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ADÃO PAIANI &

ADVOGADOS ASSOCIADOS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR


PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS.

URGENTE

JOSÉ ELZO NOGUEIRA LEMOS, brasileiro, CPF de nº


494.427.321-53 residente e domiciliado na EQNO 11/13, Bloco C, Lote
01, Lote Comercial, Bar e Lanchonete, em Ceilândia/DF, CEP 72.255-
513; réu na Ação de Cobrança e Despejo por Denúncia Vazia, ajuizada
por GASPAR EZEQUIEL DA SILVA, sob o n° 0710251-
60.2020.8.07.0003, em tramitação na 1ª Vara Cível de Ceilândia/DF;
vem, perante Vossa Excelência, pelo procurador que subscreve
(procuração anexa ao texto recursal), inconformado com a decisão de ID
69568881; que não acolheu o pedido de suspensão de ordem de
despejo, feito em razão das circunstâncias de emergência sanitária
provocadas pela epidemia da Covid-19; e não concedeu os benefícios da
gratuidade da justiça; com base nos artigos 1.015 e seguintes da Lei nº
13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), interpor o
presente

AGRAVO DE INSTRUMENTO

C/C PEDIDO DE URGÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO

com respaldo nos artigos 995, parágrafo único; e 1.015, incisos I e V,


do Código de Processo Civil, requerendo, desde já, o seu recebimento
no efeito suspensivo; pelos fatos e fundamentos que passam a ser
expostos.

I – DA TEMPESTIVIDADE
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O presente Agravo de Instrumento é tempestivo, visto que a


publicação da decisão ocorreu em 13/08/2020; assim, o prazo de 15
dias úteis para interposição do Recurso expirará em 1°/09/2020, na
forma preconizada pelos artigos 1.017, I; e 1.015; ambos do CPC; razão
pela qual, observados os incidentes processuais de publicação e
intimação da decisão prolatada, tem-se por tempestivo o presente
recurso.

II – DO PREPARO

Tendo em vista que o indeferimento do pleito de gratuidade


da justiça ao réu é um dos elementos motivadores do presente Agravo;
deixa-se de recolher o preparo, postulando concessão, pelo Segundo
Grau de Jurisdição, do benefício da assistência judiciária gratuita, ante
a insuficiência de recursos do Agravante para pagar custas; e demais
despesas processuais, e honorários advocatícios; nos termos da lei, sem
o prejuízo de sua subsistência pessoal e do seu núcleo familiar,
declaração que faz nos termos da lei processual.

O Agravante é pessoa pobre na acepção do termo; não


possuindo emprego com Carteira de Trabalho ou conta bancária, e
tira o seu precário sustento do bar localizado no imóvel objeto da
ação originária; vivendo, como milhões de brasileiros, na absoluta
informalidade.

Retirante do sertão nordestino, vindo para o Distrito Federal


em busca de uma vida melhor, o Agravante conseguiu uma forma de
sustento locando o imóvel referido; construído, segundo moradores
mais antigos da região, em uma área invadida, comum nas cidades
satélites, particularmente Ceilândia; e ali instalando um modesto bar,
Do que recebe de lucro das parcas vendas, precisa pagar o aluguel,
comprar as bebidas que vende, se alimentar e ainda mandar a quantia
de R$ 200,00 (duzentos reais) por mês para a mãe, idosa de 76 anos,

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que vive no Ceará; algo que desde o início da pandemia da Covid-19 não
mais consegue fazer.

Assim, o Agravante não possui as mínimas condições de


suportar o pagamento de custas processuais, sem prejuízo da própria
sobrevivência; razão pela qual roga o benefício da assistência judiciaria
gratuita; conforme declaração de próprio punho, juntada em anexo.

III – DO NOME E ENDEREÇOS COMPLETOS DOS ADVOGADOS:

a) AGRAVANTE: ADÃO JOSÉ CORREA PAIANI; inscrito na


OAB/RS sob o nº 62.656, com endereço à Alameda das Acácias, Quadra 107,
Lote 20, Casa 04, Águas Claras, em Brasília/DF, CEP 71.927-540; endereço
eletrônico adaopaiani@gmail.com; telefone (61) 98185.0325.

b) AGRAVADO: DIEGO DA SILVA FRANÇA; inscrito na OAB/DF


sob o n° 50.176; com endereço à QNJ 41, casa 09, em Taguatinga/DF,
CEP 72140410; endereço eletrônico diegoconselheiro@yahoo.com.br;
telefone (61) 98407.9654.

IV – DA JUNTADA DE PEÇAS OBRIGATÓRIAS E FACULTATIVAS:

Uma vez que tanto o processo originário, quanto a


interposição do presente Agravo de Instrumento são pela via eletrônica,
as peças referidas nos incisos I e II do artigo 1.017 do CPC deixam de
ser anexadas ao presente recurso, já que são facilmente acessíveis.

Diante disso, pleiteia-se o processamento do presente


recurso, com sua distribuição para uma das Câmaras Cíveis deste
Egrégio Tribunal de Justiça, na forma do artigo 1.016, caput, do CPC,
para que seja, inicialmente e com urgência, submetido ao pedido de
análise do efeito suspensivo ao recurso, ante o risco de dano
irreparável; na forma do artigo 1.019, inciso I, do CPC.

Termos em que requer e aguarda deferimento.


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Brasília/DF, 14 de agosto de 2020.

