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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000902676

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1114745-35.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
LATAM AIRLINES GROUP S/A, são apelados MARCOS ROBERTO
DE SOUZA BERNICCHI, ANA CAROLINA FERREIRA ANDREUCCI
BERNICCHI, MARCO ANDREUCCI BERNICCHI (JUSTIÇA
GRATUITA), PIETRO ANDREUCCI BERNICCHI (MENOR(ES)
REPRESENTADO(S)) e GIACOMO ANDREUCCI BERNICCHI
(MENOR(ES) REPRESENTADO(S)).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 19ª Câmara de


Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de
conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores


RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI (Presidente), CLÁUDIA
GRIECO TABOSA PESSOA E NUNCIO THEOPHILO NETO.

São Paulo, 2 de novembro de 2022.

RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

19ª Câmara

Apelação nº: 1114745-35.2021.8.26.0100 (processo digital)

Comarca: CAPITAL 38ª Vara Cível Central

Apelante: LATAM AIRLINES GROUP S/A

Apelados: MARCOS ROBERTO DE SOUZA BERNICCHI e outros

MM. Juiz de primeiro grau: Luiz Fernando Rodrigues Guerra

Voto nº 41.797

Apelação Transporte aéreo nacional “Overbooking”


Ação indenizatória Sentença de acolhimento dos pedidos
Irresignação parcialmente procedente. 1. Venda de
passagens além da capacidade da aeronave representando
prática sabidamente nociva à massa consumidora e adotada
ao inteiro alvedrio das companhias aéreas, por
conveniência delas próprias. Hipótese em que o dano moral
é presumido, até mesmo porque a família autora, em função
do ocorrido, se viu compelida a desistir do passeio, já que o
voo em substituição estava marcado para dali a dois dias. 2.
Dano moral bem reconhecido e bem arbitrada a
correspondente indenização em R$ 6.000,00, para cada um
dos autores, à luz da técnica do desestímulo. 3. Passagens
em questão adquiridas mediante programa de milhagens.
Inviável, nessas circunstâncias, tomar por parâmetro da
condenação por dano material o valor das passagens.
Peculiar cenário impondo que se apure, em liquidação de
sentença, o valor correspondente às milhas utilizadas na
aquisição das passagens. 4. Sentença ligeiramente
reformada, apenas para modificar o critério de apuração do
tópico da condenação referente ao gasto com a aquisição
das passagens aéreas. Mantida a disciplina das verbas da
sucumbência.
Apelação Cível nº 1114745-35.2021.8.26.0100 -Voto nº 41797 2
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Deram parcial provimento à apelação.

1. Trata-se de ação indenizatória ajuizada por

MARCOS ROBERTO DE SOUZA BERNICCHI e outros em face de

LATAM AIRLINES GROUP S/A.

Os autores compraram, em 27.5.21, passagens

aéreas de ida e volta da companhia aérea ré, pelo programa de milhas

Multiplus, com destino a Aracajú, com ida programada para o dia

8.10.21 e volta para o dia 12.10.21. Todavia, ao chegar ao aeroporto,

foram surpreendidos com a notícia de que não poderiam embarcar em

razão de “overbooking”. A companhia aérea ré apenas disponibilizou

voo com partida no dia 10.10.21, o que praticamente inviabilizaria a

viagem. A viagem de lazer em família esclarecem foi programada

com antecedência, aproveitando o feriado do dia 12 de outubro. Diante

do ocorrido, cancelaram a viagem. Daí a demanda, objetivando a

condenação da ré ao pagamento de R$ 6.000,00, para cada um dos

autores, a título de indenização por danos morais, e de indenização por

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danos materiais, na quantia de R$ 11.640,33, o quanto desembolsaram

com a compra das passagens, reserva de hotel, aluguel de carro etc.

A r. sentença julgou a ação procedente, nos

termos dos pedidos. Responsabilizou a ré pelas despesas processuais e

por honorários de sucumbência, arbitrados em 10% sobre o valor

atualizado da causa (fls. 183/188).

