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SEBENTA DE DIREITO DAS SUCESSÕES


Gonçalo Coelho Oliveira
2022-2023

1. A sucessão em geral (conceito e objeto) ……………………………………………. 1

2. Categorias de sucessores …………………………………………………………… 3

3. A designação sucessória e a abertura da sucessão ………………………………….. 4

4. A vocação sucessória ……………………………………………………………….. 6

5. A sucessão legítima ……….………………………………………………………. 26

6. A sucessão testamentária …………………………………………………………. 29

7. A sucessão contratual …………………………………………………………….. 48

8. A sucessão legitimária ……………………………………...…………………….. 52

Regência: Luís Menezes Leitão


Regência: Luís Menezes Leitão

1. A sucessão em geral (conceito e objeto)


1.1. O conceito de sucessão
O artigo 2024.º define a sucessão como o chamamento de uma ou mais pessoas à
titularidade das relações patrimoniais de uma pessoa falecida e consequente devolução dos bens
a que esta pertenciam. Este conceito tem sido criticado por deixar de fora alguns elementos, como
seja a designação sucessória, e por a sucessão não abranger apenas bens.

1.1.1. Transmissão e sucessão


Tem sido bastante discutido na doutrina se a sucessão de reconduz ou não a um fenómeno
de transmissão de bens. A doutrina tem apresentado várias soluções:

a) Professores Pires de Lima, Antunes Varela, Pereira Coelho e Capelo de Sousa –


consideram que são dois conceitos distintos, dizendo que a sucessão é o chamamento
do sucessor, afastando a ideia de que é considerada pelo direito como uma simples
transmissão;
b) Professor Galvão Telles – defendeu que a sucessão se tratava de uma forma de
transmissão, não correspondendo à realidade sustentar o contrário uma vez que
ninguém adquire os direitos de alguém sem um fenómeno de sucessão;
c) Professor Oliveira Ascensão – entendeu que o conceito de sucessão seria algo
autónomo, a sua ver, a aquisição singular existir a um título novo que provocaria
alterações na situação jurídica adquirida, enquanto que na sucessão esta alteração não
se verifica. O Professor defendeu que existiria uma transmissão mortis causa apenas
no caso dos legatários;
d) Professores Pamplona Corte-Real, Carvalho Fernandes, Jorge Duarte Pinheiro,
Menezes Leitão e Daniel Morais – consideraram que a sucessão não seria
necessariamente uma forma de transmissão (aquisição derivada translativa), podendo
verificar-se uma aquisição derivada constitutiva (legado de usufruto, por exemplo).
O Professor Daniel Morais defendeu que poderia haver uma dupla vertente na
sucessão, uma translativa e outra constitutiva.

1.1.2. Sucessão em vida e por morte


É importante distinguirmos a sucessão por vida ou inter vivos – aqueles em que o
fenómeno sucessório resulta de um ato jurídico realizado em vida do autor da sucessão e que
constitui a causa jurídica da aquisição –, e a sucessão por morte ou mortis causa – os efeitos
apenas se produzem com a morte, sendo a morte a causa jurídica de aquisição. Esta distinção é
importante dadas as limitações que a lei impõe aos negócios jurídicos mortis causa, uma vez que
a lei proíbe a doação por morte (946.º), admitindo apenas a sua conversão em testamento quando
observadas as respetivas formalidades. Existem, contudo, alguns casos duvidosos quanto a esta
questão:

• Doação com reserva de usufruto – considerada pelo Professor Menezes Leitão como
sucessão por vida, tendo em conta que se verifica em vida a aquisição, e o usufruto
tem sempre um prazo limitado;
• Doação com reserva do direito a dispor;

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• Doação com cláusula cum moriar – celebração de negócio em vida sujeito a um termo
suspensivo, a morte do doador. A maioria da doutrina tem entendido esta cláusula
como válida, no entanto, o Professor Menezes Leitão tem vindo a defender o contrário
com base no disposto no artigo 946.º;
• Doação com cláusula si praemoriar – estamos perante a mesma situação descrita a
cima, a que acresce a condição suspensiva relativa à morte do doador ocorrer antes
da do donatário. O Professor Menezes Leitão, à semelhança do exposto
anteriormente, considera também uma cláusula inválida pelo disposto no artigo 946.º;
• Partilha em vida.

1.2. A morte como pressuposto da sucessão


A morte é um pressuposto natural da sucessão, uma vez que esta desencadeia a abertura
da sucessão (2031.º), facto jurídico que extingue a personalidade jurídica do de cuius, e,
normalmente, transmite as situações jurídicas de que era titular (2024.º) e em certos casos a sua
extinção (2025.º). Sendo um pressuposto da sucessão, a morte tem de ser demonstrada, no entanto,
a lei permite dispensar essa descoberta ou reconhecimento quando o desaparecimento se tiver
dado em circunstancias que não permitam duvidar da morte (68.º/3), e, reaparecendo, aplica-se o
regime do regresso do ausente (116.º e seguintes). Tanto quanto à morte como à morte presumida,
exige-se o registo do óbito (193.º do CRC), não podendo os familiares invocar a sucessão sem
ela.

Apesar do exposto, o artigo 115.º parece determinar a abertura da sucessão com a


declaração de morte presumida, recebendo os sucessores os bens atribuídos nessa qualidade
(117.º). Assim, esta declaração poderá ser um pressuposto semelhante à morte natural, ainda, se
se demonstrar a sua incorreção, seja possível resolver a situação através da resolução dessa
declaração (118.º e 119.º). Como sabemos, mesmo antes da declaração da morte presumida, é
possível tomar providencias quanto ao património do ausente através da curadoria provisória
(89.º), em que se atribuem poderes de administração a um curador, ou definitiva (103.º), em que
se entrega antecipadamente os bens aos herdeiros, legatários ou outros interessados, para se
proceder mesmo à abertura do testamento (101.º), no entanto, estes são apenas curadores
definitivos, não determinando a abertura da sucessão, podendo cessar pelo regresso do ausente ou
pela declaração de morte presumida (112.º).

1.3. O objeto da sucessão


O artigo 2024.º determina que a sucessão abrange relações jurídicas patrimoniais que
pertenciam à pessoa falecida, implicando a devolução dos bens que a esta pertenciam. São objeto
da sucessão todas as situações jurídicas patrimoniais, podendo ser tanto ativas (direito subjetivos
e direitos potestativos, por exemplo) como passivadas (obrigações e sujeições, por exemplo).
Incluem-se não apenas direitos reais, como direitos relativos (de crédito, de indemnização,
incluindo o referente à perda de vida do autor), e ainda situações jurídicas processuais, ou seja, o
direito de instaurar ou prosseguir a ação judicial. Não são objeto da sucessão quaisquer situações
jurídicas de cariz pessoal, uma vez que respeitam à pessoa do autor da sucessão, extinguindo-se
com a morte deste, por exemplo: direitos de personalidade (apesar da possibilidade de tutela post
mortem, não constituem uma transmissão, mas sim uma forma de tutela jurídica da memória da

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pessoa falecida); os direitos de autor (apesar do exercício incumbir aos sucessores até a obra cair
em domínio público – 57.º/1); direitos relativos a cargos públicos ou administração de uma
sociedade, responsabilidades parentais, tutela e curatela; atribuição da faculdade de prosseguir
ações de perfilhação ou de impugnação da maternidade ou paternidade, uma vez que a
legitimidade processual é estendida aos herdeiros; direitos excluídos da hereditariedade por força
da lei como o usufruto, o uso e habitação, e a testamentaria.

Podemos examinar alguns casos mais duvidosos:

a) A indemnização por morte da vítima – autores como os Professores Antunes Varela,


Oliveira Ascensão, Ribeiro Faria e Pamplona Corte-Real, a indemnização pelo dano
resultante da perda da vida não poderia ser objeto da sucessão, uma vez que, cessando
a personalidade jurídica, não poderá adquirir qualquer direito, não podendo
consequentemente o direito de indemnização ser transmitido aos herdeiros,
limitando-se a lei a atribuir uma indemnização não patrimonial pelos danos sofridos
pelos familiares e não do dano morte que não seria indemnizável. Os Professores
Galvão Telles, Almeida Costa e Menezes Cordeiro defenderam que a lesão fez surgir
na esfera jurídica da vítima o direito uma indemnização que se transmite aos herdeiros
por força do artigo 2024.º. O Professor Leite de Campos tem sustentado que, com a
lesão, o lesado já suporta danos que conduzirão potencialmente à morte, o que é
indemnizável nos termos do artigo 564.º/2. O Professor Menezes Leitão defendeu a
heritabilidade dos danos resultantes da perda da vida do lesado processa-se nos
termos do artigo 2133.º;
b) A transmissão por morte do arrendamento – não constitui uma verdadeira sucessão,
uma vez que depende de determinados requisitos (1106.º e 57.º do NRAU), no
entanto, parece admitir-se pelo artigo 1113.º, do arrendamento não habitacional,
havendo apenas um regime especial de renuncia à transmissão, que tem de ser
comunicado no prazo de três meses, e há alguns requisitos especiais (58.º do NRAU);
c) O seguro de vida – não existe qualquer transmissão, resultando o direito diretamente
de um contrato a favor de terceiro celebrado entre a companhia de seguros e o de
cuius, o que constitui um titulo distinto da sucessão por morte.

2. Categorias de sucessores
Resulta do artigo 2030.º uma distinção dos sucessores entre herdeiros e legatários,
esclarecendo o nº 2 que o herdeiro sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido,
enquanto o legatário sucede em bens ou valores determinados. É de ressaltar que a atribuição de
um legado de usufruto constituirá sempre uma herança, ainda que esteja em causa o usufruto da
totalidade ou de uma quota da herança. A lei, no entanto, não clarifica os casos em que o testador
procede à divisão da herança de uma forma não aritmética, falando-se numa herança ex re certa
(por exemplo, o testador deixar os seus bens imóveis a um herdeiro e os seus bens móveis a outro).

A doutrina tem vindo a entender que, numa extensão do artigo 2030.º/2, a deixa seria
qualificada como herança quando o património é dividido nas deixas dicotómicas referidas e nas
situações de legado por conta da quota (posição do Professor Menezes Leitão), no entanto, para
autores como os Professores Jorge Duarte Pinheiro, Pereira Coelho, Capelo de Sousa e Galvão
Telles, têm vindo a qualificar estas situações como legado, enquanto o Professor Daniel Morais
vem dizer que se deverá analisar a vontade do testador casuisticamente.

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2.1. Diferença entre o estatuto de herdeiro e legatário


O estatuto do herdeiro e do legatário diferem em alguns aspetos, mas participam ambos
do fenómeno jurídico sucessório, estando ambos sujeitos ao mesmo de aceitação e repúdio (2050.º
e 2249.º). As situações que implicam este estatuto diferente são:

a) O legatário não tem o direito de exigir a partilha da herança e requerer inventário


(2101.º) – isto acontece uma vez que os legatários já sabem exatamente quais os bens
que lhe vão ser atribuídos na partilha, com exceção dos usufrutuários da totalidade
ou de uma quota da herança, e o mesmo para herdeiros, no caso, o herdeiro do
remanescente quando é dividida em legados ou o herdeiro de uma herança ex re certa,
não têm direito de exigir a partilha;
b) A responsabilidade pelos encargos da herança abrange, à partida, apenas herdeiros
(2071.º, 2097.º e 2098.º), sendo em certos casos abrangidos os herdeiros, como por
exemplo, quando a herança é insuficiente para cumprimento dos legados (2277.º), no
caso do usufrutuário (2072.º), nomeadamente usufrutuário da totalidade da herança
(2073.º/1 e 2), e se houver indicação do testador nesse sentido (2276.º);
c) A sucessão na posse – o Professor Oliveira Ascensão tem vindo a considerar uma
interpretação restritiva do artigo 1255.º, considerando que abrange apenas herdeiros,
entendimento este contrário ao do Professor Menezes Cordeiro.

3. A designação sucessória e a abertura da sucessão


A designação sucessória consiste na determinação, ainda em vida do autor da sucessão,
que podem vir a ser chamados em caso de falecimento deste. Falamos em sucessíveis para indicar
as pessoas beneficiários de factos designativos, pelo que distinguimos os sucessíveis designados,
quando ainda não se verificou a abertura da sucessão, e sucessíveis chamados, quando em relação
aos mesmos já se verificou o chamamento, em consequência da morte do de cuius. A designação
não é parte do fenómeno jurídico, no entanto, atribuiu, durante a vida do de cuius, uma expectativa
de lhe vir a suceder.

3.1.1. Factos designativos e hierarquia


Os factos designativos são aqueles que atribuem a alguém a qualidade de sucessível,
sendo referidos no artigo 2026.º que refere a lei, o testamento e o contrato como títulos de vocação
sucessória, no entanto, a lei não é um facto designativo, uma vez que tem de ocorrer um facto
para que se aplique.

Os factos designativos podem ser negociais, o testamento e pacto sucessório, e não


negociais, o casamento, parentesco, adoção, e cidadania portuguesa. Há que referir quer estes não
atribuem em definitivo a qualidade de sucessor a determinadas pessoas, uma vez que esta só se
concretiza com a abertura da sucessão. As designações acabam por ser conflituantes, sendo
necessário hierarquiza-las, por exemplo, a designação resultante da sucessão legitima pode ser
afetada com a feitura de testamento.