Adão José Correa Paiani

OAB/RS 62.656

RAZÕES DE AGRAVO

Agravante: JOSÉ ELZO NOGUEIRA LEMOS


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Agravado: GASPAR EZEQUIEL DA SILVA

Processo de Origem: 0710251-60.2020.8.07.0003

1ª Vara Cível Comarca de Ceilândia/DF

EGRÉGIO TRIBUNAL,

COLENDA TURMA,

EMÉRITOS DESEMBARGADORES.

I - BREVE SÍNTESE DA DEMANDA ORIGINÁRIA

O Agravante celebrou com o Agravado, em 08 de julho de


2019, contrato de locação do imóvel sito à na EQNO 11/13, Bloco C,
Lote 01, Lote Comercial Bar e Lanchonete, em Ceilândia/DF, com valor
de aluguel estipulado em R$ 1.300,00 (hum mil e trezentos reais), com
vencimento todo dia 08 de cada mês.

O referido local, objeto do contrato, pelas informações


disponíveis e do conhecimento de pessoas da região, estaria
construído em área de invasão de área, comum nas cidades
satélites, particularmente Ceilândia; situação que poderá ser
confirmada mediante consulta à Terracap.

O contrato celebrado entre as partes sempre foi, desde seu


início, observado fielmente pelo Agravante; pessoa séria, trabalhadora, e
que tem como norma de vida cumprir os compromissos assumidos
perante terceiros; uma vez que depende do comércio de lanches, que
mantém no local, para a manutenção da própria sobrevivência e do seu
núcleo familiar.

Ocorre que, como é de amplo e notório conhecimento, o


mundo enfrenta hoje a maior crise sanitária dos últimos 100 anos;

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cujos reflexos passaram a se refletir no Brasil e, evidentemente, no


Distrito Federal, desde o final de fevereiro deste ano.

Por conta disso, em 19 de março último, o Governo do


Distrito Federal, por decreto do governador Ibaneis Rocha, determinou a
suspensão das atividades de atendimento ao público em comércios na
capital; impondo medidas restritivas e extremamente severas em
relação à circulação de pessoas, e ao funcionamento de
estabelecimentos como aquele explorado comercialmente pelo
Agravante; o qual foi obrigado a suspender suas atividades, arcando
com todas as despesas de manutenção sem poder contar com nenhuma
receita; em uma situação verdadeiramente desesperadora.

Sendo o Agravante homem íntegro e cumpridor dos seus


compromissos, e dada a gravidade da situação que passou a enfrentar;
procurou o Agravado para explicar a situação, pedindo tolerância em
caso de precisar atrasar o pagamento do aluguel; possibilidade que foi
rispidamente rechaçada pelo Agravado.

Ainda assim, mesmo sem possibilidade de atender no local,


objeto da locação, por conta das determinações das autoridades
sanitárias, o Agravante adimpliu regularmente o aluguel com
vencimento em 08 de abril de 2020; mesmo com imensa dificuldade
pessoal, visto tratar-se de pessoa de poucos recursos, e que retira do
seu trabalho; exercido no local objeto da locação, como já foi dito; a
fonte do seu sustento.

Gize-se que, nesta ocasião, segundo o Agravante, o


Agravado recebeu o valor da locação de parte do agora Agravante, sem
dar-lhe o respectivo recibo de pagamento; dizendo que “passaria outro
dia para deixar o recibo”, o que não fez (como, aliás, era sempre o
seu modo de proceder em relação ao Agravado, em outras ocasiões).
Talvez por conta disso, o próprio Agravado, na exordial, cobra os
aluguéis vencidos desde abril de 2020, data a partir da qual o
Agravante ficou em mora.

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A propósito das negativas do Agravado em fornecer, ao


Agravante, recibos de quitação dos aluguéis; tal provavelmente
decorre do fato já, relatado anteriormente, da informação que o
referido imóvel encontra-se construído em uma área de invasão.

Posteriormente, na Emenda à inicial determinada pelo


juizado a quo, o Agravado inclui o valor do mês de março; mesmo já
tendo sido o valor recebido por ele, sem que emitisse em favor do
Agravante o devido recibo de quitação; sob o argumento de que havia se
“equivocado”.

O ato falho, no entanto, já havia sido cometido, razão pela


qual se torna evidente que o referido valor deve ser excluído do cálculo
apresentado pelo Agravado, nos autos.

Já o Agravante, em maio de 2020, ciente de que não teria


condições de pagar o aluguel na data do vencimento, procurou
antecipadamente o Agravado rogando-lhe a tolerância de alguns dias
para que pudesse regularizar o pagamento; ao que o Agravado negou-se
terminantemente a fazer.

Passados alguns dias do vencimento, ainda no mês de


maio, com grande esforço pessoal, o Agravante buscou realizar o
pagamento ao Agravado, mas não mais foi recebido por ele, sob o
argumento de que já teria ingressado judicialmente para desocupar o
imóvel, e que, segundo palavras do Agravado, “iria fazer o despejo, e
ainda ganhar (do Contestante) de três a quatro vezes mais que o
aluguel devido”, e que “não era mais negócio receber o aluguel (do
Contestante), pois com o despejo ganharia mais na justiça”; em
uma evidente e clara intenção de exercer sobre o Agravante uma
exploração injusta, utilizando-se (o que é mais deplorável), do Judiciário
para tal.

Gize-se igualmente que, em momento algum, o Agravante


recusou-se a pagar o aluguel devido; ao contrário. Mesmo com todas as
dificuldades que está vivendo, impedido até então de exercer a atividade

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da qual retira o seu sustento, por força de um decreto distrital em uma


emergência de saúde pública; fez questão de procurar o Agravado para
esclarecer sua dificuldade, e pedir a tolerância do atraso de alguns dias
no pagamento.