Apela a ré pretendendo a reforma da sentença

e, para tanto, diz, em síntese, que: (a) a alteração do planejamento

inicial dos apelados configurou mera frustração de expectativa e,

portanto, caracterizando simples aborrecimento; (b) a prática de

overbooking não é vedada pela ANAC, devendo a companhia aérea

fornecer os meios necessários à realização da viagem por parte dos

passageiros; (c) existiu a oferta de recolocação dos apelados em voo

subsequente para o mesmo destino contratado, o que afasta, de plano,

qualquer falha na prestação de serviços; (d) de todo modo, houve

exagero no arbitramento da indenização por danos morais; (e) os danos

materiais não foram comprovados; e (f) os apelados adquiriram os

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bilhetes aéreos por meio de pontos acumulados em programa de

milhagem, que não se equiparam a papel-moeda (fls. 193/212).

2. Recurso tempestivo (fls. 191 e 193),

preparado (fls. 213/214) e respondido (fls. 218/232).

3. O parecer do Ministério Público em

segundo grau é pelo provimento do recurso (fls. 236/237).

É o relatório do essencial.

4. O episódio dos autos decorreu,

confessadamente, de “overbooking”, que é resultado de prática

sabidamente prejudicial à massa consumidora, consistente na venda de

passagens além da capacidade da aeronave, o que se faz ao inteiro

alvedrio das companhias aéreas, por conveniência delas próprias.

Em verdade, o sofrimento dos apelados, que

se presume, foi desencadeado pela indignação com a conduta da

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companhia aérea e pela impotência diante desse estado de coisas, a que

certamente se aliaram a angústia e a aflição pela alteração do que

estava previamente programado, do que resultou a perda do passeio

em família.

Daí o ilícito na conduta da companhia aérea

apelante, a gerar a respectiva responsabilidade civil pelos danos disso

oriundos.

A hipótese não é nova, como se vê, entre

tantos outros, dos precedentes das ementas a seguir reproduzidas:

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE

INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL.

RESPONSABILIDADE CIVIL.

OVERBOOKING. INDENIZAÇÃO. DANO

MORAL PRESUMIDO. PRECEDENTES.

DANOS MATERIAIS. OCORRÊNCIA.

REEXAME MATÉRIA FÁTICA.

INVIABILIDADE. SÚMULA 07/STJ.

INCIDÊNCIA. VALOR. REVISÃO.

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IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO COM BASE

NO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. 1.O

dano moral decorrente de atraso de voo,

prescinde de prova, sendo que a

responsabilidade de seu causador opera-se , in

re ipsa, por força do simples fato da sua

violação em virtude do desconforto, da aflição

e dos transtornos suportados pelo

passageiro.(REsp 299.532/SP, Rel. Ministro

HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO

TJ/AP), DJe 23/11/2009) 2. A reapreciação por

esta Corte das provas que lastrearam o

acórdão hostilizado é vedada nesta sede

especial, segundo o enunciado nº 7 da Súmula

do Superior Tribunal de Justiça. 3. O valor da

indenização por danos morais deve ser fixado

com moderação, considerando a realidade de

cada caso, sendo cabível a intervenção da

Corte quando exagerado ou ínfimo, fugindo

de qualquer parâmetro razoável, o que não

ocorre neste feito. 4. O agravo regimental não

trouxe nenhum argumento novo capaz de

modificar a conclusão alvitrada, a qual se

mantém por seus próprios fundamentos. 5.

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AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.”

(AgRg no Ag 1410645/BA, Rel. Min. PAULO

DE TARSO SANSEVERINO, 3ª T., J. 25.10.11).

“RESPONSABILIDADE CIVIL Sentença de

procedência Insurgência da requerida

Descabimento Excesso de Lotação

Overbooking Dano moral Autor que não

pôde embarcar por excesso na lotação da

aeronave - Empresas aéreas que assumem o

risco de deixar em terra os viajantes por

conveniência administrativa própria - Prática

de "overbooking", constituída pela venda de

passagens além do limite da capacidade da

aeronave, que é feita no interesse exclusivo da

empresa aérea em detrimento do direito do

consumidor Dano moral configurado. Valor

da indenização - O montante indenizatório não

pode ser irrisório, sob pena de não servir ao

cumprimento de seu objetivo específico. Nem

pode ser excessivamente elevado, de modo a

propiciar enriquecimento. Deve ser

equilibrado porque tem finalidade

compensatória Quantia minorada de

R$13.000,00 para o importe de R$10.000,00 em

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observância aos critérios de razoabilidade e

proporcionalidade Verba honorária bem

arbitrada - Recurso parcialmente provido.”

