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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Direito das Sucessões

 Noção e Objeto do Direito das Sucessões

Enquanto ramo do Direito, o Direito das Sucessões corresponde ao conjunto de normas jurídicas que regulam
a instituição “sucessão”, entendida como sucessão por morte.

Todo o Direito das Sucessões existe em função de um facto, a morte, um facto jurídico instantâneo extintivo
da personalidade jurídica.

A sucessão que é regulada pelo Direito das Sucessões, sucessão por morte ou mortis causa, tem origem no
facto “morte”; aqui a morte é a causa, o facto determinante, ou principal, da aquisição de situações jurídicas.

Deste modo, não há sucessão mortis causa se uma pessoa adquirir direitos que pertencem a outra, durante a
vida desta, ou se adquirir direitos que pertencem a outra, no momento em que ela falece, quando a morte do
titular falecido não seja mais do que um facto acessório, simples termo ou condição do negócio aquisitivo.
Não há, por exemplo, sucessão por morte nos casos de:

o Doação com reserva de usufruto- art. 958º: até à morte do doador, a “consolidação” da propriedade
do bem doado na esfera jurídica do donatário só ocorre quando falecer o doador. Todavia, a doação
produz efeitos antes da morte do doador, atribuindo ao donatário a nua propriedade dos bens
doados.
o Doação com reserva do direito de dispor de coisa determinada– art. 959º: o doador pode reservar o
seu direito de dispor de alguma ou algumas das coisas compreendidas na doação, ou o direito a certa
quantia sobre os bens doados. Ou seja, o donatário só tem um pleno direito de propriedade sobre os
bens doados no momento da morte do doador, mas o efeito de transmissão da propriedade (ainda
que não plena) produz-se com a doação, em vida do doador. Este direito não se transmite aos
herdeiros do doador (art. 959º/2).
o Venda com reserva de propriedade- art. 409º: o comprador só adquire a propriedade do bem quando
o vendedor morrer. Não obstante isto, a causa da aquisição será a compra e venda, que foi celebrada
em vida. A morte do vendedor corresponde a um termo suspensivo do contrato.
o Doação cum moriar- o doador estipula que só quando ele falecer os bens doados se transmitem para
o donatário ou podem ser exigidos por este. A causa da transmissão é a doação. O donatário adquire
imediatamente um direito sobre os bens doados, que, porém, apenas produz efeitos a partir da morte
do doador (termo suspensivo). A questão é saber se esta doação é ou não proibida:

- Prof. Pires Lima e Antunes Varela- é proibida, pelo art. 946º;

- Prof. Pereira Coelho- neste caso, a morte do doador não é a causa da doação, por isso é um caso de sucessão
por vida;

- Prof. Menezes Leitão- a doação é nula.

Por vezes, contrapõe-se a sucessão à transmissão:

 Opinião de Pires de Lima e Antunes Varela- estes conceitos são tecnicamente distintos: na
transmissão, os bens deslocam-se do património de uma pessoa para a outra; na sucessão, uma
pessoa ocupa o lugar de outro. Segundo os dois professores de Coimbra, o art. 2024º, ao usar o termo
“chamamento”, enquadra a sucessão mortis causa na sucessão em sentido próprio, afastando
decididamente a ideia de que se esteja perante uma simples transmissão.

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 Opinião de Oliveira Ascensão- é outro partidário de uma conceção autonomista da sucessão. Para
este, a sucessão “é caracterizada pelo ingresso de um sujeito na posição que outro ocupara, e não
pela passagem de situações jurídicas de um para outro”. Na sucessão, “as situações jurídicas
permanecem tal qual, e só se verifica uma substituição do titular”. Deste modo, o herdeiro seria um
sucessor, enquanto o legatário seria um transmissário.

 Opinião de Galvão Telles- a construção que opõe sucessão à transmissão é artificial. Normalmente, o
sucessor não se distingue do transmissário: ambos adquirem situações jurídicas e ocupam a posição
que coube a outrem. Afirmar que o herdeiro fica investido nos direitos e obrigações porque ingressa
em tal quantidade pouco adianta, já que também se pode dizer que o comprador se torna titular do
direito vendido por ter assumido a qualidade de comprador. Para além disto, a variante autonomista
perfilhada por Oliveira Ascensão colide abertamente com a lei, mais precisamente com o art. 2030º/1,
que qualifica o herdeiro e o legatário como sucessores.

Menezes Leitão segue esta visão, admitindo a sucessão dentro de uma categoria ampla de transmissão.

 Opinião de JDP- não obstante a ausência de uma separação rígida entre sucessão e transmissão, não
parece que a sucessão por morte possa ser entendida como uma espécie de género “transmissão”. A
transmissão consiste numa aquisição (ou vinculação) derivada translativa, na passagem de direitos e
obrigações da esfera jurídica de uma pessoa para a de outra, o que pressupõe identidade entre as
situações que existiam na esfera jurídica de uma pessoa e as que agora se encontram na esfera jurídica
de outra. Frequentemente, haverá transmissão na sucessão por morte. Todavia, conhecem-se
hipóteses de sucessão por morte que não se traduzem numa aquisição ou vinculação derivada
translativa (ex: o legado do usufruto de um bem que pertencia, em propriedade plena, ao autor da
sucessão). Assim, a definição de sucessão por morte como uma aquisição por morte de uma
liberalidade (ou vinculação) à custa do património do falecido afigura-se ser a mais adequada.

Daqui resulta que não têm caráter sucessório:

1. O apanágio do cônjuge sobrevivo (art. 2018º) e o direito que é atribuído ao membro sobrevivo de
exigir alimentos da herança do falecido (art. 2020º)- fundam-se na necessidade do cônjuge ou
companheiro sobrevivo, não na intenção (presumida ou conjetural) de generosidade ou
espontaneidade do de cuius.
2. A pensão de sobrevivência e o subsídio por morte- não implicam uma diminuição do património
hereditário.
3. A atribuição do capital de seguro de vida- consubstancia o cumprimento de um contrato oneroso.

 Âmbito da Sucessão

O art. 2024º define sucessão como “o chamamento de uma ou mais pessoas à titutlaridade das relações
jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam”.
Este artigo restringe, portanto, o conceito de sucessão à sucessão por morte.

De acordo com a definição dada por JDP, sucessão é a aquisição por morte de uma liberalidade, ou vinculação,
à custa do património do falecido. Assim, o conceito de sucessão só abrange situações jurídicas patrimoniais
que, por morte, se transmitem aos sucessíveis.

A exclusão das situações jurídicas não patrimoniais decorre não só da noção legal de sucessão (art. 2024º),
mas também do preceito que caracteriza os sucessores (art. 2030º/2).

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Alguma doutrina (nomeadamente, Galvão Telles) dá exemplos de situações jurídicas não patrimoniais que
seriam transmissíveis por morte:

→ Direitos de personalidade (arts. 71º/2, 73º, 75º/2, 76º/2 e 79º/1).

- Em sentido contrário, Carvalho Fernandes, que considera, porém, que em certos casos se verifica a
transferência mortis causa de determinadas faculdades ligadas à tutela dos direitos de personalidade.

- Já JDP diz que é estranho supor que determinadas pessoas adquiram os direitos de personalidade do de
cuius: essas pessoas beneficiam ex novo de legitimação processual para defesa da memória do falecido, o que
não traduz um fenómeno sucessório.

→ Direitos de intentar ou prosseguir ações de filiação, como as de investigação da maternidade ou


paternidade (arts. 1818º e 1873º), de impugnação da maternidade ou paternidade (arts. 1825º e
1844º) e de anulação de perfilhação (art. 1862º).

- JDP defende que estes direitos só podem caber a outrem enquanto direitos próprios. Por exemplo, a
procedência de uma ação de investigação de paternidade que foi intentada ou prosseguida após a morte do
pretenso filho não significa que aquele que exerceu com sucesso o direito de intentar ou prosseguir a ação
venha a assumir a posição de filho que foi judicialmente reconhecida ao de cuius.

Exclui-se, também, do campo da sucessão:

☼ O testamento vital, que nada tem a ver com o testamento de que normalmente falamos. O
testamento vital é o documento que contém indicações respeitantes aos cuidados de saúde a prestar
ao seu autor no caso de ele se vir a tornar incapaz para decidir sobre a matéria (art. 2º Lei nº 25/2012,
de 16 de julho). Ex: alguém decide que não quer ser reanimado, se estiver num processo de demência
no qual já não consiga reger a sua pessoa e os seus bens.

Embora o cumprimento do testamento vital possa, algumas vezes, levar à morte do seu autor, a
regulamentação do documento refere-se a um momento prévio. Não há um ato mortis causa, mas um ato
inter vivos suscetível de (contribuir para) causar a morte.

☼ As disposições mediante as quais alguém determina o destino post mortem dos seus órgãos. Em
abstrato, estas disposições pode, nomeadamente, versar a questão da colheita de todos ou alguns
órgãos para transplante, exprimindo uma oposição, uma permissão ou uma preferência quanto ao
beneficiário. No entanto, admitindo-se, por hipótese, que tal disposição é relevante, não se pode
afirmar que o beneficiário do transplante adquiriu uma situação jurídica ativa atinente ao órgão em
apreço. Os órgãos do homem que faleceu são parte do cadáver. O cadáver, coisa que, por razões de
respeito, deve ser tratado no capítulo das pessoas e não no das coisas, está “fora do comércio”; não
é suscetível de ser alvo de direitos.

☼ As situações jurídicas patrimoniais que se extinguem quando morre o respetivo titular (art. 2025º)-
o art. 2025º dispõe que essa extinção pode ocorrer em razão:

a) Da natureza- englobam, nomeadamente, o usufruto (art. 1476º/1 a)), o direito de uso e habitação
(arts. 1485º e 1476º/1 a)), o direito de alimentos (art. 2013º/1 a)) e os direitos conjugais ou
paternofiliais de assistência (que cessam no momento em que termina o vínculo matrimonial ou de
filiação).
b) Por força da lei- por exemplo, o direito de aceitação da proposta contratual (art. 231º/2) e o direito
convencional de preferência (art. 420º).
c) Por vontade do próprio titular- por exemplo, a situação de sujeição do proponente (art. 231º/1).

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» Direito de indemnização:

Por outro lado, nada obsta à transmissibilidade por morte do direito de indemnização (por danos patrimoniais
ou não patrimoniais) em geral, por constituir uma situação jurídica patrimonial que não se extingue por morte
do respetivo titular.

Mas já não se estará perante sucessão quando certas pessoas beneficiam de uma indemnização destinada a
compensar os danos que elas próprias sofreram por morte de outrem que lhes era próximo (art. 496º/2 e 3).
A indemnização é adquirida autónoma e originariamente por tais pessoas.

Em contrapartida, já cabe no âmbito da sucessão o direito de indemnização do dano do sofrimento que


acompanha a presciência da perda da vida (o medo da morte, a dor de alguém que se apercebe que vai
morrer), que foi adquirido pelo de cuius entre o momento de lesão e o momento da morte.

A indemnização em geral e a indemnização correspondente à presciência da perda da vida podem ser objeto
de disposições testamentárias feitas pelo lesado. O regime sucessório supletivo não é, porém, exatamente
idêntico ao da indemnização em geral:

a) Na falta de testamento, o destino da indemnização em geral é regulado pelas regras da sucessão


legítima hereditária (arts. 2131º e ss.);
b) Na falta de testamento, o destino da indemnização correspondente à presciência da perda da vida
está subordinado ao disposto no art. 496º/2 e 3 (por força do art. 496º/4, ao determinar a fixação de
um montante único para uma indemnização complexa que abarque não só os danos não patrimoniais
sofridos pelo falecido, como os sofridos pelos familiares que têm direito a uma indemnização
autónoma e originária).

→ Questão muito controversa é a da transmissibilidade mortis causa da indemnização por dano morte
ou privação objetiva da vida (dano morte):

- Profs. Eduardo Santos e Oliveira Ascensão- negam essa transmissibilidade por excluirem a própria
indemnizabilidade da perda do bem vida. Argumentam que o falecido não pode adquirir a indemnização nem
desfrutar dela, uma vez que não tem personalidade jurídica (visto que a personalidade jurídica cessa com a
morte) na altura em que alegadamente se produziria o dano; e o fim principal do instituto da responsabilidade
civil é a compensação do lesado.

- Prof. Pereira Coelho- defende a indemnizabilidade do dano morte, mas exclui a transmissão da indemnização
por via sucessória, por entender que o direito ao ressarcimento é adquirido diretamente pelas pessoas
referidas no art. 496º/2 e 3.

- Profs. Galvão Telles, Menezes Cordeiro, Menezes Leitão- defendem que a perda do bem vida origina
responsabilidade civil e que a indeminzação em apreço integra a herança do falecido. Ou seja, a indemnização
entra na esfera jurídica do falecido no momento em que morre (ainda tinha personalidade jurídica) e, por isso,
transmite-se aos sucessíveis.

- Prof. JDP- o que interessa é o momento em que se verifica a lesão de que proveio a morte, que é sempre
anterior à altura em que o lesado deixou de ter personalidade jurídica. O art. 564º/2 permite pensar num
mecanismo retroativo, que atribui ao lesado o direito à indemnização pelo dano morte à data em que ocorreu
o facto que levou ao óbito. Ou seja, não se afigura plausível a posição que confere a indemnização por dano
morte originariamente aos familiares do falecido. A indemnização é primeiramente adquirida pelo de cuius,
encontrando-se posteriormente na herança. E, enquanto parte do ativo hereditário, a indemnização responde
pelas dívidas do falecido e por outros encargos da herança.

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Na falta de previsão especial sobre o chamamento à indemnização por dano morte, aplicam-se as regras gerais
sucessórias (art. 2133º).

 Espécies de Sucessíveis/Sucessores

Feita com base no critério da fonte de designação, a classificação a que alude o art. 2026º aponta para quatro
espécies de sucessão:

1. Legítima (arts. 2132º e 2133º) – opera na ausência de vontade válida e eficaz do de cuius (art. 2131º)
e tem como beneficiários o cônjuge, os parentes próximos do falecido e, na falta de cônjuge e destes
parentes, o Estado.
2. Legitimária (art. 2157º) – reserva uma porção de bens de que o de cuius não pode dispor (art. 2156º)
ao cônjuge e aos parentes na linha reta do falecido. Impõe-se à própria vontade do de cuius.
3. Testamentária – constitui o espaço de manifestação da autonomia da vontade do de cuius no domínio
sucessório, por excelência. O testamento é o ato unilateral pelo qual uma pessoa dispõe, para depois
da morte e a título gratuito, do seu património (art. 2179º/1). O testamento é sempre revogável até
ao momento da morte.
4. Contratual – apenas é possível fazer um contrato sucessório na convenção antenupcial.

Existe também a sucessão voluntária, que é determinada pelo autor da sucessão. Pode assumir a forma de
testamento ou uma forma contratual.

Outra classificação significativa no quadro do Direito das Sucessões é a classificação quanto ao objeto, a de
espécies de sucessores, consagrada no art. 2030º:

» Herdeiros (art. 2030º/2) – o que sucede na totalidade ou numa quota do património do de cuius;
» Legatários (art. 2030º/2) – o que sucede em bens ou valores determinados ou determináveis à data
da morte.

A relevância principal da distinção traduz-se na responsabilidade pelos encargos da herança, que, em


princípio, incumbe aos herdeiros e apenas a estes. Efetivamente, o herdeiro sucede na totalidade ou numa
quota do património, o que abrange ativo e passivo, enquanto o legatário sucede em ativo determinado.

Nos títulos da sucessão legítima e da sucessão legitimária, o legislador alude somente a herdeiros (arts. 2132º
e 2157º). Todavia, pode haver legatários legais.

No campo das situações jurídicas patrimoniais que não se extinguem por morte do seu titular, há que
distinguir:

a) Situações jurídicas patrimoniais sujeitas ao regime comum do Direito das Sucessões – a maioria.
b) Situações jurídicas patrimoniais sujeitas a um regime especial – dão lugar às chamadas sucessões
anómalas, de que são exemplo a transmissão por morte do direito ao arrendamento para habitação,
a transmissão da indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes do seu
falecimento, etc.

→ A individualidade da situação jurídica paradigmática do Direito das Sucessões

A situação jurídica sucessória paradigmática é o direito de suceder, ius sucedendi ou ius delationis, que
consiste num direito de aceitar a herança ou o legado em que por lei ou testamento o respetivo titular tenha
sido designado.

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O direito de suceder é um direito subjetivo potestativo, que se extingue com a aceitação ou com o repúdio da
sucessão. As regras aplicáveis a esta figuram constam dos arts. 2050º a 2067º. O exercício do direito de
suceder não pode ser feito sob condição ou a termo, não é anulável com fundamento em erro-vício e é
irrevogável.

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A Estática Sucessória

❖ Conceito de Designação Sucessória

A designação sucessória consiste na operação feita em vida do de cuius mediante a qual se indicam as pessoas
que podem vir a suceder-lhe, por morte dele.

As pessoas designadas são os sucessíveis. Sucessível é o beneficiário de um facto designativo que ainda não
foi chamado à sucessão ou que, já tendo sido chamado, ainda não a aceitou. Sucessor é a pessoa que foi
chamado à sucessão e que a aceitou.

Ocorrendo antes da abertura da sucessão, a designação corresponde a uma fase pré-sucessória.

❖ Modalidades de Designação Sucessória

A generalidade da doutrina classifica as modalidades de designação sucessória segundo um único critério: o


critério das fontes ou dos factos designativos. Deste modo, haveria uma designação legitimária, legítima,
contratual e testamentária.

Contudo, na opinião de JDP, a operação de designação sucessória não se traduz na atribuição de uma vaga
qualidade de sucessível a uma determinada pessoa. A pessoa é designada para suceder como herdeiro ou
como legatário. Em vida do autor da sucessão, é indicada também a qualidade que virá a caber ao sucessível
no momento do chamamento. Por conseguinte, este autor propõe um segundo critério de classificação das
modalidades de designação sucessória: o critério do objeto.

❖ A designação sucessória em razão do objeto: a designação como herdeiro ou como legatário

O critério legal de distinção entre herdeiro e legatário vem estabelecido no art. 2030º.

Nos termos do art. 2030º/2, diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do
falecido. A quota é uma fração abstrata, representativa de uma relação numérica com o todo hereditário.

O mesmo artigo confere a qualidade de legatário àquele que sucede em bens ou valores determinados. Assim,
é legatário o que sucede em bens especificados ou designados corretamente. Por exemplo, a pessoa a quem
for deixado por testamento um imóvel x. E são igualmente legados as deixas de herança ou de quota de
herança não partilhadas à qual foi chamado o testador, bem como a deixa da meação nos bens comuns.

Numa posição defendida por JDP, é legatário aquele a quem o autor da sucessão deixou bens determinados,
mesmo que se apure que o de cuius não tinha outros bens na altura da sua morte. Embora suceda na
totalidade do património, o beneficiário da deixa não é herdeiro, uma vez que a aquisição da totalidade é
meramente acidental. A qualidade de herdeiro pressupõe uma conexão da atribuição mortis causa com todo
o património, no momento da designação. Se, por exemplo, a designação tem por fonte um facto negocial, a
instituição de herdeiro tem subjacente a intenção de atribuir por morte ao sucessível todos os bens que o de
cuius tiver no momento da abertura da sucessão, coincidentes ou não com os que pertenciam ao de cuius na
altura em que foi feita a liberalidade ou, pelo menos, uma quota do património. Ou seja, B será herdeiro se o
autor da sucessão fizer testamento deixando-lhe o seu património ou todo o seu património ou designando-
o como herdeiro universal. Mas já não será herdeiro se o de cuius se tiver limitado a deixar-lhe os bens n, x e
z, independentemente de esses bens constituírem ou não a totalidade do património hereditário.

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Noutra posição, o legatário passará, nestes casos, a ser herdeiro. Esta posição é justificada pelo facto de,
nomeadamente, sendo o único bem da herança, quem o recebe será o herdeiro universal que tem, por
exemplo, de suportar os encargos da herança, justificando-se, por isso, que passe a ser tratado por herdeiro.

É concebível um legado sem especificação, como o comprova a previsão legal do legado de coisa genérica
(art. 2253º). O legado pode ter por objeto bens meramente determináveis, importa é que esses bens sejam
determináveis no momento da abertura da sucessão. Por exemplo, se A deixa a B, por testamento, os seus
imóveis, estamos perante um legado. Na altura em que A morre, sabe-se quais são os bens que cabem a B:
basta ver que imóveis pertenciam ao de cuius à data da abertura da sucessão. Serão esses os bens que B
poderá vir a adquirir.

Nos termos do art. 2030º/3, é herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo
especificação destes.

O art. 2030º/4 prevê que o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património, é
havido como legatário. Embora o usufrutuário seja imperativamente qualificado como um legatário, o
estatuto do usufrutuário da totalidade ou de quota da herança é próximo do estatuto típico do herdeiro.
Nomeadamente, o usufrutuário de uma quota tem, tal como o herdeiro de uma quota e tem o direito de exigir
a partilha da herança.

O art. 2030º/5 estabelece que a qualificação dada pelo testador aos seus sucessíveis não lhes confere o título
de herdeiro ou legatário em contravenção do disposto nos nºs anteriores:

O usufrutuário é legatário, mesmo que o testador o qualifique como herdeiro, e o beneficiário de uma deixa
do remanescente da herança, sem especificação, é herdeiro, ainda que o testador o denomine como legatário.
E é sempre herdeiro aquele que foi designado para suceder na totalidade ou numa quota da herança.

No entanto, não é de excluir a verificação da figura conhecida por herança ex re certa: alguém que sucede em
bens determinados pode ser tido como herdeiro em duas situações:

1. Deixas categoriais dicotómicas que esgotam a totalidade da herança – ex: quando o autor da
sucessão deixa os bens imóveis a B e os bens móveis a C. B e C serão herdeiros. Aqui, o de cuius está
automaticamente a repartir a herança em duas quotas apuradas por referência a uma categoria
abstrata de bens. Para mais, cada deixa funciona como deixa do remanescente em relação à outra,
sem ter havido especificação (art. 2030º/3).
2. Legado por conta da quota – a um sucessível são atribuídos bens determinados em preenchimento
de uma quota que também lhe cabe ou de uma quota que lhe é atribuída pelo autor da sucessão. O
art. 2163º in fine permite a admissibilidade desta figura: o testador pode designar os bens que devam
preencher a legítima de determinado sucessível, desde que com a vontade deste (art. 2163º, in fine,
a contrario). Ex: o legado por conta da legítima, recortado a partir do art. 2163º in fine. Em testamento,
o autor da sucessão pode deixar ao seu filho um bem x destinado a preencher a quota que lhe assiste
a título de sucessível legitimário.

- Se o valor dos bens determinados ficar aquém do valor da sua quota, o sucessível que aceitar o legado por
conta da legítima tem o direito de exigir a diferença;

- Se, por acaso, o valor dos bens determinados exceder o valor da quota, o legatário por conta será herdeiro
até ao limite do valor da quota e legatário quanto ao valor dos bens em excesso.