Igualmente não procede a afirmação do Agravado, nos autos


originários, que em 11 de maio de 2020 teria procurado o Agravante
para apresentar-lhe Notificação Extrajudicial de Desocupação de Imóvel
(ou seja, apenas três dias após o vencimento do aluguel); sendo que tal
circunstância jamais ocorreu; o que denota a indisfarçável intenção do
Agravado de forçar ao Agravante incorrer na reclamada inadimplência,
para ver o imóvel desocupado e receber um abusivo quantum
indenizatório.

Tal atitude do Agravado, além de ilegal, é absolutamente


odiosa e totalmente desprovida de dignidade, humanidade e compaixão;
tomada em meio a uma pandemia que não apenas tem ceifado milhares
de vidas no DF, mas também vem sendo responsável pelo desemprego,
encerramento ou suspensão de atividades como aquela da qual se vale
o Agravante para sobreviver.

Melhor sorte não assiste ao alegado envio, pelo Agravado ao


Agravante, pelos Correios, da Notificação Extrajudicial de Desocupação
de Imóvel; a qual não foi recebida, até a presente data, pelo Agravante.

O agora Agravante; cearense e retirante do sertão


nordestino; que conhece como ninguém as agruras da miséria e da
fome; veio para o Distrito Federal em busca de uma existência mais
digna para si, e seu núcleo familiar; em uma epopéia digna de um
poema de João Cabral de Mello Neto, saído de um universo onde a
morte precede a vida.

José como tantos; e Severino, mesmo sem sê-lo no nome; o


Contestante é um legítimo personagem de “Morte e Vida Severina”, obra
fundamental do notável escritor pernambucano.

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Na saga de sua vida Severina, o Agravante, dos parcos


recursos advindos do pequeno comércio de lanches mantido no
endereço objeto da locação (registro fotográfico em anexo, in fine), tirava
o próprio sustento, e ainda enviava recursos para a ajudar no sustento
da genitora, já idosa, no Ceará, sua terra natal.

Com a pandemia, e as medidas restritivas, impedido de


abrir seu pequeno comércio, tudo mudou. Antes disso, no entanto, o
Agravante sempre honrou o referido contrato de locação, efetuando
sempre pontualmente o pagamento de todos os aluguéis e demais
encargos.

É inequívoco que o episódio que levou ao atraso do


pagamento do aluguel no mês de maio, pelo Agravante, deve-se
unicamente ao caso de força maior causado pela pandemia da Covid-
19; uma vez que o mesmo sempre foi pontual, nunca tendo deixado de
cumprir com suas obrigações inerentes ao aluguel, realizando todos os
pagamentos previstos no contrato.

O que ocorre no caso em tela, ao contrário do que,


maliciosamente busca fazer crer a este juízo o Agravado; a situação do
Agravante não é - e nunca foi - de inadimplemento absoluto, ou seja,
aquele que impossibilita o cumprimento da prestação; mas sim de
mora, quando existe a possibilidade – e no caso em tela, mais do que
isso, o interesse e vontade do Agravante - no cumprimento da
obrigação.

O que se observa com meridiana clareza, é que o Agravado


buscou, ao recusar-se a receber o aluguel após o seu vencimento,
forçando a permanência do Agravante em mora; é a perspectiva
altamente compensadora de sujeitar o Agravante, além de desapossa-lo
do imóvel locado, também exigir o pagamento estipulado por uma
cláusula penal absolutamente abusiva, e ilegal, do contrato locatício;
que, além da correção monetária, estabelece uma multa de 03 (três)
vezes o valor do aluguel mensal.

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A atitude desumana e abusiva do Agravado, tentando


explorar vergonhosamente o Agravante em plena pandemia, se
materializa nos cálculos trazidos pelo mesmo na exordial, fazendo com
que um aluguel de R$ 1.300,00 (hum mil e trezentos reais) passe a
perfazer o montante de R$ 12.230,00 (doze mil e duzentos e trinta nove
reais), incluindo um aluguel que já havia sido pago, no mês de março;
mais a incidência de uma cláusula penal ilegal, no valor de R$ 3.900,00
(três mil e novecentos reais); e ainda um valor de R$ 3.000,00 (três mil
reais) a título de “dano moral”; valores que se impugnaram, por
irreais, extorsivos e ilegais.

No caso em tela, se é devido por alguém qualquer quantia


relativa a “dano moral”, certamente é pelo Agravado ao Agravante; esse
sim, moralmente agredido pela conduta abusiva do Agravado.

Causa igualmente espécie que o Agravado busque o


benefício da Assistência Judiciária Gratuita, uma vez que se trata de
alguém que recebe, da Previdência Social, conforme ele próprio
demonstra no extrato trazido aos autos; o valor de R$ 4.997,22 (quatro
mil e novecentos e noventa e sete reais e vinte e dois centavos),
próximo ao teto de benefício; e ainda possui renda advinda de
diversos imóveis de aluguel que possui; que não se resume aquele
objeto da presente ação.

Ou seja, a hipossuficiência econômica do Agravado não


está configurada e não encontra sustentação; não encontrando
respaldo legal para que seja concedida; razão pela qual deveria, em
outra situação, ser objeto de impugnação do Agravante. No entanto,
em razão do atual quadro, que acarreta, em maior ou menor grau,
dificuldades para todos; o Agravante deixou de impugnar o pedido,
em coerência com a própria tolerância que roga para si, no
contexto da atual emergência sanitária e da crise econômica dela
decorrente.