Esta hierarquia resulta da forma como a lei estabelece a relevância dos factos
designativos, permitindo determinar qual deve prevalecer. No topo da hierarquia temos a sucessão
legitimária, que não pode ser afastada (2027.º), reservando-se uma porção da herança aos

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herdeiros legitimários da qual o testador não pode dispor, e, caso o faça, os herdeiros podem
proceder à sua redução através da redução por inoficiosidade (2168.º). Em segundo lugar, temos
a sucessão contratual, atenta a irrevogabilidade dos pactos sucessórios, o testador não pode afetar
a posição do donatário após a aceitação (1701.º e 1705.º), prevalecendo esta designação sobre a
designação testamentária. A seguir vem a sucessão testamentária que prevalece sobre a legítima,
uma vez que esta só acontece se o testador não dispuser dos seus bens.

3.1.2. A situação jurídica dos sucessíveis designados em vida do autor da


asucessão
Tem sido discutido na doutrina perceber qual a posição jurídica do herdeiro legitimário
relativamente à herança durante a vida do de cuius, uma vez que é bastante difícil por em causa a
legitima e a lei permite aos herdeiros legitimário agir contra atos que possa prejudicar o seu
património. Com base nisto mesmo, o Professor Paulo Cunha defendeu a existência de um direito
subjetivo dos herdeiros legitimários à sucessão, apesar de não terem qualquer direito sobre estes
bens. Esta posição foi amplamente contestada na doutrina, negando-se qualquer direito subjetivo
em vida do de cuius, uma vez que a lei determina que apenas com a abertura da sucessão se
adquire o domínio e a posse (2050.º). A doutrina maioritária admite que existe apenas uma
expectativa juridicamente tutelada de vir a suceder, permitindo exercer as faculdades acima
descritas.

A questão torna-se mais problemática quanto a sucessíveis contratualmente designados,


por exemplo as doações mortis causa, não podendo ser revogadas unilateralmente pelo testador,
podendo apenas caducar, caso o donatário venha a falecer antes do doador (1703.º/1 e 1705.º).
Por isto, entende-se que também não deve ser conferido qualquer direito subjetivo, apenas uma
expectativa juridicamente tutelada. O mesmo não acontece quanto aos sucessíveis testamentários,
uma vez que o testamento pode ser revogado a todo o tempo, sendo apenas conferida alguma
proteção, como seja requerer a curadoria provisória ou definitiva dos bens do ausente e serem
nomeados curadores, assim como são considerados interessados para invocar a nulidade e
anulabilidade do testamento. Neste caso, é óbvio não haver um direito subjetivo, havendo apenas
uma expectativa de facto ou esperança de vir a adquirir a herança. Ainda mais frágil será a
sucessão legítima, uma vez que só ocorre se o autor da sucessão não dispuser valida e eficazmente
de todos os seus bens, podendo surgir a todo o tempo herdeiros legitimários, não se atribuindo a
esta designação mais do que uma expectativa de facto ou esperança.

3.2. O momento e lugar da abertura da sucessão


A abertura da sucessão corresponde ao momento inicial do fenómeno jurídico sucessório,
quando se verifica a extinção do autor da sucessão, iniciando-se o processo que permite atribuir
as situações jurídicas de que esta era titular aos sucessores designados, processo esse que se
concretizará com a aceitação e partilha, ainda que venham a retroagir à abertura da sucessão
(2050.º/2 e 2119.º). A abertura da sucessão constitui um efeito da morte do de cuius, porém não
devem ser confundidas.

O artigo 2031.º determina que a abertura da sucessão dá-se no momento da morte do seu
autor. A fixação do momento do momento da abertura da sucessão poderá ser importante para a
fixação dos sucessíveis que podem ser chamados à herança (por exemplo, caso marido e mulher

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venham a falecer num acidente sem deixar filhos, será importante determinar quem faleceu
primeiro para perceber quais os parentes – do marido ou da mulher – recebem a herança). Quando
é difícil provar quem faleceu primeiro, o artigo 68.º/2 impõe a presunção de comoriência,
determinando que faleceram no mesmo momento, evitando transmissões sucessórias entre eles.
É neste momento que se concretiza a designação sucessória e, consequentemente, a vocação
sucessória. O artigo 2032.º/1 determina que, com a abertura da sucessão serão chamados à
titularidade das situações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos
sucessíveis. O mesmo acontece caso vocação sucessória seja subsequente, uma vez que o artigo
2032.º/2 determina que a devolução a favor dos sucessíveis subsequentes retroage ao momento
da abertura da sucessão, assim como a verificação de condição (2242.º/1), a aceitação e repúdio
da herança ou legado (2050.º/2, 2062.º e 2249.º), e a partilha (2119.º). O momento da abertura da
sucessão é ainda relevante para determinar o valor dos bens sujeitos à colação (2109.º/1), o cálculo
da legítima (2162.º/1), e eventual redução por inoficiosidade (2168.º).

O artigo 2031.º determina que o lugar da abertura da sucessão corresponde ao último


domicílio do autor da sucessão (82.º), não coincidindo com o lugar da morte do autor. É relevante
determinar o lugar da abertura da sucessão, uma vez que se tem de apurar o tribunal com
competência sucessória (72.º-A do CPC), e, por exemplo, o artigo 2270.º prevê que o legado de
dinheiro ou coisa genérica que não exista na herança deve ser cumprido no lugar da abertura da
sucessão.

4. Vocação sucessória
A vocação sucessória consiste na atribuição do direito de aceitar ou repudiar a herança ou
legado, sendo esse direito o chamado direito a suceder ou ius delationis. Quanto a este conceito,
a doutrina discute a existência de uma diferença conceptual entre vocação e devolução, existindo
quatro teses a este respeito:

a) A tese da autonomia dos dois conceitos (tese inicialmente defendida pelos Professores
Pires de Lima e Gomes da Silva) – este último definia a devolução como a escolha, de
entre os sucessíveis designados, o que ou os que deviam efetivamente suceder, dizendo
que após a devolução, devem ser citados pela lei que lhes atribui o direito de suceder,
traduzível num poder potestativo de adquirir a herança. Atualmente é defendida por
Cristina Dias, que considera a devolução sucessória consequência do chamamento e
aceitação da herança quando se dá a colação dos bens à disposição do chamado;
b) A tese da identidade entre os dois conceito (defendida pelos Professores Galvão Telles
e mais tarde por Carlos Pamplona Corte-Real) – esta tese diz que os conceitos são
sinónimos, na medida em que tanto faz dizermos “chamamento à sucessão” como
dizermos “devolução da sucessão”;
c) A tese de que os dois conceitos exprimem diferentes perspetivas da mesma realidade
(defendida pelos Professores Pereira Coelho, Carvalho Fernandes e Jorge Duarte
Pinheiro) – para estes autores a vocação corresponderia a uma perspetiva subjetiva do
fenómeno, sendo a atribuição aos sucessíveis designados direitos de suceder, enquanto
que a devolução seria uma perspetiva objetiva, a que corresponderia a possibilidade de
atribuir aos sucessores dos bens que integram a sucessão. A diferença na perspetiva
funda-se na vocação referir o chamamento de pessoas e a devolução a possibilidade de
aquisição de situações jurídicas. O Professor Menezes Leitão também adere a esta visão,
dizendo-nos que a vocação pode ser encarada através de uma vertente pessoal, através

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da determinação das pessoas com o direito a suceder (o chamamento) e através de uma


vertente patrimonial, através da atribuição das correspondentes situações jurídicas
patrimoniais (devolução);
d) A tese da diferenciação em função dos sucessores (defendida pelos Professores Oliveira
Ascenção) – para o Professor, a vocação seria a atribuição de um direito sucessório,
enquanto a devolução se verifica, em benefício dos herdeiros, quando se dá a colação
dos bens. O Professor considera que a transmissão da posse para os sucessores do artigo
1255.º apenas se aplicaria aos herdeiros, não havendo devolução a favor de legatários.

4.1. Os pressupostos da vocação


O artigo 2032.º determina que, uma vez aberta a sucessão, são chamados à titularidade
das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis,
desde que tenham a necessária capacidade. Assim, podemos extrair daqui dois requisitos: a
titularidade da designação sucessória e a capacidade. Quanto a este último, a doutrina diz-nos que
deve ser interpretado com referência à capacidade sucessória prevista no artigo 2033.º, que se
refere também a entes despromovidos de personalidade jurídica. O Professor Oliveira Ascenção
diz-nos que a expressão capacidade está a ser usada num sentido técnico, pressupondo a
personalidade jurídica, enquanto no artigo 2033.º está a ser usada num sentido mais amplo,
referindo-se à suscetibilidade de ser benficiário da designação, não se podendo dispensar a
personalidade jurídica como pressuposto.

Assim, temos três pressupostos da vocação relativamente ao chamado:

1) A personalidade jurídica;
2) A capacidade sucessória;
3) A titularidade da designação prevalecente.

4.1.1. A personalidade jurídica como pressuposto da vocação


A vocação não se pode concretizar sem que haja a personalidade jurídica, uma vez que
consiste na atribuição do direito a suceder. É necessário que o sucessível tenha adquirido a
personalidade e que não a tenha perdido. Temos assim duas vertentes: que a personalidade jurídica
se tenha constituído, normalmente antes da abertura da sucessão, e que não se tenha entretanto
perdido.

4.1.1.1. A aquisição da personalidade


O artigo 2033.º/1 estabelece que a personalidade já deve ter sido adquirida no momento
da abertura da sucessão, no entanto, esta regra é alargada relativamente aos nascituros já
concebidos (66.º/2). Os nascituros podem não estar ainda concebidos desde que sejam filhos de
pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão (2033.º/2/a)), ainda que também
dependa do seu nascimento a aquisição dos direitos, sendo apenas admissível no caso de sucessão
testamentária.

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Tem se discutido a este propósito se os nascituros gozam de vocação:

a) Professores Capelo de Sousa e Eduardo dos Santos – gozam sempre de vocação,


apesar de estar sujeita à condição do seu nascimento;
b) Professores Pereira Coelho e Cristina Araújo Dias – restringe a existência de vocação
a nascituros já concebidos, dizendo-nos que beneficiam de uma personalidade
jurídica reduzida, permitindo que sejam chamados à sucessão ainda antes de
nascerem;
c) Professor Leite de Campos – A personalidade surge no momento da conceção, pelo
que entende que o nascituro já concebido é chamado à sucessão e que os bens se
transmitem para os seus herdeiros, mesmo que não chegue a nascer vivo;
d) Professores Carvalho Fernandes e Menezes Leitão – A vocação apenas se concretiza
com o nascimento, havendo uma situação de direitos sem sujeito.

4.1.1.2. A PMA post mortem após a abertura da sucessão


Em casos de procriação medicamente assistida, a pessoa poderá ser concebida em
momento posterior ao da abertura da sucessão, mas é geneticamente filha do falecido, o que causa
alguma confusão quanto ao seu direito a suceder. O artigo 22.º/1 da LPMA determina que, após
a morte do marido ou do homem com que a mulher vivia em união de facto, não é licito à mulher
ser inseminada, sendo apenas licita a transferência do embrião segundo o artigo 22.º/3 da LPMA,
permitindo a realização do projeto parental estabelecido de forma clara antes do falecimento,
decorrido o prazo ajudado à adequada ponderação da decisão. O artigo 23.º diz-nos que se da
violação da proibição resultar gravidez, é havida como filha do falecido, salvo se à data da
inseminação a mulher tiver contraído casamento ou viver em união de facto com homem que dê
o seu consentimento a este ato, aplicando-se nesse caso o artigo 1839.º/3 do CC, sendo-lhe
atribuída a paternidade. Este regime é também aplicável à fertilização in vitro post mortem (26.º
da LPMA). Não será aplicável, segundo o artigo 10.º/2, a dadores de espermatozoides, ovócitos
e embriões.

A lei, porém, não estabelece se a PMA post mortem dará ou não lugar a efeitos
sucessórios, havendo várias posições na doutrina:

a) Antes da entrada em vigor da LPMA, o Professor Oliveira Ascensão defendeu que


não se deveriam reconhecer efeitos sucessórios ao filho nascido 300 dias após a
abertura da sucessão por motivos de segurança jurídica, dizendo que toda a dinâmica
da sucessão está feita num sentido de desenlace a curto prazo, pelo que, admitindo
estas situações, não seria possível fixar um mapa de herdeiros e esclarecer situações
sucessórias (posição defendida pelo Professor Carvalho Fernandes mesmo após a
entrada em vigor da lei). O Professor Paulo Nascimento vai também neste sentido,
sustentando que a ilicitude da PMA post mortem e razões de segurança jurídica
excluem a vocação legal do filho;
b) Num sentido contrário, os Professores Pamplona Corte-Real e Jorge Duarte Pinheiro,
admitem a atribuição de efeitos sucessórios a filho nascido passados 300 dias da
abertura da sucessão, com base no princípio da não-descriminação, posição seguida
pelo Professor Menezes Leitão que nos diz que a pessoa concebida não tem qualquer
responsabilidade no sucedido, pelo que não deverá ser descriminado nos seus direitos
em virtude dessa situação.

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4.1.1.3. A atribuição da herança ou legado a favor de nascituro não


aconcebido
A atribuição de uma herança ou legado a favor do nascituro não concebido implica uma
sujeição a administração por parte da pessoa viva de quem este seria filho ou no caso de este ser
incapaz, do seu representante legal (2240.º), sendo os bens administrados por quem os
administraria caso já tivesse nascido, quando se trata de nascituro já concebido (2240.º/2).