Quando temos casos em que se verificam aspetos do estatuto de herdeiro e do estatuto de legatário, deve
escolher-se o regime mais denso, que é o de herdeiro, daí que se diga que, nestes casos, o sucessível é
herdeiro. Esta é a posição que assume ML, JDP e Pamplona Corte Real.

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Galvão Telles considera que o legatário por conta da quota é um herdeiro-legatário, já que sucede
simultaneamente numa quota e em bens determinados.

→ Os estatutos-tipo de herdeiro e legatário

 No estatuto-tipo de herdeiro cabem, por exemplo, o direito de exigir partilha e a responsabilidade


pelos encargos da herança. O art. 2101º/1 confere a qualquer co-herdeiro o direito de exigir partilha
quando lhe aprouver.

Já tendo sido designados dois legatários para sucederem num mesmo objeto, eles não podem recorrer à
partilha para porem termo à indivisão. O instituto adequado será o da divisão da coisa comum.

Contudo, os estatutos de herdeiro e legatário não são rígidos. Nem todos os herdeiros beneficiam do direito
de exigir partilha e nem todos os legatários estão impedidos de exigi-la.

- Não beneficiam do direito de exigir partilha o herdeiro universal, o herdeiro remanescente, quando o resto
do património hereditário tiver sido distribuído por legados, nem aquele que foi designado para suceder
numa herança ex re certa.

- Em contrapartida, pode requerer partilha o legatário que foi contemplado com o usufruto de uma quota da
herança.

 O elemento de regime tido como mais importante na contraposição entre herdeiro e legatário é o da
responsabilidade externa pelos encargos da herança. Em regra, tal responsabilidade incumbe ao
herdeiro, como decorre dos arts. 2068º, 2071º, 2097º e 2098º/1.

Essa responsabilidade inclui, como dispõe o art. 2068º, o cumprimento dos legados, aspeto que é confirmado
pelo art. 2265º/1.

Todavia, há uma hipótese excecional de responsabilidade dos legatários pelos encargos da herança: quando
a herança é totalmente repartida em legados (art. 2277º). Na falta de herdeiros, alguém tem de satisfazer os
encargos e esse alguém é um legatário.

Mas esta é a única exceção: não configuram casos de responsabilidade dos legatários pelos encargos da
herança:

1. A situação de herança suficiente para pagamento dos legados, quando haja passivo (art. 2278º) –
neste caso, o herdeiro paga as dívidas e depois reparte o que restar do ativo entre os legatários, na
proporção do valor dos bens que o autor da sucessão lhes pretendia deixar.
2. O legado onerado com o encargo de pagamento do passivo (art. 2276º) – a disposição é válida mas
produz efeitos exclusivamente no plano das relações internas, isto é, entre os sucessores. Os herdeiros
responderão diretamente perante os credores da herança, embora com direito de regresso sobre o
legatário onerado.
3. O legado de usufruto da totalidade ou de uma quota da herança (art. 2072º) – obriga apenas o
legatário a entregar aos herdeiros os meios necessários para que estes procedam ao cumprimento
dos referidos encargos. A responsabilidade externa incumbe mais uma vez aos herdeiros.

O herdeiro, sucedendo no ativo e no passivo, é uma espécie de liquidatário da herança. O legatário,


sucedendo em bens, em ativo, é uma espécie de credor de segunda linha da herança, cujo crédito é graduado
atrás do direito dos credores da herança em sentido próprio, os chamados credores externos da herança (art.
2070º/1).

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 O acrescer constitui, em regra, um direito que assiste unicamente aos herdeiros (arts. 2137º/2, 2301º
a 2307º).
 Os herdeiros são beneficiários exclusivos da transmissão do direito de suceder (art. 2058º).
 É possível sujeitar a termo inicial a nomeação de legatário, mas não a instituição de herdeiro (art.
2243º).
 Somente os herdeiros têm direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do quinhão
hereditário (art. 2130º/1); e apenas eles podem requerer providências preventivas ou atenuantes da
ofensa à memória do familiar falecido (arts. 71º/2, 73º, 75º/2, 76º/2 e 79º/2).
 O princípio da indivisibilidade da vocação aplica-se aos herdeiros e não aos legatários (arts. 2054º/2,
2055º, 2064º/2 e 2250º).
 Só os herdeiros estão sujeitos a sanções por sonegação de bens da herança (art. 2096º). E, havendo
inoficiosidade, normalmente, as liberalidades testamentárias que lhes foram feitas são reduzidas
antes das deixas testamentárias a título de legado (art. 2171º).

Na perspetiva de Oliveira Ascensão, a distinção herdeiro-legatário deve marcar-se do seguinte modo:


“herdeiro é um sucessor pessoal do de cuius, enquanto que o legatário é um mero beneficiário duma
atribuição patrimonial”.

O entendimento que se expõe da distinção entre herdeiro e legatário leva à conclusão de que a referência ao
art. 1255º aos sucessores tem em vista unicamente os herdeiros. Por conseguinte, é coerente a afirmação de
que qualquer herdeiro recebe a posse sobre a herança automaticamente, no momento da abertura da
sucessão, por via do de cuius, enquanto o legatário adquire, normalmente, a posse em momento posterior,
quando ela lhe for transmitida pelo herdeiro.

JDP não concorda com esta tese, afirmando que, à luz do art. 2030º, além de se usar o termo “sucessores”
tanto para os herdeiros como para os legatários, a disposição legal faz depender a posição de herdeiro do
objeto da designação de uma dada configuração da atribuição patrimonial, e não de uma qualidade pessoal
do sucessível. O herdeiro e o legatário são ambos adquirentes patrimoniais mortis causa. Mais, o art.
2050º/1, ao estabelecer que “o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação”, não apoia
a tese da aquisição automática da posse pelo herdeiro.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

A Designação Sucessória em Razão da Fonte

Os factos designativos são circunstâncias que atribuem a alguém a qualidade de sucessível. Estes podem ser:

a) Negociais – são o testamento e o pacto sucessório, que estão na base da sucessão testamentária e da
sucessão contratual.
b) Não negociais – são as relações jurídicas familiares, as relações parafamiliares de união de facto e
convivência em economia comum e o vínculo de cidadania. Estão na base da sucessão legitimária e
da sucessão legítima.

Nas modalidades de sucessão legal comum, são factos designativos a união conjugal, o parentesco, a adoção
e o vínculo de cidadania. A afinidade, a união de facto e a convivência em economia comum operam
unicamente no campo das sucessões legais anómalas.

O Prof. JDP afirma que a lei alude impropriamente aos factos designativos no art. 2026º, que, subordinado à
epígrafe “Títulos de vocação sucessória”, dispõe que a sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato:

 O testamento e o contrato não são títulos de vocação: aqueles negócios atribuem a qualidade de
sucessível antes da morte do de cuius, enquanto a vocação só se concretiza no momento da abertura
da sucessão.
 A lei não é um facto designativo: há, quando muito, factos designativos não negociais, que têm na
sua origem apenas uma referência legal em vez de uma disposição legal conjugada com uma
manifestação de vontade do de cuius.

☼ As modalidades de sucessão, na perspetiva do facto designativo que está na sua origem:

Os arts. 2026º a 2028º referem-se às modalidades de sucessão segundo o critério do facto designativo.

1. Nas modalidades de sucessão voluntária, como é o caso das sucessões testamentária e contratual,
não há restrições à designação de um sucessível como herdeiro ou como legatário. A qualificação
depende do objeto da deixa e, portanto, da vontade do de cuius (art. 2030º/5).
2. Nas modalidades de sucessão legal, o interessado é, em regra, designado para suceder como
herdeiro. Nos casos excecionais de sucessão legal anómala, o interessado é designado para suceder
para legatário.

- Na sucessão legal comum, o sucessível é designado para suceder na totalidade da herança, ou numa
quota do património hereditário, ou no remanescente da herança, sem especificação (arts. 2131º a
2162º);
- Na sucessão legítima anómala, é objeto de designação um bem determinado;
- Na sucessão legitimária anómala, é também objeto da designação um bem determinado.

NOTA: uma mesma pessoa pode beneficiar de múltiplos factos designativos, que lhe confiram a qualidade de
sucessível em diversas modalidades de sucessão. Por exemplo, A doa por morte a B um bem x, mediante
convenção antenupcial; A e B casam um com o outro três meses depois; na constância do matrimónio, A faz
testamento, em que deixa a B um quarto da sua herança. B é sucessível contratual, testamentário, legítimo e
legitimário de A.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

☼ Hierarquia das modalidades de sucessão, segundo o critério do facto designativo:

1. Sucessão ou designação legitimária, que prevalece sobre qualquer outra, ou seja, tem caráter
injuntivo. Nos termos do art. 2027º, a sucessão legitimária não pode ser afastada pela vontade do
autor da sucessão;
2. Sucessão ou designação contratual;
3. Sucessão ou designação testamentária;

A ordem relativa das sucessões contratual e testamentária reflete-se no regime da revogação: sendo o
conteúdo patrimonial do testamento livremente revogável pelo de cuius (arts. 2179º/1 e 2311º e ss.), a
participação do mesmo num pacto sucessório incompatível com testamento anterior prejudica a eficácia deste
negócio unilateral.

O pacto sucessório pode, portanto, revogar o testamento do disponente, mas em princípio não é afetado por
um testamento do autor da sucessão: em regra, o pacto sucessório não é unilateralmente revogável (arts.
1701º/1, 1705º/1, 1755º/2 e 1758º).

Há, porém, uma hipótese em que o valor hierárquico de um pacto sucessório é idêntico ao de uma disposição
testamentária: a do pacto sucessório a favor de terceiro, em que o disponente tenha reservado para si a
faculdade de livre revogação (art. 1705º/2).

4. Sucessão ou designação legítima, que cede perante qualquer outra modalidade de sucessão por ter
caráter supletivo. Nos termos do art. 2027º, a sucessão legítima é aquela espécie de sucessão que
pode ser afastada pela vontade do autor da sucessão.

 A SUCESSÃO LEGÍTIMA

A sucessão legítima, ou ab intestato, é uma modalidade de sucessão legal, supletiva, que se verifica quando o
falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, do património de que podia dispor para
depois da morte (art. 2131º).

Assim, pode dizer-se que a sucessão legítima depende, quanto à existência e quanto ao âmbito, da sucessão
testamentária. No entanto, tal dependência não é exclusiva, uma vez que há outras modalidades de sucessão.
A ausência de testamento ou de disposições testamentárias que abarquem a totalidade da herança do de
cuius não implica necessariamente uma abertura de sucessão legítima. Na falta de testamento, pode a parte
do património do falecido que estava disponível para disposições mortis causa ter sido validamente deferida
por via contratual.

O espaço da sucessão legítima corresponde àquele que não tiver sido efetivamente ocupado pela sucessão
legitimária e pela sucessão voluntária. Ou seja, refere-se ao património de que o falecido podia dispor para
depois da morte e não dispôs.

o Se, por exemplo, um de cuius morrer sem deixar cônjuge e parentes na linha reta (sucessíveis
legitimários, nos termos do art. 2157º) e sem que haja feito testamento ou pacto sucessório, o destino
de todo o seu património existente à data da morte será determinado pelas regras da sucessão
legítima.
o Mas se o de cuius tiver feito testamento em que deixou metade da sua herança a um amigo, a sucessão
legítima abarcará apenas a outra metade.
o E se ao de cuius, agora intestado, sobreviver um filho, metade da herança, calculada nos termos do
art. 2162º, será atribuída por via legitimária (justamente ao referido sucessível, por força do art.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

2159º/2), pelo que só o restante património hereditário será abrangido pela sucessão legítima (de que
será beneficiário novamente o filho).

Note-se, contudo, que a exclusão ou limitação do âmbito da sucessão legítima pressupõe a eficácia de outras
modalidades de sucessão. Se, retomando os exemplos anteriores, acontecer que o filho, único sucessível
legitimário, repudie a herança do pai (art. 2062º) ou se o de cuius era incapaz de testar (nomeadamente, arts.
2189º/b) e 2190º), ocorrerá sucessão legítima.

Ou seja, a deteção de sucessíveis legitimários no momento da morte não implica necessariamente uma
limitação do âmbito da sucessão legítima: tal limitação exige que, pelo menos, um sucessível legitimário possa
e queira aceitar.

» Regime

O regime legal nominado da sucessão legítima está previsto nos arts. 2131º a 2155º.

Como refere o art. 2131º, o sucessível legítimo comum é designado para suceder como herdeiro:

(i) Se o falecido não tiver disposto, por morte, válida e eficazmente de parte dos bens de que podia
dispor, a totalidade (não legitimária, subentenda-se) do património será deferida por via da
sucessão legítima. Se houver somente um sucessível legítimo comum (prioritário), ele é
designado para suceder na totalidade do património do de cuius e, por conseguinte, assume a
qualidade de herdeiro, nos termos do art. 2030º/2. Sendo vários os sucessíveis legítimos, cada
um deles é designado para suceder numa quota do património do falecido, pelo que todos são
herdeiros, à luz do mesmo art. 2030º/2.
(ii) Se o falecido tiver disposto, por morte, válida e eficazmente de parte dos seus bens, o
remanescente, que não é especificado, será deferido por via da sucessão legítima. Se houver
somente um sucessível legítimo comum (prioritário), ele é designado para suceder na totalidade
do remanescente do património do de cuius, sendo havido como herdeiro, por força do art.
2030º/3. Sendo vários os sucessíveis legítimos, cada um deles é designado para suceder numa
quota do remanescente do património do falecido e todos serão herdeiros, segundo o art.
2030º/2 e 3.

Os arts. 2144º e 2152º constituem exemplos de situações em que a um beneficiário da sucessão legítima cabe
a totalidade do património (na ausência de disposições mortis causa válidas e eficazes) ou a totalidade do
remanescente, sem especificação (quando o de cuius tenha feito disposições mortis causa válidas e eficazes).

Os arts. 2139º e 2142º/1 e 3 ilustram situações em que a um beneficiário da sucessão legítima cabe uma
quota do património hereditário (na falta de disposições mortis causa válidas e eficazes) ou uma quota do
remanescente, sem especificação (havendo disposições mortis causa válidas e eficazes.

O modo de cálculo da herança varia de modalidade para modalidade de sucessão. Na sucessão legítima, há
que distinguir consoante esta coexista ou não com a sucessão legitimária:

a) Se for aberta a sucessão legitimária, o valor total da herança legítima é igual ao valor da quota
disponível menos o valor das liberalidades mortis causa válidas e eficazes. O valor das liberalidades
mortis causa, contratuais ou testamentárias, válidas e eficazes tem de ser abatido na sequência lógica
do art. 2131º.
b) Se não houver sucessão legitimária, ao valor do relictum (R) é abatido o valor do passivo (P) e o valor
das liberalidades mortis causa.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

» Categorias e classes de sucessíveis legítimos comuns

Do art. 2132º, conjugado com o art. 2133º/1, resulta que são sucessíveis designados como herdeiros legítimos:

1. Cônjuge;
2. Parentes na linha reta;
3. Descendentes de irmão do de cuius, independentemente do grau de parentesco na linha colateral;
4. Parentes na linha colateral até ao 4º grau;
5. Estado.

O art. 2133º/1 proémio ressalva o disposto no título da adoção: aplica-se o art. 1986º/1 1ª parte, pelo que
também são sucessíveis designados como herdeiros legítimos, relativamente ao adotante e aos parentes
deste (com exceção dos parentes do adotante na linha colateral além do 3º grau que não sejam descendentes
de irmão do adotante), o adotado e seus descendentes; e são sucessíveis designados como herdeiros
legítimos, agora relativamente ao adotado e seus descendentes, o adotante e os parentes deste (com
exceção dos parentes do adotante na linha colateral além do 3º grau que não sejam descendentes de irmão
do adotante).

Dada a equiparação entre a adoção e a filiação biológica, consagrada pelo art. 1986º/1 1ª parte, deve então
entender-se que relativamente ao adotante, as expressões “filho” e “descendentes” também abarcam,
respetivamente, aquele que foi adotado pelo de cuius, o adotado e seus descendentes. Relativamente ao
adotado, as expressões “pai”, “ascendentes”, “irmãos”, “colaterais”, abrangem, respetivamente, aquele que
adotou o de cuius, aquele que adotou e seus ascendentes, os filhos daquele que adotou (bem como outras
pessoas que por ele tenham sido adotadas), os colaterais daquele que adotou.

Não há sucessão legítima entre o adotado e os membros da sua família biológica (que não sejam
descendentes do adotado), a não ser que o adotado seja filho do cônjuge do adotante: a adoção extingue as
relações familiares entre o adotado e os seus ascendentes e colaterais biológicos (art. 1986º/1 2ª parte),
quando não se verifique a mencionada exceção de adoção do filho do cônjuge (art. 1986º/2).

A semelhança existente entre a adoção e a filiação por PMA heteróloga justifica uma aplicação analógica das
regras sucessórias sobre adoção à última modalidade de filiação: por exemplo, a pessoa nascida graças a PMA
heteróloga, ou os seus descendentes, e o dador ou parentes do dador não são sucessíveis legítimos uns dos
outros.

Nos termos do art. 2133º/1, que ressalva o disposto no título da adoção, as classes de sucessíveis legítimos
são, por ordem de preferência, as seguintes:

a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Outros colaterais até ao 4º grau;
e) Estado.

» Regras gerais da sucessão legítima

A sucessão legítima está submetida a três regras gerais:

1. Preferência de classes- determina que os sucessíveis de uma classe preferem aos sucessíveis das
classes subsequentes, pelo que só aqueles serão chamados à sucessão. Esta regra encontra-se
consagrada nos arts. 2133º/1 e 2134º. Ao apresentar classes ou grupos de sucessíveis, o art. 2133º/1
estabelece que a ordem de apresentação das classes coincide com a ordem de chamamento. O art.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

2134º prevê que “os herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das classes
imediatas”.

A disciplina do art. 2137º enquadra-se na lógica da regra de preferência de classes: os sucessíveis de uma
classe só são chamados a suceder se nenhum dos sucessíveis da classe precedente quiser ou puder aceitar a
herança. Por exemplo, se ao autor da sucessão sobrevivem dois descendentes (filhos) e dois ascendentes (pai
e mãe), são chamados originariamente à herança legítima os descendentes e só estes. Se um dos
descendentes repudiar a herança, a parte deste acresce à do outro descendente (art. 2137º/2). Apenas se
ambos os descendentes repudiarem é que se verifica o chamamento dos sucessíveis subsequentes (art.
2137º/1), ou seja, dos ascendentes, que formam a classe imediata.

2. Preferência de graus de parentesco- estabelece que, dentro de cada classe, os parentes de grau mais
próximo preferem aos de grau mais afastado (art. 2135º). Por exemplo, se ao autor da sucessão
sobrevivem dois filhos e um neto, que é filho de um deles, os filhos são sucessíveis legítimos (e
legitimários) prioritários.

Esta regra pode ser posta em causa pelo instituto do direito de representação (art. 2138º). Por exemplo, se
ao autor da sucessão sobrevivem dois filhos e um neto, filho de um terceiro filho que morreu antes do de
cuius, os dois filhos e, por direito de representação relativamente ao pai pré-falecido (art. 2140º), o
mencionado neto são sucessíveis legítimos (e legitimários) prioritários.

A regra da preferência de graus de parentesco aplica-se, com as devidas adaptações, aos vínculos análogos ao
parentesco, adoção e filiação por PMA heteróloga.

3. Divisão por cabeça- determina que os sucessíveis legítimos prioritários sucedem em partes iguais e
aplica-se, normalmente, entre parentes de cada classe (art. 2136º) e na situação de concurso de
cônjuge com descendentes (art. 2139º/1 1ª parte). A regra vale ainda, em princípio, para a adoção e
para a filiação por PMA heteróloga.

A lei prevê exceções à regra da divisão por cabeça:

 Concurso de cônjuge com descendentes (art. 2139º/1 2ª parte);


 Concurso do cônjuge com ascendentes (art. 2142º/1);
 Sucessão de irmãos (art. 2146º);
 Direito de representação (art. 2138º)- no direito de representação, a divisão faz-se por estirpe (art.
2044º), cabendo ao conjunto dos descendentes de um sucessível que não pôde ou não quis aceitar a
herança aquilo em que este sucederia. Por conseguinte, ao tomar a estirpe como unidade de
referência, o funcionamento do direito de representação pode afastar a regra da sucessão em partes
iguais, que tem em vista cada sucessível individualmente.

- Por exemplo, ao autor da sucessão (A) sobrevivem dois filhos (B e C) e dois netos (E e F), filhos de um terceiro
filho (D), que morreu antes do de cuius. A cada um dos filhos cabe 1⁄3 da herança atribuída por via da sucessão
legítima, e aos dois netos do de cuius (que integram a estirpe de D) cabe, no total, aquilo em que sucederia o
pai deles se fosse vivo, ou seja 1⁄3 (arts. 2139º, 2140º, 2042º, 2039º, 2044º). A cada um dos netos cabe 1⁄6.
Entre os filhos do de cuius, incluindo o pré-falecido, e entre os netos, vigora a regra da divisão por cabeça.
Todavia, o mesmo não sucede na relação dos filhos sobrevivos com os netos, em que a cada um daqueles cabe
1⁄ e a cada um destes 1⁄ .
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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

» Regime da sucessão legítima por classe de sucessíveis

a) Cônjuge e descendentes:

O cônjuge sobrevivo não é chamado à sucessão legítima se à data da morte do de cuius se encontrar divorciado
ou separado de pessoas e bens, por sentença ou decisão do conservador do registo civil que já tenha
transitado ou venha a ser proferida posteriormente àquela data, nos termos do art. 1785º/3 (art. 2133º/3).

Tão-pouco será chamado à sucessão legítima, enquanto cônjuge, aquele que tiver contraído um casamento
inexistente (art. 1630º) ou um casamento que foi declarado nulo ou anulado, mesmo que a sentença de
invalidação transite em julgado após a morte do de cuius, a não ser que o chamamento seja salvaguardado
pelo instituto do casamento putativo.

Há ainda outros casos de extinção do vínculo matrimonial, que privam o (ex) cônjuge de direitos sucessórios
legais:

(i) Celebração de novo casamento, após a declaração de morte presumida de um cônjuge que afinal
faleceu em data posterior à das novas núpcias;
(ii) Dispensa do casamento rato e não consumado, concedida antes do óbito do autor da sucessão.

Em contrapartida, a simples separação judicial de bens e o regime de separação de bens, convencional ou


imperativo, não obstam a que um cônjuge possa ser sucessor legítimo do outro.

Paralelamente, a condição sucessória de descendente depende da constituição legal (e do registo) do vínculo


familiar. O vínculo de adoção tem de se encontrar constituído por sentença transitada em julgado antes da
morte do adotante. No entanto, o reconhecimento judicial da paternidade posterior à morte do investigando
assegura, normalmente, os direitos sucessórios legais do filho (art. 1797º/2).

Há, porém, casos em que não é certo que o vínculo da filiação, regularmente constituído e registado, atribua
ao filho a posição de sucessível legal. Um deles ocorre quando a ação de investigação da paternidade ou
maternidade é intentada contra o de cuius fora dos prazos fixados no art. 1817º. O outro caso é o do filho
nascido graças a uma técnica da PMA aplicada após a morte do pai.