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Outra informação disposta nos autos, e que merece reparo,


foi de que o Agravante negou-se a atender o comando de uma audiência
virtual de conciliação, designada para o dia 23/07/2020, às 14h50; a
qual se realizou, em razão das medidas restritivas em vigor no judiciário
do Distrito Federal decorrentes da pandemia, pela plataforma Zoom.

O que de fato ocorreu, é que o Agravante não possui nem o


conhecimento (visto tratar-se de uma pessoa humilde, e de pouca
instrução formal, tendo apenas o ensino fundamental incompleto, sem
o conhecimento necessário para conectar-se à rede mundial de
computadores), e nem os recursos disponíveis para participar de uma
audiência virtual, não possuindo celular ou computador que possibilite
acesso ao sistema Zoom; razão pela qual não pode participar do evento.

De igual sorte, até a ocasião não havia conseguido valer-se


da assistência de um advogado para representa-lo. Até nesse ponto,
nota-se a total hipossuficiência do Agravante em relação ao Agravado.

II – DA DECISÃO AGRAVADA.

As alegações do Agravado, no entanto, não foram


observadas pelo ilustre magistrado a quo. Em decisão interlocutória de
ID 69568881 nos autos originários, datada de 10/08/2020, o
magistrado assim manifestou-se:

“Apesar da alegação da parte devedora de que passa por


dificuldades financeiras, a Lei 8.245/91, em seu art. art. 59, § 1º, IX,
permite a concessão de liminar para desocupação do imóvel no prazo de
quinze dias, sem ouvir a parte adversa, dentre outras hipóteses, no caso
de falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento,
estando o contrato desprovido de qualquer das garantias.

Desse modo, a alegação de dificuldade financeira não é suficiente para


afastar o deferimento da tutela de urgência destinada ao despejo, razão
pela qual mantenho a decisão de ID 65595045 por seus próprios e
jurídicos fundamentos”.

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Ou seja, o douto magistrado não apenas ignorou solenemente a


argumentação fática em relação ao tema, dentro do contexto de
excepcionalidade da pandemia da Covid-19, mas ao robusto
embasamento doutrinário e jurisprudencial aportado aos autos, dando
conta da necessidade imperiosa de se mitigar determinados direitos
individuais em benefício do bem comum, no contexto da maior
emergência sanitária que se tem notícia nos últimos dez anos.

Para o ilustre magistrado, aparentemente, as graves


consequências econômicas derivadas da pandemia não existem; tanto
que não foram objeto, em sua decisão, de qualquer esforço
argumentativo.

Em uma decisão respeitável, mas deslocada da realidade


fática enfrentada por milhões de pessoas, e de igual sorte pelo
Agravante, o magistrado ainda deixou de apreciar o pedido de
gratuidade de justiça, exigindo que o Agravante apresente comprovação
material de sua hipossuficiência, medida cuja desnecessidade já se
encontra pacificada por decisões recentes dos Tribunais Superiores.

Esses, pois, os termos da decisão que ora se agrava; dada a


sua total desconexão não apenas com todo o exposto pela Contestação
apresentada nos autos originários; mas com a realidade fática da
Pandemia que assola o Distrito Federal, o Brasil e o mundo; razão pela
qual p presente Agravo pretende vê-la reformada in totum.

III - DO DIREITO, DA EXCEPCIONALIDADE DECORRENTE DA


PANDEMIA DA COVID-19, E DAS RAZÕES DO PEDIDO DE
REFORMA DA DECISÃO GRAVADA.

Aduz o artigo 336 do CPC que "incumbe ao réu alegar, na


contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de
direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que
pretende produzir". De tal, entretanto, não se desincumbiu o Agravado

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e, uma vez que, conforme já exposto, os fatos narrados na exordial não


coadunam com a verdade do ocorrido.

Conforme demonstrado, o locatário, ora Agravante, cumpriu


com todas as suas obrigações de acordo com o estipulado no inciso I do
art. 23 da Lei 8.245/911. Ele pagou pontualmente o aluguel e os
encargos da locação, legal e contratualmente exigíveis, no prazo
estipulado e no imóvel locado, tendo em vista que outro local não foi
indicado no contrato.

O Agravante também cumpriu com o disposto no inciso VIII do


referido artigo 23, quando pagou as despesas de consumo de energia,
luz, gás, água e esgoto.

Vale dizer que o único período em que o Agravante não


realizou o pagamento integral do aluguel no prazo fixado foi no posterior
ao mês de abril de 2020. Porém, tal inadimplemento se deu única a
exclusivamente em decorrência dos efeitos da pandemia e seus reflexos
no funcionamento da atividade exercida no local, qual seja o comércio
de lanches e bebidas; cuja abertura ao público foi vedada por decreto
distrital.

O artigo 393 do Código Civil 2 estabelece que “o devedor não


responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado”. É precisamente
o caso do Agravante, uma vez que a pandemia da Covid-19 é uma
situação que caracteriza, plenamente, como de caso fortuito ou força
maior.

A situação, inclusive, foi declarada como emergencial em


vários países do mundo; não havendo, até o momento, relato histórico
de uma situação que tenha gerado toques de recolhimento globais como
está ocorrendo com a pandemia; situação que igualmente ocorreu no

1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm
2
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm

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Distrito Federal, e resultou na dificuldade vivida pelo Agravante e por


milhares de outros micros e pequenos empreendedores como ele.

