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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE

CONTRATO - TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE - TEORIA


DA IMPREVISÃO - ONEROSIDADE EXCESSIVA - LIMINAR
DEFERIDA - REQUISITOS ATENDIDOS - SUSPENSÃO DO
CONTRATO - EFEITOS DA MORA - AFASTAMENTO - DANOS
MORAIS - INOCORRÊNICA - RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO. 1. Para o acolhimento da pretensão de resolução ou de
revisão do contrato, com fundamento na aplicação da Teoria da
Imprevisão, imprescindível a demonstração da onerosidade
excessiva para uma das partes, com extrema vantagem para a
outra, e, ainda, a o desequilíbrio contratual em razão de
acontecimento extraordinário e imprevisível. 2. Malgrado não
haver a autora demonstrado a manutenção da situação de
onerosidade excessiva (desequilíbrio contratual) decorrente da
crise econômica causada pela pandemia da COVID-19, esta restou
inicialmente comprovada, justificando o deferimento do pedido de
tutela antecedente para sobrestamento das prestações do contrato.
3. Diante a comprovação nos autos da onerosidade excessiva
decorrente da pandemia da COVID-19, ao tempo do ajuizamento
da ação, motivadora do deferimento do pedido de tutela cautelar
antecedente, impõe-se o parcial acolhimento do pedido, para o fim
de afastar os efeitos da mora, durante o período em que sobrestado
o contrato por força de decisão antecipatória. 4. Não demonstrada
a ocorrência de ilegalidade na contratação, o reconhecimento da
aplicação da teoria da imprevisão, para fins de sobrestamento dos
efeitos da mora em contrato bancário, não caracteriza a prática de
ilícito, impondo-se a rejeição do pedido de indenização por danos
morais.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.228235-4/001 - COMARCA DE


BELO HORIZONTE - APELANTE (S): GRASIELE DO
NASCIMENTO IZIDORIO - APELADO (A)(S): BV FINANCEIRA
SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal


de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos
julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

JD. CONVOCADO MARCELO PEREIRA DA SILVA

RELATOR

JD. CONVOCADO MARCELO PEREIRA DA SILVA (RELATOR)

VOTO

GRASIELE DO NASCIMENTO IZIDORIO apela da r. sentença de


ordem 60 que, nos autos da ação ordinária ajuizada em face de BV
FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E
INVESTIMENTO, julgou improcedentes os pedidos iniciais,
extinguindo o processo, com resolução do mérito, nos termos do
art. 487, I, do CPC/2015.

Revogou a liminar anteriormente concedida (em junho de 2020),


"para suspender a mora e os seus efeitos, com relação ao contrato
de financiamento de veículo objeto do pedido, desde o dia 20 de
março de 2020, até que ocorra a cessação do denominado estado
de calamidade no município de Belo Horizonte".

Condenou a apelante ao pagamento das custas processuais e de


honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o
valor da causa, mas suspensa a exigibilidade da cobrança, nos
termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015.

Em suas razões recursais, à ordem 67, sustenta, em síntese, que: a)


"o juízo, em decisão bastante democrática e atenta às dificuldades
geradas pela COVID-19, deferiu tutela de urgência suspendendo a
mora e seus efeitos junto à BV Financeira"; b) "a liberação da
atividade em 2020 em nada mudou situação de fragilidade da
demandante"; c) "com a cassação da medida liminar, a autora está
novamente exposta a perder seu patrimônio, visto que há em
aberto cerca de 18 prestações no valor original de R$ 828,82, ou
seja, uma dívida de mais de R$ 14.918,76"; d) "não tem condições
de efetuar o pagamento desse valor, em uma única vez, pois é
extremamente elevado para seus padrões"; e) "não há que se exigir
a conclusão integral de um contrato, se este ficou extremante
oneroso para uma das partes"; f) "a interpretação que melhor
atende ao princípio da boa-fé é o fato de que a autora sempre disse
que quer efetuar o pagamento total da dívida, porém se encontra
impossibilitada"; g) "não pode responder, sozinha, pelo caso
fortuito e força maior causado pela pandemia, visto que era
impossível que ela impedisse ou evitasse tal acontecimento"; h) "é
imperioso restabelecer o equilíbrio entre as partes, realizando a
revisão do contrato, diante do evento que não era previsível às
partes"; i) "as atitudes de patente má-fé as quais a autora foi
submetida geraram sofrimento, angústia e constrangimento".