→ Havendo concurso do cônjuge com descendentes do 1º grau, a divisão da legítima faz-se por cabeça,
repartindo-se a herança legítima em tantas porções quantos forem os herdeiros (art. 2139º/1 1ª
parte), salvo se o cônjuge concorrer com mais de três filhos:

Nesse caso, verifica-se uma exceção à regra geral da sucessão por cabeça: a quota daquele será igual a uma
quarta parte da herança legítima (art. 2139º/1 2ª parte) e os três quartos restantes serão divididos pelos
filhos em parcelas iguais.

Se o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo (art. 2139º/2) ou se o cônjuge sobrevivo estiver separado
de pessoas e bens (art. 2133º/3), a herança legítima divide-se pelos filhos em partes iguais (ou caberá por
inteiro ao filho único).

A porção que cabe aos filhos é sempre igual entre eles, ainda que não se esteja perante idêntica modalidade
de filiação (biológica, por adoção ou por PMA heteróloga) ou uns tenham nascido dentro e outros fora do
casamento.

b) Cônjuge e ascendentes:

A sucessão da segunda classe ocorre se não houver descendentes (art. 2142º/1 1ª parte). O cônjuge não será
chamado se se verificar alguma das situações que impediam o seu chamamento na primeira classe.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

A sucessão legítima dos ascendentes pressupõe que o vínculo de parentesco no 1º grau da linha reta com o
de cuius tenha sido legalmente constituído e registado, e que não tenha sido eliminado retroativamente,
valendo aqui, com as devidas adaptações, as observações respeitantes à relevância sucessória da constituição
e extinção do vínculo de filiação.

Por força do art. 1856º, a perfilhação posterior à morte do filho não confere a qualidade de sucessível legal
do filho ao perfilhante e aos ascendentes do perfilhante.

No caso de sucessão conjunta do cônjuge e ascendentes, ao cônjuge pertencerão 2⁄3 e aos ascendentes 1⁄3
da herança legítima (art. 2142º/1), o que representa outra exceção à regra geral da divisão por cabeça.

Entre ascendentes vigoram plenamente as regras de preferência de graus de parentesco e da sucessão por
cabeça (art. 2142º/3).

O art. 2144º estabelece que, na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge é chamado à totalidade da
herança legítima.

c) Irmãos e seus descendentes:

Na falta de cônjuge e parentes na linha reta, são chamados à sucessão legítima os irmãos e,
representativamente, os filhos destes (art. 2133º/1 proémio e 2145º).

Se à sucessão concorrem vários irmãos, a divisão da herança faz-se por cabeça (art. 2136º), exceto se uns
forem irmãos bilaterais e outros irmãos unilaterais do de cuius:

 Concorrendo à sucessão irmãos germanos e irmãos consanguíneos ou uterinos, o quinhão de cada


um dos irmãos germanos ou dos filhos que os representem é igual ao dobro do quinhão de cada um
dos outros (art. 2146º). Mas o quinhão é idêntico entre irmãos bilaterais ou entre irmãos unilaterais
(art. 2136º).

Na falta de cônjuge, parentes na linha reta, irmãos e sobrinhos do de cuius, são chamados à sucessão legítima
os descendentes dos irmãos que sejam colaterais do de cuius acima do 3º grau, em representação dos irmãos
e descendentes de irmãos do falecido e, portanto, sem limite máximo de grau (art. 2133º/1 proémio e 2045º).
Esta classe compreende, por exemplo, os sobrinhos-netos ou sobrinhos-bisnetos.

d) Outros colaterais até ao 4º grau:

Na falta de cônjuge, parentes na linha reta, irmãos e seus descendentes do de cuius, são chamados à sucessão
legítima os parentes na linha colateral até ao 4º grau que não sejam irmãos ou descendentes de irmãos do
falecido. Isto é, tios, tios-avós e primos direitos ou em primeiro grau.

Nesta classe, vigora o princípio da preferência de grau de parentesco (art. 2147º), ou seja, os tios precedem
os tios-avós e primos direitos. Por exemplo, F é o autor da sucessão, a quem sobreviveram B (tio-avô), parente
no 2º grau da linha colateral, E (tio), parente no 3º grau da linha colateral, e G (primo direito), parente no 4º
grau da linha colateral. O tio E irá suceder na totalidade da herança legítima de F.

Também vigora plenamente o princípio da divisão por cabeça (art. 2148º), o que tem duas repercussões: na
hipótese de concurso entre tio-avô e primo direito, o quinhão será idêntico; havendo concurso entre
colaterais que não sejam irmãos ou descendentes de irmãos do falecido, o quinhão será idêntico, ainda que
um deles seja duplamente parente do de cuius.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

e) Estado:

Na falta de cônjuge, parentes na linha reta, adotado restritamente e seus descendentes, colaterais até ao 4º
grau, ou outros colaterais que sejam descendentes de irmãos do de cuius e pessoa que adotou restritamente
o falecido, é chamado à herança legítima o Estado (art. 2133º/1 proémio e 2152º).

O Estado é um herdeiro legítimo especial: sucede após declaração de herança vaga, que implica o
reconhecimento judicial da inexistência de outros sucessíveis legítimos designados como herdeiros (art.
2155º) e não precisa de aceitar nem pode repudiar (art. 2154º).

A impossibilidade de o Estado repudiar garante que haja sempre um titular para as situações jurídicas
patrimoniais do de cuius que não se extinguiriam com a sua morte. Trata-se de um fenómeno único de
sucessão legítima forçada mediante o qual o Estado sucede como herdeiro.

A declaração de herança vaga, que precede a aquisição sucessória do Estado enquanto sucessível legítimo é
objeto de um processo especial, do qual se descreve os passos regulados pelos arts. 938º e 939º/1 CPC.

1. Aberta a sucessão e encontrando-se a herança por aceitar (herança jacente), por não serem
conhecidos sucessíveis, por o MP pretender contestar a qualidade dos que se apresentarem, ou por
os sucessíveis conhecidos haverem repudiado a herança, tomar-se-ão as providências necessárias
para assegurar a conservação dos bens.
2. Em seguida procede-se à citação edital, para que quaisquer interessados incertos possam deduzir a
sua habilitação como sucessores dentro de 30 dias depois de findar o prazo dos éditos.
3. Se for deduzida habilitação, pode a mesma ser contestada não só pelo MP mas também pelos outros
habilitandos nos 15 dias seguintes ao prazo marcado para o oferecimento dos artigos de habilitação.
4. À contestação seguem-se os termos do processo comum ordinário ou sumário, conforme o valor.
5. Se ninguém aparecer-se a habilitar-se como sucessor ou se decaírem todos os que se apresentem
como sucessores, a herança é declarada vaga para o Estado, após o que se procede à liquidação da
herança.

» A situação jurídica dos sucessíveis legítimos, em vida do de cuius

À qualidade de sucessível designado para suceder como herdeiro legítimo estão associados vários efeitos
favoráveis, já em vida do de cuius:

◊ Ao sucessível legítimo é reconhecida legitimidade para requerer a justificação da ausência do de cuius


e a entrega de bens à luz do regime da curadoria definitiva (arts. 100º e 103º), para requerer a
interdição (art. 141º/1) e para intentar ações de nulidade e de anulabilidade do testamento antes da
morte do testador (art. 2308º/1 e 2).

Apesar disso, o sucessível legítimo nada mais é do que o titular de um interesse reflexamente protegido. Em
vida do de cuius, ele não beneficia nem de um direito de suceder nem de uma expectativa jurídica. A
justificação da ausência, a interdição e as ações de nulidade e anulabilidade do testamento visam em primeira
linha a tutela do de cuius e da sua liberdade de testar.

A entrega dos bens aos sucessíveis legítimos, no âmbito da curadoria definitiva, não corresponde à atribuição
de um verdadeiro direito de suceder por via legítima. Os sucessíveis legítimos são tidos como curadores
definitivos (art. 105º), pelo que representam o ausente quanto aos bens que lhes foram entregues, e esses
bens têm de ser restituídos logo que o ausente os requeira (art. 113º/1).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Note-se que a eficácia do direito de aceitar ou repudiar a sucessão do ausente está sujeita à condição
resolutiva da sobrevivência do ausente (art. 109º/2).

» Sucessão legítima anómala

A sucessão legítima anómala tem por objeto um legado e não uma herança. No seio da sucessão legítima
anómala há que distinguir entre:

o Sucessão transmissiva – ao reconhecer a certas pessoas o direito a adquirir, por morte, uma
indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima (ex: a angústia que acompanha a
presciência da morte), entre o momento da lesão e o momento do falecimento, que foram causados
pelo ato que lhe viria a retirar a vida, o art. 496º/4 consagra um caso de sucessão legítima anómala
transmissiva.

O direito à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima constitui-se na esfera jurídica
desta, na altura em que se produzem os danos, sendo portanto adquirido por via sucessória, e não ex novo
pelas pessoas mencionadas no art. 496º/2 e 3, aplicável por força do art. 496º/4 2ª parte.

A sucessão na indemnização não se funda num facto designativo negocial, mas em relações familiares ou
parafamiliares referidas no art. 496º/2 e 3. Não havendo uma norma que restrinja a liberdade de disposição
por morte do de cuius, a sucessão legal na indemnização apresenta caráter supletivo.

Neste caso, está-se perante um legado: a sucessão respeita a um direito determinado e não à totalidade ou a
uma quota do património. Para além disso, o elenco e a ordem de chamamento não observam as normas
relativas aos herdeiros legítimos (por exemplo, é legatário da indemnização o membro da união de facto, mas
não o adotado restritamente nem o tio; o pai só é chamado a suceder à indemnização na falta de cônjuge ou
membro de união de facto).

Apenas são legatários legítimos da indemnização os sucessíveis referidos no art. 496º/2 e 3.

o Sucessão constitutiva ou económica – constituem exemplos de sucessão legítima anómala


constitutiva as atribuições de direitos reais sobre a casa de morada comum ao convivente em
economia comum, por morte do proprietário do imóvel; e as atribuições preferenciais ao cônjuge
sobrevivo do direito de habitação da casa de morada de família e do direito de uso do respetivo
recheio.

a) O convivente em economia comum protegida beneficia da atribuição de direitos sobre a casa de


morada comum, nos termos do art. 5/1 e 2 LEC. Por morte do proprietário da casa de morada comum,
as pessoas que com ele tenham vivido em economia comum têm direito real de habitação sobre a
mesma, pelo prazo de cinco anos e, no mesmo prazo, direito de preferência de venda.

O convivente não adquire os direitos, porém, se ao falecido sobreviverem parentes na linha reta que com ele
vivessem há mais de um ano e pretendam continuar a habitar a casa, ou se o de cuius tiver feito disposição
testamentária em contrário.

b) O cônjuge sobrevivo beneficia de atribuições preferenciais, ao abrigo dos arts. 2103º A e 2103º B.
c) Por morte do proprietário da casa de morada de família e do respetivo recheio, o cônjuge sobrevivo
tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa e no direito
de uso do recheio.

19
Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Não sendo o de cuius proprietário exclusivo da casa ou do recheio, as atribuições em favor do convivente e do
cônjuge recaem sobre a quota (ou meação) do falecido.

Estes são casos de sucessão legítima anómala constitutiva, uma vez que são situações jurídicas ativas que
derivam de um direito (de propriedade) preexistente no património do de cuius, que não existiam, como tais,
nesse património, sendo constituídas ex novo.

As atribuições em apreço situam-se no âmbito da sucessão legal, por não terem como fundamento factos
designativos negociais, mas vínculos que a lei refere.

→ Regime:

As particularidades da sucessão legítima anómala obrigam a uma ponderação cuidada no respetivo regime.
Os direitos que são objeto de legados legítimos contam para efeitos de cálculo do valor total da herança e não
podem ser adquiridos pelos sucessíveis que tiverem sido declarados indignos ou pelo cônjuge deserdado.

Referindo-se a direitos pessoais, os legados legítimos não admitem representação (art. 2041º/2 c), aplicável
analogicamente). Além disso, introduzem uma exceção ao princípio da indivisibilidade da vocação, por
aplicação analógica do art. 2250º/2: ao sucessível chamado a suceder simultaneamente como herdeiro (legal
e voluntário) e como legatário legítimo, assiste a faculdade de aceitar a herança e repudiar o legado ou de
aceitar o legado e repudiar a herança não sujeita a encargos.

 A SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

O testamento constitui um facto designativo negocial que está na base da sucessão testamentária. O art.
2179º/1 define este como “o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte,
de todos os seus bens ou parte deles”.

JDP defende que a noção legal não é inteiramente rigorosa:

→ O testamento reveste-se de natureza negocial, não se reconduzindo a um mero ato jurídico;


→ O testamento não tem de ser um ato de disposição de bens. O conteúdo patrimonial não é essencial,
como decorre do art. 2179º/2;
→ Como pode incluir perfilhação, o testamento não é necessariamente revogável (art. 1858º, que exclui
a revogabilidade da perfilhação feita em testamento)

Assim, o Prof. Oliveira Ascensão, seguido por JDP, definem testamento como “o negócio jurídico unilateral
pelo qual alguém procede a disposições de última vontade”.

» Carateres do testamento

É o conteúdo patrimonial que liga o testamento à sucessão em sentido técnico e que faz deste um ato
específico.

Trata-se de um:

o Negócio jurídico – constitui um meio que a lei coloca ao dispor do de cuius para que ele possa
regulamentar a sua própria sucessão;
o Mortis causa – as disposições testamentárias só produzem efeitos após a morte do testador;
o Unilateral – tem apenas uma parte, o autor. A exigência de uma declaração de aceitação para que se
produzam os efeitos queridos pelo testador não dá corpo a um contrato;

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

o Não recetício – as disposições relevam antes de terem sido conhecidas ou “recebidas” pelo
beneficiário, uma vez que o sucessível que foi designado por testamento adquire o direito de suceder
logo que se verifique a abertura da sucessão, numa altura em que normalmente não terá
conhecimento do teor das disposições do de cuius;
o Gratuito – encerra uma atribuição patrimonial do autor, sem contrapartida do beneficiário;
o Formal – para ser válido, tem de revestir uma determinada forma prescrita na lei (arts. 2204º e ss);
o Livremente revogável – o art. 2179º/1 inclui a revogabilidade na noção de testamento e o art. 2311º/1
estabelece que o testador não pode renunciar à faculdade de revogar o seu testamento.
o E, em regra, é um negócio singular – o art. 2181º proibe o testamento de mão comum: não podem
testar no mesmo ato duas ou mais pessoas, quer em proveito recíproco, quer em favor de terceiro. O
artigo funda-se na proteção da liberdade de testar (e revogar) contra pressões de terceiros. O art.
946º/2 aceita que releve como disposição testamentária um ato que foi realizado com a intervenção
de duas partes (contrato inválido de doação por morte), “se tiverem sido observadas as formalidades
dos testamentos”. Todavia, a intervenção de várias pessoas no testamento, além do testador, não
colide com o princípio da unipessoalidade se for ditada por razões de ordem formal (ex: a intervenção
do notário ou de testemunhas);
o Pessoal quanto à autoria (art. 2182º) – em princípio, as cláusulas testamentárias têm de ser feitas
pelo próprio autor da sucessão. Em regra, o testamento não pode ser feito por meio de representante
ou núncio nem pode ficar dependente do arbítrio de outrem. Há, porém, exceções ao princípio da
feitura do testamento pelo próprio de cuius, que se referem às disposições testamentárias não
essenciais , à repartição das deixas e à nomeação do legatário, nas condições previstas no art. 2182º/2
e 3, à escolha da coisa legada, nas condições previstas no art. 2183º e às substituições pupilar e quase
pupilar.

» Requisitos de fundo do testamento

◊ Licitude do objeto e do fim

O art. 2186º estabelece que “é nula a disposição testamentária, quando da interpretação do testamento
resulte que foi essencialmente determinada por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos
bons costumes.”

Esta disposição ajusta o disposto no art. 281º (que prevê a nulidade do negócio quando o fim ilícito for comum
a ambas as partes) ao testamento, que é um negócio jurídico unilateral.

→ Constituem exemplos de fins ilícitos do testamento: as deixas de casas para exploração da atividade
de prostituição de terceiros (fim contrário à lei: art. 170º CP), para a prática do adultério (fim ofensivo
dos bens costumes) ou para a organização de atos terroristas (fim contrário à ordem pública: art. 301º
CP).

O objeto do negócio testamentário também deve ser lícito. As disposições testamentárias condicionais e
modais ilícitas têm-se por não escritas (arts. 2230º 2245º).

Na falta de norma especial, aplica-se o art. 280º, por força do qual é nulo o testamento cujo objeto seja física
ou legalmente impossível, contrário à lei, indeterminável, contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons
costumes.

→ Ilustram hipóteses de disposições testamentárias essenciais com objeto ilícito as deixas da lua (objeto
fisicamente impossível), de um bem do domínio público (objeto juridicamente impossível) ou de uma
“coisa qualquer” (objeto indeterminável).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

◊ Capacidade

O termo “capacidade” tem em vista a capacidade para testar, a chamada capacidade testamentária ativa, não
se confundindo com a capacidade para suceder por testamento (capacidade testamentária passiva).

No lado ativo, distinguem-se:

a) Capacidade de gozo – têm capacidade testamentária ativa de gozo todas as pessoas singulares, mas
apenas as pessoas singulares (art. 2188º). As pessoas coletivas não beneficiam da capacidade de gozo
para a titularidade de situações jurídicas que pressuponham a qualidade humana, como sucede com
o direito de testar (art. 160º/2).

b) Capacidade de exercício – têm capacidade testamentária ativa de exercício todas as pessoas


singulares que a lei não declare incapazes de testar (art. 2188º). São incapazes de testar os menores
não emancipados e os interditos por anomalia psíquica (art. 2189º). A capacidade ou incapacidade do
testador determina-se pela data do testamento (art. 2191º).

O testamento feito por incapazes é nulo (art. 2190º). É nula a disposição testamentária feita por menor de 16
ou 17 anos que tenha por objeto bens subtraídos à sua administração em virtude de ter casado sem a
autorização dos representantes legais ou o respetivo suprimento. A incapacidade por menoridade subsiste
quanto àqueles bens (arts. 1604º a), 1649º e 2189º/a)).

A incapacidade testamentária não pode ser suprida por meio de assistência ou representação (art. 2182º/1),
a não ser no âmbito das substituições pupilar e quase pupilar.

A capacidade testamentária ativa de exercício não significa acesso a todas as formas de testamento: o art.
2208º impede os que não sabem ou não podem ler de dispor em testamento cerrado, consagrando uma
espécie de incapacidade de testar específica, a “inabilidade para fazer um testamento cerrado”. O
testamento cerrado feito por quem não saiba ou não possa ler é nulo, por aplicação analógica do art. 2190º.

 As substituições pupilar e quase pupilar:

Estas correspondem às únicas situações de suprimento da incapacidade de testar.

A lei chama substituição pupilar à faculdade que é conferida ao progenitor, que não estiver inibido total ou
parcialmente do poder paternal, de substituir aos filhos (ditos substituídos) os herdeiros ou legatários (“os
substitutos”) que bem lhe aprouver, para o caso de os mesmos filhos falecerem sendo menores (art. 2297º/1).

→ O art. 297º/2 prevê a caducidade da substituição logo que o substituído perfaça os 18 anos, ou se
falecer deixando descendentes ou ascendentes. Apesar de tal não ser dito pelo preceito, a substituição
pupilar fica também sem efeito logo que o substituído se emancipe, porque a faculdade de
substituição é atrbuída ao seu progenitor enquanto titular do poder paternal (início do art. 2297º/1).

À luz do art. 2298º/1, a substituição quase pupilar é a faculdade que é conferida ao progenitor, que exercer
o poder tutelar (cujo regime será idêntico ao do poder paternal, nos termos do art. 144º), de substituir aos
filhos, incapazes de testar em consequência de interdição por anomalia psíquica, os herdeiros ou legatários
que bem lhe aprouver.

→ O art. 2298º/2 enuncia duas causas específicas de caducidade da substituição quase pupilar: o
levantamento da interdição por anomalia psíquica e a sobrevivência ao substituído de descendentes
e ascendentes. A substituição quase pupilar fica igualmente sem efeito quando ao substituído

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

sobreviva o cônjuge. É concebível a celebração de um casamento válido pelo substituído, anterior à


interdição por anomalia psíquica, aplicando-se aqui por analogia a solução consagrada para o caso de
sobrevivência de outros sucessíveis legitimários.

As substituições pupilar e quase pupilar só podem abranger os bens que o substituído haja adquirido por via
do “testador” (progenitor que exerce a faculdade de substituição), embora a título de legítima (art. 2300º).

Não obstante serem reguladas na mesma secção que se ocupa da substituição direta e da substituição
fideicomissária (arts. 2281º e ss), as substituições pupilar e quase pupilar assumem a natureza de substituições
pelo lado ativo que configuram meios de suprimento da incapacidade de testar.

Tratando-se de substituições pelo lado ativo, os pressupostos da vocação dos “substitutos” devem ser aferidos
relativamente ao filho e não ao progenitor.

◊ Legitimidade para dispor em benefício de certas pessoas – indisponibilidades relativas

Uma pessoa capaz de testar não pode validamente designar qualquer pessoa como sucessível. Existem
restrições à faculdade de dispor por morte em benefício de certas pessoas- são as chamadas indisponibilidades
relativas.

Há duas categorias de indisponibilidades relativas:

a) Nominadas;
b) As que se destinam a sancionar a violação de regras sobre impedimentos matrimoniais impedientes,
constantes do art. 22º/3 da Lei 103/2009 de 11 de setembro e do art. 1650º/2.

As indisponibilidades relativas têm em vista todas as liberalidades e não apenas as testamentárias. Os arts.
2192º a 2198º, que estão inseridos numa secção pertencente ao título da sucessão testamentária, aplicam-
se, com as devidas adaptações, às doações (art. 953º), mortis causa ou inter vivos. O art. 22º/3 da Lei 103/2009
de 11 de setembro e o art. 1650º/2 aludem quer à doação quer ao testamento.

a) Indisponibilidades relativas nominadas

A lei determina a nulidade da disposição testamentária:

(i) Feita a favor do tutor, curador, administrador legal de bens e protutor (art. 2192º/1 e 2);
(ii) Feita a favor do médico ou enfermeiro que tratar do testador, ou do sacerdote que lhe prestar
assistência espiritual, se o testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a falecer dela
(art. 2194º);
(iii) Feita a favor do cúmplice do testador adúltero (art. 2196º);
(iv) Feita a favor dos intervenientes no testamento (art. 2197º). São tidos como intervenientes no
testamento o notário ou entidade com funções notariais que lavrou o testamento público ou
lavrou o testamento cerrado, a pessoa que escreveu o testamento cerrado e as testemunhas,
abonadores ou intérpretes que intervierem no testamento ou na sua aprovação;
(v) Feita a favor de interpostas pessoas de todas aquelas que foram referidas (art. 2198º). Nos
termos do art. 2198º/2, consideram-se interpostas pessoas o cônjuge ou herdeiro presumido de
qualquer um dos sujeitos mencionados nos arts. 2192º, 2194º, 2196º e 2197º, bem como outrem
que, mediante acordo com um dos sujeitos inibidos, se tiver comprometido a transmitir a este a
coisa ou direito objeto de disposição testamentária.