Tem surgido na doutrina a questão de perceber qual a forma de realizar a partilha quando
os interessados são nascituros ainda não concebidos. O artigo 1092.º/1/c) do CPC prevê a
suspensão da instancia no processo de inventário até ao nascimento do interessado, no entanto, é
uma disposição dificilmente aplicável aos nascituros ainda não concebidos, pelo que surgem
quatro posições na doutrina:

a) A comunhão temporária obrigatória (Professores Castro Mendes e Pamplona Corte-


Real) – a partilha não poderá realizar-se se não a partir do momento em que haja
certeza de que não surgem mais filhos, pelo que os bens devem ficar em comunhão
indivisa, e até esse momento deveria ser colocada sob administração;
b) A teoria da partilha aproximativa (Professor Cunha Gonçalves) – a partilha deverá
fazer-se entre nascidos e nascituros, devendo calcular-se o número de concepturos
que se esperava que venham a existir, efetuando-se a partilha de acordo com essa
expectativa e corrigindo-se posteriormente;
c) A teoria da partilha sob condição resolutiva (Professores José Tavares e Pereira
Coelho) – a partilha pode fazer-se logo após a abertura da sucessão, ficando sujeita a
condição resolutiva no caso de ocorrer um nascimento completo e com vida;
d) A teoria da atribuição de um direito a tornas (Professores Guilherme de Oliveira,
Menezes Leitão e Jorge Duarte Pinheiro) – admitem que a partilha seja feita
imediatamente, e, em caso de nascimento posterior, aplica-se analogicamente o
2029.º/2 sendo a quota composta em dinheiro. O Professor Menezes Leitão considera
que esta solução se encontra consagrada nos artigos 1127.º e 1128.º do CPC.

4.1.1.4. A personalidade das pessoas coletivas


O artigo 2033.º/2/b) atribui capacidade sucessória na sucessão testamentária e contratual
às pessoas coletivas e às sociedades. Há autores que seguem o entendimento de que as sociedades
civis não teriam personalidade jurídica, entendimento do qual o Professor Menezes Leitão
discorda, não havendo qualquer exceção à personalidade jurídica como pressuposto da vocação.
Existe uma especialidade em relação às fundações instituídas por testamento, uma vez que nesse
caso é o reconhecimento, que além de atribuir personalidade jurídica à fundação (158.º/2), vale
como aceitação dos bens a esta destinados (185.º), não tendo a fundação personalidade jurídica
no momento da abertura da sucessão, não impedindo que se considere presente este requisito.

Quanto a outras pessoas coletivas, não parece admissível a validade deixas testamentárias
a favor de pessoa coletiva que não se constituiu.

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4.1.1.5. A sobrevivência em relação ao de cujus


Poderá falar-se na exigência da sobrevivência do sucessível relação ao de cuius, uma vez
que a mesma não poderá ter cessado. Esta consiste no facto de o sucessível não poder ter falecido
antes ou ao mesmo tempo que a abertura da sucessão.

4.1.2. A capacidade sucessória como pressuposto da vocação


A capacidade sucessória está regulada no artigo 2033.º/1 que estabelece quem tem
capacidade sucessória, definindo que além do Estado, todas as pessoas nascidas e concebidas ao
tempo da abertura da sucessão, não excetuadas por lei. O nº 2 deste artigo atribui ainda aos
nascituros não concebidos que sejam filhos de pessoa determinada ao tempo da abertura da
sucessão capacidade sucessória, assim como às pessoas coletivas e sociedades.

A capacidade sucessória em sentido amplo, pode ser definida como sendo a capacidade
para suceder a toda e qualquer pessoa, enquanto em sentido restrito, toma-se em consideração
apenas a idoneidade para suceder a uma certa e determinada pessoa, aproximando-se de certa
forma do conceito de legitimidade (o que acontece com a indignidade e deserdação que só
impedem a sucessão de uma determinada pessoa).

4.1.2.1. A indignidade sucessória


A primeira situação de incapacidade sucessória está ligada com a indignidade, carecendo
de capacidade sucessória aqueles que cometeram atentados contra a vida e honra do autor da
sucessão e dos seus familiares, contra a liberdade de testar e contra o próprio testamento, como
resulta do artigo 2034.º. O artigo 2035.º define que a condenação poderá ser posterior à data da
abertura da sucessão, ainda que só o crime anterior releve para o efeito, no entanto, se a instituição
de herdeiro ou legatário estiver dependente de condição suspensiva, considera-se relevante o
crime cometido até à verificação da condição (2035.º/2). Quanto aos atentados à liberdade de
testar, não há dúvidas de que terá de ser praticado antes da abertura da sucessão, enquanto os
atentados contra o testamento em si poderão ser praticados tanto antes como depois.

A lei só faz referência a estes factos como constitutivos de indignidade sucessória, no


entanto, tem surgido na doutrina a questão de perceber se estamos perante uma enumeração
taxativa ou exemplificativa:

a) Professores Oliveira Ascensão e João Lemos Esteves – ambos os autores têm vindo
a defender que se trata de uma tipicidade delimitativa, podendo ser objeto de
integração por forma a abranger casos que não os previstos na lei
b) Professores Galvão Telles, Pamplona Corte-Real, Carvalho Fernandes, Jorge Duarte
Pinheiro e Cristina Araújo Dias (posição maioritária) – considera que se trata de uma
enumeração taxativa, não apenas por ser uma norma excecional, mas também por se
tratar de uma matéria penal civil sujeita ao princípio da legalidade.

(RELEMBRAR A ESTE PROPÓSTIO O ACÓRDÃO DO STJ 07/01/20210 – O STJ


CONSIDEROU TRATAR-SE DE UMA ENUMERAÇÃO TAXATIVA NO CASO DE UM PAI
QUE PRETENDIA SUCEDER A FILHA QUE HAVIA VIOLADO)

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Outra questão que se tem vindo discutir é saber se a indignidade resulta automaticamente
da prática dos factos referidos ou se estes têm de resultar de uma declaração emitida pelo
Ministério Público. O Professor Oliveira Ascensão tem vindo a defender que a indignidade opera
de pleno direito, ou seja, apenas se existirem bens em poder indigno é que seria necessário
reclamar esses bens através de uma ação. Já os Professores Pereira Coelho, Carlos Pamplona
Corte-Real, Antunes Varela e Carvalho Fernandes têm ido em sentido contrário. Outra questão
diferente é saber se, depois de decorridos os prazos previstos no artigo 2036.º, o sucessor deixa
de poder ser declarado indigno. O Professor Oliveira Ascensão, em consonância com a sua
posição na temática anterior, considera relevantes os prazos do artigo 2036.º, considerando por
analogia com o artigo 287.º que a indignidade poderá ser invocada a todo o tempo. Esta posição
foi seguida pela jurisprudência assim como outros autores como os Professores Capelo de Sousa
e Carvalho Fernandes. Outra discussão relativamente a este tema tem sido sobre a ação relativa à
declaração de indignidade, se será uma ação de mera apreciação, de condenação ou constituição.
Autores como o Professor Antunes Varela qualificam-na como constitutiva, enquanto o Professor
Oliveira Ascensão sustenta que não será constitutiva por operar de pleno direito, tendo assim
caráter de mera apreciação, posição seguida pelo Professor Carvalho Fernandes.

Quanto aos efeitos da indignidade, o artigo 2037.º/1 diz-nos que declarada a indignidade,
a devolução da sucessão ao indigno é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos
os efeitos, possuidor de má-fé. Neste campo, surge também a questão de saber se esta figura se
aplicará na sucessão legitimária, atendendo à existência do instituto da deserdação. O Professor
Leite de Campos tem vindo a defender que, sendo a indignidade um regime geral, deveria ceder
perante o regime especial da deserdação. Já o Professor Oliveira Ascensão, tem vindo a defender
que a indignidade só funciona a título supletivo neste campo, quando não fosse possível recorrer
à deserdação. Os Professores Pereira Coelho e Capelo de Sousa seguem outra via, dizendo-nos
que constitui uma figura geral, plenamente aplicável à sucessão legitimária, não constituindo a
deserdação um regime especial. Os Professores Pamplona Corte-Real, Jorge Duarte Pinheiro e
Menezes Leitão entende que o artigo 2034.º se aplica igualmente ao herdeiro legitimário, sendo
apenas dispensável interpor a respetiva ação se o herdeiro legitimário já tiver sido deserdado pelo
autor da sucessão.

Pelo disposto no artigo 2037.º/2, na sucessão legal, a incapacidade do indigno não


prejudica o direito de representação dos seus descendentes, pelo que, numa leitura a contrario, na
sucessão testamentária a incapacidade do indigno não permitirá aos seus descendentes invocarem
o direito de representação. A lei prevê, ainda, no artigo 2038.º/1 a possibilidade do autor da
sucessão reabilitar o indigno no testamento ou por escritura pública. O artigo 2038.º/2 admite uma
reabilitação tácita, admitindo-se que, se não houver reabilitação expressa, se o indigno for
contemplado no testamento quando o testador já conhecia a causa da indignidade, aquela possa
suceder dentro dos limites das disposições testamentárias. Discute-se a este propósito, se a
reabilitação tácita no âmbito da disposição testamentária admite a possibilidade de acrescer por
parte do indigno (2301.º) ou se ela mesma está excluída. O Professor Pamplona Corte-Real tem
vindo a defender que será admissível, verificados os respetivos pressupostos, a favor do indigno.
Já os Professores Oliveira Ascensão, Carvalho Fernandes e Menezes Leitão respondem que não,
considerando que a limitação do artigo 2038.º/2 não se aplica apenas ao título da sucessão
testamentária, abrangendo também a virtualidade expansiva, pelo que o indigno reabilitado desta
forma apenas pode beneficiar da disposição testamentária nos seus precisos termos.

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4.1.2.2. A deserdação
A deserdação é um instituto da sucessão legitimária, previsto no artigo 2166.º, permitindo
ao autor da sucessão privar um dos herdeiros legitimários da sua legítima quando se verifiquem
as situações enunciadas no artigo referido. Este processo tem de ocorrer por testamento, pelo que
está sujeita às regras de forma do testamento, podendo também ser revogada. Para se efetuar, o
testador terá de indicar a causa que só pode ser alguma das causas taxativamente referidas no
artigo 2166.º, sob pena de nulidade.

Sobre as causas referidas no artigo que são bastante autoexplicativas, a única a realçar
será certamente a opinião do Professor Cunha Gonçalves relativamente a uma das causas, a do
artigo 2166.º/1/c), dizendo que é uma causa absurda, uma vez que i pedido de alimentos pressupõe
uma falta absoluta de bens e meios de subsistir, no entanto, quem possui bens de que pretende
deserdar alguém, não carece de alimentos nem pode exigi-los. Este argumento é facilmente
ultrapassado, por exemplo, caso um filho a quem o pai tenha negado alimentos na infância venha
a adquirir bens pelo seu trabalho. Será ainda de referir que para as hipóteses da alínea a) e b) é
necessária a efetiva condenação pelo crime, no entanto, os Professores Pamplona Corte-Real e
Jorge Duarte Pinheiro admitem a hipótese de uma deserdação condicional, para a hipótese da
condenação vir a ocorrer posteriormente à feitura do testamento, por analogia do artigo 2035.º.

Apesar da lei referir apenas a sucessão legitimária para a deserdação, é evidente que será
também aplicável à sucessão legítima e testamentária, e quanto à sucessão contratual existe um
outro instituto paralelo, a revogação da doação por ingratidão do donatário. Assim, caso seja
excluído da sucessão legitimária, será também excluído da sucessão legítima e sucessão legal,
bem como o que lhe tenha sido atribuído em testamento. Admite-se, porém, que após a deserdação
exista uma deixa testamentária a seu favor, podendo suceder dentro dos limites da disposição
(aplicação analógica do artigo 2038.º/2).

Tem vindo a surgir na doutrina a questão de perceber se a deserdação poderá ser parcial,
por exemplo, o testador privar o herdeiro legitimário de metade da legítima:

a) Professores Pamplona Corte-Real, Carvalho Fernandes, Jorge Duarte Pinheiro e Ana


Sousa Leal – defendem que não poderá acontecer pelo princípio da indivisibilidade
da vocação (2055.º e 2250.º) e da intangibilidade da legítima (2163.º), considerando
nula a cláusula que contenha uma deserdação parcial;
b) Professor Menezes Leitão – vai contra este entendimento dizendo que quem pode
mais, pode menos, pelo que não se deve impedir o testador de punir o herdeiro da
forma que entender mais adequada. Critica também a solução da nulidade, uma vez
que deixa o herdeiro sem qualquer punição, quando o testador quis sanciona-lo.

Por força do artigo 2166.º/2 deve considerar-se aplicável à deserdação a hipótese de


reabilitação do deserdado, através da revogação da deixa testamentária. Esta revogação poderá
ser expressa (2312.º) ou tácita (2313.º). Se o herdeiro legitimário for objeto de uma deserdação
ilegal, a forma de reagir será nos termos do artigo 2167.º, através de uma ação de impugnação,
para a qual a lei estabelece um prazo de 2 anos a contar da abertura do testamento, prazo que só
se inicia quando o interessado teve conhecimento do testamento e da deserdação (por analogia
com os artigos 2059.º e 2308.º). A ação de deserdação tem como pressuposto legal a inexistência
da causa invocada, pelo que não pode ser utilizada quando a deserdação ocorre sem indicação de
qualquer causa. A doutrina tem vindo a apresentar soluções diferentes para este caso. O Professor
Pamplona Corte-Real tem vindo a defender que nesse casos terá de se considerar a deserdação

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como inexistente (opinião subscrita pelo Professor Menezes Leitão, uma vez que não faz sentido
arguir a nulidade quando não está elencado no artigo 2166.º), enquanto o Professor Jorge Duarte
Pinheiro sustenta que o deserdado pode arguir a nulidade da disposição testamentária nos termos
do artigo 2308.º.