Ao final, pugna pelo provimento do recurso, julgando-se


procedentes os pedidos iniciais.

Recurso dispensado de preparo, pois à apelante foi deferida a


gratuidade de justiça (ordem 60).

Contrarrazões à ordem 75, pela manutenção da r. sentença


considerando-se o "princípio da força obrigatória dos contratos",
bem assim "a imutabilidade ou intangibilidade das cláusulas
contratuais, que somente seriam apreciadas judicialmente no caso
de estarem eivadas de nulidade ou vício de vontade".

Nos termos do despacho de ordem 76, determinou-se a remessa


dos autos ao CEJUSC de 2º Grau, para se viabilizar a tentativa de
celebração de acordo entre as partes em relação ao objeto deste
recurso.

Conforme ata de audiência juntada à ordem 78, restou frustrada a


tentativa de conciliação em razão da ausência da apelada e de seus
procuradores.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade conheço do recurso.

Cinge-se a controvérsia em verificar o acerto da r. sentença de


improcedência dos pedidos versados nesta ação ordinária, da qual
se extraem os seguintes fundamentos, verbis:

"Consoante relatado, pretende a autora por meio da presente


demanda a prorrogação, bem como a renegociação do seu contrato
de financiamento de veículo realizado com o banco réu, ao
argumento de a situação de calamidade pública vivenciada pela
COVID-19 impediu que autora honrasse com os pagamentos
habituais, além da excessiva onerosidade do contrato, sendo
necessária, ainda, ver-se indenizada pela desproporção contratual
entre as partes.

Por outro lado, sustenta o réu a impossibilidade da prorrogação,


bem como da renegociação do contrato, tal como pretendido pela
autora, rechaçando os pedidos autorais atinentes aos danos
morais.

Inicialmente, necessário de se salientar que pelo princípio da


obrigatoriedade dos contratos, o que foi estipulado pelas partes
tem força de lei. O cerne deste princípio consiste na segurança dos
negócios jurídicos, aplicando-se a máxima pacta sunt servanda (os
pactos devem ser cumpridos).

Evidentemente que este princípio sofreu mitigações pelo direito


moderno, sobretudo com relação ao princípio da boa-fé objetiva e à
função social do contrato.

(...)

Nesse contexto é que se enquadra o pedido revisional, visto que a


preservação do contrato deve ser buscada enquanto possível, o que
se relaciona com sua função social, pois, por vezes, para preservar
o acordo de vontades, se faz necessário readequar seus termos.

A revisão do contrato por fato superveniente é prevista tanto


no Código Civil, quanto no Código de Defesa do Consumidor.

Na legislação civil, a revisão contratual por fato superveniente


compreende a imprevisibilidade e a onerosidade excessiva (teoria
da imprevisão). A imprevisibilidade prevista no art. 478, do CC, deve
ser entendida levando em consideração critérios pessoais dos
contratantes, bem como a relação deles com o meio em que
inseridos. A onerosidade ocorre quando a situação de uma das
partes é extremamente desfavorável, o que geralmente acontece
com a parte mais fraca da relação

No âmbito consumerista, o fato superveniente que justifica a


revisão contratual é baseado apenas na onerosidade excessiva ao
consumidor (art. 6º, V, do CDC), sendo irrelevante que ela seja
proveniente de fatos imprevisíveis; basta um fato novo que gerou
desequilíbrio (teoria da onerosidade excessiva).