A pandemia da Covid-19 está mudando a história da própria


humanidade, o que a torna um fato suficientemente relevante e
imprevisível; a ponto de caracterizá-lo como caso fortuito ou força
maior; devendo assim ser entendida para situações como dos presentes
autos.

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde


decretou a Emergência em Saúde Pública 3 e, em 11 de março
reconheceu a Pandemia em face do Covid-194.

No Brasil, em 3 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde


editou a Portaria GM/MS 188/20205 para declarar a Emergência em
Saúde Pública6 e Importância Nacional. Em 6 de fevereiro de 2020, veio
a Lei 13.979/20207, com as medidas destinadas ao enfrentamento da
situação emergencial, como a quarentena e o isolamento social.

Posteriormente, diversas Medidas Provisórias e outras leis


infraconstitucionais se detiveram a enfrentar as consequências da
pandemia. Nos Estados e no Distrito Federal, os Governadores
decretaram medidas de restrição de circulação de pessoas e de
comércio.

3
Uma emergência em saúde pública caracteriza-se como uma situação que demande o
emprego urgente de medidas de prevenção, de controle e de contenção de riscos, de
danos e de agravos à saúde pública em situações que podem ser epidemiológicas
(surtos e epidemias), de desastres, ou de desassistência à população.
4
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6120:oms-afirma-que-
covid-19-e-agora-caracterizada-como-pandemia&Itemid=812
5 http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-
241408388

6 O termo emergência de saúde pública de importância internacional é definido no RSI


(2005), como: Evento extraordinário, o qual é determinado, como estabelecido neste
regulamento: por constituir um risco de saúde pública para outro Estado por meio da
propagação internacional de doenças; por potencialmente requerer uma resposta
internacional coordenada. O Regulamento Sanitário Internacional anterior foi
aprovado em 1969.
7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm

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O Congresso Nacional, em 20 de março de 2020, editou o


Decreto Legislativo 6 8, reconhecendo formalmente o estado de
emergência pública para flexibilizar as regras orçamentárias. Tais
medidas impactaram com rigor todas as relações de Direito Privado.
Empresas não pagaram seus fornecedores e seus empregados.
Inquilinos suspenderam pagamentos de aluguel, e de taxas de
condomínios; e o desemprego passou a atingir milhões de pessoas.

A situação que levou o Agravante à mora deve ser


compreendida sob o prisma destas medidas, e da total imprevisibilidade
e ineditismo da maior tragédia sanitária dos últimos cem anos, a qual
atualmente vivemos.

Utilizarmo-nos do regramento jurídico existente – e que até


respaldaria o alegado direito do Agravado, em circunstâncias normais –
não é a melhor maneira de se fazer justiça no momento atual.

A Lei n° 13.979/20, que dispõe sobre as medidas adotadas


para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional, decorrente do coronavírus responsável, promulgada
ainda em fevereiro deste ano, buscou direcionar e respaldar as ações do
poder público em meio a uma situação de total excepcionalidade, e tem
vários pontos que devem ser observados.

No Parágrafo 1º do Art. 1º, o legislador deixou claro que a


objetividade jurídica da lei é a proteção da coletividade, ou seja, ele já
condiz com a supremacia do interesse público frente aos interesses
privados; de tal modo que pela lei, poderão ser determinadas medidas
que causem um verdadeiro choque frente aos direitos fundamentais, tal
como a determinação de isolamento ou quarentena para os infectados, e
para pessoas que estejam no grupo de contato direto com pessoas que
contraíram o vírus.

8
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2020/decretolegislativo-6-20-marco-2020-789861-norma-
pl.html

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Como pode alguém que possui um estabelecimento


comercial impedido de funcionar em razão da pandemia, pagar os
aluguéis decorrentes do contrato firmado?

A simples expedição de um mandado de desocupação e


despejo pode até ser o caminho mais fácil, mas certamente não é o mais
justo, não está levando em conta o interesse público, e muito menos o
consagrado princípio da função social da propriedade.

Ao aceitarmos que a letra fria da lei, que efetivamente protege


o Agravado, possa ser aplicada de forma automática em uma situação
de calamidade pública; reconhecida tanto no âmbito do Distrito Federal,
como do próprio Brasil; como a que estaríamos abrindo margem para
uma decisão teratológica, dissociada da efetiva finalidade do
ordenamento jurídico, que deve ser de regular e modular direitos,
criando condições mínimas de convivência no âmbito de uma sociedade;
distanciado essa, e seus integrantes de um darwinismo social.

O caso envolvendo o Agravante, nas atuais circunstâncias,


está longe de ser uma exceção; ao contrário. Se um estabelecimento
comercial está fechado e impedido de conseguir qualquer tipo de
faturamento, como seu proprietário vai pagar o aluguel?

Em decisões que ecoam por todo país, comércios já têm


requerido na Justiça a suspensão ou o adiamento de parcelas de
aluguel; e tem encontrado respaldo nas decisões de diversos
magistrados com a sensibilidade de compreender o dramático momento
que vivemos.

O caso dos alugueis para uso comercial, como é o caso do


alugado pelo Agravado ao Agravante é diverso, por exemplo, de um
aluguel residencial. Este último deve passar por análise mais criteriosa,
pois envolve alguém que depende da casa para morar, e outra que
depende da renda do aluguel para se manter; o que está longe de ser o
caso em tela.

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Nesse caso, a suspensão total do pagamento pode colocar o


locatário em situação de vulnerabilidade. Não é o caso do imóvel objeto
da presente ação, pois o mesmo é, para o Agravado, apenas mais uma
fonte de renda, enquanto para o Agravante é o seu único meio de
sobrevivência.