O âmbito das indisponibilidades relativas nominadas é circunscrito em determinadas condições:

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

o É válida a disposição testamentária feita a favor do tutor, curador, administrador legal de bens ou
protutor, do médico ou enfermeiro que tratar do testador, ou do sacerdote que lhe prestar assistência
espiritual, quando o testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a falecer dela, se os
beneficiários forem parentes na linha reta, colaterais até ao 3º grau do testador ou se algum deles
for cônjuge do disponente (arts. 2192º/3 e 2195º/b)).
o Também não são afetados pela nulidade os legados remuneratórios de serviços a favor de médicos,
enfermeiros e sacerdotes (art. 2195º/a)).
o A disposição a favor da pessoa com quem o testador cometeu adultério é válida, se se limitar a
assegurar alimentos ao beneficiário ou se o casamento já estava dissolvido, ou os cônjuges estavam
separados de pessoas e bens ou separados de facto há mais de 1 ano (por uma interpretação
sistemática e teleológica do art. 2196º/2 a)), à data da abertura da sucessão (art. 2196º/2).

b) Art. 22º/3 da Lei 103/2009 de 11 de setembro e art. 1650º/2

Estes artigos reagem à inobservância de três impedimentos matrimoniais impedientes com situações de
indisponibilidade relativa:

(i) Havendo violação do impedimento do parentesco no 3º grau da linha colateral, a lei prevê a
incapacidade do tio ou tia para receber do sobrinho ou sobrinha qualquer benefício por
testamento ou doação;
(ii) Havendo violação do impedimento de vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens,
a alegada incapacidade afeta um dos cônjuges – tutor, curador ou administrador ou seus parentes
ou afins na linha reta, irmãos, cunhados ou sobrinhos – no que toca a liberalidades testamentárias
e contratuais feitas pelo outro cônjuge;
(iii) Havendo violação do impedimentode vínculo de apadrinhamento civil, a incapacidade para
receber benefícios por testamento ou por doação do cônjuge atinje o outro cônjuge, se este for o
padrinho ou a madrinha.

As indisponibilidades relativas não são verdadeiras incapacidades, mas meras ilegitimidades: as disposições
testamentárias são nulas por causa de uma especial relação que existe entre o autor e o beneficiário da deixa.

As circunstâncias de indisponibilidade têm de existir à data do testamento, por acarretarem invalidade das
disposições testamentárias (desvalor que pressupõe normalmente um vício originário do negócio jurídico).

◊ Consentimento

A lei cria um regime especial para o consentimento no negócio testamentário, que figura nos arts. 2180º e
2199º a 2203º.

São subsidiariamente aplicáveis as regras gerais sobre o consentimento no negócio jurídico (arts. 240º a 257º),
adaptadas em função do caráter não recetício do testamento.

O negócio testamentário exige uma vontade do testador. O art. 2180º dispõe que é nulo o testamento em
que o testador não tenha exprimido cumprida e claramente a sua vontade, mas apenas por sinais e
monossílabos em resposta a perguntas que lhe fossem feitas.

À declaração do testador deve estar subjacente a vontade de testar, o que pressupõe a existência de uma
vontade negocial e a coincidência entre a vontade negocial. Além disso, a vontade deve ser livre esclarecida.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

 Falta de vontade negocial

o O art. 2199º regula a incapacidade acidental no negócio testamentário: o testamento que for feito
por quem, devido a qualquer causa, ainda que transitória, se encontrava incapacitado de entender o
sentido dele ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável.

Basta a prova da incapacidade do testador: o requisito do conhecimento ou notoriedade da incapacidade,


previsto pelo art. 257º, adequa-se somente aos negócios recetícios.

O âmbito reduzido das incapacidades testamentárias ativas amplia o âmbito de potencial aplicação da
incapacidade acidental no testamento, que pode cobrir, além de situações transitórias de incapacidade
(devidas, por exemplo, ao consumo de álcool ou de estupefacientes), situações permanentes de incapacidade
(por exemplo, a demência notória que não tenha sido judicialmente declarada e estados que tenham levado
a que fosse decretada ou a inabilitação ou a interdição por fundamento distinto de anomalia psíquica).

A ausência de um regime especial para as demais situações de falta de vontade de testar determina o recurso
às normas gerais:

o As declarações não sérias, a coação física e a falta de consciência da declaração importam a


inexistência do testamento, por força dos arts. 245º e 246º.

 Divergências entre a vontade e a declaração

Encontra-se nos arts. 2200º e 2203º. Há por isso que atender também à parte geral.

o O art. 2200º diz que é anulável a disposição feita aparentemente a favor de pessoa designada no
testamento mas que, na realidade, e por acordo com essa pessoa, vise a beneficiar outra. São os casos
de simulação.

Não havendo declaratário no negócio testamentário, o acordo simulatório é feito entre o testador e a pessoa
aparentemente designada no testamento.

O art. 2200º apenas prevê a simulação relativa subjetiva, por interposição fictícia de pessoa. Mas a simulação
absoluta e a simulação relativa objetiva são também atendíveis no negócio testamentário, por aplicação
subsidiária das regras gerais. Se houver simulação absoluta ou simulação relativa objetiva, a disposição
testamentária simulada é anulável. Apesar do recurso subsidiário às soluções da parte geral, o desvalor é a
anulabilidade e não a nulidade, para que se garanta a unidade de consequências associadas à simulação
testamentária.

A disposição testamentária dissimulada é válida, nos termos do art. 241º/2. A própria lei permite configurar
uma situação de disposição testamentária dissimulada válida, no art. 2259º/1: não obstante a simulação, o
legatário terá o direito de suceder na coisa ou soma deixada.

o A reserva mental afeta a validade do testamento. Ao abrigo do art. 244º/2 2ª parte, é anulável a
disposição testamentária contrária à vontade real do testador que tenha sido feita com o intuito de
enganar qualquer pessoa.

Dado o caráter não recetício do testamento, não têm cabimento as alusões ao declaratário. Pelo mesmo
motivo, na opinião de JDP, não parece que tenha direito a uma indemnização aquele que confiou na validade
da disposição testamentária.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

o O art. 247º fixa o regime comum do erro na declaração. O caráter não recetício do negócio
testamentário afasta o requisito do conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade do erro. Para
haver anulabilidade de disposição testamentária, com fundamento em divergência não intencional
entre a declaração e a vontade do testador, basta que a essencialidade do erro resulte da
interpretação do testamento.

Se o testador tiver indicado erroneamente a pessoa do herdeiro ou do legatário, ou os bens que são objeto
da disposição, mas da interpretação do testamento for possível concluir a que pessoa ou bens ele pretendia
referir-se, a disposição vale relativamente a esta pessoa ou a estes bens (art. 2203º). Este artigo traduz uma
conversão legal de disposição anulável em outra que corresponde à vontade do testador.

 Vícios na formação da vontade

Ao abrigo do art. 2201º, é anulável a disposição testamentária determinada por erro, dolo e coação:

o O regime do erro-vício no testamento corresponde ao regime geral (arts. 251º a 254º), com os
ajustamentos impostos pelo caráter não recetício do negócio pelo e pelo art. 2202º.

A anulação do testamento com fundamento em erro-vício implica o preenchimento de dois requisitos:

1. Essencialidade do erro (requisito geral)


2. Essencialidade resultante do próprio testamento (art. 2202º)

Enquanto o art. 2203º, ao prescrever uma conversão legal de disposição em que tenha havido erro na
indicação da pessoa ou dos bens, permite implicitamente a demonstração do erro na declaração por
interpretação do testamento (art. 2187º), o art. 2202º só atribui ao erro-vício o efeito de anulação quando
“resultar do próprio testamento que o testador não teria feito a disposição se conhecesse a falsidade do
motivo”.

Dado o cariz não recetício do testamento, há que adaptar igualmente o regime do erro sobre a base do
negócio, constante do art. 252º/2: será anulável a disposição testamentária viciada por erro sobre as
circunstâncias que fundaram a decisão de testar.

o Por força do art. 2201º, é plenamente aplicável ao testamento o art. 255º, que se refere à coação
moral. Por conseguinte, é anulável a disposição testamentária determinada pelo receio de um mal de
que o testador foi ilicitamente ameaçado com o fim de extorquir a disposição. É indiferente que a
coação provenha do sucessível designado ou de terceiro (art. 256º). Para além disso, não se impondo
uma tutela do declaratário, o requisitos de anulação do testamento são idênticos: nunca é necessário
que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação.

o Figura próxima da coação moral é a exploração do estado de necessidade. Em ambos os casos, o


receio de um mal determina a declaração negocial. No entanto, na primeira hipótese, o mal é causado
para extorquir a declaração; na exploração de necessidade há um mero aproveitamento de um mal
fortuito ou causado por alguém sem o intuito de extorquir a declaração.

Na falta de norma específica, deve aplicar-se ao testamento o preceito geral do art. 282º, cujo nº 1 prevê a
anulabilidade, por usura, do negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade de
outrem, obtiver deste, para si ou para terceiros, a promessa ou concessão de benefícios excessivos ou
injustificados.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

» Requisitos de forma do testamento

O testamento caracteriza-se pela solenidade, estando legalmente sujeito a um mínimo de forma.

É nulo o testamento meramente oral (art. 220º), que é designado como testamento nuncupativo. A forma
escrita constitui um requisito mínimo de validade do testamento.

◊ Formas comuns do testamento

a) A primeira forma comum do testamento referida no art. 2204º é o testamento público. Este é lavrado
por notário no livro de notas para testamentos públicos e para escrituras de revogação de testamentos
(art. 2205º e arts. 7º/1 a) e 11º do CN). Depois de lavrado, é registado num livro próprio para
testamentos e para atos relativos a testamentos.

O testamento público não é feito por escritura pública.

b) A segunda forma comum do testamento referida no art. 2204º é o testamento cerrado. Este é
manuscrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ou manuscrito por outra pessoa
a rogo do testador e por este assinado (art. 2206º/1). A pessoa que assina o testamento deve rubricar
as folhas que não contenham a sua assinatura (art. 2206º/3). O testamento cerrado deve ser aprovado
pelo notário, nos termos dos arts. 106º a 108º do CN (art. 2206º/4).

A exigência de aprovação dos testamentos cerrados implica a nulidade do testamento simplesmente escrito
e assinado pelo testador, designado por testamento ológrafo: art. 2206º/5.

A data da aprovação do testamento cerrado é havida como data do testamento para todos os efeitos legais
(art. 2207º), designadamente para os efeitos do art. 2191º e da verificação do preenchimento de vários outros
requisitos de fundo.

O art. 2208º prevê que os que não sabem ou não podem ler são inábeis para dispor em testamento cerrado.
Trata-se de uma incapacidade de gozo para fazer testamento cerrado, que tem como consequência a
nulidade.

c) A terceira forma comum do testamento corresponde ao testamento internacional. É escrito pelo


testador ou por terceiro, em qualquer língua, à mão ou por outros meios, e elaborado nos moldes da
Lei Uniforme sobre a Forma de um Testamento Internacional (LUFTI) (arts. 1º/1 e 3 LUFTI).

O testamento internacional deve ser assinado pelo testador, a não ser que ele esteja impossibilitado de o fazer
(art. 5º LUFTI). Tem de ser certificado por pessoa habilitada a tratar das matérias relativas ao testamento
internacional (arts. 4º e 10º LUFTI).

O certificado do testamento internacional equivale à aprovação do testamento cerrado. O testamento cerrado


e o testamento internacional são figuras afins: em ambos, o testamento é escrito pessoalmente pelo testador
ou por outra pessoa, a seu pedido, intervindo o notário (ou agente consular) em momento posterior para o
aprovar.

A lei impõe a intervenção de duas testemunhas instrumentárias nos instrumentos de aprovação ou abertura
de testamentos cerrados e internacionais, salvo dispensa pelo notário no caso de haver urgência e dificuldade
em as conseguir, circunstância que deverá ser expressamente mencionada no texto (art. 67º/1 a), 2 e 3 CN).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

◊ Formas especiais do testamento

São formas especiais de testamento o testamento militar (arts. 2210º a 2213º), o testamento marítimo (arts.
2214º a 2218º), o testamento feito a bordo de navio (art. 2214º) e o testamento feito em caso de calamidade
pública (art. 2220º).

Não é forma especial o testamento feito por português em país estrangeiro, embora se encontre regulado no
art. 2223º, que está incluído na secção das formas especiais de testamento. Trata-se somente de uma restrição
ao funcionamento de uma regra de Direito Internacional Privado, estabelecida no art. 65º.

O art. 65º/1 determina que as disposições por morte serão válidas quanto à forma, se corresponderem às
prescrições da lei do lugar onde o ato for celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no
momento da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para que remeta a norma
de conflitos da lei local.

Normalmente, a competência para lavrar o testamento público ou aprovar o testamento cerrado incumbe ao
comandante de unidade ou força militar, no testamento militar; ao comandante do navio, no testamento
marítimo; ao comandante da aeronave, no testamento feito a bordo de aeronave; e a qualquer notário, juiz
ou sacerdote, no testamento feito em caso de calamidade pública.

Os testamentos celebrados por formas especiais estão sujeitos a um prazo de eficácia, caducando dois meses
após a cessação da causa que obstava a que o testador usasse as formas comuns do testamento (art. 2222º/1).

◊ Âmbito da forma legal: o testamento per relationem

O art. 2184º prevê que “é nula a disposição que dependa de instruções ou recomendações feitas a outrem
secretamente, ou se reporte a documentos não autênticos, ou não escritos e assinados pelo testador com
data anterior à data do testamento ou contemporânea desta”.

O testamento per relationem é aquele que remete para outro ato que, por seu turno, completa uma disposição
testamentária constante do primeiro testamento. Por exemplo, testamento cerrado em que A diz que deixa a
T os bens que indica num papel, que está guardado no porta luvas do automóvel.

Numa interpretação declarativa e a contrario da segunda parte do art. 2184º, a disposição testamentária
remissiva em causa seria válida se o documento ao qual se reporta o testamento per relationem tivesse sido
escrito e assinado pelo testador com a mesma data ou com data anterior à do testamento:

→ São partidários desta posição os Profs. Guilherme de Oliveira, Pires de Lima/Antunes Varela, Cristina
Araújo Dias, que não limitam o alcance do art. 2184º: independentemente de se tratar de disposição
testamentária essencial, basta a remissão para um documento escrito e assinado pelo testador, com
a mesma data ou data anterior ao testamento.
→ JDP e Oliveira Ascensão defendem que a mencionada disposição testamentária remissiva só seria
válida se o próprio documento para o qual remete o testamento per relationem tivesse a forma de
testamento cerrado (ou outra prevista por lei para o testamento; por exemplo, a de testamento
internacional). É necessária uma restrição dos resultados de uma interpretação a contrario do art.
2184º: as disposições testamentárias essenciais devem observar uma certa dignidade formal, sob
pena de carecer de sentido a prescrição de uma forma legal para os testamentos.

As exigências formais limitam a relevância do testamento per relationem. Essas exigências compreendem as
disposições testamentárias essenciais, que são aquelas que correspondem às que, em regra, têm de ser feitas
pessoalmente pelo testador- art. 2182º/1.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Quanto às disposições testamentárias essenciais, só será válida a remissão para documento que observe as
formas legais do testamento, a forma de escritura pública ou documento particular autenticado.

Quanto às demais disposições testamentárias, elas serão válidas se a remissão for feita, pelo menos, para
documentos escritos e assinados pelo testador com a mesma data ou com data anterior à do testamento
(interpretação declarativa e a contrario do art. 2184º/2ª parte).

» Interpretação e integração do testamento

◊ Interpretação do testamento

Os arts. 236º a 238º regem a interpretação do negócio jurídico em geral, mas o art. 2187º inclui normas
especiais de interpretação do testamento, pelo que só na insuficiência destas se justifica o recurso às normas
gerais de interpretação do negócio jurídico e desde que as últimas não colidam com as características do
negócio testamentário.

O art. 2187º/1 impõe que, na interpretação das disposições testamentárias, se observe “o que parecer mais
ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento”. Consagra-se assim uma orientação
subjetivista – a interpretação do testamento visa a deteção da vontade real do testador.

No entanto, o testamento é feito num momento para produzir efeito noutro (o da data da morte do testador).
Por conseguinte, importa apurar a vontade do testador “apontada para o momento presumível da morte”.

Como o testamento é um negócio particularmente solene, apenas releva a vontade do testador manifestada
pela forma legalmente estabelecida para o negócio testamentário. A deteção da vontade do autor da sucessão
está limitada pelo “contexto do testamento” (art. 2187º/1).

Deste modo, ao abrigo do art. 2187º/2, é admitida prova complementar, extrínseca ao testamento (por
exemplo, documental ou testemunhal), para fixar a vontade real do de cuius subjacente à declaração negocial,
“mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de
correspondência, ainda que imperfeitamente expresso”.

O art. 2187º/2 desvia-se da solução contida no art. 238º/1. Há agora que ver se o restante regime geral da
interpretação dos negócios jurídicos é aplicável ao negócio testamentário:

 O art. 236º/1 estatui que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal,
colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se
este não puder razoavelmente contar com ele”. O nº 2 determina que a declaração emitida vale de
acordo com a vontade real do declarante sempre que esta seja conhecida pelo declaratário. Este
artigo, marcado por uma orientação objetivista e pela teoria da impressão do destinatário, não parece
muito adequado ao testamento, que não é um negócio recetício e deve ser interpretado com base
nos critérios do art. 2187º. Assim, valerá a interpretação do contexto que se mostrar mais razoável.

 O art. 237º/1ª parte estabelece que, havendo dúvida sobre o sentido da declaração nos negócios
gratuitos, prevalece o menos gravoso para o disponente. Se da interpretação efetuada com base no
art. 2187º resultar uma dúvida entre dois ou mais sentidos, não pode entregar-se à sorte a escolha de
um deles nem concluir-se pela existência de um impasse que retira qualquer eficácia à cláusula
testamentária. Afigura-se, então, plausível o recurso ao critério constante do art. 237º.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

 O art. 238º/2, relativo aos negócios formais, admite a relevância de um sentido da declaração que
não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que
imperfeitamente expresso, se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma
do negócio se não opuserem a essa validade. Substituindo a referência a “texto” pela de “contexto”,
o art. 238º/2 tem cabimento para as disposições testamentárias não essenciais, subtraídas que estão
ao fundamento da exigência legal de uma forma especial para o testamento.

O CC contém normas interpretativas de disposições testamentárias nos arts. 2225º a 2228º, 2260º, 2263º e
2274º, entre outros. Estas normas fixam o sentido das cláusulas na falta de clareza ou precisão do testador,
distinguindo-se das que estão inscritas no art. 2187º, que definem a orientação que deve presidir à atividade
do intérprete:

 Os arts. 2225º a 2228º resolvem dúvidas atinentes à identificação e ao modo de chamamento dos
beneficiários das liberalidades testamentárias:

- A disposição feita a favor de uma generalidade de pessoas (ex: as pessoas portadoras de SIDA), sem
qualquer outra indicação, considera-se feita a favor das existentes no lugar em que o testador o seu
domicílio à data da morte (art. 2225º);

- As disposições a favor dos parentes do testador ou de terceiro, a favor de certa categoria de parentes
(ex: descendentes), a favor de sucessores ou herdeiros legítimos do testador, sem especificação de quais
sejam os parentes, sucessores ou herdeiros, considera-se feita a favor dos que seriam chamados à
sucessão, na data da morte do testador, sendo a herança ou o legado distribuído segundo as regras da
sucessão legítima (art. 2226º). Por exemplo, se o de cuius deixar a quota disponível aos seus descendentes,
serão beneficiários apenas os filhos do testador e a quota disponível será dividida entre eles por cabeça
(arts. 2133º/1, 2135º e 2136º);

- Se o testador designar certos sucessores individualmente e outros coletivamente, são estes havidos por
individualmente designados (art. 2227º). Por exemplo, o falecido diz no testamento “deixo a quota
disponível ao meu irmão e aos meus sobrinhos”. Sobrevivem ao autor da sucessão o irmão e dois
sobrinhos: entendendo-se que todos foram individualmente designados, a quota disponível é dividida
pelos três em partes iguais;

- Se o testador chamar à sucessão certa pessoa e seus filhos, entende-se que são todos designados
individual e simultaneamente, e não sucessivamente (art. 2228º);

- O art. 2260º estabelece que o legado feito a favor de um credor, mas sem que o credor refira a sua
dívida, não se considera destinado a satisfazer essa dívida;

- Os arts. 2262º e 2263º esclarecem dúvidas quanto ao objeto de legados testamentários. Se o testador
legar a totalidade dos seus créditos, considera-se que a deixa só compreende os créditos em dinheiro,
excluídos os depósitos bancários e os títulos ao portador ou ou nominativos (art. 2262º). Sendo legado o
recheio de uma casa ou o dinheiro nela existente, deve entender-se que não estão abrangidos os direitos
de crédito, ainda que na casa se encontrem os documentos respetivos (art. 2263º);

- O art. 2274º dispõe que o legado deixado a um menor para quando atingir a maioridade não pode ser
por ele exigido antes desse tempo, ainda que seja emancipado.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

◊ Integração das lacunas do testamento

O art. 239º estabelece a regra geral em caso de lacuna do negócio jurídico: “na falta de disposição especial, a
declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem
previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles
imposta”.

Na falta de norma legal específica, a razão determinante do cariz particularmente formal do negócio
testamentário e o art. 2187º não autorizam a integração quanto a aspetos essenciais da sucessão
testamentária (que, como decorre do art. 2182º/1, devem ser regulados pelo próprio testador).

→ Um exemplo raro de norma que prevê a integração de aspetos essenciais da sucessão testamentária
resulta a contrario do art. 2185º. Havendo instituição de herdeiro ou nomeação de legatário feita a
favor de pessoa incerta, admite-se a determinação do beneficiário “por algum modo”. Por exemplo,
o testador lega certo móvel à pessoa que há muitos anos lhe salvou a vida, mas não chega a identificar
o nome dessa pessoa. A deixa do legado é válida se se puder identificar o sucessível por um meio de
prova (ex: o testemunho de uma pessoa que tenha presenciado o incidente) que não tenha um
mínimo de correspondência no contexto do testamento.

No que toca a pontos secundários, instrumentais, não essenciais (ex: depois de ter determinado que o cargo
de testamenteiro era remunerado, o testador não fixou o valor da retribuição), o testamento é passível de ser
integrado de harmonia com a vontade que o de cuius teria tido se houvesse previsto o ponto omisso. O art.
239º será então relevante, na parte que estabelece a integração mediante recurso à vontade hipotética do
autor do negócio.