4.1.3. A titularidade de designação prevalecente como pressuposto da


vocação
São apenas chamados os sucessíveis que gozam de prioridade na hierarquia da sucessão,
designados por isso como sucessíveis prioritários. Assim, o filho é chamado antes do irmão do de
cujus em virtude da prevalência de classes. Apenas se ele não quiser ou não puder aceitar a
herança é chamado o sucessível subsequente retroagindo a vocação ao momento da abertura da
sucessão (2032.º/2).

4.2. O princípio da indivisibilidade da vocação


O princípio da indivisibilidade da vocação implica que o chamamento do herdeiro ou do
legatário não possa implicar uma aquisição meramente parcial da herança ou do legado. A lei
estabelece que o sucessível designado não pode aceitar nem repudiar em parte a sua herança
(2054.º/1) ou o legado (2250.º/1). Este princípio aplica-se igualmente aos casos de vocação
múltipla, uma vez que o artigo 2055.º/1 determina que mesmo em caso de pluralidade de títulos
de vocação, a aceitação e o repúdio abrangem ambos os títulos.

Este princípio, no entanto, comporta muitas exceções. Temos o caso da sucessão


contratual (2055.º/1 e 2), quanto à aquisição da herança por sucessão legitimária e por testamento,
a transmissão do direito de suceder (2058.º/2), a pluralidade dos legados (2250.º/1), a atribuição
concomitante do legado e herança (2250.º/2), e o direito de acrescer (2306.º). (EXCEÇÕES
EXPLICAS NAS PÁGINAS 121 E 122 DO MANUAL DO PROF. MENEZES LEITÃO).

4.3. Modalidades de vocação


A vocação pode ter várias modalidades, pelo que podemos classificar de várias formas a
vocação:

a) Vocação originária e subsequente – Esta distinção baseia-se no momento do


chamamento. A originária concretiza-se no momento da morte do de cuius (artigo
2032.º/1), enquanto a subsequente se concretiza em momento posterior. A lei
estabelece alguns casos de vocação subsequente, como:
i. O primeiro sucessível a ser chamado não querer ou não poder aceitar
(2032.º/2);
ii. Vocação de pessoa singular ainda não nascida à data da abertura da
sucessão (66.º/2);
iii. Vocação do sucessível instituído ou nomeado sob condição
suspensiva, a qual só ocorre na data da verificação da condição
(2229.º);

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iv. Vocação do fideicomissário, apenas chamado após a morte do


fiduciário (2293.º/1).

Esta qualificação não é pacífica. Galvão Telles, por exemplo, considera que a solução
em relação aos sucessíveis chamados posteriormente, a devolução só será uma
realidade quando se produzir retroativamente a destruição da devolução anterior, pela
ocorrência de factos resolutivos. Gomes da Silva considera que não se produziria a
favor dos sucessíveis subsequentes qualquer forma de devolução no momento da
abertura da vocação. Assim, o que se verificou foi um facto genérico que, combinado
com a morte, teve como efeito a atribuição a alguém da qualidade de sucessível, e em
seguida houve uma nova operação de escolha entre os sucessíveis de quem se
atribuirá o direito de suceder. Já Oliveira Ascensão vem dizer-nos que a atribuição
do direito a suceder dos sucessíveis subsequentes está condicionada em virtude da
possibilidade de aceitação da herança por parte dos sucessíveis chamados em
primeiro lugar, havendo um direito condicional próprio, o que explica a atenuação
dos seus efeitos, havendo uma atribuição originária do direito que sucedeu. Já em
relação à vocação dos nascituros, os Professores Capelo de Sousa e Eduardo dos
Santos, consideram existir uma forma de vocação originiária (apesar da exigência da
condição do nascimento), tal como o Professor Leite de Campos, apesar de só o
considerar para nascituros já concebidos. O Professor Menezes Leitão tende a
considerar que a vocação só ocorra no momento do nascimento completo e com vida,
podendo ser considerada subsequente, uma vez que, apesar de se incluir os nascituros
já concebidas no artigo 2033.º/1, deverá aplicar-se a regra geral do artigo 66.º/2,
ficando os seus direitos dependentes do nascimento. É ainda controvertida a
classificação da vocação do sucessível instituído sob condição suspensiva (2229.º),
pelo que os Professores Pereira Coelho e Capelo de Sousa consideram que é uma
vocação originária, apesar de só se concretizar com a verificação da condição,
retroagindo-se ao momento da abertura da sucessão. Já os Professores Menezes
Leitão e Galvão Telles, entendem ser mais correta a qualificação como vocação
subsequente, havendo exemplos de casos em que as vocações subsequentes
retroagem à data da abertura da sucessão (2032.º/2 e 2242.º/1, por exemplo);

b) Vocação pura e impura – Esta classificação é essencialmente baseada no facto de a


vocação ser ou não sujeita a uma cláusula acessória como a condição, o termo e o
modo, sendo pura aquela que não está sujeita a qualquer cláusula acessória. A
vocação impura, é aquela sujeita, no âmbito da sucessão testamentária, a condição
(2229.º), a termo (2243.º), ou modo (2244.º), e ainda, no âmbito da sucessão
contratual, o modo (943.º);
c) Vocação una e múltipla – A vocação é una quando apenas um sucessível é chamado
a suceder num único título de vocação e numa única qualidade sucessória, enquanto
a vocação múltipla é aquela com vários sucessíveis ou em que o sucessível é chamado
a suceder em mais de um título de vocação ou na dupla qualidade de herdeiro ou
legatário. A vocação só será una na hipótese de sucessão universal de um único
herdeiro, sendo incompatível com a vocação do legatário, já que este não pode
receber todo o património hereditário, uma vez que o seu chamamento pressupõe a
existência de outro herdeiro ou legatário, ou que ele mesmo seja chamado noutra
qualidade. Já a vocação múltipla, compreende várias modalidades:

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i. Chamamento do mesmo sucessível por vários títulos ou qualidades


(por exemplo, ser chamado a suceder na qualidade de herdeiro
legítimo e testamentário, ou como herdeiro e legatário);
ii. Chamamento dos vários sucessíveis da mesma qualidade por um só
título (por exemplo, se vários irmãos forem chamados à sucessão
legítima à herança do falecido);
iii. Chamamento dos vários sucessíveis da mesma ou de qualidades
diferentes por vários títulos (por exemplo, caso um sucessível queira
aceitar a sucessão por um título ou qualidade e repudia-la por outro,
o que só acontece excecionalmente – 2055.º).
d) Vocação direta e indireta – A vocação direta é aquela que se baseia na relação
existente entre o sucessível e o de cujus, e indireta quando o chamamento do
sucessível toma por base não apenas esta relação, como a sua posição perante um
terceiro, que apesar de não entrar na sucessão, serve como ponto de referência. A
vocação indireta ocorre quando um sucessível prioritário não possa ou não queira
aceitar a sucessão, sendo nesse caso chamado de sucessível subsequente, sendo a
vocação deste moldada sobre a anterior vocação do sucessível prioritário (2032.º/2).
A vocação indireta tem como pressuposto o sucessível primeiramente designado não
poder ou não querer aceitar a sucessão, sendo que o não poder se traduz numa
impossibilidade jurídica ou uma impossibilidade física. São modalidades da sucessão
indireta, a substituição direta (2281.º), o direito de representação (2039.º) e o direito
a acrescer (2137.º/2, 2157.º e 2301.º);
e) Vocação imediata e derivada – A vocação será imediata quando é adquirida
originariamente pelo chamado, e derivada quando foi transmitida para o chamado
após uma prévia aquisição do direito de suceder por outro de cujus. A vocação
derivada pressupõe o chamamento de alguém à sucessão de um terceiro e que se
verifique o falecimento do chamado sem que este tenha podido aceitar ou rejeitar a
sucessão. Normalmente a vocação é originária, no entanto, pode ser considerada
derivada se verificarmos uma transmissão do direito a suceder (2058.º);
f) Vocação comum e anómala – A vocação comum é aquela que corresponde ao padrão
da normalidade, sendo originária, pura, direta e imediata, enquanto a anómala se
desviam deste padrão comum de normalidade, podendo ser subsequentes, impuras,
indiretas e derivadas.

4.4. As vocações anómalas


Há que denotar a hierarquia existente entre as várias vocações anómalas antes de proceder
à análise de cada uma delas:

1. Substituição direta (2041.º/2/a) na sucessão testamentária);


2. Ou a substituição fideicomissária (quer em benefício dos herdeiros do fiduciário –
2041.º/2/a) e 2293.º/3 – quer em benefício dos herdeiros do fideicomissário –
2041.º/2/b – e ainda na sucessão contratual – 1700.º/2);
3. Direito de representação (2304.º);
4. Direito de acrescer.

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4.4.1. A transmissão do direito de suceder


O artigo 2058.º/1 prevê a transmissão do direito de suceder em caso de falecimento do
sucessível sem este ter aceite ou repudiado a herança, transmitindo-se o direito a suceder aos seus
herdeiros. Segundo o nº 2 deste artigo, a transmissão depende de os herdeiros aceitarem a herança,
podendo, no entanto, repudiar a herança a que tinham sido chamadas. Este regime é também
aplicável aos legados pelo artigo 2249.º.

A transmissão do direito a suceder tem como pressupostos:

a) O chamamento de alguém a uma sucessão;


b) O falecimento do chamado sem que este tenha aceite a herança ou o legado;
c) Chamamento dos herdeiros do primitivo chamado;
d) Aceitação por aqueles dessa sucessão.

Esta transmissão não se pode verificar no âmbito da sucessão contratual, uma vez que
neste caso, o beneficiário das doações mortis causa tem que aceitar a doação em vida do doador
(artigo 945.º/1), não sendo possível que o beneficiário venha a falecer sem aceitar essa sucessão.
Isto só ocorre caso após a abertura da sucessão se verificou o chamamento do titular da designação
sucessória prevalecente, mas este vem a falecer sem aceitar ou repudiar.

Pode ocorrer também o chamamento transmissário, exigindo-se que o mesmo tenha


capacidade sucessória relativamente ao transmitente e ao primitivo de cuius. Sendo a transmissão
do direito a suceder uma vinculação derivada, torna-se necessário que se preencham os
pressupostos da vocação quanto a ambas as vocações, pelo que se fosse incapaz de suceder ao
transmitente, não poderia ser chamado à herança deste, assim como se fosse incapaz relativamente
ao de cuius primitivo, também não poderia ser atribuída a herança.

Tem surgido na doutrina a questão de se a transmissão do direito de suceder constitui ou


não uma hipótese de vocação indireta:

a) Galvão Telles e Pamplona Corte-Real – dizem-nos que sim, uma vez que o fenómeno
sucessório não se encontrava concluído relativamente ao de cuius primitivo, só indo
sê-lo por via da atuação da vocação pelos sucessores do transmitente que acabam por
suceder ao de cuius;
b) Oliveira Ascensão, Antunes Varela, Jorge Duarte Pinheiro e Menezes Leitão – dizem-
nos que não há uma vocação indireta mas sim uma situação de dupla transmissão,
pelo que os pressupostos da vocação só têm de se verificar quanto à segunda abertura
da sucessão. Menezes Leitão diz-nos que, ao contrário do que acontece nas vocações
indiretas, o transmissário tem que aceitar a herança, assim como existe um requisito
da existência do chamado que não tem de se verificar relativamente à abertura da
primeira sucessão, podendo quem não era nascido adquirir por transmissão o direito
a aceitar ou repudiar a sucessão deste, tendo ainda de se verficiar capacidade
sucessória relativamente a ambas as vocações, o que não acontece nas vocações
indiretas (2037.º/2).

4.4.2. A substituição direta


A substituição direta ocorre quando o autor da sucessão substitui outra pessoa ao herdeiro
ou legatário designado para a hipótese de este não poder ou não querer aceitar a herança ou legado

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(2281.º e 2285.º), constituindo um caso de vocação indireta. Esta distingue-se da substituição


fideicomissária e pupilar por implicar uma única transmissão sucessória entre o testador e o
substituto ao contrário das outras substituições que envolvem duas transmissões.

Existem três modalidades de substituição direta:

a) Singular – quando existe apenas um herdeiro ou legatário instituído e apenas um


herdeiro ou legatário substituto;
b) Plural (2282.º) – quando existem vários herdeiros ou legatários designados ou
substituídos, sendo que neste caso se podem substituir tanto várias pessoas a uma só
como uma só a várias;
c) Recíproca (2283.º/1 e 2285.º/1) – quando o testador determinar que os co-herdeiros
ou co-legatários se substituam reciprocamente (ver, a este propósito, o artigo
2283.º/2, 2283.º/3 e 2285.º/2).

Este processo ocorre em qualquer das hipóteses em que o substituído não queira ou não
possa aceitar a herança ou legado (casos como a pré-morte, indignidade, deserdação ou repúdio
da herança). A sua vontade depende sempre do testador, livre de determinar a sua aplicação para
apenas algum ou alguns dos casos, excluindo os outros. Entende-se, no entanto, que se o testador
só previr um dos casos, queria abranger o outro salvo declaração em contrário (2281.º/2).

