.

“Resta evidenciado que, diante dos entraves sofridos pela autora,


seus direitos de personalidade foram lesados, pois deveria a requerida propiciar um
melhor amparo aos seus consumidores nos aeroportos, o que não foi feito, restando
desamparados os passageiros.

“A responsabilidade da ré advém do descaso, da omissão de


medidas que se faziam necessárias para o conforto dos seus passageiros.

“Como mencionado, não há qualquer controvérsia acerca do


efetiva perda da mala pertencentes à parte autora pela ré.
“O debate instaura-se no que toca ao valor da indenização
incidente na espécie.

“Com efeito, enquanto o autor defende a incidência do Código de


Defesa do Consumidor, com responsabilidade objetiva integral, o réu sustenta a

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aplicação, na hipótese, da Convenção de Montreal, que prevê indenização tarifada


em relação a eventuais danos ocorridos no transporte internacional aéreo.

“A despeito dos fundamentos trazidos pela empresa requerida em


sua resposta, reputo que razão assiste ao autor.

“De início, cumpre assinalar que é do conhecimento desta


singnatária a existência de divergência na doutrina e jurisprudência acerca da
legislação aplicável ao transportador aéreo.

“É cediço que parte da doutrina, especialmente os cultores do


Direito Aeronáutico, defendem a aplicação dos tratados internacionais em detrimento
do direito interno, motivo por que o Código de Defesa do Consumidor, segundo esta
corrente, não pode se sobrepor às Convenções eventualmente ratificadas pelo Brasil.
Diametralmente oposto é o entendimento de outra parcela da doutrina e
jurisprudência, a qual considera que o responsabilidade civil tarifada, prevista em
tratados internacionais, restou afastada com o surgimento do Código de Defesa do
Consumidor.

“Dentre um dos adeptos da segunda corrente, vale destacar o


ilustre professor e desembargador carioca Sérgio Cavalieri Filho, o qual, de maneira
extremante coerente e clara, expõe as razões pelas quais considera adequada a
aplicação da legislação consumeirista em detrimento da Convenção de Varsóvia,
hoje substituído pela Convenção de Montreal. Veja-se, pois, os fundamentos
elencados por Cavalieri em sua obra Programa de Responsabilidade Civil:

“No embate entre as duas correntes que situam tratados


internacionacionais em face do Direito Positivo dos países que os
firmarem – monista, que dá primazia ao Direito Internacional, e
dualista, que atribui prevalência ao Direito Interno - , a nossa
Suprema Corte, desde o julgamento do RE 80004, que se
desenrolou de fins de setembro de 1975 a meados de 1977, firmou
entendimento no sentido de que a Convenção, embora tenha
aplicabilidade no Direito Interno Brasileiro, não se sobrepõe às
leis do País. Logo, em face do conflito entre tratado e lei
posterior, prevalece esta última, por representar a última vontade
do legislador, embora o descumprimento no plano internacional
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possa acarretar conseqüências. Desde então – e o Supremo


Tribunal Federal ainda não mudou a sua posição -, parece-me
não mais existir nenhuma sustentação para a tese do primado do
Direito Internacional, pelo quê entendo também não mais ter
aplicação entre nós a indenização limitada prevista na
Convenção de Varsóvia. Ademais, a Constituição de 1998
colocou os tratados no mesmo plano da lei ordinária ao dispor,
no seu art. 105,III, a, que cabe recurso especial contra decisão
que contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência.
Ora, se os tratados tivessem status de lei constitucional o recurso
cabível em tais hipóteses seria o extraordinário para o Supremo
Tribunal Federal, e não o especial”.