» Conteúdo do testamento

◊ Conteúdo pessoas e conteúdo patrimonial

O testamento pode ter conteúdo pessoal ou patrimonial.

1. O art. 2179º/2 alude expressamente a “disposições de caráter não patrimonial que a lei permite
inserir no testamento”, determinando que são válidas ainda que no ato revestido de forma
testamentária em que estejam contidas não figurem disposições de caráter patrimonial.

Entre as disposições de caráter não patrimonial que a lei permite inserir no testamento, pode citar-se as que
respeitam a perfilhação, declaração de maternidade, designação de tutor e sufrágios:

- A perfilhação pode fazer-se por testamento, nos termos do art. 1853/b) e é sempre irrevogável, não
sendo prejudicada pela revogação do testamento em que tenha sido feita (art. 1858º);

- A declaração de maternidade incluída em testamento goza de eficácia constitutiva do vínculo de filiação,


ao abrigo dos arts. 114º/1 e 129º CRC: se o nascimento de uma pessoa tiver ocorrido há um ano ou mais
e se for exibida prova da declaração de maternidade feita pela mãe em testamento, a maternidade
indicada tem-se por estabelecida; e a declaração de maternidade feita por testamento é registada, por
averbamento, ao assento de nascimento do filho;

- A designação de tutor ao filho menor feita em testamento, pelos pais titulares do exercício das
responsabilidades parentais é válida, por força do art. 1928º/3. A designação carece de ser judicialmente
confirmada (art. 1931º/1). Quando, falecido um dos progenitores que houver nomeado tutor ao filho
menor, lhe sobreviver o outro, a designação será eficaz se não for revogada por este no exercício do poder

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paternal (art. 1928º/2). Se o testador nomear mais do que um tutor para o mesmo filho menor, a tutela
recairá em cada um dos designados segundo a ordem de nomeação, quando a procedência entre eles não
for de outro modo especificada (art. 1929º).

Estas regras de designação do tutor aplicam-se, com as devidas adaptações, ao filho interdito (arts. 138º/2,
139º, 143º/1 a)). A designação do tutor feita pelos pais (em testamento ou em documento autêntico ou
autenticado) pode ser revogada por testamento (art. 1928º/3).

- As disposições sobre sufrágios ou a favor da alma (missas, orações) que constem de testamento são
válidas quando o testador designe os bens que devem ser utilizados para esse fim ou quando seja possível
determinar a quantia necessária para o efeito, recaindo o encargo correspondente sobre o herdeiro ou
legatário (art. 2224º).

A letra do art. 279º/2 não deve levar a crer que só podem figurar num testamento as disposições cuja inclusão
seja permitida, expressa ou tacitamente, por um certo preceito legal.

Vigorando um princípio geral de liberdade negocial, deve optar-se por uma interpretação que não seja
demasiado literal (JDP). A lei permite inserir no testamento todas as disposições de caráter não patrimonial
cuja inclusão não seja vedada, direta ou indiretamente, pela própria lei. Não é, por exemplo, admissível que,
num ato revestido de forma testamentária, se impugne uma perfilhação ou que se adote uma criança, já que
o formalismo imposto para a perfilhação ou adoção é distinto daquele que é prescrito para o testamento.

Em princípio, o testamento pode versar as situações de caráter não patrimonial suscetíveis de serem
exercidas por ato unilateral do seu titular.

2. No âmbito do conteúdo patrimonial, é de destacar duas distinções: uma, que contrapõe o conteúdo
principal ao acessório; outra, que separa o conteúdo comum do anómalo.

a) Conteúdo principal- as deixas a título de herança ou legado cabem no conteúdo principal. Se o autor
da sucessão fizer uma deixa testamentária em que atribui pura e simplesmente uma quota da herança,
essa quota será quantificada tendo por base o R, deduzido do P.
b) Conteúdo acessório- abarca as condições, termos e modos.
c) Conteúdo anómalo- é o que se demarca do que é normal, incluindo o conteúdo acessório, a instituição
de fundações, a substituição direta e a substituição fideicomissária. As substituições direta e
fideicomissária traduzem-se em estipulações do testador destinadas a originar vocações de
sucessíveis que estão sujeitas a cláusulas acessórias peculiares: no caso de substituição direta, um
sucessível (o substituto) é chamado a suceder numa herança ou num legado sob condição suspensiva,
que se verifica quando outro sucessível (o substituído) não possa ou não queira aceitar a herança ou
o legado. No caso de substituição fideicomissária, um sucessível (o fiduciário) é chamado a suceder
numa herança ou legado, sob termo incerto (a sua própria morte), e outro sucessível (o
fideicomissário) é chamado a suceder numa herança ou legado sob condição suspensiva, em que a
condição consiste na morte do primeiro sucessível em vida do segundo.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

◊ Legados

Existem três distinções:

(i) Classificação romanista- agrupa os legados em duas modalidades: per vindicationem e per
damnationem. O legado per vindicationem implica a atribuição da propriedade ou de outro direito
real; o legado per damnationem atribui ao legatário um direito de crédito contra o herdeiro.

(ii) Classificação de Galvão Telles- reparte os legados em dispositivos e obrigacionais. Os legados


dispositivos traduzem-se numa diminuição do ativo da herança e podem ser legados de direitos,
reais ou de crédito, preexistentes como tais no património do de cuius (ex: deixa de coisa
pertencente ao autor da sucessão); legados de direitos novos formados à custa de direitos
preexistentes no património do falecido (ex: deixa de usufruto de um bem que pertencia ao de
cuius); legados de exoneração de obrigações (o de cuius beneficia o legatário perdoando-lhe uma
dívida que este tinha para com ele). Os legados obrigacionais acarretam aumento do passivo
hereditário: o legatário adquire um direito perfeitamente novo, que nem sequer foi constituído à
custa de um direito preexistente do autor da sucessão (ex: legado de coisa pertencente a terceiro,
quando o testador sabia quem era o proprietário da mesma).

Os arts. 2269º e 2271º contêm normas supletivas aplicáveis aos legados dispositivos de direitos reais. Na
falta de declaração de testador, entende-se que o legado da propriedade de uma coisa abrange: as
benfeitorias, as partes integrantes e os frutos desde a morte do testador, com exceção dos percebidos
adiantadamente pelo autor da sucessão. No silêncio do testador, o legado de prédio rústico ou urbano, ou do
conjunto de prédios rústicos ou urbanos que constituam uma unidade económica, abrange as construções
nele feitas, anteriores ou posteriores ao testamento, e bem assim as aquisições posteriores que se tenham
integrado na mesma unidade, isto se não for um caso de revogação real, previsto no art. 2316º/2.

O art. 2272º regula o legado de coisa onerada.

Os arts. 2261º e 2273º referem-se a legados de crédito.

O art. 2258º prevê normas supletivas para o legado de usufruto, legado dispositivo de direito novo.

(iii) Classificação que separa os legados típicos e atípicos, consoante estejam ou não tipificados na
lei. Legados típicos são, por exemplo, os já mencionados legados de coisa onerada, de crédito, de
prestação periódica, de alimentos e de usufruto. É de mencionar ainda o legado de coisa alheia
(legado obrigacional, na classificação de GT), o legado de coisa genérica e o legado alternativo:

- O legado de coisa alheia é regulado nos arts. 2251º, 2252º, 2254º e 2256º. Neste tipo de legado, o
testador deixa uma coisa que, no todo ou em parte, não lhe pertence. Pode tratar-se de uma coisa
pertencente ao próprio legatário, ao onerado com o próprio legado ou a terceiro. Ou de uma coisa que
pura e simplesmente não se encontra no património do testador ao tempo da sua morte. Em regra, o
legado de coisa alheia é nulo. Mas há exceções:

a) Se a coisa legada que não pertencia ao testador no momento da feitura do testamento se tiver depois
tornado sua, por qualquer título, tem efeito a disposição relativa a ela, como se ao tempo do testamento
pertencesse ao testador (art. 2251º/3).

b) É válida a disposição feita por testador casado que tenha por objeto coisa certa e determinada do
património do casal, nos termos do art. 1685º/3. Não se aplicando uma das alíneas deste número, o
beneficiário adquire apenas o direito de exigir o respetivo valor em dinheiro (art. 1685º/2).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

c) É válido o legado de coisa que não pertencia inteiramente ao testador em relação à parte que lhe
pertencer (art. 2252º/1 1ª parte). E será totalmente válido se do testamento resultar que o testador sabia
não lhe pertencer a totalidade da coisa (art. 2252º/2 2ª parte).

d) Se o testador legar uma coisa, com a declaração de que aquela coisa existe no seu património, e se ela
se encontrar no património do de cuius, mas não na quantidade legada, haverá o legatário o que existir
(art. 2254º).

e) É válido o legado de coisa pertencente ao próprio legatário (art. 2256º/6) se à data da abertura da
sucessão, a coisa pertencia ao testador; e, se a esse tempo, pertencia ao sucessor onerado com o legado
ou a terceiro e do testamento resultar que a deixa foi feita na previsão deste facto.

f) É igualmente válido o legado pertencente ao sucessor onerado ou a terceiro, se do testamento se


depreender que o testador sabia que não lhe pertencia a coisa legada (art. 2251º/2). Neste caso, há que
atender ao disposto no art. 2251º/2 e 4, regime também aplicável ao legado de coisa que não pertencia
por inteiro ao testador, quando do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade
da coisa (art. 2252º/1 in fine), e ao legado de coisa pertencente ao próprio legatário, se à data da abertura
da sucessão pertencia ao sucessor onerado com o legado ou a terceiro e do testamento resultar que a
deixa foi feita na previsão deste facto (art. 2256º/3).

- O legado de coisa genérica tem por objeto uma coisa indeterminada de certo género (ex: um automóvel).
A escolha da coisa, em cumprimento do legado de coisa genérica cabe ao sucessor onerado com o encargo,
exceto se o testador tiver atribuído a escolha ao próprio legatário ou a terceiro (art. 2266º/1). Se a escolha
pertencer ao sucessor onerado ou ao legatário, e um e outro falecer sem a ter efetuado, transmite-se essa
faculdade aos seus herdeiros (art. 2266º). No silêncio do testador, a escolha recairá sobre coisas existentes
na herança e o legatário que tenha sido incumbido da escolha por optar pela coisa melhor (art. 2266º/2).
Nos restantes aspetos da escolha, aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras gerais previstas
nos arts. 400º e 542º.

Se não houver coisa do género que foi deixada no património do testador à data da sua morte, a deixa será
válida enquanto legado de coisa alheia, a não ser que o testador tenha feito a liberalidade com a declaração
de que a coisa existia no seu património, caso em que será nula (art. 2253º).

- O legado alternativo tem por objeto duas ou mais coisas, ou prestações, para que seja escolhida apenas
uma. A liberalidade está sujeita ao regime, devidamente adaptado, das obrigações alternativas (art. 2267º).
No caso de falecimento do sucessor onerado ou legatário em quem caía a escolha, o direito transmite-se aos
herdeiros (art. 2268º).

◊ Disposições condicionais, a termo e modais

O negócio testamentário pode estar sujeito a cláusulas acessórias: por exemplo, disposições condicionais, a
termo e modais.

1. Disposições condicionais

Em regra, permite-se a instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário sob condição suspensiva ou


resolutiva (art. 2229º). Se a instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário for efetuada sob condição de
o designado não dar certa coisa ou não praticar certo ato por tempo indeterminado, a disposição considera-
se feita sob condição resolutiva, a não ser que o contrário resulte do testamento (art. 2234º).

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Os efeitos do preenchimento da condição suspensiva ou resolutiva retrotraem-se imperativamente à data da


morte do testador (art. 2242º/1). A retroatividade será limitada nos termos do art. 2277º/2 e 3 (art. 2242º/2).

Na pendência da condição, prevê-se um regime especial quanto à prestação de caução e quanto à


administração: a obrigação de prestar caução pode ser imposta pelo tribunal, nos casos previstos no art.
2236º/1 e 2 e desde que o testador não tenha dispensado o sucessível designado de tal obrigação. Se a caução
exigida não for prestada, a herança ou legado durante a pendência da condição é posta em administração
(art. 2237º/1). Os arts. 2238º e 2239º referem-se à administração da herança ou legado, nas hipóteses de
incumprimento da obrigação de prestar caução e de instituição do herdeiro sob condição suspensiva.

→ A instituição de herdeiro ou nomeação de legatário não é, normalmente, prejudicada por causa de


condições ilícitas ou impossíveis. Só estas condições é que são nulas (“tidas por não escritas”). Mas
se as condições testamentárias forem física ou legalmente impossíveis, é atendível a declaração de
vontade do testador que exclua a subsistência da disposição principal (art. 2230º/2). Se forem
condições contrárias à lei ou à ordem pública, ou ofensivas dos bons costumes, a disposição principal
é imperativamente válida, salvo o disposto no art. 2186º (art. 2230º/2).

2. Disposições sujeitas a termo

A instituição de herdeiro não pode ser sujeita a termo. O termo aposto à deixa a título de herança tem-se por
não escrito (art. 2243º/2). A nomeação de legatário não pode ser sujeita a termo final, exceto se a disposição
principal versar sobre direito temporário. Não se verificando esta exceção, o termo final é nulo (art. 2243º/2).
Ou seja, a inadmissibilidade dos termos não prejudica as disposições principais.

A nomeação de legatário pode ser sujeita a termo inicial, mas a cláusula acessória terá um efeito peculiar (art.
2243º/1): o nomeado adquire o direito legado antes do prazo estipulado, suspendendo-se somente a
execução da disposição principal.

3. Disposições modais

Tanto a instituição de herdeiro como a nomeação de legatário podem ser sujeitas a disposições modais, modos
ou encargos (art. 2244º), que são obrigações a cargo do beneficiário da liberalidade (comportamento ou
omissão de comportamento).

O encargo distingue-se da condição:

a) Suspensiva- o encargo não impede a produção de efeitos da disposição testamentária, apenas vincula
o beneficiário a adotar um determinado comportamento;
b) Resolutiva- no caso da condição, a liberalidade é configurada pelo autor como um mero instrumento
para obter uma finalidade; no encargo, o autor quer beneficiar alguém com uma atribuição
patrimonial, mas aproveita para alcançar um objetivo.

Não obstante isto, o art. 2245º manda aplicar aos encargos impossíveis e ilícitos o disposto sobre condições
testamentárias impossíveis e ilícitas. E o tribunal, quando o considere justificado e o testador não tenha
disposto coisa diversa, pode impor ao sucessível testamentário onerado pelas disposições modais a obrigação
de prestar caução (art. 2246º).

No caso de o beneficiário da liberalidade testamentária não satisfazer a obrigação correspondente ao encargo,


qualquer interessado por exigir o seu cumprimento (art. 2247º). A resolução da própria instituição de herdeiro
ou nomeação de legatário, com fundamento na não satisfação do encargo, só pode ser pedida pelo

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interessado se o testador assim o tiver determinado ou se for lícito concluir do testamento que a disposição
principal não teria sido mantida sem o cumprimento da disposição modal (art. 2248º/1).

Verificando-se um dos dois fundamentos da resolução do negócio testamentário pela não satisfação do modo,
o art. 2248º/3 estabelece que “o direito de resolução caduca passados cinco anos sobre a mora na satisfação
do modo e, em qualquer caso, decorridos vinte anos sobre a abertura da sucessão”.

◊ Instituição de fundações

As fundações podem ser instituídas por testamento. No ato de instituição testamentária, o de cuius deve
indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são destinados (art. 186º/1). A dotação patrimonial
mortis causa da futura pessoa coletiva pode ser feita mediante uma deixa a título de herança ou de legado.

O ato de instituição da fundação não pode ser revogado pelos herdeiros do testador, mas a dotação
patrimonial resultante de testamento não está imune ao instituto da redução de liberalidades (art. 185º/3).

Após a morte do testador, na falta ou insuficiência dos estatutos, compete aos executores testamentários
elaborá-los ou completá-los (art. 187º/1). Se não houver executores testamentários ou se estes não efetuarem
a elaboração total ou parcial dos estatutos, incumbe à autoridade competente a tarefa da elaboração (art.
187º/2).

O reconhecimento da fundação instituída é negado se o fim da fundação não for considerado de interesse
social (art. 188º/3 a)). Neste caso, o testamento fica sem efeito. É igualmente negado o reconhecimento
quando os bens afetados à fundação se mostem insuficientes ou inadequados para a prossecução do fim (art.
188º/3 b)).

» Ineficácia lato sensu do testamento

◊ Inexistência e invalidade do testamento

As situações de inexistência de testamento correspondem às do negócio jurídico em geral (ex: falta de


consciência da declaração, coação física) e estão submetidas ao regime geral: as disposições testamentárias
juridicamente inexistentes não produzem qualquer efeito. A inexistência pode ser invocada por qualquer
pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial.

Em contrapartida, no campo da invalidade, a lei estabelece regras especiais para o testamento, quer mediante
a estatuição específica de causas de invalidade, quer mediante a consagração de um regime próprio de
arguição e sanação das invalidades.

A estatuição específica de causas de invalidade ocorre a partir do art. 2179º, encontrando-se logo um caso no
art. 2180º. No entanto, também há situações em que a lei estabeleceu proibições sem ter fixado as
consequências da infração – veja-se, por exemplo, o art. 2181º: não podem testar no mesmo ato duas ou mais
pessoas. Se duas ou mais pessoas testarem no mesmo ato, qual será o desvalor? Nulidade? Anulabilidade?

O regime próprio de arguição e sanação de invalidades do testamento ou de disposição testamentária refere-


se à nulidade e à anulabilidade.

Nos termos do art. 2308º/1, a ação de nulidade do testamento ou de disposição testamentária caduca ao fim
de 10 anos, a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa de nulidade.
Assim, a nulidade testamentária não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

36
Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

O art. 2308º/2 determina que a ação de anulabilidade do testamento ou de disposição testamentária caduca
ao fim de 2 anos, a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa de
anulabilidade.

Apesar da livre revogabilidade do testamento, a invalidade pode ser invocada em vida do de cuius, por
exemplo, para obstar à entrega de bens a legatários e a herdeiros no caso de curadoria definitiva (art. 102º).

Para efeitos de arguição das invalidades, são interessados todos os que serão chamados a suceder se o
testamento ou a disposição for invalidada (ex: os sucessíveis legítimos).

O art. 2310º atribui caráter imperativo ao regime da arguição das invalidades.

O art. 2309º estabelece um regime próprio de confirmação: não pode prevalecer-se da nulidade ou
anulabilidade do testamento ou da disposição testamentária aquele que a tiver confirmado. A confirmação
feita por um interessado impede apenas que ele venha a invocar a invalidade testamentária atípica em apreço;
não extingue o direito de arguição que hipoteticamente assista a outros interessados.

→ O Prof. Guilherme de Oliveira não admite a confirmação de todas as disposições testamentárias nulas.
Não seriam suscetíveis de confirmação, nomeadamente, as disposições contrárias à ordem pública e
aos bons costumes, e as disposições de caráter pessoal contrárias à lei, como uma perfilhação de um
nascituro feita antes da conceção (art. 1855º).
→ O Prof. Oliveira Ascensão considera que “se há um mero escrito particular que o de cuius designou
testamento, não se pode supor a caducidade da ação ou a confirmação”, pelo que tal testamento seria
inexistente. Isto, não obstante o que decorre do art. 2206º/5.
→ O Prof. JDP defende que não se pode dizer que a nulidade típica, sem prazo e suscetível de
conhecimento oficioso, regulada no art. 286º, não se aplica ao negócio testamentário. Essa nulidade
afeta as disposições testamentárias, condicionais ou modais, ilícitas ou impossíveis, que se têm por
não escritas (arts. 2229º e 2245º). E tem de se aplicar às disposições testamentárias principais ilícitas
(art. 280º/1), impossíveis (art. 280º/2), essencialmente determinadas por um fim ilícito (art. 2186º)
ou que não observem a forma legalmente prescrita (arts. 220º e 2206º/5). Deste modo, a invalidade
do negócio testamentário pode consistir, por ordem de gravidade, numa nulidade típica, atípica ou
anulabilidade atípica.

Na falta de estatuição específica, qual será então a consequência da infração de uma determinada norma legal
relativa ao negócio testamentário? Normalmente, a nulidade (art. 294º), mais precisamente a nulidade
atípica, criada que foi especialmente para o negócio testamentário. Nas situações menos graves, em que se
afigure excessivo o prazo de arguição da nulidade típica, terá sentido a anulabilidade atípica. E nas situações
em que se afigure incompatível a entrega da relevância da invalidade à iniciativa (ou falta de iniciativa) dos
interessados, só poderá haver nulidade típica.

◊ Revogação do testamento

A revogação do testamento corresponde a um ato jurídico do autor pelo qual ele manifesta vontade de
extinguir o negócio que realizou. A revogação é um modo de extinção e de ineficácia do negócio jurídico, que
se demarca da caducidade: esta última figura também extingue o testamento mas não consiste num ato
jurídico: o efeito extintivo da caducidade decorre de um facto jurídico.

O art. 2179º/1 define o testamento como um ato revogável. O art. 2311º/1 proíbe a renúncia do testador à
faculdade de revogar o testamento. O nº 2 do mesmo artigo estabelece que se tem por não escrita qualquer
cláusula testamentária que contrarie esta faculdade. Por conseguinte, fixa-se uma nulidade típica.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

☼ Modalidades de revogação:

a) Revogação total vs revogação parcial, com base no critério do âmbito da revogação do testamento. O
art. 2311º/1 alude à faculdade de revogar, no todo ou em parte, o testamento.
b) Revogação expressa vs tácita vs real, classificação assente no modo de operar da revogação do
testamento. A terceira modalidade é específica do negócio testamentário que, em sede geral, não é
autonomizada da revogação tácita. Há revogação expressa de um testamento quando o testador
declara, num testamento posterior ou em escritura pública subsequente, que revoga no todo ou em
parte aquele testamento (art. 2312º). Há revogação tácita de um testamento quando o mesmo autor
faça um testamento posterior incompatível (art. 2313º/1). Se aparecerem dois testamentos
incompatíveis com a mesma data, haver-se-ão por não escritas em ambos as disposições
contraditórias (art. 2313º/2). A revogação real opera por destruição física do testamento ou por
alienação ou transformação da coisa legada. O art. 2315º refere-se à revogação real por destruição
física ou inutilização do testamento; o art. 2316º regula a revogação real por alienação ou
transformação da coisa legada.

Uma mesma revogação do testamento é suscetível de ser qualificada à luz dos critérios das duas classificações.
Por exemplo, a revogação de um testamento pode ser simultaneamente parcial e expressa.

Nos termos do art. 2314º vigora a regra de que a revogação do testamento revogatório não prejudica a
revogação efetuada por este testamento. Todavia, o nº 2 do mesmo artigo prevê que o testamento anterior
ao testamento revogatório que, por seu turno, foi revogado, recobre a sua força (roboração), se o testador
revogando o posterior, declarar ser sua vontade que revivam as disposições do primeiro.

◊ Caducidade do testamento

A caducidade do testamento abrange todas as causas de ineficácia do negócio que não se reconduzam à
inexistência, à invalidade, à revogação e à inoficiosidade.