A questão que surge na doutrina, é saber se a substituição ocorre igualmente no caso de


ser inválida a deixa a favor do substituto. Oliveira Ascensão e Carvalho Fernandes respondem
que sim, dizendo que o instituidor poderia ter previsto a invalidade e é seguro que a sua vontade
seria, nesse caso, de instituir o substituído, devendo por isso a referência a não poder aceitar a
herança ou legado ser entendida em termos amplos. Caso o substituído venha a falecer sem aceitar
ou repudiar, dá-se um caso de transmissão do direito de suceder para os seus herdeiros, não
podendo aplica-se a substituição direta, no entanto, admitem que o testador disponha em sentido
contrário, excluindo a transmissão do direito de suceder aos herdeiros (Carlos Pamplona Corte-
Real não admite esta hipótese, dizendo que apenas seria admissível a substituição
fideicomissária).

Outra questão será saber se esta poderá operar na sucessão legitimária. Pamplona Corte-
Real, Capelo de Sousa, Cristina Araújo Dias e Menezes Leitão respondem que não é possível
designar substituto do herdeiro legitimário tendo em conta o caráter injuntivo destas normas.
Oliveira Ascensão e Carvalho Fernandes, por outro lado, admitem que seja possível para a
hipótese de não funcionar o direito de representação ou o direito de acrescer.

O artigo 2284.º determina que, verificando-se a substituição direta, se o sucessível


prevalecente não quiser ou não puder aceitar a herança, a lei determina o chamamento do
substituto. O testador poderá sempre estabelecer uma posição diferente em relação ao substituído,
com diferentes direitos e obrigações. A substituição direta constitui uma modalidade de vocação
indireta e condicional, indireta por a posição do substituto ser moldada pela do substituído e
condicional por a vocação do substituto estar dependente da condição suspensiva do substituído
não poder ou não querer aceitar a sucessão. Quando é admitida, afasta ainda a aplicação do direito
de representação e do direito de acrescer.

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4.4.3. O direito de representação


Nos termos do artigo 2039.º verifica-se uma situação de direito de representação “quando
a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde
ou não quis aceitar a herança ou legado. O direito de representação pretende impedir que
circunstancias fortuitas e imprevistas, que impedem o chamamento do sucessível anterior,
venham afetar a disciplina normal da sucessão, frustrando as legítimas expectativas dos
descendentes e donatários. O direito de representação corresponde a uma forma de vocação
indireta que abrange os descendentes e os adotados, permitindo-lhes ocupar a posição do seu
ascendente ou adotante que não quis ou não pode aceitar a herança.

Este distingue-se da transmissão do direito de suceder porque nesta o chamado à sucessão


faleceu sem ter podido aceitar a herança ou legado enquanto que naquele o representado não
chegou a ser chamado ou rejeitou o chamamento sucessório. No direito de representação, ao
contrário da transmissão do direito de suceder, ocorre apenas um fenómeno sucessório, uma vez
que a vocação subsequente a favor do representados produz os seus efeitos logo no momento da
abertura da sucessão.

O direito de representação opera tanto na sucessão legal como na sucessão testamentária


(2040.º), encontrando-se igualmente prevista uma situação de direito de representação na
sucessão contratual (1703.º).

A) O direito de representação na sucessão legal

Resulta do artigo 2042.º que a representação na sucessão legal necessita apenas de dois
pressupostos:

a) Que um filho ou irmão do falecido não possa ou não queira aceitar a herança,
independentemente de qual a causa porque tal se verifica – daqui resulta que não se
pode invocar o direito de representação relativamente ao cônjuge ou ascendentes;
b) Que esse filho ou irmão do falecido tenha deixado descendentes ou adotados.

B) O direito de representação na sucessão testamentária

Na sucessão testamentária, o direito de representação vem previsto no artigo 2041.º,


sendo os seus pressupostos mais complexos do que os do direito de representação na sucessão
legal:

a) Que o herdeiro ou legatário designado tenha falecido antes do testador ou tenha


repudiado a herança ou legado – limita-se o direito de representação à pré-morte ou
ao repúdio;
b) Que não se verifique a caducidade da vocação sucessória por outra causa – as
disposições testamentárias caducam nos termos do artigo 2317.º por várias causas;
c) Que esse herdeiro ou legatário tenha deixado descendentes ou adotados – na ausência
destes, naturalmente, não haverá direito de representação;
d) Que o sucessor não tenha disposto em sentido contrário, o que se presume no caso de
ter designado substituto ao herdeiro ou legatário, esteja em causa o fideicomissário,
ou seja o caso de legado de usufruto ou outro direito pessoal – deve afastar-se o direito
de representação em todos os casos em que o testador o pretenda impedir

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(EXPLICAÇÃO DAS SITUAÇÕES DETALHADAMENTE NAS PÁGINAS 138 E


139 DO MANUAL).

C) O direito de representação na sucessão contratual

Na sucessão contratual, o direito de representação abrange apenas o caso de doação mortis


causa feita por terceiro para casamento (1703.º/2), e os beneficiários são apenas os filhos nascidos
daquele casamento. Parece, porém, que se pode estender analogicamente este regime aos adotados
pelo casal, assim como aos filhos que o casal tenha tido anteriormente ao casamento.

Apesar da lei restringir neste caso o direito de representação aos filhos daquele casal, tal
parece justificar-se pelo facto de objetivo do terceiro ao estabelecer a doação ser o favorecimento
da união daquele casal, o que justifica o tratamento especial da sua prole. Não parece então que
este regime esteja a infringir a disposição constitucional contra a discriminação dos filhos
nascidos fora do casamento, uma vez que abrange também filhos nascidos de outros casamentos.
Será, no entanto, inconstitucional a interpretação que impeça a sua aplicação a descendentes de
segundo grau e seguintes, nascidos fora do casamento dos seus progenitores.

Assim, o direito de representação abrange apenas neste caso o predecesso do donatário


(1703.º/2) e não o repúdio por este, ao contrário do que é regra geral neste direito (2039.º). A
questão do repúdio não se poderá colocar, uma vez que a doação é aceite em vida do doador. O
direito de representação é supletivo, podendo ser afastado nas convenções antenupciais.

4.4.3.1. O regime do direito de representação


O artigo 2045.º estabelece que a representação tem lugar mesmo que todos os membros
das várias estirpes estejam, relativamente ao autor da sucessão, no mesmo grau de parentesco, ou
exista uma só estirpe. Assim, só funciona se houver desigualdade de graus sucessórios ou caso
sejam iguais mas há uma diversidade de estirpes, ou ainda quando a estirpe é só uma. O direito
de representação permite afastar em qualquer desses casos as regras da preferência de graus de
parentesco (2135.º), da sucessão por cabeça (2136.º) e do direito de acrescer (2137.º).

A) Desigualdade de graus sucessórios com pluralidade de estirpes

Imaginando o caso de desigualdade dos gruas sucessório, vejamos o seguinte exemplo:


Abel é o de cuius, e tem dois filhos, Bernardo e Carlos, sendo Carlos o pré-falecido, que deixou
também dois filhos, Daniel e Eduardo. Assim, a regra da preferência do grau (artigo 2135.º)
determinaria que os netos não sucedessem, em virtude de maior proximidade do filho. Esta regra
é afastada, uma vez que há direito de representação, pelo que Daniel e Eduardo vão ser chamados
à sucessão mas não sucedem em posição de igualdade com Bernardo, uma vez que dividem a
parte que caberia a Carlos.

B) Igualdade de graus sucessórios com pluralidade de estirpes

No caso de igualdade de graus sucessórios, vejamos o seguinte exemplo: Abel é o de


cuius, tendo tido dois filhos, Bernardo e Carlos, ambos pré-falecidos; Bernardo tinha três filhos,

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Daniel, Eduardo e Filipe, e Carlos dois filhos, Gabriel e Horácio. Neste caso, embora não esteja
em questão a regra da preferência de grau constante do artigo 2135.º, a posição de Bernardo e
Carlos continua a ser considerada para efeitos de repartição da herança. Vejamos que, os três
filhos de Bernardo e os dois filhos de Carlos não sucedem igualmente a Abel, uma vez que
ocupam a posição Bernardo e Carlos respetivamente, tendo de dividir a parte que a estes caberia
na herança entre si. A existência do direito de representação afasta a regra da divisão por cabeça
prevista no artigo 2136.º.

C) Unidade de estirpes

Na hipótese de unidade de estirpe, vejamos o exemplo: sendo Abel o de cuius, que tem
apenas um filho, Bernardo, pré-falecido, mas que deixou um filho, Carlos. Abel, em vida, tinha
feito uma doação de um prédio a Bernardo e doou as suas joias a uma amiga, Daniela. Neste caso,
o direito de representação poderá ser importante para se averiguar a necessidade de reduzir as
liberalidades efetuadas em vida. A doação para Daniela poderia ser considerada inoficiosa
(2168.º) se o prédio não entrasse no cálculo da legítima, no entanto, como sucede por efeitos do
direito de representação, o prédio doado conta para efeitos de cálculo da legítima (2162.º)

4.4.4. O direito de acrescer


O direito de acrescer dá-se quando há a designação de vários sucessíveis para sucederem
em conjunto a uma herança ou legado, sendo atribuída a um ou a vários deles o direito de suceder
relativamente à parte que o outro ou os outros não quiseram ou não puderam aceitar. Este instituto
tem como justificação a intenção de esgotar o universo dos sucessíveis prioritários antes de serem
chamados os outros. Havendo concurso de sucessíveis prioritários em relação a uma herança ou
legado, pretende-se que a não aquisição por um deles provoque a repartição da herança ou legado
pelos outros.

Este mecanismo verifica-se em muitos outros casos, no entanto, é no direito sucessório


que tem maior aplicação. Este direito vem previsto tanto na sucessão legal (2137.º/2 e 2157.º)
como na sucessão testamentária (2301.º e 2307.º), podendo ainda ocorrer na sucessão contratual
nos casos do artigo 944.º/1 e 2 ou ainda nos casos de constituição de usufruto por doação mortis
causa (944.º/2). Os fundamentos do direito de acrescer são bastante diferentes nas várias
categorias de sucessão, pelo que vamos estuda-las separadamente. Na sucessão legal, o direito de
acrescer é imposto legalmente, enquanto na sucessão testamentária funda-se na vontade conjetural
do testador, podendo assim ser afastado por determinação deste. Já sucessão contratual, o acrescer
não se funda na vontade conjetural do autor da sucessão, exigindo-se, salvo no caso de usufruto,
uma declaração sua nesse sentido.

A) O direito de acrescer na sucessão legal

Existem três pressupostos do direito de acrescer na sucessão legal (artigos 2137.º/2,


2138.º e 2157.º):

a) A designação simultânea de vários sucessíveis da mesma classe para sucederem na


herança – exige-se que ocorra, por força da lei, uma designação conjunta dos vários
sucessíveis na herança;

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b) Impossibilidade de aceitação ou repúdio da herança por parte de algum ou alguns


desses sucessíveis – este pressuposto tem um funcionamento diferente na sucessão
legal do que acontece nas outras vocações indiretas, uma vez que não abrange
situações de pré-morte (2139.º/2 e 2159.º/2), por exemplo, caso o cônjuge venha a
falecer antes do autor da sucessão e existir um filho, aplicar-se-á o regime do artigo
2159.º/2 para calcular a legítima, considera-se o cônjuge como não existente em lugar
de se considerar a parte do cônjuge como acrescida ao filho. Tem sido discutido na
doutrina a questão de perceber se o acrescer ocorre igualmente em casos de
incapacidade sucessória ou indignidade. Os Professores Pamplona Corte-Real e Jorge
Duarte Pinheiro têm vindo a entender que há lugar ao acrescer nestes casos, posição
seguida também pelo Professor Menezes Leitão, enquanto o Professor Oliveira
Ascensão tem entendido que não há lugar ao direito de acrescer, equiparando estes
casos à pré-morte, incluindo no conceito de inexistência do herdeiro a inexistência
jurídica e não apenas a física, defendendo que se faz uma interpretação declarativa
lata;
c) Inexistência de direito de representação – se funcionar o direito de representação, são
chamados à sucessão os descendentes daquele que não pode ou não quis aceitar a
herança, pelo que os sucessíveis da mesma classe já não poderão beneficiar do direito
de acrescer.

No âmbito da sucessão legal, o acrescer só funciona dentro de cada título. Por isso, o
herdeiro legítimo não beneficia do direito de acrescer em caso de pré-morte, incapacidade ou
repúdio do herdeiro testamentário, ocorrendo antes a caducidade da deixa (artigo 2137.º/a), b), c)
e d)). Assim, no caso de os herdeiros legítimos previamente chamados faltarem ou repudiarem a
herança, não ocorre acrescer para os herdeiros testamentária, sendo antes chamados os herdeiros
da classe de sucessíveis subsequente. O acrescer funciona apenas dentro da mesma classe de
sucessíveis, assim, faltando apenas alguns dos sucessíveis da mesma classe a sua parte acresce à
dos outros (2137.º/2). Assim, se se verificar a falta de um dos descendentes, a sua parte acresce à
dos outros descendentes e ao cônjuge. Já se faltar o cônjuge, não se verifica o direito de acrescer
pelas razões acima expostas. Se se verificar a falta de descendentes, o cônjuge é chamado à
totalidade da herança (2141.º).