“No mesma esteira, aliás, o Superior Tribunal de Justiça, o qual


tem entendido, em reiteradas decisões, a aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor em face da Convenção de Varsóvia (Convenção de Montreal), senão
vejamos:

CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


DE INSTRUMENTO. EXTRAVIO DE BAGAGEM EM
TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. CONVENÇÃO DE
VARSÓVIA. TARIFAÇÃO NÃO MAIS PREVALENTE EM FACE
DO CDC. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO.
REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7
DESTA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO. I. Após o advento do
Código de Defesa do Consumidor, a tarifação por extravio de
bagagem prevista na Convenção de Varsóvia não prevalece,
podendo a indenização ser estabelecida em valor maior ou
menor, consoante a apreciação do Judiciário em relação aos
fatos acontecidos. II. A alteração dos valores arbitrados a título
de reparação de danos extrapatrimoniais somente é possível, em
sede de recurso especial, nos casos em que o valor fixado destoa
daqueles arbitrados em outros julgados recentes desta Corte ou
revela-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre no presente
caso. III. Alteração do valor arbitrado, no presente caso,
implicaria em reexame de matéria fático-probatória, o que está
obstado pela Súmula n. 7 desta Corte. IV. Agravo improvido.
(AgRg no Ag 959403/RJ, Ministro Relator Aldir Passarinho
Júnior, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, DJ
10/06/2008).

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TRANSPORTE AÉREO - ATRASO DE VÔO E EXTRAVIO DE


BAGAGEM - DANO MORAL - CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR E CONVENÇÃO DE VARSÓVIA – DANOS
MATERIAL E MORAL FIXADOS EM PRIMEIRO GRAU -
APELAÇÃO - REFORMA DA SENTENÇA - RECURSO
ESPECIAL - PRETENDIDA REFORMA - SENTENÇA DE 1º
GRAU RESTABELECIDA - RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. I - Prevalece o
entendimento na Seção de Direito Privado "de que tratando-se
de relação de consumo, em que as autoras figuram
inquestionavelmente como destinatárias finais dos serviços de
transporte, aplicável é à espécie o Código de Defesa do
Consumidor" (REsp 538.685, Min. Raphael de Barros Monteiro,
DJ de 16/2/2004). II - De igual forma, subsiste orientação da E.
Segunda Seção, na linha de que "a ocorrência de problema
técnico é fato previsível, não caracterizando hipótese de caso
fortuito ou de força maior", de modo que "cabe indenização a
título de dano moral pelo atraso de vôo e extravio de bagagem. O
dano decorre da demora, desconforto, aflição e dos transtornos
suportados pelo passageiro, não se exigindo prova de tais
fatores" (Ag. Reg. No Agravo n. 442.487-RJ, Rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ de 09/10/2006). III - Recurso especial
conhecido em parte e, nessa extensão, provido também em parte,
para restabelecer-se a sentença de primeiro grau, fixada a
indenização por dano material em R$194,90 e, por seu turno, a
relativa ao dano moral na quantia de R$5.000,00, atualizáveis a
contar da data da decisão do recurso especial (Resp. 612817/MA,
Ministro Relator Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma,
Superior Tribunal de Justiça, DJ 08/10/2007)

“Desta feita, considero que dúvidas não há em relação à


responsabilidade objetiva integral da demandada para com eventuais danos materiais
e morais resultantes de relação de consumo, hipótese dos autos.

“Com efeito, pelo que se depreende da inicial, bem como do


relatório de fls. 42/46, a mala continha objetos no valor total de R$ 5.660,40,
montante que deve ser ressarcido pela companhia aérea aos autores.

“De outro norte, em relação aos danos morais, não tenho dúvidas
de que são eles devidos.

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“É irrefutável a assertiva de que a viagem de descanso e passeio


há muito planejada pela autora resultou comprometida em razão da perda da
bagagem e dos entraves enfrentados.

“Este fato, por si só, já é o suficiente para ensejar a condenação da


requerida ao pagamento de indenização por danos morais à autora.

“Não obstante, não há que se olvidar que as pessoas costumam


criar certa simpatia por seus objetos pessoais, a ponto de dificilmente serem
substituídos por outros. Cada peça de roupa contida na bagagem extraviada,
especialmente o chapéu herdado do avô, sem dúvida, representava algo para a autora,
o que não será reposto com a restituição do valor dos pertences contidos na bagagem.

“Desta feita, diante da análise do caso concreto, reputo que é


devida, sim, a indenização por danos morais postulada na inicial.