O art. 2317º contém um elenco meramente exemplificativo de casos de caducidade de disposições


testamentárias, repartido por 5 alíneas:

a) Se o instituído ou nomeado falecer antes do testador, salvo havendo representação sucessória;


b) Se a instituição ou nomeação estiver dependente de condição suspensiva e o sucessor falecer antes
de a condição se verificar;
c) Se o instituído ou nomeado se tornar incapaz de adquirir a herança ou o legado;
d) Se o chamado à sucessão era cônjuge do testador e à data da morte deste se encontravam divorciados
ou separados judicialmente de pessoas e bens ou o casamento tenha sido declarado nulo ou anulado,
por sentença já transitada ou que venha a transitar em julgado, ou se vier a ser proferida,
posteriormente àquela data, sentença de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração
de nulidade ou anulação do casamento;
e) Se o chamado à sucessão repudiar a herança ou o legado, salvo havendo representação sucessória.

As alíneas a) e e) não obstam ao funcionamento de outras vocações indiretas na sucessão testamentária, além
do direito de representação. Se o sucessível falecer ao mesmo tempo que o de cuius (comoriência), tudo se
passa como se aquele tivesse morrido antes.

Não é difícil detetar casos de caducidade que não estão compreendidos no enunciado do art. 2317º:

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

(i) Novo casamento do beneficiário de deixa testamentária que era cônjuge do testador, se tiver
havido violação do prazo internupcial (art. 1650º/1);
(ii) Caducidade da convenção antenupcial em que esteja contida disposição testamentária (art. 1704º
e 1716º);
(iii) Invalidade ou revogação de uma disposição testamentária contida em convenção antenupcial que
seja correspetiva de outra, nos termos do art. 1706º/1;
(iv) Não exercício do direito de aceitar ou repudiar a sucessão testamentária dentro do prazo
legalmente fixado (art. 2059º);
(v) Não verificação de condição suspensiva ou preenchimento de condição resolutiva (art. 2229º);
(vi) Etc.

» A situação jurídica dos sucessíveis testamentários, em vida do de cuius

o Ao sucessível testamentário é reconhecida legitimidade para requerer a entrega de bens daquele cuja
ausência foi justificada (art. 101º a 103º).
o Em vida do de cuius, o sucessível testamentário pode arguir a nulidade e a anulabilidade do
testamento do autor da sucessão (arts. 289º e 2308º/1 e 2);
o Pode requerer a declaração judicial de indignidade daquele que por meio de dolo ou coação induziu
o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento ou disso o impediu, bem como daquele
que dolosamente subtraíu, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, ou se aproveitou de algum
desses factos (arts. 2304º/c) e d) e 2305º).

Apesar disto, o sucessível legítimo, antes da morte do de cuius, não é mais do que titular de um interesse
reflexamente protegido.

 A SUCESSÃO CONTRATUAL

☼ Modalidades de Pactos Sucessórios

O art. 2028º, relativo à sucessão contratual, prevê no nº 1 três modalidades de pactos sucessórios:

a) Pactos renunciativos – mediante os quais alguém renuncia à sucessão de pessoa ainda viva;
b) Pactos aquisitos ou designativos – mediante os quais alguém regula a sua própria sucessão. Nada
mais são do que doações por morte, através dos quais o doador designa o donatário seu herdeiro ou
legatário. Apenas estes são válidos (se forem celebrados em convenção antenupcial);
c) Pactos dispositivos – mediante os quais alguém dispõe de sucessão de terceiro ainda não aberta.

Por força do art. 2028º/2, apenas são válidos os pactos sucessórios nos casos previstos na lei. Daqui resulta
que são nulos os pactos puramente renunciativos e dispositivos, mas que podem ser válidos alguns pactos
designativos. A nulidade em causa só pode ser a dos negócios jurídicos em geral (arts. 285º e ss), não sendo
aplicável uma nulidade atípica, exclusiva das disposições testamentárias (arts. 2308º e ss).

A regra da proibição dos pactos sucessórios que vigora no nosso ordenamento destina-se a garantir a
faculdade individual de decisão do de cuius quanto à disposição por morte dos seus bens e do sucesssível
quanto ao exercício do direito de suceder.

O pacto designativo é um ato bilateral que, em princípio, não é livremente revogável pelo doador mortis
causa: a bilateralidade do pacto condiciona o teor das deixas a título de herança e de legado. A não

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

revogabilidade unilateral impede que o de cuius pratique atos unilaterais de disposição mortis causa a título
gratuito (e, às vezes, até a título oneroso) incompatíveis com as cláusulas pactícias.

Os pactos renunciativos, designativos ou dispositivos vinculam todas as partes, incluindo aquela que renuncia
a uma sucessão, é designada para suceder à outra parte ou dispõe da sucessão de terceiro:

→ Ora, o pacto renunciativo traduz-se num ato de repúdio; os pactos designativos e dispositivos
encerram atos, expressos ou tácitos, de aceitação. O sucessível renunciante, designado ou
disponente, exerce, portanto, a faculdade de aceitar ou repudiar uma sucessão. Os atos de aceitação
e de repúdio, estando integrados em contratos sucessórios, foram concertados entre o autor e a outra
parte, não são unilateralmente revogáveis. E, referindo-se a uma sucessão ainda não aberta, são
praticados numa altura em que o seu autor não está em condições de tomar uma decisão esclarecida,
dada a suscetibilidade de variação do património hereditário e do mapa de sucessíveis até ao
momento da morte do de cuius.

» Pactos sucessórios designativos

Em regra, as doações por morte são nulas, como resulta dos arts. 946º/1 e 2028º/2. As doações por morte
inválidas são alvo de conversão em disposições testamentárias, nos termos do art. 946º/2, preceito que é
ressalvado pelo art. 2028º/2. Ou seja, o negócio muda de natureza, passa de uma doação para uma disposição
testamentária.

O art. 946º/2 estabelece que será havida como disposição testamentária a doação por morte “se tiverem sido
observadas as formalidades dos testamentos”. Como é muito raro que duas partes celebrem uma doação
observando as formalidades dos testamentos, a doutrina (nomeadamente, Oliveira Ascensão, Pamplona Corte
Real, Menezes Leitão) entende que, para operar a conversão, basta que a doação por morte seja feita por
escritura pública, forma que se aproxima do testamento público.

 Em casos excecionais, ressalvados genericamente pelos arts. 2028º/3 e 946º/2, os pactos designativos
são válidos – para serem válidos:
(i) Os pactos designativos têm de ser feitos em convenção antenupcial (arts. 1699º/1 a), 1700º,
1701º, 1705º e 1710º);
(ii) Além disso, entre as partes do pacto designativo tem de estar pelo menos um esposado, como
doador ou donatário.

As doações por morte que não observem estas condições relevam, quando muito, enquanto disposições
testamentárias, nos termos do art. 946º/2 – art. 1756º/2. Os pactos designativos que observem as condições
são admitidos em nome do princípio do favorecimento matrimonial.

Em todos os pactos designativos válidos são admitidas cláusulas de reversão ou fideicomissárias (art. 1700º/2).

- O art. 960º aplica-se às cláusulas de reversão contidas em pacto sucessório.

- Os arts. 2286º a 2296º aplicam-se, com as devidas adaptações, às cláusulas fideicomissárias a que estejam
sujeitas as doações por morte.

- As cláusulas de reversão ou fideicomissárias relativas a doações por morte feitas na convenção antenupcial
são revogáveis livremente e a todo o tempo pelo doador (art. 1707º).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

- Nada impede, por igualdade ou maioria de razão, a aposição aos pactos designativos de cláusulas de
substituição direta, subordinadas a uma disciplina de revogação idêntica à das cláusulas de reversão ou
fideicomissárias e, com as devidas adaptações, ao disposto nos arts. 2281º a 2285º.

Os pactos designativos válidos podem ser agrupados segundo dois grandes critérios:

a) Qualidade do beneficiário – há que distinguir entre doações por morte feitas por esposado em favor
de terceiro e doações para casamento por morte (que têm necessariamente como beneficiário um
dos esposados).
b) Objeto – impõe-se uma contraposição dos pactos de instituição de herdeiro aos pactos de nomeação
de legatário.

» Regime dos pactos designativos válidos

◊ Segundo o critério do beneficiário:

As doações para casamento são genericamente reguladas nos arts. 1753º a 1760º. O art. 1755º/2 refere-se
especificamente às doações mortis causa para casamento, mandando aplicar o previsto nos arts. 1701º a
1703º, sem prejuízo do preceituado nos arts. 1756º a 1760º.

 As doações mortis causa para casamento feitas por terceiros só podem ser revogadas por mútuo
consentimento das partes. Não é possível a revogação unilateral (expressa), nem é lícito ao doador
prejudicar o donatário por atos gratuitos de disposição (art. 1701º/1), inter vivos ou mortis causa.
 As doações mortis causa para casamento entre esposados são irrevogáveis (arts. 1758º, 1701º/1 a
contrario).
 As doações mortis causa a favor de terceiro, em princípio, só podem ser revogadas com o
consentimento de ambas as partes (arts. 1705º/1 e 1701º/1). Todavia, a doação mortis causa a favor
de terceiro é livremente revogável pelo doador (que é necessariamente um esposado), se este tiver
reservado contratualmente a faculdade de revogação unilateral (art. 1705º/2).

Estando subordinadas à regra da irrevogabilidade ou da revogação bilateral, as doações mortis causa limitam
o exercício do direito de disposição a título gratuito pelo doador. Mas as doações mortis causa limitam
também as prerrogativas do donatário:

O donatário aceitou a proposta de doação por morte em vida do de cuius. Deste modo, se tiver capacidade
sucessória passiva, adquire automaticamente o estatuto de sucessor, obtendo a titularidade das situações
jurídicas patrimoniais abrangidas pelo pacto sucessório, sem ter que voltar a aceitar e sem a faculdade de
repudiar. Esta ideia é confirmada pelo art. 2055º, que só coloca o problema da aceitação ou de repúdio, após
o chamamento, no que respeita aos títulos legais e testamentário.

Na altura da abertura da sucessão, a posição do sucessível contratual é, assim, análoga à do Estado, enquanto
sucessível legítimo (art. 2154º).

→ As regras de caducidade dos pactos sucessórios variam em razão do beneficiário:

- O art. 1703º/1 determina a caducidade dos pactos sucessórios para casamento nos casos previstos no
art. 1760º. No entanto, a remissão vale apenas para o nº 1 a) do art. 1760º. O nº 1 b) e o nº 2 do art. 1760º
foram tacitamente revogados pela Lei 61/2008 de 31 de outubro, que alterou a redação do art. 1791º:

A nova redação do art. 1791º/1 implica a caducidade dos pactos sucessórios para casamento se ocorrer
divórcio (ou separação de pessoas e bens, nos termos do art. 1794º), independentemende de ter sido ou não
o donatário responsável pela rutura.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

- Os pactos a favor de esposados também caducam no caso de o donatário falecer antes do doador, a não
ser que se verifique a situação do art. 1703º/2:

O art. 1703º/2 prevê uma hipótese de direito de representação em favor de descendentes nascidos do
casamento, o que se justifica à luz do princípio do favorecimento matrimonial, que é o motivo da
admissibilidade excecional de certos pactos designativos.

- Os pactos sucessórios a favor de terceiros caducam nos casos previstos para a caducidade das convenções
antenupciais em que se inserem (arts. 1705º/1 in fine e 1716º); se o donatário falecer antes do doador (art.
1705º/4); e nos termos do art. 1706º/1.

- Ao abrigo do art. 1706º/1, se ambos os esposados instituírem terceiros seus herdeiros, ou fizerem legados
em seu benefício, e ficar consignado na convenção antenupcial o caráter correspetivo das duas disposições,
a invalidade ou revogação de uma das disposições produz a caducidade da outra. As disposições dizem-se
correspetivas “quando estão incidivelmente vinculadas uma à outra, no ânimo do disponente, de tal modo
que cada uma delas tenha como condição ou como motivo essencial a realização da outra”.

◊ Segundo o critério do objeto:

Através dos pactos sucessórios, podem ser designados herdeiros ou legatários, independentemente de quem
seja o beneficiário.

O art. 1702º regula a instituição de herdeiro em favor de esposado, sendo aplicável também à instituição de
terceiro, nos termos do art. 1705º/1. A deixa contratual pode ter por objeto uma quota ou a totalidade da
herança:

- Se a instituição contratual tiver por objeto uma quota da herança, para efeitos de determinação do valor
desta quota, deve atender-se ao valor dos bens de que o doador haja disposto gratuitamente depois da doação
(art. 1702º/1). Isto significa que a fórmula de cálculo do VTH contratual é:

R + D (posterior) – P (JDP! PCR diz que não se abate o passivo)

- Quando a instituição abarcar a totalidade da herança, o doador pode dispor gratuitamente, em vida ou por
morte, de uma terça parte dela, quantificada com base na fórmula de cálculo da herança contratual (art.
1702º/2). É lícito ao de cuius, no ato de doação, renunciar no todo ou em parte à faculdade de dispor da terça
parte da herança (art. 1702º/3).

O art. 1701º refere-se aos pactos sucessórios em favor dos esposados, mas é aplicável também àqueles que
tenham terceiros como beneficiários (ex vi do art. 1705º/1).

- Depois do art. 1701º/1 esclarecer que nem o herdeiro nem o legatário podem ser prejudicados por atos
gratuitos de disposição unilateralmente efetuados pelo donatário, os nºs 2 e 3 disciplinam especificamente o
legado contratual:

o O bem legado por doação mortis causa não pode ser alienado pelo doador, seja a título gratuito, seja
a título oneroso, a não ser que a alienação se funde em grave necessidade própria ou dos membros
da família a seu cargo e tenha havido autorização do donatário ou o respetivo suprimento judicial.
o A alienação ilícita do bem legado é nula, nos termos do art. 294º e a invalidade é invocável pelo
legatário antes da abertura da sucessão. O ato de disposição mortis causa de bem previamente legado
por pacto sucessório é igualmente nulo, por força do art. 294º.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

o Na relação entre o autor da sucessão e o terceiro adquirente, ou beneficiário da liberalidade mortis


causa, a nulidade é atípica, aplicando-se, analogicamente, os arts. 892º e ss (alienação a título
oneroso), o art. 956º (doação em vida ou por morte) ou o art. 2251º (legado testamentário).
o A alienação lícita do bem deixado por pacto sucessório converte o legado contratual de bem
determinado num legado de valor ou dinheiro.

A situação do sucessível contratual, designado herdeiro ou legatário em vida do de cuius, é algo análoga à do
legitimário:

- O sucessível contratual não tem o direito de exigir os bens doados por pacto sucessório em vida do de cuius,
mas beneficia de tutela contra negócios subsequentes;

- A massa de cálculo da herança contratual inclui os bens doados em vida após o pacto sucessório (e o valor
de todo o relictum, portanto, dos bens que foram eventualmente objeto de disposições testamentárias ou
doações por morte). As doações em vida posteriores ao pacto (bem como as doações por morte e as
disposições testamentárias) que ofendam a posição do sucessível contratual são suscetíveis de impugnação
lato sensu, embora esta só possa ser requerida após a abertura da sucessão.

- Ele é, portanto, titular de uma expectativa jurídica, antes da abertura da sucessão. Essa expectativa é mais
forte no caso do legatário do que no do herdeiro, porque o primeiro pode arguir a nulidade dos negócios
subsequentes ao pacto que tenham caráter gratuito ou oneroso, enquanto que o herdeiro só pode impugnar
os negócios gratuitos posteriores.

» Sucessão contratual anómala?

Certos negócios bilaterais válidos que não se enquadram, à primeira vista, na apontada definição de negócios
sucessórios, apresentam relevância sucessória ou desempenham uma função de atribuição patrimonial muito
parecida com a das deixas testamentárias e pactícias.

Surge então a questão: não serão estes negócios bilaterais válidos, afinal, pactos sucessórios abrangidos pela
previsão do art. 1700º/1, dando corpo a uma sucessão contratual anómala?

A questão pode pôr-se relativamente a certas doações em vida e a um conjunto de contratos que se
reconduzem ao que se pode chamar “institutos alternativos ao testamento”:

◊ As doações em vida têm reflexos sucessórios: o seu valor integra a massa de cálculo que permite o
apuramento do montante da herança legitimária (art. 2162º/1) e da herança contratual (art. 1702º/1).
Além disso, aplicam-se às doações em vida, com ou sem adaptações, as regras da sucessão
testamentária (arts. 949º/1, 953º, 962º/2 e 967º).

Dentro do grupo de doações em que o efeito principal de transmissão da propriedade da coisa doada se
produz já em vida do doador, há até um número de situações relativamente às quais surge a dúvida acerca da
sua inclusão ou não no âmbito do Direito das Sucessões: doações com reserva de usufruto, com reserva do
direito de dispor e cum moriar, das doações si praemoriar, das doações que realizam a partilha em vida e das
doações em vida imputáveis na legítima subjetiva do donatário. No entanto, à luz do critério que anima a
bipartição entre atos mortis causa e intervivos, estas e outras doações em vida são forçosamente atos inter
vivos, dado o momento em que produz aquele que é o efeito principal das liberalidades contratuais (art.
954º/a)) – a atribuição ao donatário de um direito sobre os bens doados.

◊ Do art. 443º resulta que o contrato a favor de terceiro é aquele mediante o qual uma das partes (o
promitente) assume perante outra (o promissário) a obrigação de efetuar uma prestação a favor de

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

terceiro (ou de remitir dívidas, ceder créditos, constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos
reais).

A prestação a favor de terceiro pode consistir numa liberalidade destinada a produzir efeitos após a morte do
promissário (art. 450º/2 e 451º). Se a prestação a favor de terceiro se destinar a ser cumprida após a morte
do promissário, presume-se então que só depois do falecimento deste o terceiro adquire o direito a ela (art.
451º/1). Todavia, quando o terceiro morrer antes do promissário, os seus herdeiros são chamados em lugar
dele à titularidade da promessa (art. 451º/2), num mecanismo que lembra o direito de representação.

O seguro de vida constitui um bom exemplo de contrato a favor de terceiro em que a prestação se destina a
ser efetuada após a morte do promissário: por morte do segurado, o beneficiário do seguro de vida adquire a
título gratuito um capital que lhe é entregue pela empresa seguradora.

◊ Por morte do titular, a participação social pode extinguir-se ou transmitir-se. Havendo extinção, a
participação social não constitui objeto de sucessão (art. 2025º). Havendo transmissão mortis causa,
o destino da participação social pode depender de certos requisitos constantes do contrato de
sociedade ou da vontadedos restantes sócios. Nestes casos em que a transmissão mortis causa da
participação social pressupõe o preenchimento de requisitos constantes do contrato de sociedade
ou o consentimento dos sócios sobrevivos, importa perguntar se não se estará perante manifestações
admissíveis de sucessão contratual. JDP diz que não.

 A SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

A sucessão legitimária é uma modalidade autónoma da sucessão- arts. 2156º a 2178º.

Na maior parte das vezes, a porção deferida por via legitimária iguala ou excede aquela que é suscetível de
ser deferida por sucessão voluntária (arts. 2158º a 2161º).

A sucessão legitimária observa regras específicas: por exemplo, quanto à determinação dos sucessíveis (art.
2157º), quanto à massa de cálculo (art. 2162º) e pela previsão de institutos concebidos exclusivamente para
a proteção dos legitimários (arts. 2163º a 2178º).

A sucessão legitimária é injuntiva, mas apenas na medida em que não pode ser afastada pelo autor da
sucessão. O sucessível legitimário não é obrigado a suceder. Excetuando o Estado, na sucessão legítima,
qualquer sucessível, incluindo o legitimário, é sempre livre de aceitar ou repudiar a herança ou o legado.

» Legítima e legitimários

São sucessíveis legitimários o cônjuge e os parentes na linha reta do de cuius, pela ordem e segundo as regras
estabelecidas para a sucessão legítima (art. 2157º). A eficácia sucessória da adoção é idêntica à da filiação
biológica (art. 2157º, ressalva do proémio do art. 2133º/1 e art. 1986º/1), e o mesmo se passa com a filiação
por PMA heteróloga.

Os ascendentes sucedem na falta de descedentes e, não operando o direito de representação, vigora o


princípio da preferência de graus de parentesco (arts. 2157º, 2133º/1, 2134º, 2135º e 2138º). Aqueles que
gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, dentro de uma modalidade de sucessão, são conhecidos
como “sucessíveis prioritários”.

O art. 2156º refere-se à legítima objetiva, que corresponde à chamada quota indisponível (QI) ou “herança
legitimária”. À quota indisponível opõe-se a quota disponível (QD), porção de que o de cuius pode dispor
livremente a título gratuito, seja por ato inter vivos seja por ato mortis causa.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

A legítima subjetiva é a quota da herança que cabe a um sucessível enquanto legitimário. Coincide com a
quota indisponível quando haja um único sucessível legitimário. Havendo mais do que um, a legítima subjetiva
é a parte da quota indisponível que cabe a cada sucessível legitimário.

A legítima objetiva ou quota indisponível vai de 1⁄3 a 2⁄3 (arts. 2158º a 2161º):

a) É de 1⁄3 quando os legitimários chamados sejam apenas ascendentes do 2º grau e seguintes.


b) É de metade quando ao autor da sucessão sobreviva só o pai e mãe, unicamente um deles, um
descendente ou somente o cônjuge.
c) Será de 2⁄3 nas demais hipóteses: existência de vários filhos, concurso de cônjuge com parentes na
linha reta.

A divisão da quota indisponível faz-se por cabeça, a não ser nos casos de direito de representação, de concurso
do cônjuge com mais de três filhos ou com ascendentes (arts. 2157º, 2136º, 2138º, 2139º e 2141º). Não se
discriminam os filhos nascidos fora do casamento relativamente aos restantes.

- Havendo concurso com mais de três filhos, ao cônjuge caberá uma legítima subjetiva coincidente com 1⁄4 da
quota indisponível.

- Havendo concurso com ascendentes, ao cônjuge caberá uma legítima subjetiva coincidente com 2⁄3 da quota
indisponível.

O cônjuge sobrevivo é um sucessível legitimário privilegiado: para além do descrito anteriormente, na partilha
tem o direito a ser encabeçado no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do
respetivo recheio (art. 2103º A/1).

» Cálculo da Legítima

No cálculo da legítima, atende-se à fórmula seguinte (art. 2162º/1):

VTH (valor total da herança) = R (relictum) + D (donatum) – P (passivo)

Note-se que esta fórmula apenas tem aplicação na sucessão legitimária. Na sucessão contratual a fórmula é
outra e na sucessão testamentária e na sucessão legítima não se contabiliza o donatum.