Surge a questão de saber se se verifica o acrescer quando o cônjuge concorrer com mais
de três descendentes, caso em que a lei lhe atribui o direito a suceder em um quarto da herança.
No caso de o cônjuge concorrer com seis filhos, este recebe 1/4 e os restantes 1/8 da herança. Mas
caso um dos filhos não queira ou não possa suceder, questiona-se se o acrescer se faz por cabeça,
cabendo 1/6 a cada um dos filhos ou se o cônjuge receberá uma porção dupla da dos filhos. O
artigo 2301.º/2 parece dar a entender que a segunda opção será a correta.

Se houver descendentes, o cônjuge passa a integrar a segunda classe de sucessíveis


(2133.º/2). No caso dos ascendentes, o acrescer dá-se prioritariamente aos outros ascendentes que
concorrem à sucessão, só passando para o cônjuge se todos estes faltarem (2143.º). Surge, assim,
a dúvida de saber se, existindo ascendentes do segundo grau, estes podem vir a ser chamados se
os ascendentes de primeiro grau não quiserem ou não puderem ser chamados, ou se, nesse caso,
o acrescer se verifica logo para o cônjuge. O Professor Antunes Varela defende que resulta do
artigo 2144.º que o cônjuge só é chamado à totalidade da herança se não existirem quaisquer
descendentes ou ascendentes. Já o Professor Oliveira Ascensão ente que resulta do artigo 2143.º
que o acrescer apenas se verifica em relação aos ascendentes que concorrem à sucessão,

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impedindo a regra da preferência do grau nos termos do artigo 2143.º/3 e 2145.º, que os
ascendentes de segundo grau concorram à sucessão.

B) O direito de acrescer na sucessão testamentária

A lei prevê o direito de acrescer entre os herdeiros na sucessão testamentária (2301.º) e


entre legatários (2302.º e 2305.º). Não se encontra prevista qualquer situação de direito de acrescer
de herdeiros sobre legatários e verifica-se uma única hipótese de direito de acrescer de legatário
sobre herdeiros (2306.º).

Os pressupostos do direito de acrescer na sucessão testamentária são os seguintes:

a) A instituição de vários herdeiros ou legatários na herança ou legado (artigo 2301.º e


2302.º) – não tem de ser conjunta, apenas tem de se verificar em relação à totalidade
ou quota de bens, no caso da herança, ou ao mesmo objeto, no caso de legado;
b) A impossibilidade de aceitação ou verificação de repúdio da herança ou legado por
um deles – tem sido discutido na doutrina se haverá lugar a aplicar o direito de
acrescer na sucessão testamentária, se, no momento da abertura da sucessão, se
verificar uma causa de invalidade da disposição testamentária em relação a algum dos
herdeiros ou legatários instituídos. Os Professores Galvão Telles, Capelo de Sousa e
Carvalho Fernandes defendem a aplicação do direito de acrescer nessa situação,
enquanto os Professores Oliveira Ascensão, Pamplona Corte-Real e Jorge Duarte
Pinheiro a rejeitam. Mais controverso tem sido saber é possível existir acrescer no
caso da resolução da disposição testamentária por incumprimento do encargo por
parte de um dos beneficiários (artigo 2248.º). Os Professores Pamplona Corte-Real e
Jorge Duarte Pinheiro tem vindo a considerar que existe uma situação de acrescer,
uma vez que ocorreria um caso de ineficácia da aceitação do nomeado, o que
equivaleria a um não poder aceitar a sucessão. O Professor Menezes Leitão vai contra
este entendimento, dizendo que resolvida a disposição testamentária, é considerar
supervenientemente ineficaz, não correspondendo aos pressupostos do direito de
acrescer. Quanto ao caso de revogação, total ou parcial, do testamento em que se
instituía ou nomeava um dos sucessíveis, prece claro que se exclui o acrescer, pois é
esta a vontade do autor da sucessão, tudo se passando como se essa disposição nunca
tivesse existido. Já quanto à caducidade da disposição testamentária, esta constitui
um pressuposto do acrescer, uma vez que entre estas se incluem situações que são o
seu pressuposto natural como a não sobrevivência, a incapacidade e o repúdio
(2137.º/a), c) e e)), não havendo motivo para se estabelecer regime diferente em
relação ao falecimento antes da verificação da condição suspensiva ou da cessação
do vinculo conjugal do beneficiário (2137.º/b) e d)). Se fosse admitido que a
caducidade das disposições testamentárias afastasse o direito de acrescer, os artigos
2301.º e 2302.º veriam o seu conteúdo esvaziado;
c) A ausência de disposição em contrário do testador – o melhor exemplo disto é a
substituição direta;
d) Não ter o legado natureza pessoal (entende-se como um interesse pessoal do legatário,
de natureza pessoal ou patrimonial, como seria a atribuição de financiamento para o
legatário frequentar um curso superior ou da entrega de cartas escritas pelo pai do
legatário ao testador);
e) A inexistência de um direito de representação.

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O acrescer tem um regime diferente consoante se trate de herdeiros ou legatários. Quanto


aos herdeiros, o artigo 2301.º/1 determina que, verificando-se a instituição de dois ou mais
herdeiros na totalidade ou numa quota dos mesmos bens, seja conjunta ou não a sua instituição, e
alguns deles não puderem ou não quiserem aceitar a herança, acrescerá a sua parte aos restantes.
O acrescer é efetuado em partes iguais caso tenham sido instituídos dessa forma, se forem
desiguais, a parte do que não pode ou não quis aceitar é dividida pelos outros, respeitando-se a
porção entre eles. Caso sejam vários legatários no mesmo objeto, independentemente de terem
sido nomeados conjunta ou individualmente, o artigo 2302.º determina igualmente que a parte
daqueles que não quiseram ou não puderam aceitar a herança acresce à dos restantes. O artigo
2301.º/2 estabelece que será divido em partes iguais, caso a nomeação tenha sido efetuada em
partes iguais, e, sendo desigual, respeitar-se-á a proporção para efeitos de divisão.

Caso não haja lugar ao acrescer entre legatários, o artigo 2303.º determina que o objeto
do legado é atribuído ao herdeiro ou legatário onerado com o encargo do seu cumprimento (esta
cabe, em princípio, aos herdeiros – 2265.º/1 – sendo os mesmos considerados um encargo de toda
a herança (2068.º), pelos quais os bens desta respondem coletivamente (2097.º), só sendo o
herdeiro responsável após a partilha em proporção da quota que tiver recebido da herança
(2098.º/1)), salvo se esse objeto estiver genericamente compreendido noutro legado.

Um caso particular de acrescer entre legatários, nos termos do artigo 2305.º, é o do


acrescer entre usufrutuários, em virtude da sua qualificação como legatários no artigo 2030.º. O
artigo 1442.º atribuía-lhes o direito de acrescer no caso de o testamento estabelecer uma nomeação
conjunta, mas em virtude do artigo 2305.º remeter não só para aquele artigo, mas também para o
artigo 2303.º parece que bastará, para que o direito de acrescer se verifique, que a nomeação como
usufrutuários ocorra em relação ao mesmo objeto, seja ou não conjunta a nomeação.

Independentemente de o acrescer respeitar a herança ou legado, o artigo 2306.º determina


que a aquisição da parte acrescida se dá por força da lei, sem necessidade de aceitação do
beneficiário, que não pode repudiar separadamente essa parte. Excetua-se, porém, o facto de a
parte acrescida ter encargos especiais estabelecidos pelo testador, conforme se prevê nos artigos
2244.º e seguintes. Nesse caso, se a parte acrescida for objeto de repúdio, a mesma reverte para a
pessoa ou pessoas cujo benefício os encargos foram constituídos. Apesar da lei apenas se referir
a um repúdio da parte acrescida, para que este regime possa explicar é necessário um duplo
repúdio sucessivo, uma vez que o só o mesmo permite demonstrar a falta de interesse da deixa
testamentária. Exige-se, consequentemente, que a deixa com encargos seja objeto de repúdio por
parte do herdeiro originalmente instituído, e que ocorra o chamamento por acrescer de um co-
herdeiro testamentário, que igualmente a repudia. Quando se verifica esse duplo repúdio, a deixa
reverte para o beneficiário do encargo, o que determina a extinção do mesmo por confusão.

O artigo 2307.º determina que aquele que houver o acrescer, independentemente de ser
herdeiro ou legatário, sucede nos mesmos direitos e obrigações, de natureza não puramente
pessoal, que caberiam aquele que não pode ou não quis receber a deixa. Esta formulação suscitou
a dúvida sobre se, estando o sucessor originário sujeito à obrigação de conferir por virtude da
colação, essa obrigação passa para o beneficiário do acrescer. A doutrina tem entendido que, uma
vez que nesta norma estão em causa as obrigações recebidas do de cuius e não as obrigações
pessoais do faltoso, a obrigação de conferir em resultado da colação não se pode considerar aqui
incluída. Tal é confirmado pelo facto de, no regime da colação, se prever a manutenção dessa
obrigação em caso de direito de representação (2106.º e 2114.º/2), mas não em matéria de
acrescer.

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C) O direito de acrescer na sucessão contratual

O artigo 944.º/1 exclui a existência de um direito de acrescer nas doações, mesmo em


caso de nomeação conjunta dos donatários. Este regime é aplicável às doações mortis causa, como
no caso das doações para casamento (1753.º/2), devendo igualmente considerar-se aplicável à
instituição de herdeiro ou de legatário efetuada na convenção antenupcial (1700.º), o que exclui
em principio a verificação do acrescer na sucessão contratual. O acrescer entre donatários só pode
ocorrer por indicação do doador, em virtude de uma deserdação deste. Ao abrigo da autonomia
privada do autor da sucessão, pode assim estipular a existência de um direito de acrescer entre
donatários ou entre herdeiros ou legatários designados contratualmente.

O artigo 944.º/2 prevê que a falta de uma declaração do doador não prejudica o direito de
acrescer entre os beneficiários quando o usufruto seja constituído por doação. É aplicável à doação
mortis causa o artigo 1442.º que prevê a existência de acrescer relativamente a usufrutuários
nomeados conjuntamente.

O pressuposto do acrescer na sucessão contratual é que um dos designados conjuntamente


não possa ou não queira aceitar a sucessão, enquanto que na sucessão contratual tem em princípio
que ocorrer a aceitação da doação (artigo 945.º) de que só são excetuadas as doações puras feitas
a incapazes (artigo 951.º).

4.4.4.1. A natureza do direito de acrescer


É importante estabelecer a diferença entre o direito de acrescer em sentido estrito,
considera-se que se verifica um novo chamamento indireto a favor do beneficiário, resultante de
um novo título de vocação sucessória, diferente do inicial, e o direito de não decrescer, no qual o
título de vocação permanece o mesmo, não havendo um fenómeno de vocação indireta mas sim
uma expansão do objeto inicial do chamamento. A diferença essencial seria que, no direito de
acrescer em sentido estrito, seria necessária a aceitação da parte acrescida pelo beneficiário,
enquanto que no direito de não-decrescer dá-se por força da lei, não se admitindo o repúdio
separado.

No nosso sistema o acrescer é qualificado como um direito de não decrescer. Esta situação
pode parecer clara na sucessão legal onde a lei não pressupõe uma segunda vocação do sucessível
legal para receber a parte acrescida, não sendo consequentemente essa mesma parte sujeita a
aceitação ou repúdio. Por isso, na sucessão legal, há um direito de não decrescer resultante de
uma eficácia expansiva da vocação inicial. Isto acontece igualmente na sucessão testamentária,
não se pressupondo uma nova vocação sempre que a parte acrescida não esteja onerada com
nenhum encargo especial nos termos do artigo 2306.º. Neste caso, a parte acrescida é adquirida
pelo beneficiário por força da lei, não podendo ele repudiar separadamente, não se verificando
nova vocação. Porém, verifica-se direito de acrescer em sentido estrito quando a parte acrescida
está onerada com encargo especial, tendo de haver aceitação por parte do beneficiário neste caso
(2306.º, 2.ª parte).

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4.3.5. A substituição fideicomissária


O artigo 2286.º determina que é uma substituição fideicomissária ou fideicomisso a
disposição em que se impõe ao herdeiro instituído (fiduciário) o encargo de conservar a herança,
para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem (fideicomissário). Trata-se da hipótese de
vocação sucessiva, em que se verificam duas vocações, primeiro a favor do fiduciário e depois do
fideicomissário, concretizando-se duas vocações do mesmo negócio jurídico. Podemos defini-la
como uma dupla disposição sucessiva, que se traduz numa aquisição sucessiva de bens.

Assim, os elementos constitutivos da substituição fideicomissária são:

a) Dupla liberalidade com o mesmo objeto (poderá ser uma deixa testamentária – 2286.º
- ou ser deixada a título de herança ou um legado – 2296.º -, podendo igualmente
resultar de uma doação por morte – 1700.º/2 – ou em vida – 962.º);
b) Encargo imposto ao beneficiário da liberalidade de conservar durante a sua vida o
objeto da mesma para que este reverta por sua morte a favor do segundo beneficiário;
c) Ordem sucessiva.

A substituição fideicomissária é vedada pelo artigo 2163.º na sucessão legitimária.