(Ap. 1060607-31.2015.8.26.0100 Rel. Des.

HELIO FARIA, 18ª Câm. de Dir. Priv., j.

6.12.16).

“TRANSPORTE AÉREO Overbooking

Ação de indenização por danos morais

Sentença que julgou procedente a ação

condenando a ré a pagar à autora a

importância de R$ 4.000,00 Apelo da ré

sustentando, em síntese, que a apelada aceitou

sua proposta e ficou hospedada gratuitamente

em um hotel confortável de Abu Dhabi,

recebendo ainda um voucher de US$ 300,00, e

assim, prestou toda a assistência, não havendo

que se falar em indenização por danos morais.

Pede a alteração do resultado e,

subsidiariamente a minoração da verba

indenizatória Inquestionável a sensação de

angústia ante o atraso ocorrido, frustração que

não era esperada, e que ultrapassa o mero

dissabor, configurando efetivo dano de

natureza moral, que deve ser indenizado

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independentemente da assistência prestada no

exterior Valor da indenização majorado para

R$ 10.000,00 Precedentes Recurso da

empresa aérea desprovido, e recurso adesivo

da autora parcialmente provido” (Ap.

1060487-85.2015.8.26.0100, Rel. Des. JOSÉ

WAGNER DE OLIVEIRA MELATTO

PEIXOTO, 15ª Câm. de Dir. Priv., j. 22.11.16).

Irrepreensível, pois, o reconhecimento do

dano moral experimentado pelos apelados e o arbitramento da

correspondente indenização em R$ 6.000,00, para cada um deles.

A propósito, pelo prisma da chamada técnica

do desestímulo, há de se ter em conta que as pífias indenizações

normalmente fixadas em hipóteses tais, a se considerar que são poucos

os que ingressam em juízo, acaba integrando o custo operacional dos

grandes fornecedores de produtos e de serviços, mostrando-se tal custo

bem menos expressivo do que seria o necessário para a implantação e

manutenção de uma estrutura de atendimento ao consumidor

realmente eficiente e respeitosa.

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5. Quanto aos danos materiais, procede em

parte a irresignação.

As despesas de estada (R$ 1.614,03, cf. fls.

27/28) e com aluguel de veículo (R$ 679,30, cf. fl. 29) foram

adequadamente comprovadas pelos apelados e devem ser

reembolsadas.

Todavia, as passagens aéreas não foram

adquiridas mediante pagamento em dinheiro, mas, sim, por meio de

programa de milhagem.

Ainda assim, as milhas utilizadas para a

aquisição das passagens em questão apresentam valor econômico, que

pode ser perfeitamente aferido.

Tal valor, a ser apurado em liquidação por

arbitramento, considerará a estimativa econômica daquela milhagem,

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na data e nas condições em que se fez a compra.

O resultado assim apurado, limitado ao valor

do pedido, experimentará correção monetária desde a data a ser

tomada como parâmetro da apuração e o principal atualizado será

acrescido de juros de mora, de 1% a.m., estes contados da data da

citação.

6. Em suma: a r. sentença será ligeiramente

reformada, apenas para alterar o critério de apuração do valor gasto

com a aquisição das passagens.

A solução ora atribuída ao litígio, implicando

diminuta rejeição do pedido, não justifica a modificação da disciplina

estabelecida em primeiro grau para as verbas do decaimento, valendo

anotar, ainda a respeito, que a apelante não se volta contra a base de

cálculo adotada para o arbitramento dos honorários de sucumbência.

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Nesses termos, meu voto dá parcial

provimento à apelação.

Des. RICARDO PESSOA DE MELLO BELLI


Relator

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