Muito embora os brasileiros não tenham, de um modo geral, a


cultura de negociar, esta é precisamente a hora de encontrar soluções
razoáveis; e o Judiciário tem um papel fundamental neste processo.

Particularmente, neste caso, este juizado tem a possibilidade


de tomar uma medida que poderá servir como paradigma de outras a
serem seguidas por todo o país, exercendo um papel jurisdicional de
extremada relevância; e estamos seguros que este é um caminho que
deve ser tomado, para a efetivação da justiça e do equilíbrio entre o
direito das partes.

A excepcionalidade do momento igualmente encontrou eco no


Congresso Nacional, com a edição da Lei nº 14.010, de 10 de junho de
20209, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório
das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia
do coronavírus (Covid-19), sancionada com vetos pelo presidente da
República, Jair Bolsonaro; que veio impactar as relações jurídicas de
Direito Privado em razão da Pandemia do Covid-19; como norma
emergencial e provisória, que vigerá até 30 de outubro de 2020.

A inspiração da norma aprovada veio da França da Primeira


Guerra Mundial, onde, em 1918, os franceses editaram a famosa Lei
Faillot10, para tratar da revisão de contratos que haviam sido atingidos
pelas contingências econômicas de uma guerra. Era lei transitória,
limitada aos três meses seguintes ao encerramento da guerra.

9
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14010.htm
10
A Lei Faillot em 1918 (na França) é marco histórico da cláusula rebus sic stantibus posto que
modificou normas contratuais onde uma prestação se tornou excessiva penosa a um dos contratantes em
virtude da guerra.

17
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A segunda inspiração veio dos parlamentos de outros países,


especialmente o alemão 11, onde foi aprovada a Lei de Atenuação dos
Efeitos da Pandemia da Covid-19 no Direito Civil, Falimentar e
Recuperacional. Tal lei flexibilizou os contratos, e outras figuras de
direito privado, em meio às incertezas causadas pelo poderoso vírus.

É importante salientar a suspensão de normas, preconizada


pela Lei 14.010/2020, não implica em revogação ou alteração. Ela não
modifica nenhum dispositivo do Código Civil brasileiro vigente, nem de
qualquer outra lei, se direcionando unicamente aos fatos jurídicos
derivados do caos socioeconômico causado pela pandemia.

Outro fator do dispositivo é que ele abrange um lapso temporal


iniciado em 20 de março de 2020, e a partir daí, há a presunção
absoluta de que os reveses que atingem as relações jurídicas de Direito
Privado advinham da pandemia.

A data escolhida é em função da notoriedade da desordem


causada, o que autorizou flexibilizações orçamentárias, na forma do
artigo 65 da LRF12.

Diversos doutrinadores, como Flávio Tartuce, Pablo Stolze,


Carlos Eduardo de Oliveira e Cláudia Lima Marques defendem,
inclusive, que o período anterior à data fixada possa ensejar revisões
contratuais, suspensão da prescrição ou de outros fenômenos de Direito
Privado; havendo quase um consenso de o marco inicial dos efeitos
deveria ser 3 de fevereiro de 2020, data da Portaria GM/MS 188 13.

Há também um entendimento doutrinal de que as disposições


da Lei 14.010/2020 já seriam alcançadas com base em princípios ou
regras anteriores, e que, mesmo na ausência dela vários casos
concretos poderiam ser resolvidos da mesma maneira; servindo a nova

11
https://www.conjur.com.br/2020-mar-25/direito-comparado-alemanha-prepara-legislacao-
controlar-efeitos-covid-19
12
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11234405/artigo-65-lc-n-101-de-04-de-maio-de-2000
13
https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388
18
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norma para dar mais taxatividade a disposições anteriores baseadas em


soluções jurídicas para situações de justa causa ou força maior.

O artigo 9° da Lei 14.010/2020 proíbe a concessão de liminar


para desocupação de imóveis urbanos em ações de despejo,
estabelecendo, literis, que “não se concederá liminar para desocupação
de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º,
incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991,
até 30 de outubro de 2020”.

Tal dispositivo 14, objeto de veto do Poder Executivo, deverá, no


entanto, ser confirmado pelo Congresso Nacional, em sessão conjunta
da Câmara dos Deputados e Senado Federal, marcada para o próximo
dia 19 de agosto de 2020.

A razão que opera em favor da derrubada do referido – e


equivocado – veto Presidencial, encontra-se no fato de que o dispositivo
não desconsidera o interesse patrimonial do locador; além de não afetar
a exigibilidade judicial do crédito deste, por não alterar a regra do artigo
64 da Lei n° 8.245/91, que permite a execução provisória da sentença
independentemente de caução; apenas impede, temporariamente, uma
medida legítima, porém extrema, sendo que essa solução transitória se
justifica em relevantes razões de saúde pública.

É nesse contexto de crise epidemiológica que a relação


processual é reequacionada em favor do locatário sem, no entanto,
conferir a esse uma proteção excessiva.

Sequer é no interesse exclusivo dos locatários que se propõe a


vedação transitória do despejo liminar, mas sim no da coletividade;
promovendo um justo equilíbrio entre os interesses patrimoniais do
locador, de um lado, e as razões de Saúde Pública, de outro.

É nesses termos que muitos julgados já vêm reconhecendo a


necessidade de se obstar os despejos liminares durante a pandemia do
14
O veto a despejos durante a pandemia não é proposta exclusiva dos legisladores brasileiros. Portugal e
Alemanha, por exemplo, tomaram medidas nesse sentido para mitigar os efeitos danosos do isolamento
social na economia do país.