Em todo caso, o fator fundamental desta revisão é a alteração da


capacidade financeira da autora em virtude da crise de saúde
pública instaurada pela pandemia da COVID-19.

É fato notório que a doença e as medidas restritivas impostas pelos


governos das três esferas afetaram diretamente a economia e, por
consequência, a capacidade financeira da população em geral.

Como exposto acima, tanto a imprevisão, quanto a onerosidade


excessiva, devem ser analisadas de acordo com as particularidades
do caso, representando desequilíbrio do pacto firmado, impondo
severos prejuízos a uma parte em detrimento da outra.

Acontece que a situação posta na atualidade atingiu todos os


setores, não excluindo a ré, instituição financeira, também afetada
pela inadimplência dos seus devedores.
A intervenção judicial em contrato privado é medida excepcional,
admitida em situações específicas e devidamente comprovadas. A
teoria da imprevisão constitui-se em fundamento que autoriza a
relativização do pacta sunt servanda e, pois, a mitigação da
vontade contratual, mas exige a demonstração clara de que um fato
absolutamente imprevisível tenha sido suficiente para deixar um
dos contratantes em situação de onerosidade excessiva, enquanto a
parte contrária passa a se beneficiar de extrema vantagem.

Mesmo no contexto atual da pandemia COVID-19, em que toda a


sociedade sofre os impactos na área da saúde, bem como no setor
social e econômico, é necessária a demonstração não apenas de
que quem pretende a revisão do contrato esteja sofrendo sérios
prejuízos financeiros, mas também de que a parte contrária esteja
se beneficiando da situação. Os efeitos adversos da pandemia
atingem a todos, isto é, numa relação contratual afetam tanto o
contratante, quanto o contratado, e não se deve revisar as
obrigações de uma parte em detrimento da outra.

Diante desse cenário é que a improcedência se impõe.

Seja diante da relação consumerista, seja sob o âmbito da


legislação civil ordinária, não há dúvidas de que a alteração da
economia impôs ônus a autora e à instituição financeira ré, pelo
que não pode a autora se socorrer do judiciário para pleitear a
legitimação de sua mora, pretendendo a suspensão e, por
conseguinte, a prorrogação do contrato às expensas da ré.

Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São


Paulo já se pronunciou sobre o tema:

(...)

Destarte, a eclosão em si da pandemia não pode servir de escusa


para o indiscriminado descumprimento de obrigações previamente
contratadas, notadamente por se tratar de evento imprevisível que
atinge negativamente ambas as partes contratantes, e não
exclusivamente uma delas, não havendo que se falar em aplicação
da teoria da imprevisão ou do cabimento da revisão por
onerosidade excessiva.

Assim, não havendo qualquer elemento a autorizar a revisão


forçada do contrato para suspender as parcelas do financiamento,
a improcedência é medida que se impõe."

No presente recurso, a autora/apelante reedita a tese de cabimento


da revisão do contrato firmado entre as partes, em razão da
"onerosidade excessiva", decorrente da crise de saúde pública
instaurada pela pandemia do COVID-19.

A hipossuficiência do consumidor e o comprometimento da


capacidade de pagamento da apelante, qualificada como
"manicure", não correspondem, necessariamente, à probabilidade
do direito alegado para a suspensão e alteração do contrato
celebrado.

A situação atual de pandemia requer solução adequada no âmbito


coletivo, e por meio de políticas públicas concertadas para
enfrentamento da crise em âmbito nacional.

Conforme sabido, o Conselho Monetário Nacional, em razão da


pandemia da COVID-19, tem orientado as instituições financeiras
no sentido de sobrestar a exigibilidade das prestações de contratos
de financiamento.

A despeito dos efeitos maléficos à economia, decorrentes da


pandemia da COVID-19, inviável sua invocação, de forma genérica,
sem qualquer comprovação documental, com vistas à suspensão ou
revisão dos contratos em curso.