A lei admite que existam substituições fideicomissárias plurais, ou seja, a designação


simultânea de vários fiduciários ou de vários fideicomissários (2287.º), resultando que, apenas
após a morte do último fiduciário é que se verifica a reversão para o fideicomissário. No entanto,
são nulas as substituições fideicomissárias em mais de um grau (2288.º), justificando-se por se
pretender impedir o estabelecimento de excessivos encargos sobre os bens. A lei admite que seja
sujeita a condição nos termos do artigo 2229.º, proibindo-se apenas quando a condição seja
utilizada para tentar ilidir essa proibição, entendendo grande parte da doutrina que o facto do
artigos 2288.º apenas se referir a reversão para o fideicomissário fique subordinada a um
acontecimento futuro e incerto impede a estipulação apenas da condição suspensiva, mas não da
condição resolutiva, sendo permitida. O 2289.º diz que no caso de instituição de fideicomisso em
mais de um grau, se tem como não escrita a segunda cláusula, a não ser que o contrário resulte do
testamento.

4.3.5.1. A situação jurídica do fiduciário


O fiduciário, após a abertura da sucessão assume o estatuto de herdeiro ou legatário do
de cuius, consoante suceda na totalidade, numa quota ou em bens determinados da herança,
gozando de direitos como poder exigir a partilha da herança, à sua instituição não poder ser aposto
termo inicial (no caso de ser herdeiro), e gozar do direito de acrescer (no caso de ser herdeiro ou
legatário). A sua vocação será impura, uma vez que é estabelecida a título provisória e caduca
com a sua morte, gozando da administração dos bens (2290.º). O tribunal poderá admitir, em caso
de necessidade ou utilidade para os bens da substituição, a sua alienação ou oneração (2291.º/2).
Se for herdeiro, o fiduciário responde ainda pelos encargos da herança (2068.º). Quando falece o
fiduciário, ocorre a devolução da herança ou legado ao fideicomissário (2293.º/1).

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4.3.5.2. A situação jurídica do fideicomissário


O artigo 2294.º determina que não haverá lugar à aceitação ou repúdio em vida do
fiduciário por parte do fideicomissário, não podendo praticar atos de disposição dos respetivos
bens, mesmo que a título oneroso. Caso o fideicomissário não possa ou não queira aceitar, fica a
substituição sem efeito, considerando-se bens hereditários adquiridos definitivamente pelo
fiduciário (2293.º/2), podendo, no entanto, o testador dispor em sentido contrário, enquanto que,
se o fiduciário não quiser ou não puder aceitar, o artigo 2293.º/3 prevê a conversão da substituição
fideicomissária em substituição direta, que é, da mesma forma, uma solução supletiva. Assim, o
fideicomissário apenas beneficia de uma expectativa jurídica suceder.

4.3.5.3. Os fideicomissos irregulares


O artigo 2295.º admite ainda os fideicomissos irregulares, onde se incluem:

a) As disposições pelas quais o testador proíba o herdeiro de dispor dos bens


hereditários, seja por ato entre vivos ou por ato de última vontade;
b) As disposições pelas quais o testador chame alguém ao que restar da herança por
morte do herdeiro;
c) As disposições pelas quais o testador chame alguém aos bens deixados a uma pessoa
coletiva, para o caso de esta se extinguir.

Nestes fideicomissos, o testador não estabelece o encargo de conservar o objeto da


sucessão, ou não determina a atribuição a um fideicomissário do benefício da sua reversão.

5. A sucessão legítima
A sucessão legítima (2131.º) ocorre sempre que o de cuius não tenha disposto de forma
válida e eficaz da totalidade dos bens dos quais podia dispor, ocorrendo assim a título supletivo.
Tradicionalmente, a sucessão legítima é construída à volta da ideia de que corresponderia à
vontade presumida do de cuius, sendo as classes de sucessíveis hierarquizadas de a acordo com a
ordem natural dos seus afetos. Esta ideia tem sido um pouco ultrapassada, correspondendo a uma
opção do legislador em relação aos sucessíveis que devem ser chamados em caso de ausência de
testamento, tendo ainda lugar caso uma disposição testamentária seja considerada inválida
(2308.º), for revogada (2310.º) ou caducar (2317.º).

5.1. Categorias de herdeiros


O artigo 2132.º determina que são herdeiros legítimos o cônjuges, os parentes e o Estado,
pela ordem presente no código. Há que ter em atenção a equiparação da adoção à filiação (1586.º
e 1973.º), pelo que são também herdeiros legítimos os adotantes e os adotados. Já quanto ao
membro sobrevivo da união de facto não é considerado herdeiro legítimo, tendo apenas direito a
exigir alimentos da herança (2020.º).

O artigo 2133.º/1 determina que a sucessão legítima se defere pela seguinte ordem:

a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;

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c) Irmãos e seus descendentes;


d) Outros colaterais até ao 4.º grau;
e) Estado.

O cônjuge integra a primeira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer


sem descendentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda (2133.º/2).

5.2. Hierarquização dos sucessíveis legítimos


Tendo em conta o número de sucessores legítimos, é normal que nem todos sejam
chamados a suceder, sendo para isso necessário hierarquizar os sucessíveis legítimos prioritários,
obedecendo-se a três regras:

a) Preferência de classes – esta regra diz que os sucessíveis de uma classe preferem aos
sucessíveis das classes subsequentes, pelo que apenas aqueles são chamados à
sucessão (2133.º), sendo apenas chamados os sucessíveis de uma classe se nenhum
dos sucessíveis da classe anterior quiser ou puder aceitar a herança (2137.º);
b) Preferência de graus de parentesco – esta regra determina que dentro de cada classe,
os parentes dos graus mais próximos preferem aos parentes dos graus mais afastados
(2135.º), podendo, no entanto, ser posta em causa pelo instituto do direito de
representação (2138.º). O melhor exemplo será o caso de o de cuius deixar dois filho
e um neto, neste caso, os filhos são sucessíveis prioritários;
c) Divisão por cabeça – esta regra dita que os sucessíveis legítimos prioritários sucedem
em partes iguais e aplica-se entre parentes da mesma classe (2136.º), e na situação de
concurso do cônjuge com até três descendentes (2139.º). É de notar que esta regra é
aplicável mesmo nos casos de existirem colaterais que são duplamente parentes do
falecido (2148.º). Existem quatro exceções a esta regra:
i. A sucessão do cônjuge com mais de três descendentes (2139.º/1);
ii. A sucessão do cônjuge com ascendentes (2142.º/1);
iii. A sucessão dos irmãos germanos e unilaterais (2146.º);
iv. Direito de representação (2138.º).

5.3. A sucessão do cônjuge e dos descendentes


A primeira classe enunciada no artigo 2133.º/1 integra o cônjuge e os descendentes, sendo
que, para o cônjuge suceder, não poderá, à data da morte, estar divorciado ou separado
judicialmente de pessoas e bens (2133.º/3), ou em caso de inexistência, nulidade ou anulabilidade
do casamento, salvaguardando-se o regime do casamento putativo, e ainda quase o cônjuge
celebre novo casamento após a declaração de morte presumida (116.º), desde que se comprove
que o óbito ocorreu em data posterior a esse casamento (118.º). Relativamente aos filhos,
dependerá de existir um vinculo de filiação estabelecido, e, em caso de adoção, depende de se
encontrar constituído por sentença já proferida à data da morte do adotante.

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5.4. A sucessão do cônjuge e dos ascendentes


A segunda classe de sucessíveis, caso não existam descendentes (2142.º/1), abrangendo
cônjuge e ascendentes, ou qualquer um destes. À semelhança do que acontece no caso anterior,
os mesmos “requisitos” mantêm-se quanto ao cônjuge, e quanto aos ascendentes no que diz
respeito à filiação. Neste caso, pertencerão ao cônjuge 2/3 e aos ascendentes 1/3 da herança
segundo artigo 2142.º/1, não se aplicando a regra da sucessão por cabeça.

5.5. A sucessão exclusiva do cônjuge


O artigo 2144.º estabelece que na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge é
chamado à totalidade da herança, no entanto, o conceito “falta de ascendentes” tem gerado
controvérsia. Os Professores Pires de Lima, Antunes Varela, Carvalho Fernandes, Capelo de
Sousa e Jorge Duarte Pinheiro, entendem que a sucessão exclusiva do cônjuge apenas acontece
caso não exista um único ascendente que não possa ou não queira aceitar a herança,
independentemente do grau do ascendente, uma vez que o artigo 2143.º estabelece o acrescer
entre ascendentes. Já o Professor Oliveira Ascensão entende que o acrescer apenas se verifica em
relação aos ascendentes que concorram à sucessão, pelo que, em caso de repúdio dos ascendentes,
verifica-se o acrescer para o cônjuge e não para os ascendentes do grau anterior.

5.6. A sucessão dos irmãos e seus descendentes


Faltando o cônjuge, ascendentes e descendentes, são chamados à sucessão legítima os
irmão, e representativamente os filhos destes (2133.º/1 e 2145.º). Em princípio, a regra será a da
divisão por cabeça (2136.º), a não ser que concorram entre irmãos germanos e unilaterais, caso
em que o quinhão destes últimos será igual a metade dos primeiros (2146.º). O Professor Oliveira
Ascensão tem vindo a aplicar a seguinte fórmula de modo a calcular a porção que cabe a cada
um:

𝑃𝑎𝑟𝑡𝑒 𝑑𝑎 ℎ𝑒𝑟𝑎𝑛ç𝑎 𝑞𝑢𝑒 𝑐𝑎𝑏𝑒 𝑎 𝑐𝑎𝑑𝑎 𝑖𝑟𝑚ã𝑜 𝑔𝑒𝑟𝑚𝑎𝑛𝑜


𝑉𝑇𝐻
= ×2
2 × 𝑛º 𝑑𝑒 𝑖𝑟𝑚ã𝑜𝑠 𝑔𝑒𝑟𝑚𝑎𝑛𝑜𝑠 + 𝑛º 𝑑𝑒 𝑖𝑟𝑚ã𝑜𝑠 𝑢𝑛𝑖𝑙𝑎𝑡𝑒𝑟𝑎𝑖𝑠

(A PARTE QUE CABE A CADA IRMÃO UNILATERAL SERÁ O RESULTADO DA


FRAÇÃO A MULPLICAR APENAS POR 1)

Faltando irmãos, são chamados à sucessão representativamente os respetivos


descendentes, ou seja, sobrinhos, sobrinhos-netos, etc., havendo lugar à aplicação das regras de
preferência de grau sem prejuízo do direito de representação. O artigo 1582.º estabelece que o
parentesco na linha colateral só releva até ao sexto grau, a possibilidade de sucessão dos
descendentes dos irmãos termina nos sobrinhos-trinetos.

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5.7. A sucessão dos outros colaterais até ao quarto grau


O artigo 2147.º diz que, na falta de herdeiros das classes anteriores, são chamados à
sucessão os restantes colaterais até ao quarto grau. Segundo as regras da sucessão legítima, serão
preferidos os tios aos tios avós e aos primos direitos, e estes últimos concorrem entre si, uma vez
que não há preferência de grau entre eles. Não é relevante, como já foi visto, o duplo parentesco
segundo o artigo 2148.º.

5.8. A sucessão do Estado


Tendo em conta que os bens não podem ficar sem sucessor, o artigo 2152.º determina que
na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis, será chamado à herança o Estado, no
entanto, não é exatamente igual aos restantes herdeiros. A aquisição da herança pelo Estado opera-
se de direito, sem necessidade de aceitação, não podendo o estado repudia-la (2155.º), não
havendo lugar à aplicação do regime dos artigo 2050.º e 2062.º.

6. A sucessão testamentária
A sucessão testamentária é uma modalidade de sucessão voluntária, resultante da
autonomia privada do testador, e consiste na espécie de sucessão em que a designação sucessória
resulta de um testamento.

Genericamente, podemos definir como fórmula para a sucessão testamentária:

𝑉𝑇𝐻 (𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑎 ℎ𝑒𝑟𝑎𝑛ç𝑎) = 𝑅 (𝑅𝑒𝑙𝑖𝑡𝑢𝑚) + 𝐷 (𝐷𝑜𝑛𝑎𝑡𝑢𝑚)

6.1. O conceito de testamento e as suas características


O artigo 2179.º/1 define o testamento como o ato unilateral e revogável pelo qual alguém
dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles. Muitos autores não
consideram esta definição a mais correta, pelo que adotam os Professores Jorge Duarte Pinheiro
e Oliveira Ascensão a definição “negócio jurídico unilateral pelo qual alguém procede a
disposições de última vontade”. O testamento tem como características:

• Unilateral;
• Não receptício;
• Mortis causa;
• Gratuito;
• Formal;
• Individual (apenas se admite uma pessoa como autor), exceto as seguintes exceções:
o A conversão da doação por morte em testamento (946.º/2);
o A autorização do cônjuge para a disposição de coisa certa ou determinada do
património conjugal;
o A inclusão de disposições testamentárias na convenção antenupcial.
• Pessoal (a lei não admite que possa ser realizado por um representante, por exemplo, ou
depender do arbítrio de outrem), exceto as exceções:

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o Atribuição a terceiro da repartição da herança ou legado quando seja instituída


ou nomeada uma generalidade de pessoas;
o Nomeação do legatário entre pessoas determinadas pelo testador;
o Escolha do legado pelo onerado, pelo legatário ou por terceiro;
o Substituição pupilar e quase-pupilar.
• Revogável.

6.2. A forma do testamento


Como referido, o testamento constitui um negócio formal, devendo por isso respeitar a
forma prescrita na lei, incluindo a necessidade de se realizar por escrito, a intervenção de oficial
público, e a presença de testemunhas. Todos estes requisitos têm uma função preventiva, uma vez
que se quer assegurar o caráter livre e consciente da declaração do testador, probatória, com o
objetivo de demonstrar externamente no testamento a última vontade do testador, e executiva,
correspondendo à atribuição de um título eficaz aos interessados perante os poderes públicos.