19
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coronavírus, como se verifica, especificamente, na jurisprudência do


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A título ilustrativo, a 33ª Câmara de Direito Privado da referida


Corte, com fundamento no artigo 5º da Resolução do Conselho Nacional
de Justiça n° 313/202015, e no artigo 5º do Provimento do Conselho
Superior da Magistratura do TJSP de n. 2550/202016, decidiu que “a
pandemia de coronavírus tem evidentes reflexos sobre a saúde, e, sem
dúvida, ter preservado o direito de moradia, agora, auxilia na prevenção
do contágio, contribuindo para o cumprimento da recomendação de
isolamento/distanciamento social”.

Em sentido semelhante, a 29ª Câmara de Direito Privado do


TJSP julgou “correta a determinação de suspensão da medida, por ora,
em razão da situação extraordinária que todos vivem, diante da
pandemia causada pelo COVID-19 no Brasil e no mundo, fato público e
notório, com reconhecimento do estado de calamidade pública feita ao
Congresso Nacional pela Presidência da República”.

Segundo o acórdão, “a preservação da integridade física do


oficial de justiça e [de] todos os que seriam envolvidos no cumprimento da
ordem de despejo, se sobrepõe ao interesse da autora, justamente para
evitar o contágio do COVID-19, o que não se pode permitir, diante da
gravidade da pandemia”.

Da mesma forma, recentemente a 36ª Câmara de Direito


Privado da Corte paulista, com fundamento no reconhecimento do
estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional (Decreto
Legislativo 06/2020) e na decretação de quarentena no Estado de São
Paulo (Decreto 64.881/2020), decidiu ser “cabível a suspensão da
decisão que concedeu o despejo, uma vez que seu cumprimento, nas
atuais circunstâncias, estaria em desconformidade com as medidas de

15
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-313-5.pdf
16
https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Coronavirus/Comunicados/Provimento_CSM_20200320_1.pd
f
20
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saúde vigentes que indicam a necessidade de se reduzir a circulação de


pessoas e a permanência no ambiente residencial”.

O referido dispositivo, cuja aprovação será validada com a


derrubada do veto presidencial, não obsta que o locador possa obter
despejo liminar com fundamento no art. 300 do CPC 17, desde que, além
da probabilidade do seu direito, comprove perigo de dano ou risco ao
resultado útil do processo.

Com efeito, o STJ já decidiu que a tutela provisória prevista no


art. 59, § 1º, da Lei n° 8.245/9118 é de evidência, não se excluindo a
possibilidade de o juiz, excepcionalmente, conceder ordem de despejo
liminar, desde que comprovado o risco à subsistência do locador,
também nos termos do art. 300 do vigente CPC; o que não se aplica no
caso em tela, onde já demonstrado existir entre Agravado e Agravante
uma evidente disparidade de recursos de subsistência, pesando em
desfavor do último; uma vez que se torna evidente, pelo que se percebe
nos autos, que o Agravado não depende do referido aluguel para o seu
sustento e de sua família.

De igual sorte, o mesmo artigo 300, do NCPC também socorre


o Agravante, uma vez que se encontra, no caso em tela, em favor do
mesmo, a possibilidade de concessão da tutela de urgência pelo juiz, o
que se requer já no preambulo desta peça contestatória; e que será

17
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1 o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou
fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser
dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão.
18
Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.
§ 1º Conceder - se - á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte
contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que
tiverem por fundamento exclusivo:

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concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do


direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

O “fumus boni iuris” encontra-se presente, a ensejar a


concessão da medida tutelar de urgência, uma vez que, conforme já
exposto, é cabível a concessão de medida cautelar sustando a efetivação
da ordem de despejo, face às atuais circunstâncias de emergência
sanitária provocadas pela epidemia da Covid-19.

O “periculum in mora” igualmente se vislumbra, uma vez que


a demora no atendimento ao requerido no presente Agravo poderá
causar dano irreversível e de difícil reparação ao Agravante.

Ambos os requisitos tornam-se presentes ainda ante a


previsível rejeição do veto presidencial ao referido artigo 9º, nos termos
do art. 66, § 4º, da Constituição Federal19; o que deve consolidar,
legislativamente, uma orientação jurisprudencial já existente; uma vez
que o dispositivo vetado apoia-se em evidentes razões de interesse social
que, mesmo lamentavelmente desconsideradas no veto do Presidente da
República, já são reconhecidas em reiteradas decisões judiciais, como
demonstram os julgados do TJSP acima citados; contexto jurídico
amplamente favorável ao Agravante.

O fundamento desses, e dos demais dispositivos da Lei


14.010/2020, é a denominada “Tese da Imprevisão”, que se traduz em
técnica para enfrentar fatos supervenientes e imprevisíveis quando da
celebração do negócio jurídico. O pacta sunt servanda20 se subordina
aos rebus sic stantibus; e, conforme a glosa de Bartolomeo de Brescia,

19
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da
República, que, aquiescendo, o sancionará.
§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só
podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 76, de 2013).
20
Pacta sunt servanda pode ser traduzido como a afirmação de força obrigatória que os pactos, contratos
ou obrigações assumidos devem ser respeitados e cumpridos integralmente. Tem por ideia que o contrato
celebrado foi firmado por iniciativa das partes, alicerçado na autonomia da vontade destes. Assim,
cumpre a estes honrarem todo o pacto estabelecido. Sob esse aspecto é inadmissível a intervenção externa
para alteração do estabelecido livremente entre os contratantes.