No caso em apreço, verifica-se estar a pretensão autoral lastreada


na necessidade de suspensão (pedido de tutela antecipada
antecedente - ordem 02) e, posteriormente, de revisão do contrato
(emenda da inicial à ordem 35), em decorrência de superveniente
onerosidade excessiva, em razão de impedimento de pagamento,
decorrente da pandemia.

A Teoria da Imprevisão encontra fundamento normativo nos


artigos 478 a 480, do Código Civil, nos seguintes termos:

"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a


prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa,
com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução
do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à
data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a


modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das


partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou
alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade
excessiva."

Portanto, para o acolhimento da pretensão de resolução ou de


revisão do contrato, com fundamento na aplicação da Teoria da
Imprevisão, imprescindível a demonstração da onerosidade
excessiva para uma das partes, com extrema vantagem para a
outra, e, ainda, a o desequilíbrio contratual em razão de
acontecimento extraordinário e imprevisível.

Sobre o tema, já decidiu este E. Tribunal de Justiça:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REVISÃO


CONTRATUAL - TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA - PLEITO
DE ALTERAÇÃO DO VALOR DAS PARCELAS PREVISTAS NO
CONTRATO DE FINANCIAMENTO FIRMADO ENTRE AS
PARTES - TEORIA DA IMPREVISÃO - NECESSIDADE DE
PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS OBJETIVAS - FATO
SUBJETIVO - REQUISITOS DO ART. 300, DO CÓDIGO DO
PROCESSO CIVIL NÃO PREENCHIDOS - RECURSO NÃO
PROVIDO. - Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a concessão
da tutela de urgência condiciona-se à coexistência de elementos
que evidenciem a probabilidade do direito invocado e o perigo de
dano ou risco ao resultado útil do processo. - A teoria da
imprevisão somente poderá ser aplicada ante a ocorrência de
acontecimentos supervenientes e imprevisíveis que acarretem
onerosidade excessiva para uma das partes, gerando um
desequilíbrio contratual. - Ausente o indispensável requisito de
probabilidade do direito invocado pela parte autora, não há como
se deferir a medida de urgência requerida, consistente na redução
do valor das parcelas previstas no contrato de financiamento
firmado entre as partes." (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv
XXXXX-4/001, Relator (a): Des.(a) Octávio de Almeida Neves , 12ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/08/2019, publicação da
sumula em 12/08/2019) (grifo nosso).

Tratando, especificamente, dos reflexos da crise decorrente da


pandemia COVID-19, leciona CARMEN LÍGIA NERY:

"Pode ser que a crise advinda da COVID-19 torne demasiadamente


onerosa a prestação contratual para uma das partes e
extremamente vantajosa para a outra. Não se discute base
subjetiva do negócio jurídico (que diz de perto com o conteúdo
volitivo do contrato), mas sim a base objetiva do contrato, que
respeita sua base ético-econômica. Nesse caso, o juiz é chamado a
integrar a causa, modificando-a, para que se ajuste às cláusulas
gerais de boa-fé, função social do contrato, proibição de
enriquecimento ilícito etc. A consequência disso é que se o juiz
entender que os efeitos derivados da pandemia do coronavírus
justificam sua intervenção na modificação da causa do negócio
jurídico, os efeitos do contrato também se modificam
necessariamente". (Notas introdutórias sobre a repercussão da
COVID-19 no direito brasileiro [livro eletrônico]. Ana Cláudia
Guimarães [et.al]. 1ª. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
2020).
Anote-se, por oportuno, que, embora prorrogado até 31 de
dezembro de 2021 o estado de calamidade pública declarado no
art. 1º do Decreto Municipal nº 17.334, de 20 de abril de 2020
(Decreto nº 17.635/2021), é de conhecimento geral a retomada das
atividades de prestação de serviços em Belo Horizonte.