Sendo que:

o R (relictum): valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte (da
abertura da sucessão), incluindo os bens legados. Se o de cuius era casado num regime de comunhão
(geral ou de adquiridos), o valor de R será igual à soma do valor dos seus bens próprios com o valor
da meação nos bens comuns do casal. Os bens deixados por testamento ou doados por morte
integram R.
o D (donatum): valor dos bens doados em vida e das despesas sujeitas a colação (art. 2110º - todas as
liberalidades em vida exceto despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento, etc.). O valor
dos bens doados e a das despesas sujeitas a colação é aferido no momento da abertura da sucessão
(art. 2109º/1). Não são consideradas as coisas doadas que tiverem perecido em vida do de cuius por
facto não imputável ao donatário (art. 2109º/2, a contrario e 2112º, ex vi do art. 2162º/2).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

o P (passivo): todos os encargos da herança, à exceção dos bens legados. Exemplos: despesas com o
funeral, encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário e dívidas
do falecido (art. 2068º).

→ Como calcular a quota indisponível ou legítima objectiva? – arts. 2158º ss.

◊ 1/3 da herança quando os legitimários chamados sejam apenas ascendentes do 2º grau (avós) e
seguintes (bisavós) - art. 2161º/2.

◊ 1/2 da herança quando:


a) Sobrevivam pai e mãe (dois ascendentes) – art. 2161º/2;
b) Sobreviva apenas o pai ou a mãe (um ascendente);
c) Sobreviva apenas o cônjuge – art. 2158º;
d) Sobreviva apenas um filho, sem cônjuge – art. 2159º/2.

◊ 2/3 da herança quando:


a) Existência de vários filhos, sem cônjuge – art. 2159º/2;
b) Concurso entre cônjuge e filhos – art. 2159º/1;
c) Concurso entre cônjuge e ascendentes – art. 2161º.

» Imputação de liberalidades (negociais)

A imputação de liberalidades precede a redução de liberalidades inoficiosas, a partilha na sucessão legitimária


e a abertura da sucessão legítima.

São imputadas na quota disponível (QD) as liberalidades feitas pelo autor da sucessão em benefício de
terceiro, ou seja, que não seja sucessível legitimário prioritário.

A regra é a de que o autor pode livremente escolher em que quota as liberalidades devam ser imputadas,
desde que a quota escolhida não esteja preenchida. Todavia, frequentemente não é possível apurar essa
vontade, e a questão não é tão linear quando o donatário é também sucessível legitimário. Assim, cumpre
distinguir:

 Liberalidades em vida (doações inter vivos): devem ser imputadas na legítima subjetiva do donatário
(na parte que lhes pertence na QI).

- Colação (art. 2104º): instituto que visa a igualação dos descendentes na partilha do de cuius, mediante a
restituição fictícia à herança dos bens que foram doados em vida por este a um deles. Na falta de manifestação
de vontade do autor da liberalidade, presume-se que a doação se limita a preencher antecipadamente a quota
que caberá ao donatário na herança do de cuius. São bens sujeitos à colação: bens doados em vida, frutos da
coisa doada, etc. (arts. 2109º ss).

Pessoas obrigadas à colação:

(a) Descendentes que eram à data da doação presuntivos herdeiros legitimários do doador (arts. 2104º e
2105º);
(b) Representante desses descendentes (arts. 2105º e 2106º);
(c) Transmissários do direito de suceder.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Não estão obrigados à colação:

(i) Descendentes que não eram à data da doação sucessíveis legitimários prioritários;
(ii) Cônjuge do de cuius – na opinião de JDP, apesar de não haver nenhuma disposição legal que o
exclua expressamente do âmbito da colação, ele não vem referido nos arts. 2104º e 2105º e tal
omissão não constitui uma lacuna: isto porque o instituto da colação se funda numa presunção
legal de que o autor da sucessão, quando faz uma doação a um dos filhos, não pretende avantajá-
lo relativamente aos demais, baseando-se na ideia de que, em princípio, um pai não deseja tratar
de forma diferente os seus filhos. Uma vez que a condição de cônjuge é obviamente diversa da de
filho, o Prof. considera forçado partir do pressuposto de que normalmente o de cuius pretende
tratar de igual modo aquele e este. Assim, as doações feitas ao cônjuge são imputadas na QD.

- Contrariamente a este entendimento, Oliveira Ascensão, que sujeita por analogia o cônjuge à colação,
quando ela concorra com descendentes, argumentando com a existência de uma lacuna fruto da inferior
qualidade técnica da reforma de 1977 que se esqueceu de alterar as regras da colação depois de ter atribuído
ao cônjuge a qualidade de sucessível legitimário prioritário com a possibilidade de concorrer com
descendentes do de cuius;

(iii) Ascendentes.

o Dispensa da colação: o art. 2113º/1 admite que a colação possa ser dispensada pelo doador. A
dispensa pode ser feita no ato de doação ou posteriormente, pela mesma forma pela qual foi feita a
doação ou por testamento (art. 2113º/1 e 2). Sendo posterior à doação, a dispensa tem de ser aceite
pelo donatário.

A dispensa da colação obsta à imputação da doação na QI, sendo prioritariamente imputada na QD (art.
2114º/1).

A dispensa de colação feita no testamento está subordinada ao regime do negócio testamentário, sendo
unilateralmente revogável. A dispensa de colação que for realizada no ato de doação reveste natureza
bilateral e só pode ser revogada por mútuo consentimento dos contraentes (contra, PCR: a dispensa é sempre
livre; como resulta do art. 2113º/2, que admite a sua estipulação num testamento, “a dispensa de colação,
mesmo que inserida numa doação, corresponde a um negócio unilateral de natureza mortis causa, embora
em união de atos com a liberalidade em vida).

o Doações sujeitas a colação feitas a legitimário que não quis ou não pôde aceitar a sucessão: não há
colação se o donatário não quiser ou não puder aceitar a sucessão, sem ter descendentes que o
representem.

- Se, porém, não houver lugar à colação pelo facto de o donatário repudiar a herança sem ter descendentes
que o representem, o art. 2114º/2 estabelece que a doação é imputada na QI. A doação feita ao repudiante
é imputada numa legítima subjetiva fictícia, destinada apenas a suportar o valor da liberalidade; se for inferior
à respetiva quota hereditária legal, opera o acrescer na sucessão legal em favor dos co-herdeiros,
relativamente à diferença, nos termos gerais.

- As doações sujeitas a colação feitas a legitimário que não pôde aceitar a sucessão por motivo de indignidade
ou deserdação, sem ter descendentes que o representem, são imputadas na QI, por aplicação analógica do
art. 2114º/2. Esta solução explica-se pelo facto de que se fosse imputada na QD, haveria mais probabilidade
de haver redução por inoficiosidade (cujas primeiras deixas a ser reduzidas são as DTH). Deste modo, poderia
acontecer que alguém combinasse com os sucessíveis da sua classe que iria repudiar, de modo a que eles

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

recebessem na sua QD essa doação, sendo que quando se procedesse à redução por inoficiosidade, as que
seriam primeiramente reduzidas seriam as DTH e assim eles poderiam conservar o valor da doação.

- Já as doações sujeitas a colação feitas a legitimário que não pôde aceitar a sucessão por motivo de não
sobrevivência ao de cuius, sem ter descendentes que o representem, são imputadas na QD (contra, Cristina
Araújo Dias, que aplica analogicamente o 2114º/2).

 Liberalidades por morte (doações mortis causa: por pacto sucessório ou testamento): devem ser
imputadas na QD.

» Intangibilidade da legítima

O sucessível legitimário beneficia de uma protecção especial, fundada no princípio da intangibilidade da


legítima, com duas vertentes:

1. Vertente qualitativa: o de cuius não pode, contra a vontade do legitimário, substituir a sua legítima
por uma deixa testamentária, preenchê-la com bens determinados ou onerá-la com encargos (arts.
2163º, 2164º e 2165º).
2. Vertente quantitativa: o de cuius não pode privar o legitimário, injustificadamente (excetuam-se as
causas de indignidade ou de deserdação), do valor, total ou parcial, que lhe assiste a título de legítima.
Neste sentido, veja-se o regime dos institutos da deserdação (arts. 2166º ss) e da redução de
liberalidades (arts. 2168º ss).

Quanto ao último aspecto apontado (redução das liberalidades), cumpre apreciar separadamente:

Liberalidades inoficiosas:

As liberalidades inoficiosas (ie, aquelas que, pelo seu valor avultado, impeçam o sucessível legitimário de obter
o montante da sua legítima, art. 2168º – ex: excedendo o valor da quota disponível) são redutíveis em tanto
quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (art. 2169º). O valor da inoficiosidade calcula-se do
seguinte modo:

Inoficiosidade = VTL – QD

Sendo que VTL corresponde ao valor total das liberalidades: doações em vida, deixas testamentárias, doações
mortis causa, etc.

A fim de se eliminar a situação de inoficiosidade, a redução das liberalidades é feita pela seguinte ordem (art.
2171º):

o 1º: deixas testamentárias a título de herança;


o 2º: deixas testamentárias a título de legado;

Em qualquer dos casos, a redução das disposições testamentárias será feita proporcionalmente (art. 2172º/1).

o 3º: doações inter vivos (art. 2168º) ou mortis causa (por analogia – arts. 1705º/3 e 1759º).

A redução das liberalidades contratuais será feita da mais recente para a mais antiga (art. 2173º/1).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Exemplos:

A †, deixando bens no valor de 100 (R). Sobrevive o seu filho único B (a legítima de um filho único é de 1/2 da
herança – art. 2159º, nº 2) e:

1) A doou em vida o bem x a C, deixou por testamento o bem n a D e toda a QD a E. À data da abertura
da sucessão os bens x e n valiam 20 cada um (recorde-se que o valor do bem n já está imputado em
R, pelo que não há que acrescentá-lo ao donatum).

VTH = R + D – P =
= 100 + 20 – 0 =
= 120

QI = 1/2 x VTH =
= 1/2 x 120 =
= 60

B: 60

QD = VTH – QI=
= 120 – 60 =
= 60

VTL = 20 (C) + 20 (D) + QD (E) =


= 20 + 20 + 60 =
= 100
C: 20

D: 20

E: 60

= 100

Mas A apenas pode dispor de 60 na QD, sob pena de afetação da legítima do seu filho único B (60). Assim:

Inoficiosidade = VTL – QD =
= 100 – 60=
= 40 (o excesso face ao valor de que pode dispor pela QD).

A deixa testamentária a título de herança, deixada a E (num total de 60 – toda a QD) é a primeira a ser reduzida
em tanto quanto for necessário para que a legítima de B seja preenchida (arts. 2169º e 2171º). Havendo uma
inoficiosidade de 40, E apenas irá receber bens no valor de 20, mantendo-se intangível a legítima de B.

2) Imaginemos que em vez da QD, A deixou a E o bem z, que à data da sua morte valia 60.

Subsiste uma inoficiosidade de 40, uma vez que o valor de 60 se mantém. Todavia, a forma como deve ser
reduzida é diferente: a doação em vida do bem x a C não é atingida pela redução da inoficiosidade;
diferentemente, temos duas deixas testamentárias (mais concretamente, dois legados) que devem ser
reduzidos proporcionalmente: o legado do bem n a D e o legado do bem z a E, no valor de 20 e 60,
respectivamente. Assim:

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

VT dos legados (valor total dos legados) = 20 + 60 = 80

Recorrendo à regra dos três simples:

Valor total dos legados –-- Valor da inoficiosidade

Valor do legado em causa –-- Valor a reduzir na liberalidade

a) Quanto a E:

80 --- 40

60 --- x

x = (60 x 40) ÷ 80
= x = 2400 ÷ 80
= x = 30

A liberalidade feita a E é reduzida em 30, pelo que receberá apenas bens no valor de 30.

b) Quanto a D:

80 --- 40

20 --- x

x = (20 x 40) ÷ 80
= x = 800 ÷ 80
= x = 10
A liberalidade feita a D é reduzida em 10, pelo que receberá apenas 10.

3) Imaginemos ainda que, em 1997, A doa a C o bem x (40). Em 1999, doa por morte o bem z (20) a D.
Em 2001, doa em vida o bem y (20) a E.

VTH = R + D – P =
= 100 + 40 – 0 =
= 140

Recorde-se que o seu filho único, B, tem direito a metade da herança.

QI = 1/2 x VTH =
= 1/2 x 140 =
= 70

QD = VTH – QI =
= 140 – 70 =
= 70

C: 40
D: 20
E: 20

VTL (valor total das liberalidades) = 80

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Inoficiosidade = VTL – QD =
= 80 – 70=
= 10

Não há deixas testamentárias, nem a título de herança nem a título de legado, mas somente doações inter
vivos ou mortis causa. Estas devem ser reduzidas atendendo à antiguidade das mesmas, da mais recente para
a mais antiga (art. 2173º/1). A doação mais recente é a de E, no valor de 20. Reduz-se 10 à doação mais
recente, pelo que E apenas irá receber 10.

☼ O pré-legado

Sempre que não haja elementos que permitam considerar a deixa testamentária de bens determinados como
sendo imputável na QI, ela será imputada na QD, valendo como um pré-legado.

O sucessível legitimário pode adquirir o legado, para além da sua quota. Ou seja, pode adquirir
simultaneamente a herança e o legado, somando o valor daquele ao deste.

Contudo, o sucessível não é obrigado a aceitar um legado testamentário; pode repudiar o legado e ainda assim
conservar a legítima subjetiva (art. 2055º/2, aplicável aos legados ex vi do art. 2249º).

☼ Legado por conta da legítima – ver página 8.

Imputação e igualação no legado por conta da legítima:

O legado por conta da legítima é uma deixa por conta da quota hereditária legal fictícia. Com ele, o autor da
sucessão procura atingir uma finalidade de igualação, pelo que é analogicamente aplicável o regime de
funcionamento da colação.

A construção de um conceito de quota hereditária é comum ao legado por conta da legítima e à colação. A
quota hereditária é a parte que cabe ao legitimário numa herança legal ficticiamente alargada, resultado da
soma da legítima subjetiva com uma quota na massa que inclui a herança legítima e a parte das liberalidades
sujeitas a igualação que foram imputadas na QD. Por exemplo:

A doa em vida o bem x ao filho C. Além disso, faz testamento em que deixa ao cônjuge B o bem y por conta da
legítima, e ao filho D o bem z por conta da quota disponível. VTH = 90. x =30, y=24 e z=6.

QI = 60 QD = 30 VTH = 90

B 20 (a) 4 (a) + 3 (e) 27

C 20 (b) 10 (b) 30

D 20 6 (c) + 4 (d) + 3 (e) 33

(a) Imputação do legado por conta da legítima;


(b) Imputação da doação sujeita a colação;
(c) Imputação do pré-legado.
A quota hereditária é de 28 (legítima subjetiva de 20 e quota na herança legítima fictícia de 8).
QD livre, que será objeto da sucessão legítima = 30 – 4 – 10 – 6 = 10.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Massa de cálculo da herança legítima fictícia = 10 (QD) + 14 (valor das liberalidades sujeitas a igualação
que foram imputadas na QD) = 24. O valor da quota na herança legítima fictícia é o que resulta da
divisão por cabeça: 24/3 = 8.
O valor da doação feita a C excede a quota hereditária (28), pelo que este nada mais tem a receber do
relictum livre (10). B recebeu do valor da quota hereditária 24. C recebeu apenas 20 (o legado de 6
está para além da quota), ou seja, menos 4 do que B.
(d) Afetação do relictum livre para igualar D a B (igualação absoluta entre eles).
(e) Afetação do remanescente do relictum livre (10 – 4 = 6) para igualar, na medida do possível, D e B a
C.

☼ Legado em substituição da legítima

Identifica-se com a disposição mortis causa de bens determinados em benefício de um sucessível legitimário
que, conformando-se com ela, nada mais pode reclamar a título de legítima, independentemente do valor que
lhe foi atribuído pelo de cuius (art. 2165º/2). É imputada na QI mas, se exceder o valor da legítima do herdeiro,
é imputado o excesso na QD (art. 2165º/4).

Se o sucessível legitimário não quiser ou não puder aceitar a sucessão, os seus descendentes são chamados,
por representação, ao legado em substituição, desde que se preencham os pressupostos da representação na
sucessão testamentária, já que o legado é atribuído por via testamentária (contra, PCR: o legado em
substituição da legítima tem caráter legitimário, apesar de ser atribuído por via negocial; a indignidade ou a
deserdação de um sucessível legitimário permite aos representantes que, colocados exatamente na posição
do representado, possam também, se o quiserem, não obstante o art. 2037º/2, optar entre a aceitação do
legado em substituição ou da quota legitimária).

A aceitação do legado em substituição da legítima implica a perda imediata do direito à legítima (e à totalidade
da herança), enquanto a aceitação da herança implica a perda do direito ao legado (art. 2165º/2).

É nula a deixa pactícia de legados em substituição da legítima, uma vez que a aceitação contratual do legado
tem um efeito equivalente à renúncia à intangibilidade quantitativa da legítima, em vida do autor da sucessão,
renúncia que o art. 2170º não permite.

A aceitação do legado em substituição da legítima é incompatível com a aceitação da herança legal. Por
conseguinte, os descendentes beneficiam do direito de representação quanto ao valor do excesso da quota
hereditária legal sobre o legado em substituição da legítima (art. 2042º). Exemplo:

A faz testamento em que deixa ao seu filho C um bem x, em substituição da legítima. A A sobrevivem os
filhos B, C e D (filho de C). R=90. x=20. C aceita o legado.

QI=60 QD=30 VT=90


B 30 15 45
C 20 (a) 0 (b) 20
D 10 (a) 15 (b) 25
(a) No âmbito da QI, C adquire o valor do legado em substituição, que é inferior ao da legítima subjetiva
que lhe caberia em 10; esta diferença de 10 é atribuída a D, que representa C.
(b) Ao aceitar o legado em substituição, C perde o direito à herança legítima, à qual é chamado D, por
direito de representação.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

O aceitante do legado em substituição opta pelo título testamentário, que é incompatível com o título legal.
Por isso, é um simples legatário testamentário, cabendo-lhe o estatuto correspondente: não beneficia do
direito de acrescer na sucessão legal.

Posição de Pamplona Corte Real: na opinião deste autor, o legado em substituição da legítima, até ao limite
da sua imputação na QI, é um legado legitimário, cuja aceitação não obsta a que o beneficiário obtenha a
qualidade de herdeiro legítimo. Há um fenómeno de absorção do título voluntário pelo legitimário,
semelhante ao que se verificaria também no legado por conta da legítima.

Tratando-se de um legado legitimário, é viável o direito de representação no legado em lugar da legítima


deixado a um sucessível que fora alvo de uma declaração judicial de indignidade.

Ou seja, na opinião deste autor, ainda que o sucessível perca a qualidade de herdeiro legitimário, conserva a
qualidade de herdeiro legítimo.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

O Fenómeno Sucessório

1. Abertura da sucessão – a sucessão abre-se no momento da morte do de cuius (art. 2031º).

2. Vocação ou chamamento – atribuição ao sucessível do direito de suceder (de aceitar ou repudiar a


herança ou legado): para o sucessível ser chamado, tem que reunir uma série de pressupostos que se
encontram expressa ou implicitamente previstos no art. 2032º/1:

o Titularidade da designação prevalente: são chamados à sucessão aqueles que gozam de prioridade na
hierarquia dos sucessíveis (sucessíveis prioritários). Se o sucessível prioritário chamado não quiser ou
não puder aceitar a sucessão, é chamado o sucessível subsequente, retroagindo a vocação deste
último ao momento da abertura da sucessão (art. 2032º/2). Esta é a opinião de JDP, contrária à de
OA, que defende que a vocação se concretizaria imediatamente no momento da abertura da sucessão
quanto a todos os sucessíveis, prioritários ou não.

o Existência do chamado: o sucessível tem que sobreviver ao de cuius e, em regra, tem de ter
personalidade jurídica no momento da abertura da sucessão. Se o sucessível for um ser da espécie
humana, não pode ter morrido antes ou ao mesmo tempo que o de cuius; se for uma organização, é
indispensável que não se tenha extinguido antes da abertura da sucessão. No entanto, a ausência do
sucessível, na fase da curadoria definitiva, não impede a sua vocação por não ser equiparada à morte
física e à morte presumida (JDP). Podem também ser chamados nascituros já concebidos (art. 2033/1).

o Capacidade sucessória – têm capacidade sucessória em sentido restrito todas as pessoas singulares e
coletivas (art. 2033º). Todavia, em certos casos, tal capacidade está limitada em razão da fonte de
designação (art. 2033º/2): as pessoas coletivas distintas do Estado e as pessoas singulares que ainda
não tinham sido concebidas no momento da abertura da sucessão só beneficiam de capacidade no
campo da sucessão voluntária.

A outra parcela da capacidade sucessória em sentido amplo corresponde já a uma situação de legitimidade:

(a) Indignidade

As circunstâncias enunciadas nas alíneas do art. 2034º constituem causas de incapacidade sucessória por
motivos de indignidade.

A indignidade não opera automaticamente. Tem que ser judicialmente declarada mediante uma ação
autónoma (art. 2036º e 2037º), diferente da ação de condenação pelos crimes nesta sede previstos. Razões
de segurança e certeza jurídica justificam, na opinião de PCR e de JDP, que haja a necessidade de se recorrer
sempre à ação de declaração de indignidade. O art. 2036º parece inclinar-se para este primeiro entendimento.
Contra, Oliveira Ascensão, que entende que a ação de declaração de indignidade só tem que ser intentada
quando o indigno esteja na posse de bens da herança.

A declaração judicial de indignidade tem como efeito principal o afastamento da pessoa da sucessão legal e
da sucessão testamentária do de cuius relativamente ao qual ela foi declarada indigna (art. 2037º/1). Outro
efeito da declaração de indignidade é a exclusão do direito de representação dos seus descendentes na
sucessão testamentária (art. 2037º/2 a contrario).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Aquele que tiver incorrido numa causa de indignidade pode ser reabilitado (art. 2038º). A reabilitação incumbe
ao autor da sucessão e pode ser efetuada:

➢ Antes da declaração judicial de indignidade – caso em que esta não será eficaz (total ou parcialmente).
Não chega a verificar-se a incapacidade de suceder.
➢ Depois da declaração judicial de indignidade – neste caso, o indigno “readquire a capacidade
sucessória” (art. 2038º/1).

(b) Deserdação

A deserdação é um instituto específico da sucessão legitimária: só pode ser deserdado quem for sucessível
legitimário. Ao abrigo do art. 2166º/1, o autor da sucessão pode, em testamento, com expressa declaração de
causa, deserdar o sucessível legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique, relativamente ao
sucessível, uma das ocorrências referidas nas alíneas do artigo.

Na deserdação, o testador tem de indicar expressamente a causa, que só pode ser uma daquelas que estão
previstas no art. 2166º/1.

A deserdação obsta à aquisição da totalidade da legítima. O princípio da indivisibilidade da vocação, que não
tem exceções no âmbito da sucessão hereditária legal, não autoriza uma deserdação parcial. A cláusula
testamentária que contenha uma deserdação parcial é nula.

Mas a deserdação não se repercute somente no campo da sucessão legitimária: impede o acesso à sucessão
legítima e à sucessão testamentária, quer por força do art. 2166º/2, que equipara o deserdado ao indigno
para todos os efeitos legais, quer por força de um argumento de maioria de razão.