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em razão do decreto Graciano, ergo semper subintelligitur haec condictio,


si res in eodem statu manseri.

A trajetória histórica da técnica procura conciliar o pactuado


com o surgimento de fatos imprevisíveis supervenientes, remontando à
Antiguidade Romana, tendo ganhado maior notoriedade com o Direito
Canônico, que trouxe a implícita cláusula rebus sic stantibus21 aos
contratos de trato sucessivo; ganhando status de norma jurídica nos
Códigos da Prússia em 179422, e Napoleônico de 180423, o que
influenciou o Código Civil brasileiro de 191624.

Hodiernamente, tais princípios devem ser levados em conta na


resolução de conflitos onde, de um lado, existe um legítimo credor – in
casu de um aluguel -; e de outro um devedor que não consegue pagar
por falta de liquidez causada pela pandemia.

Em casos assim, cabe ao judiciário, tomando como base de


decisão os citados princípios seculares, encontrar a melhor forma para
que se busque uma conciliação entre direitos de similar teor, ante a
situação de imprevisibilidade.

Essa é, precisamente, a corajosa decisão que se busca obter


deste Egrégio Tribunal e de seus doutos Desembargadores, por conta do
inédito momento histórico que estamos vivenciando - algo que ninguém,
em nossa geração, jamais poderia imaginar que viesse a ocorrer – e que
exige o discernimento necessário sobre a melhor, e mais equilibrada

21
Rebus sic stantibus, essa traduzida como a manutenção do contrato enquanto as coisas estejam assim,
ou seja, desde que mantidas as mesmas condições quando da elaboração do contrato/pacto, para todas as
partes envolvidas. Essa é a exceção a obrigatoriedade (pacta sunt servanda) de cumprimento dos contratos
pois que, havendo excessiva onerosidade à uma das partes, poderá referido contrato ser revisto e ter
alteradas suas cláusulas, visando manter-se o equilíbrio idêntico ao do momento em que este foi firmado.
22
O Leis Geral do Estado para o prussiano Unidos ( Allgemeines Landrecht für die Preussischen Staaten ,
muitas vezes abreviado para ALR) foram um importante código de Prússia , promulgada em 1794 e
codificada por Carl Gottlieb Svarez e Ernst Ferdinand Klein , sob as ordens de Frederick II .
23
http://www.assemblee-nationale.fr/evenements/code-civil-1804-1.asp
24
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-
publicacaooriginal-1-pl.html
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forma de se fazer justiça; o que somente se dará pela reforma da


decisão prolatada pelo juiz de Primeira Instância.

IV – DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer dignem-se Vossas


Excelências:

a) o conhecimento do presente Recurso, com efeito suspensivo


à decisão interlocutória, como autoriza o artigo 1.019, I, do CPC; no
sentido de suspender a liminar que determinou o despejo, dando
provimento ao requerido pelo Agravante na decisão de Primeiro Grau,
ou seja, concedendo, liminarmente, tutela provisória de urgência, na
forma do artigo 30025 da Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015;
determinando a suspensão da decisão que determinou a desocupação,
pelo Agravante, do imóvel objeto da presente lide; dada a
excepcionalidade do momento, em razão da pandemia da Covid-19;

b) caso o mandado para o despejo já tenha se efetivado,


determine o retorno ao status quo ante, com a permissão de retorno, em
caráter excepcional e precário, do Agravante ao imóvel, até a data
preconizada pela Lei n° 14.010/2020, ou seja, 30 de outubro de 2020,
uma vez que o mesmo utiliza do imóvel, objeto da ação, como único
meio de prover a sua subsistência e de seu grupo familiar;

c) o conhecimento e provimento do presente recurso, para


reformar a decisão atacada, determinando a impugnação dos cálculos e
valores a serem pagos pelo Agravante, apresentados pelo Agravado na
exordial e na emenda; o indeferimento, in totum, do pleito do Agravado a
título de “dano moral”, proposto na exordial; a declaração de nulidade

25
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1 o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou
fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser
dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos da decisão.
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da cláusula penal contratual, de três vezes o valor da locação mensal,


por abusiva e ilegal; a condenação do Agravado nos ônus da
sucumbência, caso não se proceda um acordo entre as partes; e ao
pagamento de honorários advocatícios estabelecidos em 20% do valor
da causa; a designação de nova audiência de conciliação, dado o
interesse do Contestante em pôr fim à lide, mediante acordo que possa
compor de forma justa os interesses legítimos das partes; visando a
manutenção e continuidade do contrato de locação; e a produção de
todos os meios de prova admitidos, documentais e testemunhais, com a
oitiva de testemunhas que serão arroladas oportunamente; bem como o
depoimento pessoal do Agravado.

Termos em que requer e aguarda, respeitosamente, deferimento.

Brasília/DF, em 14 de agosto de 2020.

Adão José Correa Paiani

OAB/RS 62.656

“Se bastassem as leis, não haveria necessidade dos juízes, não é verdade? Também os
juízes, pois, são construtores do Direito.” Francesco Carnelutti (1879-1965), in “Come
nasce il diritto”.

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PROCURAÇÃO

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PEDIDO DE CONCESSÃO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA

DECLARAÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO DO AGRAVANTE

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REGISTRO FOTOGRÁFICO

NA FOTO, O MODESTO ESTABELECIMENTO, LOCALIZADO NO IMÓVEL


OBJETO DA AÇÃO, DE ONDE O CONTESTANTE RETIRA SUA
SOBREVIVÊNCIA.

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