Ademais, não restou demonstrado nos autos a manutenção do


impedimento de realização da atividade laborativa exercida pela
autora, registrado no documento de ordem 05, relativo ao início do
ano de 2020.

Por outro lado, cumpre observar que a pretensão revisional de


contrato, manifestada pela autora, ora apelante (ordem 35), está
lastreada, apenas, na ocorrência da onerosidade excessiva, não se
indicando no contrato, especificamente, qualquer clausula ilegal ou
abusiva.

Data venia, malgrado não haver a autora demonstrado a


manutenção da situação de onerosidade excessiva (desequilíbrio
contratual) decorrente da crise econômica causada pela pandemia
da COVID-19, esta restou inicialmente comprovada, justificando o
deferimento do pedido de tutela antecedente, para sobrestamento
das prestações do contrato.

Em caso semelhante, inclusive, já decidiu esta egrégia 12ª Câmara


Cível:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - REVISIONAL DE CONTRATO


BANCÁRIO - CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO -
PANDEMIDA DA COVID-19 - TEORIA DA IMPREVISÃO E
ONEROSIDADE EXCESSIVA - RECONHECIMENTO -
SUSPENSÃO DA COBRANÇA DAS PARCELAS - CONCEDIDA -
DELIMITAÇÃO DO PERÍODO - NECESSIDADE. Deve ser
concedida a tutela provisória de urgência de natureza cautelar ou
antecipada, nos termos do artigo 300 do CPC, quando comprovados
elementos que evidenciem a probabilidade do direito invocado
pelo autor, somado ao perigo de dano ou o risco ao resultado útil
do processo. Orienta a jurisprudência do STJ que a intervenção do
Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da
teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de
mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à
época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível
(teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário
(teoria da onerosidade excessiva)( AgInt no REsp XXXXX/SP; AgInt no AREsp
XXXXX/PR). A situação de pandemia de Covid-19 permite a aplicação
da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, em sede de
cognição sumária, frente à situação extraordinária experimentada
pelo consumidor, afetado pela ausência de condições de exercer
seu labor, e falta de condições financeiras para arcar com a
integralidade de parcelas anteriormente convencionadas, a que
não deu causa. Deve ser delimitado o período de suspensão da
mora, de modo que, depois do prazo de sua limitação recairão
sobre o consumidor todos os efeitos decorrentes do não pagamento
das parcelas vencidas e a vencer." (TJMG - Agravo de Instrumento-
Cv XXXXX-3/001, Relator (a): Des.(a) José Augusto Lourenço dos
Santos , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/12/2020,
publicação da sumula em 11/01/2021).

Anote-se, oportunamente, não haver a ré/apelada sequer se


insurgido contra a decisão que concedeu a tutela requerida, da qual
se extraem os seguintes fundamentos, verbis:

"O pedido de concessão da tutela deve ser deferido, vez que


entendo presentes os requisitos legais, porque a alegada pandemia,
diante das restrições impostas pelas autoridades públicas para a
circulação de pessoas e funcionamento de estabelecimentos
comerciais, deve ser reconhecida como força maior, capaz de
impactar as relações negociais, ao ponto de se impossibilitar que
grande parte dos devedores não possa cumprir a tempo e modo as
suas obrigações, como alegado pela autora, o que deverá ser
comprovado no curso do processo. Impende reconhecer que o
mesmo fato também e por certo impacta as condições da ré, como
todas as demais pessoas e instituições do país, que muito
provavelmente também foram atingidas em suas finanças, o que,
entretanto, deve ser considerado, analisado e comprovado caso a
caso.
É relevante dizer que entendo, em princípio, que a autora
encontra-se de boa fé, tanto que reconhece livremente a dívida e se
dispõe a retomar o pagamento tão logo cessada a excepcionalidade
da pandemia.