“Fixadas tais premissas, e reconhecida a ocorrência de ato


ilícito/injusto, o qual gerou dano à postulante, impõe-se a análise do valor da
indenização, que, iniludivelmente, deverá levar em consideração as peculiaridades do
caso concreto, de forma que a indenização preencha o binômio retributivo-punitivo,
no sentido de que a vítima seja recompensada e, especialmente, de que o infrator não
repita o ato.

“A alegação da ré de que a reparação por dano moral não se


reveste de caráter punitivo é totalmente descabida, já que a natureza jurídica dessa
reparação é mista: satisfativa/punitiva. Representa uma satisfação, uma compensação
para a vítima, pela menos-valia sofrida, e também uma punição, uma retribuição ao
ofensor ou ao responsável economicamente pelo ato praticado, de modo que o
reparação sirva de exemplo para que não volte a praticar tais atos agressivos/injustos.

“Como bem esclareceu a Desa. Liége Puricelli Pires, do nosso


egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento da apelação cível nº 70021808118 1, “ a
1
Apelação Cível Nº 70021808118, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Liege Puricelli Pires, Julgado em 19/02/2009.
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sanção deve atingir sua dupla finalidade: a retributiva e a preventiva. Justamente


por isso, a quantificação deve ser fundada, principalmente, na capacidade
econômica do ofensor, de molde a efetivamente castigá-lo pelo ilícito praticado e
inibi-lo de repetir o comportamento anti-social, bem como de prevenir a prática da
conduta lesiva por parte de qualquer membro da coletividade. De outra parte, a
jurisprudência recomenda, ainda, a análise da condição social da vítima; da
gravidade, natureza e repercussão da ofensa; da culpa do ofensor e da contribuição
da vítima ao evento, à mensuração do dano e de sua reparação”.

“A respeito do arbitramento dos danos morais, também vale


transcrever as lições do eminente professor e desembargador Sérgio Cavalieri Filho,
que, com a clareza que lhe é peculiar, dispõe sobre o tema.

“Senão vejamos:

Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar


uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja
compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a
intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima,
a capacidade econômica do causador do dano, as condições
sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem
presentes2

“Na espécie, conquanto não se olvide a necessidade de


compensação da vítima, a indenização deve ter cunho especialmente punitivo, para
que atos como esses não tornem a se repetir.

“Da análise do caso concreto, pois, objetivando a concretização


da natureza dúplice dos danos morais, é justo que haja, ao menos, uma compensação
em virtude do ocorrido. Compensação esta que fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais),

2
CAVALIERI FILHO, SÉRGIO. Programa de Responsabilidade Civil. 6A ed. Editora
Malheiros, São Paulo/SP, 2005, pg. 116.

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monta que, a meu sentir, atende as condições do ofendido, ofensor e bem jurídico
lesado, considerando, ainda, a conduta praticada pela requerida.”

Vou às questões de fundo.


O apelo da ré se circunscreve a três tópicos: a) necessidade de
ser plicada a Convenção de Montreal, ao invés do Código de Defesa do
Consumidor; b) minoração da indenização pelos danos morais e c) danos
materiais não comprovados na sua extensão.
Relativamente ao primeiro item, a questão já se encontra
superada nesta Câmara, como se confere da Apelação Cível n.
70030597696, Relator Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack.
Trago excerto do voto:
Inicialmente, afasto o pleito de aplicação das Convenções de
Varsóvia e Montreal, em detrimento do CDC, posto que, à evidência, o
desenho fático-jurídico dos autos retrata relação de consumo. Portanto,
afasto o reconhecimento da prescrição da pretensão da autora, argüido
pela ré, pois se trata de pretensão decorrente de fato do serviço, a
ensejar a aplicação do prazo qüinqüenal do art. 27 do CDC.
Ademais, o assunto já foi objeto de embates nesta Câmara Cível,
cujas ementas passo a transcrever:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE


TRANSPORTE AÉREO. RELAÇÃO DE
CONSUMO. ATRASO EM VÔOS.
REPROGAMAÇÃO. DESCASO DA
EMPRESA AÉREA. MÁCULA NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO
MORAL CARACTERIZADO. 1. A
prescrição, em se tratando de pretensão de
reparação por danos decorrentes de defeito
na prestação de serviço encontra disciplina
no art. 27 do CDC (prazo de 05 anos). 2. A
atuação da concessionária de serviço de
transporte aéreo não se esgota na
prestação da obrigação principal (transporte
de passageiros), impondo-se que preste
assistência aos usuários do serviço quando
da ocorrência de atraso ou reprogramação
nos vôos, minorando, assim, os danos já
suportados pelos mesmos. In casu,
evidenciada a existência de abalo moral
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diante dos acontecimentos relatados na


demanda, em especial pelo descaso da
prestadora de serviço frente à situação do
autor no aeroporto de Buenos Aires,
circunstância fática incontroversa pela
ausência de impugnação recursal. 3. O
dano moral é aquele que afeta os direitos da
personalidade (honra, dignidade, intimidade,
etc.) e busca compensar os abalos
psicológicos e restaurar o equilíbrio afetado.
Diante do contexto probatório, decorre o
nexo de causalidade entre a conduta
omissiva e dano (de cunho imaterial), dando
azo à configuração da causalidade jurídica,
consubstanciada na imputação reparatória.
4. A indenização tem o condão de
compensar o dano moral sofrido, bem como
desiderato punitivo e pedagógico, impondo-
se cautela na quantificação indenizatória de
modo a evitar locupletamento indevido. In
casu, minora-se o valor estipulado em
primeiro grau de jurisdição para patamar em
consonância com os postulados da
razoabilidade e proporcionalidade.
RECURSO PROVIDO EM PARTE.
(Apelação Cível nº 70024212011, Décima
Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy,
julgado em 04/09/2008).

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE


TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL.
PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA
ABSOLUTA. PRECLUSÃO AUSENTE.
AFASTAMENTO. ATRASO NO VÔO.
EXTRAVIO DE BAGAGEM. APLICAÇÃO
DO CDC. PRAZO DECADENCIAL NÃO
INCIDENTE. DANOS MORAIS. REDUÇÃO.
RECURSO ADESIVO. POSSIBILIDADE. A
argüição da incompetência absoluta para
processamento do feito não está sujeita a
expediente autônomo, como ocorre com a
relativa, razão pela qual pode ser renovada
em preliminar no recurso, o que afasta a
preclusão reconhecida na instância
ordinária. Do disposto no art. 109, III da
Constituição Federal tem-se que a
competência da Justiça Federal existirá
sempre que a causa em que se discute
tratado internacional envolver interesse da
União, o que refoge ao caso dos autos em
que se discute interesse exclusivamente

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privado. Em que pese tenham os autores


deixado de atribui valor específico aos
danos morais na inicial, deixando a fixação
de tal verba ao arbítrio do julgador, possível
mostra-se a interposição de recurso adesivo
consoante entendimento do Superior
Tribunal de Justiça sobre a matéria. A
pretensão deduzida pelos requerentes diz
com o ressarcimento decorrente não de
vício, mas sim de defeito no serviço, cujo
prazo é prescricional e de cinco anos, nos
termos do art. 27 do Código de Defesa do
Consumidor. Não obstante a especialidade
da Convenção de Varsóvia, torna-se a
mesma insubsistente ante as disposições
do Código de Defesa do Consumidor, que
tem raiz constitucional expressa como
garantia fundamental no art. 5o, XXXII da
Constituição Federal de 1988. Incidentes
tais normas, a responsabilidade do
transportador aéreo passa a ser objetiva,
nos termos do art. 14 do referido diploma
legal, somente podendo ser afastada ante a
comprovação de ocorrência de uma das
excludentes, que, ausente, impõe o dever
de ressarcimento, inclusive a título de danos
morais, este a ser fixado de acordo com as
circunstâncias concertas sem, no entanto,
representar enriquecimento sem causa por
parte dos lesados. AFASTADAS AS
PRELIMINARES SUSCITADAS PELA RÉ,
PARCIALMENTE PROVIDA A APELAÇÃO
POR ELA INTERPOSTA E NEGADO
PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.
(Apelação Cível nº 70021208160, Décima
Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel,
julgado em 13/03/2008).