Deste modo, no domínio das causas comuns à indignidade e à deserdação, a deserdação confere ao de cuius
a faculdade de afastar o sucessível legitimário de toda a sucessão (exceto da contratual) sem necessidade de
declaração judicial de indignidade.

O art. 2038º (reabilitação do indigno), aplica-se, com as devidas adaptações, à deserdação, nos termos do art.
2166º/2. Além disso, como a deserdação é feita por testamento, a reabilitação do deserdado pode ser feita
por revogação expressa da cláusula testamentária de deserdação (art. 2312º).

O art. 2167º estabelece que a ação de impugnação da deserdação, com fundamento na inexistência da causa
invocada, caduca ao fim de 2 anos a contar da abertura do testamento. O prazo previsto para a ação de
impugnação, no art. 2167º, é curto, no pressuposto de que a abertura do testamento coincide com a tomada
de conhecimento do seu teor pelo legitimário. Não sendo assim, deve entender-se que, por analogia com o
art. 2038º, o prazo se conta a partir da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da
deserdação.

◊ Modalidades de vocação

▪ Vocação originária ou imediata: concretiza-se no momento da abertura da sucessão (art. 2032º/1) –


regra geral.
▪ Vocação subsequente: concretiza-se num momento posterior à abertura da sucessão. Exemplos:

- Vocação do sucessível subsequente (art. 2032º/2) – aquele que era sucessível não prioritário do de cuius no
momento da abertura da sucessão e foi chamado em virtude de os primeiros sucessíveis não poderem ou não
quererem aceitar a herança ou legado.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

- Vocação da pessoa singular ainda não nascida (art. 2033º/2 a)).

- Vocação do sucessível instituído ou nomeado sob condição suspensiva (art. 2229º).

- Vocação do fideicomissário, que só é chamado após a morte do fiduciário (art. 2293º/1 e 2294º).

▪ Vocação pura: não está sujeita a qualquer cláusula acessória – regra geral. A vocação legal é
necessariamente pura.
▪ Vocação condicional, a termo ou modal (arts. 2229º e ss): está sujeita a uma cláusula acessória. A
vocação voluntária pode estar sujeita a cláusula acessória.
▪ Vocação única ou una: o sucessível é chamado a suceder num único título de vocação e numa única
qualidade sucessória.
▪ Vocação múltipla: o sucessível é chamado a suceder em mais do que um título de vocação ou na dupla
qualidade de herdeiro e legatário.

◊ O princípio da indivisibilidade da vocação

Encontra consagração legal nos art. 2054º/2, 2064º/2, 2055º/1 primeira parte e 2250º/1 primeira parte: não
é possível ao sucessível repudiar uma parte da herança e aceitar outra parte. Esta é a regra para a sucessão
una. No caso de vocação múltipla, o princípio da indivisibilidade da vocação aplica-se somente à sucessão
legal comum e à sucessão testamentária. Não se aplica, portanto, à sucessão contratual.

O princípio da indivisibilidade da vocação admite exceções:

 O sucessível chamado a suceder num legado legal – transmissão de direitos reais de preferência
previstos nas Leis nº 6/2001 e 7/2001 (Economia Comum e União de Facto), transmissão de
arrendamento para habitação e transmissão do direito de indemnização previsto no art. 496º.
Exemplo: o cônjuge do de cujus pode aceitar a herança e repudiar as atribuições preferenciais
previstas nos arts. 2103º-A a 2103º-C.
 Art. 2055º/1, 2ª parte: se alguém for chamado à herança simultaneamente por testamento e por lei,
pode aceitá-la ou repudiá-la pelo primeiro dos títulos, não obstante ter aceitado ou repudiado pelo
segundo, se ao tempo ignorava da existência do testamento.
 O sucessível legitimário chamado à herança por testamento pode repudiá-lo quanto à quota
disponível, deferida por testamento, e aceitá-lo quanto à quota legitimária (art. 2055º/2).
 O sucessível chamado a suceder por título contratual e por qualquer um dos outros títulos
(testamentário, legítimo ou legitimário), não pode repudiar o primeiro mas pode repudiar qualquer
dos últimos.
 O sucessível chamado a suceder a várias deixas testamentárias (legados e heranças) pode aceitar
umas e repudiar outras, desde que aquelas que repudia não estejam sujeitas a encargos (art. 2250º).
 O sucessível que é chamado a suceder a uma parte, diretamente, e a outra parte, por acrescer, pode
aceitar aquela e repudiar esta, quando sobre a parte acrescida recaiam encargos especiais impostos
pelo testador (art. 2306º).

▪ Vocação direta e indireta: a vocação direta dá-se quando alguém é chamado à sucessão unicamente
em atenção à relação que existe entre si e o de cuius. Esta é a regra geral.

Há vocação indireta quando alguém é chamado à sucessão em consideração da ligação existente entre o
sucessível e o de cuius e da posição que se estabelece entre o sucessível chamado e um terceiro. O sucessível

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

é chamado a ocupar a posição de outro sucessível que não quis ou não pôde aceitar a sucessão e esse
chamamento ocorre por força de uma ligação que se estabelece entre ambos.

Cabem no conceito de vocações indiretas:

1º Substituição direta (arts. 2041º/2 a) e 2304º);


2º Direito de representação (art. 2304º);
3º Direito de acrescer.

Pressupostos gerais das vocações indiretas:

a) O sucessível não pode ou não quer aceitar a herança ou legado:

- Não poder: impossibilidade jurídica de aceitar. Abrange as situações de: (i) não sobrevivência ao de cuius
(exclui-se o estado de coma), (ii) a não aquisição de personalidade jurídica, (iii) a indignidade, (iv) a deserdação,
(v) o divórcio ou separação de pessoas e bens e (vi) a caducidade do direito a suceder.

- Não querer: repúdio.

1º Substituição direta: arts. 2281º e ss.

A noção legal é imprecisa, já que a mesma pode ser feita num pacto sucessório e aplica-se aos legados (art.
2285º/1).

A substituição direta consiste na indicação feita pelo de cuius, por testamento ou pacto sucessório, de alguém
(o substituto) que se substitua a um sucessível prioritário designado (o substituído) para o caso de este não
poder ou não querer aceitar a herança. Se o autor da sucessão só prever um dos casos (apenas não querer ou
apenas não poder), presume-se que tenha querido abranger o outro – art. 2281º/2.

Pressupostos:

• Quanto ao substituído: não poder ou não querer aceitar a sucessão (art. 2281º/1).

• Quanto ao substituto: sobrevivência até à altura do afastamento do substituído (aplicação direta do art.
2317 b) à vocação do substituto, de índole condicional).

Na falta de uma disposição proibitiva, a substituição direta é válida, independentemente do número de graus.
O art. 2282º permite a substituição direta plural. Por exemplo: A faz testamento, em que deixa a E metade
da herança, estipulando que, se E falecer antes da abertura da sucessão, a metade cabe a F e G. Depara-se
aqui com uma substituição direta (em um grau) com dois substitutos (F e G), sendo por isso plural.

O art. 2283º/1 admite a validade de uma estipulação de substituição direta recíproca. Por exemplo: o de cuius
deixa em testamento metade da sua herança a G e a outra metade a H, estabelecendo que, se um deles falecer
antes da abertura da sucessão, a porção do pré-falecido ficará para o outro.

Os substitutos sucedem nos direitos e obrigações em que sucederiam os substituídos, exceto se for outra a
vontade do de cuius (art. 2284º).

A substituição direta produz efeitos na sucessão voluntária, na qual prevalece sobre o acrescer (art. 2304º) e
o direito de representação (art. 2041º/2 a)), analogicamente aplicável à sucessão contratual, obstando à
aplicação do art. 1703º/2.

É nula a substituição direta que colidir com as regras da sucessão legitimária (arts. 2156º e 2163º). Por
exemplo: A, tendo por únicos herdeiros legais os filhos, B e C, fez testamento no qual determinou que se algum

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deles não pudesse ou não quisesse aceitar a parte que lhe coubesse na herança, deveria a mesma ser atribuída
ao amigo T. R=90. B repudia.

QI = 60 QD = 30 VTH = 90
B 30 – 30 = 0 (a) 15 – 15 = 0 (b) 0
C 30 + 30 = 60 (a) 15 75
T 15(b) 15

(a) A substituição direta é parcialmente inválida, operando apenas no âmbito da QD. A porção repudiada
por B, correspondente à sua legítima subjetiva (30), acresce à porção de C (arts. 2157º e 2137º/2).
(b) À porção repudiada por B, que se inscreve no âmbito da QD (15), é chamado T, por via da substituição
direta.

O Prof. Oliveira Ascensão admite a substituição direta na vocação legitimária, dando um exemplo em que o
autor da sucessão tem um único legitimário. No entanto, na visão de JDP, se o único legitimário não puder ou
não quiser aceitar, não há vocação legitimária, ou porque a mesma não se concretizou ou porque, tendo-se
concretizado, foi retroativamente eliminada. Por exemplo: no testamento, A designa o seu amigo Z como
herdeiro universal, para o caso de o cônjuge, único sucessível legitimário do de cuius, não poder ou não querer
aceitar a herança. Se o cônjuge repudiar, não há sucessão legitimária; a herança estará totalmente ao dispor
do de cuius.

2º Direito de representação: arts. 2039º e ss.

No direito de representação um sucessível (representante) é chamado à sucessão do de cuius em consideração


da sua ligação familiar (parentesco na linha reta descendente, exclusivamente) com outro sucessível que não
pôde ou não quis aceitar a sucessão (representado). Ou seja, ao representante cabe a posição que caberia ao
representado, com todos os direitos e obrigações.

O cônjuge não é chamado neste âmbito.

O direito de representação opera na sucessão legal, testamentária (art. 2040º) e contratual (art. 1703º/2),
com pressupostos distintos para cada tipo de sucessão.

Pressupostos:

» Sucessão contratual – o único caso de direito de representação na sucessão contratual encontra-se


previsto no art. 1703º/2, que se refere a uma doação para casamento mortis causa feita por terceiro.
É desencadeada apenas pela não sobrevivência do donatário ao doador, sendo irrelevante outra
situação de não poder adquirir a sucessão. Os beneficiários são apenas os descendentes que
nasceram do casamento a que respeita a convenção antenupcial.
» Sucessão testamentária (art. 2041º) – tem como pressupostos a pré-morte e o repúdio. À pré-morte,
física ou presumida, é equiparada a comoriência. A indignidade e a deserdação não são pressupostos
do direito de representação na sucessão testamentária (arts. 2037º/2 a contrario e 2166º/2).
Atendendo à não injuntividade da sucessão testamentária, o direito de representação não se verifica
se o de cuius o excluir, expressa ou tacitamente: mediante estipulação de substituição direta, o de
cuius afasta tacitamente o direito de representação (art. 2041º/2 a)).
» Sucessão legal (art. 2042º) – o direito de representação opera se um sucessível não quis ou não pôde
aceitar a herança legal. Mas só ocorre na sucessão legal em que os representados sejam filhos, irmãos
ou pessoas adotadas restritamente pelo de cuius.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Os descendentes representam o seu ascendente, mesmo que tenham repudiado a sucessão deste, ou sejam
incapazes em relação a ele (art. 2043º). Isto porque o que deve ser aferido é se o descendente tem capacidade
em relação ao autor da sucessão, sendo a incapacidade em relação ao seu ascendente irrelevante.

O direito de representação opera por estirpes (grupo de descendentes do representado). A cada estirpe cabe
aquilo em que sucederia o ascendente respetivo (art. 2044º/1). Isto introduz exceções ao princípio da divisão
por cabeça na sucessão legal (arts. 2136º, 2138º e 2157º). Por exemplo: A morre e sobrevivem-lhe dois filhos,
B e C, e dois netos, D e E, ambos filhos de C. C repudia. São chamados B, diretamente, e D e E, em
representação de C. A herança de A não será repartida em partes iguais: a B caberá ½ e a D e a E, ¼ a cada um.

3º Direito de acrescer: arts. 2137º/2 e 2301º e ss.

O direito de acrescer pressupõe a designação de vários sucessíveis para sucederem em conjunto num mesmo
objeto e a atribuição a pelo menos um deles do direito de suceder relativo à parte que o outro não pôde ou
não quis aceitar.

Havendo concurso de sucessíveis prioritários quanto a um mesmo objeto, tenta-se resolver a situação de não
aquisição sucessória por um deles mediante a repartição daquele objeto entre os restantes, evitando assim o
chamamento de sucessíveis subsequentes.

Opera na sucessão legal (arts. 2137º/2 e 2157º) e na sucessão testamentária (arts. 2301º ss).

O acrescer é a mais fraca das vocações indiretas, atuando apenas se nenhuma das outras for aplicada (em
termos residuais). A sua fragilidade na sucessão testamentária é evidenciada pelo art. 2304º.

➢ Art. 2306º - para JDP, trata-se da norma mais importante nesta sede.

- 1ª parte – regra geral de indivisibilidade do acrescer (direito de não decrescer): quando a porção acrescida
(aquela que um dos sucessíveis não quis ou não pode aceitar) não está onerada com um encargo especial.
Nesse caso, a porção acrescida é adquirida por força da lei, sem necessidade de aceitação do beneficiário,
que não pode repudiar separadamente essa parte (art. 2306º primeira parte).

- 2ª parte – o direito de acrescer stricto sensu tem lugar quando a porção acrescida está onerada com um
encargo especial. Neste caso, a aquisição da porção acrescida depende de aceitação pelo beneficiário, que
pode repudiar a porção acrescida e aceitar aquela a que foi chamado diretamente (art. 2036º segunda parte).

Para haver direito de acrescer na sucessão legal, é preciso:

a) Designação de vários sucessíveis para sucederem em conjunto na herança legal;


b) Impossibilidade jurídica de aceitação ou repúdio por um desses sucessíveis – a não sobrevivência do
sucessível ao de cuius não se inclui entre as situações de “não poder aceitar” (neste caso, há um
chamamento direto dos sucessíveis sobrevivos à totalidade da herança legal – arts. 2139º/2 e
2159º/2). Nos casos de incapacidade sucessória por indignidade ou deserdação, JDP defende que já
opera o direito de acrescer, por razões de certeza e segurança jurídica (contra, OA, que equipara a
indignidade devida a facto praticado antes da abertura da sucessão e a deserdação à não
sobrevivência);
c) Inexistência de direito de representação (art. 2138º e 2157º).

A aceitação por um sucessível prioritário de um legado em substituição da legítima inferior à sua quota na
sucessão legal desencadeia o acrescer em benefício dos outros co-sucessíveis legitimários prioritários.

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Para haver direito de acrescer na sucessão testamentária, é preciso:

i) Instituição de vários herdeiros (art. 2301º) ou nomeação de vários legatários quanto ao mesmo
direito determinado (art. 2302º);
ii) Impossibilidade jurídica de aceitação ou repúdio por um dos sucessíveis que foi instituído ou
nomeado;
iii) Ausência de disposição contrária do testador (ex: substituição direta);
iv) Inexistência de direito de representação.

Para haver direito de acrescer na sucessão contratual, é preciso:

(a) Instituição de vários herdeiros ou nomeação de vários legatários quanto ao mesmo direito
determinado;
(b) Impossibilidade jurídica de aquisição por um dos sucessíveis que foi instituído ou nomeado;
(c) Ausência de cláusula pactícia contrária (ex: substituição direta);
(d) Inexistência do direito de representação consagrado no art. 1703º/2;
(e) O doador tenha estipulado a possibilidade de direito de acrescer entre os donatários ou destinatários
da proposta de doação mortis causa (sem prejuízo das disposições contratuais de usufruto).

Não há acrescer entre herdeiros com título de diversos de vocação. Exemplo: A tem um irmão B e deixou a C,
por testamento, metade da sua herança. Se C repudiar, B não beneficia de acrescer. A deixa testamentária
caduca (art. 2317º/e)), aumentando a herança legítima de metade para a totalidade do relictum. B é chamado
diretamente a toda a herança de A, na qualidade de sucessível legítimo.

→ Contra: OA, que defende que se há herdeiros legais e herdeiros instituídos em parte e faltam todos os
herdeiros instituídos, dá-se o acrescer em benefício dos herdeiros legais.

- No âmbito da vocação legal, se o cônjuge concorrer com descendentes e nenhum destes puder ou quiser
aceitar, o cônjuge recebe a totalidade do que lhes caberia, por direito de acrescer (art. 2141º).

Quando haja concurso de cônjuge e ascendentes na sucessão legal, a parte que algum ou alguns dos
ascendentes não puderam ou não quiseram aceitar acresce à dos outros ascendentes chamados (art. 2143º).
Só se não existirem outros ascendentes é que a parte daquele que não pôde ou não quis aceitar acresce à do
cônjuge sobrevivo.

- No âmbito da vocação testamentária (e, por analogia, no âmbito da vocação contratual), o acrescer funciona
tendencialmente entre sucessíveis com a mesma qualidade. No título da sucessão testamentária é efetuada
uma regulamentação separada do acrescer entre herdeiros (art. 2301º) e do acrescer entre legatários (arts.
2302º e 2305º).

Não há acrescer de herdeiros sobre legatários e verifica-se uma única hipótese de acrescer de legatários sobre
herdeiros (art. 2306º).

Os beneficiários do direito de acrescer sucedem nos mesmos direitos e obrigações, de natureza não
puramente pessoal, que caberiam àquele que não pôde ou não quis aceitar a sucessão (art. 2307º).

▪ Vocação anómala: transmissão do direito a suceder (art. 2058º).

Exemplo: A † em janeiro de 2008 (primeiro de cuius). Em fevereiro de 2008, B, seu filho, morre sem aceitar ou
repudiar a herança (segundo de cuius e transmitente). Sobrevivem-lhe C, cônjuge, e D, filho de B e C. C e D são
herdeiros legais de B (arts. 2133º/1 a)) e 2157º) são os transmissários do direito de suceder que foi atribuído
a B quanto à herança de A, se aceitarem a herança de B.

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

Pressupostos:

i) Abertura sucessiva de duas sucessões;


ii) Chamamento do segundo de cuius (B) à primeira sucessão – é indispensável que o segundo de
cuius tenha sobrevivido ao primeiro;
iii) Morte do segundo de cuius depois do primeiro de cuius sem que ele tenha exercido o direito de
suceder que lhe foi atribuído quanto ao primeiro;
iv) Chamamento de uma terceira pessoa à segunda sucessão na qualidade de herdeiro;
v) Aceitação da segunda sucessão pelo terceiro que foi chamado como herdeiro.

Efeitos: Os transmissários do direito de suceder (C e D) adquirem a mesma posição jurídica que B,


transmitente. Podem aceitar ou repudiar a herança. Se a B cabia 100% da herança de A, cada um dos herdeiros
de B beneficiará de 50% dessa mesma herança (seguem-se as regras gerais de divisão por cabeça).

O transmissário que sucede ao primeiro de cuius beneficia dos mesmos direitos que caberiam ao transmitente
se tivesse entrado na sucessão e está vinculado às mesmas obrigações que recairiam sobre o transmitente
(ex: obrigação de colação ou imputação na QI).

O transmissário (C e D) tem necessariamente que beneficiar de capacidade sucessória quer relativamente ao


transmitente (segundo de cuius) quer relativamente ao primeiro de cuius. Diferentemente, no direito de
representação, os descendentes apenas têm de ter capacidade em relação ao autor da sucessão; em relação
ao seu ascendente, representam-no mesmo que sejam incapazes em relação a ele (art. 2043º).

Normalmente, o transmissário pode repudiar a sucessão do primeiro de cuius, apesar de ter aceite a herança
do transmitente (art. 2058º/2). Alguma doutrina (nomeadamente, PCR, aponta esta faculdade como uma
exceção ao princípio da indivisibilidade da vocação. JDP não concorda, uma vez que o transmissário aceita
totalmente o chamamento à herança do transmitente e, por isso, adquire o direito de suceder; quando
repudia a sucessão do primeiro de cuius, não está a repudiar parcialmente a herança do transmitente, está a
exercer um direito que já lhe tinha sido transmitido.

» Substituição fideicomissária: arts. 2286º e ss.

Disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído (fiduciário) o encargo de conservar a herança,
para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem (fideicomissário).

Exemplo paradigmático: A deixa metade da sua herança a B para que este, quando falecer, a deixe a C. B é o
fiduciário e C é o fideicomissário. B terá a posse dos bens (não é um usufrutuário, mas sim um proprietário
temporário) e C tem uma expectativa forte de aquisição (não beneficia da vocação logo que o de cuius morra,
mas apenas com a morte do fiduciário, B). Para operar a substituição, a aceitação de C é necessária, bem
como a sua sobrevivência ao fiduciário.

É permitida quanto a legados (art. 2296º) e pode ser feita num pacto sucessório (art. 1700º/2).

Tem semelhanças com a substituição indireta mas não constitui uma modalidade de vocação indireta. Em
sentido técnico, reúne em si duas vocações – a do fiduciário e a do fideicomissário – que são sucessivas: a
vocação do fideicomissário produz-se depois da morte do fiduciário (art. 2293º/1).

Âmbito:

→ A substituição fideicomissária não é uma figura exclusivamente sucessória: são admitidas


substituições fideicomissárias nas doações em vida (art. 962º).

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Leonor Branco Jaleco Direito das Sucessões

→ Ao proibir a imposição de encargos sobre a legítima contra a vontade do herdeiro, o art. 2163º obsta
à validade de substituições fideicomissárias no âmbito da QI, salvo aplicação analógica do art. 2164º.
→ Não é concetualmente viável a substituição fideicomissária na sucessão legítima.

A substituição fideicomissária só é permitida num grau (art. 2288º). Se for estabelecida em mais do que um
grau, o segundo grau será nulo, mas não afeta a validade do primeiro (art. 2289º) – ocorre uma redução legal:
o primeiro grau da substituição não é afetado, salvo se o contrário resultar do testamento, tendo-se por não
escritas as cláusulas que fixam graus subsequentes.

➢ Art. 2293º:

- nº 1: a herança devolve-se ao fideicomissário no momento da morte do fiduciário.

- nº 2: se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar, fica sem efeito a substituição. A titularidade
dos bens considera-se adquirida definitivamente pelo fiduciário. Assim, pode dizer-se que a vocação do
fideicomissário é uma vocação sob condição suspensiva, em que a condição é a morte do fiduciário em
vida do fideicomissário.

- nº 3: se o fiduciário não quiser ou não puder aceitar a herança, a substituição fideicomissária converte-
se em substituição direta. A herança é devolvida a favor do fideicomissário, com efeito desde o óbito do
primeiro de cuius (testador).

A substituição fideicomissária afasta o direito de representação na sucessão testamentária, quer quanto aos
descendentes do fiduciário (B) – arts. 2041º/2 a) e 2293º/3 –, quer quanto aos descendentes do
fideicomissário (C) – art. 2041º/2 b).

Mas se o fiduciário, sobrevivendo ao autor da sucessão, falecer ao mesmo tempo que o fideicomissário sem
ter chegado a aceitar ou repudiar a herança ou o legado, os herdeiros do fiduciário adquirem o direito de
suceder (art. 2058º) como titulares definitivos dos bens abrangidos pela substituição fideicomissária (art.
2293º/2).

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