Assim sendo defiro a tutela de urgência, nada obstante a


necessidade de emenda da inicial, para suspender a mora e os seus
efeitos, com relação ao contrato de financiamento de veículo objeto
do pedido, desde o dia 20 de março de 2020, até que ocorra a
cessação do denominado estado de calamidade no município de
Belo Horizonte-MG ou até 30 dias depois da liberação, por parte
do município, do exercício das atividades da autora, o que ocorrer
primeiro.

Diante disso, embora não mais se vislumbre a necessidade de


suspensão do contrato, diante a comprovação da onerosidade
excessiva decorrente da pandemia da COVID-19, motivadora do
deferimento da tutela cautelar antecedente, impõe-se o parcial
acolhimento do pedido, para o fim de afastar os efeitos da mora,
durante o período no qual sobrestado o contrato por força da
decisão antecipatória proferida nestes autos.

No tocante à pretensão indenizatória, a responsabilização civil


impõe, para ser acolhido o pedido de reparação de danos, que o
autor comprove a prática de ato ilícito pelo réu e o nexo de
causalidade entre sua conduta e o dano concretamente
demonstrado.

Nesse sentido, já decidiu este E. Tribunal de Justiça:

"APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL DE CARTÃO DE CRÉDITO


CONSIGNADO. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS.
ABUSIVIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DANOS
MORAIS NÃO CONFIGURADOS. - O pacto referente à tarifa de
juros remuneratórios somente pode ser alterado se reconhecida
sua abusividade, em cada hipótese, perante a tarifa média de
mercado. - À luz dos artigos 186 e 927 do Código Civil, o êxito da
demanda indenizatória vincula-se à presença cumulativa dos
seguintes requisitos: a) dano ou lesão a bem jurídico de terceiro; b)
ação ou omissão culposa do agente; c) relação de causalidade entre
o comportamento do agente e o dano causado. Considerando que
os juros cobrados estavam amparados em permissivo contratual,
ausente um dos requisitos da responsabilidade civil, qual seja, o
ato ilícito. (TJMG - Apelação Cível XXXXX-1/001, Relator (a): Des.(a) Cláudia
Maia , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2020,
publicação da sumula em 02/07/2020).

Reitera-se, no tocante, não se insurgir a autora, especificamente,


em ralação às cláusulas contratada, mas, apenas, à situação
imprevisível causada pela pandemia da COVID-19, cujos efeitos,
evidentemente, não podem ser imputados à apelada.

Ademais, embora alegue a ocorrência de suposto reajuste indevido


de R$ 16,82 (dezesseis reais e oitenta e dois centavos), elevando o
valor da prestação para R$ 828,82 (oitocentos e vinte e oito reais e
oitenta e dois centavos, o referido valor vem sendo pago pela
autora desde o início da contratação (ordem 07).

Assim, não demonstrada a ocorrência de ilegalidade na


contratação, o reconhecimento da aplicação da teoria da
imprevisão, para fins de sobrestamento dos efeitos da mora em
contrato bancário, não caracteriza a prática de ilícito, impondo-se
a rejeição do pedido de indenização por danos morais.

Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO,


julgando parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para
sobrestar o vencimento das prestações relativas ao contrato de
ordem 08 (Cédula de Crédito Bancário nº 351618815), desde o dia
20 de março de 2020, até a revogação da decisão de deferimento
do pedido de tutela cautelar antecedente, implementada pela r.
sentença de ordem 60.

Em razão da sucumbência, condeno as partes, em igual proporção,


ao pagamento das custas processuais, inclusive as recursais, e de
honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o
valor da causa, mas suspensa a exigibilidade da cobrança em
relação à autora/apelante, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015.

Deixo de fixar honorários com fundamento do art. 85, § 11, do CPC,


considerando-se o parcial provimento da apelação ( REsp nº 1.539.725).

DES. JOSÉ AUGUSTO LOURENÇO DOS SANTOS - De acordo


com o (a) Relator (a).

DESA. JULIANA CAMPOS HORTA - De acordo com o (a) Relator


(a).

SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO"

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