No que tange ao valor da indenização pelos danos morais, a


quantia fixada na sentença, de R$ 10.000,00, consideradas as proporções
do fato, se mostra moderada, ajustada ao potencial da ré, consequências no
âmbito psíquico da autora e necessidade de reparação, mediante a
compensação do abalo vivenciado.
Não será demais repassar-se o histórico dos fatos.

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A viagem, que tinha tudo para ser um inesquecível sonho


vivido em família, por muito tempo ideada, culminou trazendo frustrações,
inquietudes, aflições e recordações negativas de todo não desejadas.
Não será excessivo, outrossim, acrescentar que as viagens
turísticas como esta de que tratam os autos valem não apenas pelo
deslocamento para o outro hemisfério e aumento da bagagem cultural, como
pelo sonho que se estenderá e se transmutará em lembranças,
perpetuando-se no tempo.
Não será inoportuno, também, lembrar que as operadoras de
turismo e as companhias de aviação de tudo fazem para passar ao
consumidor a imagem da aquisição, não de um pacote turístico, mas da
própria felicidade.
Não raras vezes, e o caso da autora não destoa disso, as
pessoas investem economias, abrem mão de outras prioridades, fazem
sacrifícios, encetam esforços, por alguns dias de magia e esquecimento da
realidade.
Este o objetivo de uma viagem de recreação.
Portanto, frustradas as expectativas mínimas de bem-
aventurança – respeito ao voo, à companhia escolhida, itinerário, horário de
saída e de chegada, retorno incólume da bagagem, no mais das vezes
abalroadas de souveniers -, pior, transformadas em angústia, inegável a
ocorrência de dano, na esfera mais íntima do indivíduo, sujeitando o infrator
à sua reparação.
Isso, aliado ao desrespeito da ré no trato da questão, que,
apenas na data 21/7/08, mais de 18 meses após o incidente, se dispôs ao
reembolso da bagagem extraviada no valor total de R$ 3.000,00, “no intuito
de sanar os problemas ocorridos com o extravio de sua bagagem” (sic), dão
margem à indenização fixada, aquém da média estipulada por esta Câmara
em hipóteses parelhas.
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Relativamente aos danos materiais, como visto, a ré admite o


extravio da bagagem e oferece a quantia de R$ 3.000,00 a título de
indenização (fl. 40).
Argumenta, em razões de apelação, que a listagem
apresentada pela autora é unilateral, não tendo como se conferir a
fidedignidade do rol de bens extraviados.
Sem razão a ré, dado o contexto dos fatos.
Simplesmente alegada a eventual falta de correspondência
entre os bens que estavam na bagagem e o seu efetivo conteúdo, prevalece
o que requereu a autora, considerando que nada oferece de excepcional o
resumo das despesas descrito nas fls. 13/14, bens de natureza módica e,
diga-se de passagem, hipoavaliados.
São, em verdade, os pertences mínimos de alguém, do sexo
feminino, que parte em viagem para o Hemisfério Norte, na época do frio
europeu, por um período de 15 dias, e de lá retorna, provavelmente com
lembranças e presentes (a bagagem foi extraviada na viagem de retorno).
Ademais, sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor,
cujas normas são de ordem pública e do interesse social, visando a proteger
a parte mais fraca na relação, que, sem dúvida, é o passageiro, torna-se a
companhia de aviação, como transportadora aérea, civilmente responsável
pela higidez do transporte dos bens depositados pelo consumidor, de quem
não foi exigido, antes do embarque, a listagem detalhada do que
transportava.
Não desconheço precedentes em contrário, mas sou obrigada
a reconhecer que, em situações como esta (extravio de bagagem), o bom
senso e a regra do que costuma ocorrer deverão ser imperativos, sob pena
de que o passageiro jamais recupere, nem aproximadamente, o valor do que
transportou, e do que não poderá fazer a prova em seu prol.

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Em razão do exposto, desprovejo o recurso e mantenho a r.


sentença, pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR (PRESIDENTE E REVISOR) - De


acordo com o(a) Relator(a).
DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR - Presidente - Apelação Cível nº


70036101012, Comarca de Porto Alegre: "DESPROVERAM O APELO.
UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: JANE MARIA KOHLER VIDAL

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