O artigo 2204.º refere duas formas de testamento (não sendo permitidos testamentos sem
intervenção notarial – ológrafo – ou por via oral – nuncupativo), no entanto, podemos destacar
três formas comuns de testamento:

a) O testamento público (2205.º) – testamento escrito pelo notário no seu livro de notas,
não sendo de acesso público, dada a sua natureza confidencial até à morte do testador.
O Professor Galvão Telles refere que a natureza “pública” do testamento resulta do
facto de resultar de o instrumento lavrado e lido perante pessoas cuja presença é
juridicamente indispensável, mas que poderão dar a conhecer o seu conteúdo a
pessoas interessadas nesse conhecimento;
b) O testamento cerrado (2206.º) – aquele que é elaborado e assinado pelo testador ou
por outrem em virtude de instrução sua. Para o Professor Cunha Gonçalves o
testamento tem uma parte puramente privada (o testamento em si) e outra elaboração
pública (o auto de aprovação notarial). O artigo admite três possibilidade quanto à
elaboração privada do testamento cerrado:
i. O testamento ser escrito e assinado pelo testador;
ii. O testamento ser escrito e assinado por outra pessoa a rogo do
testador;
iii. O testamento ser escrito por outra pessoa a rogo do testador e
assinado pelo testador.

Já quanto à aprovação pública do testamento cerrado, diz-se no 2206.º/4 que tem de


aaaser aprovado pelo notário.

c) O testamento internacional (Lei Uniforme sobre a Forma de um Testamento


Internacional) – será válido quanto à sua forma se for feito sob a forma de um
testamento internacional, independentemente de outros fatos, tendo de ser escrito e
podendo ser entregue para depósito em cartório notarial.

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Existem ainda algumas formas especiais para o testamento:

a) O testamento militar – é possível aos militares recorrer a esta forma de testamento


sempre que estejam em campanha ou num quartel fora do país, ou mesmo dentro do
país, desde que em lugares com os quais estejam interrompidas as comunicações e
onde não exista notário, ou quando estejam prisioneiros do inimigo (2210.º). Poderá
assumir a forma de testamento militar público (2211.º), em que declara a sua vontade
expressa na presença do comandante da respetiva unidade e de duas testemunhas, ou
pode o comandante fazê-lo, sem que o deva substituir tomar o seu lugar, tendo depois
de ser assinado pelo testador, testemunhas e comandante (caso não seja possível
deverá declarar-se o motivo de não o fazerem). Pode ainda ser cerrado (2212.º) sendo
feito pelo seu próprio punho, sendo escrito e assinado pelo testador e apresentado ao
comandante na presença de duas testemunhas, e o comandante sem ler escreverá a
declaração que lhe foi apresentada. Ambas as formas estão sujeitas às formalidades
complementares do artigo 2213.º. O testamento deve ser depositado pelas autoridades
militares na repartição ou em alguma das repartições notarias no lugar do domicilio
ou da última residência do testador
b) O testamento marítimo – aquele que é realizado a bordo de navio de guerra ou de
marinha mercante, em viagem pelo mar (2214.º), podendo também ser feito de forma
pública ou cerrada, competindo ao comandante do navio as funções que no
testamento militar compete ao da unidade independente ou da força isolada (2215.º).
O testamento é duplicado e registrado no diário de navegação (2216.º), e assim que o
navio entrar num porto estrangeiro onde exista uma autoridade consular, o
comandante deve entregar a essa autoridade um dos exemplares do testamento e cópia
do registo.
c) O testamento a bordo de aeronaves – o artigo 2219.º manda aplicar os artigos 2214.º
a 2218.º às viagens feitas a bordo de aeronave;
d) O testamento feito em caso de calamidade pública – o artigo 2220.º dispõe que se
qualquer pessoa estiver inibida de socorrer-se das formas comuns de testamento por
se encontrar em lugar onde grasse epidemia ou por outro motivo de calamidade
pública, pode testar perante algum notário, juiz ou sacerdote, com a observância das
formalidades do artigo 2211.º e 2212.º, sendo depositado logo que seja possível.

É de salientar que são proibidas quaisquer disposições que não constem do documento.
O artigo 2184.º proíbe os testamentos per relationem, dizendo que não são válidas deixas em que
a disposição dependa de instruções ou recomendações feitas secretamente e assinados pelo
testador com data anterior à data do testamento ou contemporâneo desta.

6.3. Requisitos do testamento e das disposições testamentárias


Assim como existem requisitos de forma para o testamento, também as disposições que
dele fazem parte têm de cumprir requisitos especiais de modo a serem válidas, como é a
possibilidade física e legal, a determinabilidade e a ilicitude do objeto e do fim negocial, a
capacidade testamentária e a inexistência de indisponibilidade relativas.

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6.3.1. Possibilidade física e legal e ilicitude do objeto e do fim


O testamento está sujeito às regras do artigo 280.º, sendo nulo o testamento que tenha um
objeto fisicamente impossível, como a deixa de bem inexistente, ou legalmente impossível, como
a deixa de bens do domínio público. É também nula a deixa de conteúdo ilícito, como deixar
drogas. É nula a deixa que resulte que foi essencialmente determinada por um fim contrário à lei
ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes (2186.º), como deixar bens com o fim de
cometer crimes. Os artigos 2230.º e 2245.º referem as condições e encargos ilícitos.

6.3.2. Capacidade testamentária


É necessário para testar que os indivíduos tenham capacidade testamentária ativa,
determinando o artigo 2109.º que o testamento feito por incapaz é nulo. O artigo 2188.º diz que
podem testar todos indivíduos que a lei não declare incapazes, sendo incapazes:

• O menor não emancipado (uma vez que não se encontra razão para excluir os menores
emancipados pelo casamento, mesmo sem autorização, não impedindo os artigos
133.º e 2189.º de testar, mesmo dos bens excluídos da sua administração, no entanto,
quanto a estes últimos, os Professores Guilherme de Oliveira e Jorge Duarte Pinheiro
têm vindo a considerar a disposição sobre esses bens nula);
• O maior acompanhado quando exista determinação judicial em sentido contrário
(147.º/1), uma vez que, à partida, será um direito pessoal onde se inclui o direito de
testar (147.º/2).

6.3.2.1. As substituições pupilar e quase-pupilar


As substituições pupilar e quase-pupilar constituem uma forma de representação legal do
testador, permitindo que, caso seja incapaz de testar, o seu progenitor se substitua a ele nesse ato.
O artigo 2300.º esclarece que só são abrangidos os bens que o substituído haja adquirido por via
do testador, embora a título da legítima, não abrangendo assim bens que o substituído haja
adquiridos de terceiros. Estas substituições têm como ratio a intenção do progenitor de evitar que
qualquer um dos outros herdeiros venha a receber a herança por morte, em virtude da sua
incapacidade para testar, ficando sem efeito logo que é adquirida a capacidade para testar, ou se
falecer com descendentes e ascendentes.

A substituição pupilar encontra-se prevista no artigo 2297.º, permitindo ao progenitor que


não estiver inibido do exercício das suas responsabilidade parentais substituir aos filhos os
herdeiros ou legatários que quiserem para o caso de falecerem antes dos 18 anos de idade. O artigo
2298.º/2 fica sem efeito logo que o menor faça 18 anos, assim como quando este se emancipa
pelo casamento, passando a poder testar (2189.º), assim como quando passa a ter ascendentes ou
descendentes (2297.º/2).

O artigo 2298.º prevê a substituição quase-pupilar prevê que o progenitor possa exercer
esta faculdade na sequencia de uma sentença de acompanhamento. O artigo 2299.º determina que
a substituição pupilar se converte em substituição quase-pupilar se este for de alvo de uma
sentença de acompanhamento. Esta fica sem efeito quando cesse a limitação referida ou quando
o substituído falecer sem descendentes (2298.º/2), no entanto, a questão que surge será saber o
que acontece quando o substituído vier a falecer casado, deixando cônjuge. Os Professores

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Pamplona Corte-Real, Capelo de Sousa e Cristina Araújo Dias, têm ido no sentido de considerar
que a substituição fica igualmente sem efeito, enquanto os Professores Oliveira Ascensão, Daniel
Morais e Menezes Leitão vieram a considerar que não deverá a substituição caducar, uma vez que
está em causa essencialmente uma futura transmissão dos bens deixados pelos pais deixados ao
filho.

6.3.3. Indisponibilidades relativas testamentárias


As indisponibilidades relativas consistem na proibição de estar a favor de determinadas
pessoas em virtude da relação entre estas e o testador, em virtude da capacidade de influencia que
estas tenham sobre o testador. É de notar que as indisponibilidades relativas não são recíprocas.
Analisemos os casos:

• Disposições do maior acompanhado a favor do acompanhante ou administrador


legal de bens (2192.º) – é nula a disposição feita pelo maior acompanhado a favor do
seu acompanhante ou administrador legal de bens (nº 1), mesmo que estejam
aprovadas as respetivas contas, sendo apenas válidas quando se trata de descendentes,
ascendentes, colaterais até ao terceiro grau ou cônjuge (nº 2);
• Disposições do menor a favor do tutor, administrador legal de bens ou protutor
(2192.º) – existe também uma proibição relativamente ao tutor (1937.º/d)), proibição
esta extensiva ao curador (artigo 156.º), ao administrador de bens (1971.º/1) e ainda
quanto ao protutor (1956.º/b)), sendo a sanção a nulidade. O testamento não será
proibido se for realizada depois do menor atingir a maioridade e já estiverem
aprovadas as respetivas contas. Também não será proibida se for feita a favor de
familiares (nº 2);
• Testamento a favor de médicos, enfermeiros ou sacerdotes (2194.º) – é nula toda
a disposição testamentária feita a favor de médico ou enfermeiro que tratar do testador
ou do sacerdote que lhe prestar assistência espiritual, se o testamento for feito durante
a doença e vier a morrer da mesma, uma vez que caso não faleça desta doença, poderia
revogar o testamento numa fase posterior de menor debilidade psicológica, sendo
válida após a cura. São também excecionadas aqui as situações do artigo 2192.º/3;
• Testamento a favor do cúmplice adultero (2196.º) – a lei proíbe o testamento a
favor do cúmplice do adultério de modo a preservar a instituição familiar e os
interesse do outro cônjuge. Esta disposição tem duas exceções: se, à data da aceitação,
o casamento já estava dissolvido ou os cônjuges separados judicialmente de pessoas
e bens ou separados de facto há mais de 6 anos (os Professores Jorge Duarte Pinheiro
e Daniel Morais entendem que, depois da separação de facto por um ano constituir
fundamento para divórcio, o prazo deverá ser também de um ano, interpretação da
qual o Professor Menezes Leitão discorda); se o testamento se limitar a assegurar
alimentos (nº 2).
• Testamento a favor do notário, redator, intérprete ou testemunhas que tenham
intervenção no ato (2197.º) – é nulo o testamento a favor de notário ou entidade com
funções notariais que lavrou o testamento público ou aprovou o testamento cerrado,
ou a favor de pessoa que o escreveu ou das testemunhas, abonadores ou interpretes
que intervieram no testamento ou na sua aprovação, evitando-se que estes escrevam
algo a seu favor (ver também os artigos 5.º, 6.º e 68.º do Código do Notariado);

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• Disposições através de interpostas pessoais (2198.º) – são nulas as disposições


quando realizadas por interposta pessoa, considerando como interpostas todas as
referidas no artigo 579.º/2, o que abrange o cônjuge do inibido, como a pessoa de que
este seja herdeiro presumido e qualquer terceiro que tenha acordado com o inibido a
posterior transmissão da coisa ou do direito objeto da disposição testamentária;
• Testamento em caso de violação dos impedimentos matrimoniais (1650.º/2) –
estabelece que para a violação dos impedimentos impedientes a sanção será a
incapacidade para receberem do seu consorte qualquer benefício por duração ou
testamento. Ampliou-se também para o artigo 22.º/3 da Lei 103/2009 de 11 de
setembro, para a celebração entre padrinhos civis e afilhados.

6.4. Falta e vícios da vontade no testamento


Sendo o testamento um negócio jurídico, ainda que de forma subsidiária, são lhe aplicadas
as regras dos artigos 240.º a 257.º, no entanto, por se tratar de um negócio em que a vontade do
testador é preponderante, aplicam-se regras especiais (presentes no artigo 2180.º e 2199.º a
2203.º). O artigo 2180.º estabelece a necessidade do testador expressar a sua vontade de forma
clara e inequívoca, não sendo provocada por outrem. A expressão de vontade de forma clara e
inequívoca tem de se verificar em todo o testamento, pelo que, se só a partir de um determinado
ponto da elaboração do testamento deixar de ser claro e inequívoco, será, da mesma forma,
globalmente nulo.

6.4.1. Declarações não sérias


Quanto às declarações não sérias, aplica-se aos testamentos o regime do artigo 245.º, e
assim, a declaração não séria, feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja
desconhecida carece de qualquer efeito, constituindo-se um caso de inexistência do testamento.
A questão que se tem colocado será perceber se aplicamos o disposto no nº 2 deste artigo, ou seja,
não se aplica o número anterior quando a declaração foi feita numa circunstancia que induza o
declaratário a aceitar justificadamente a sua seriedade, tendo de ser indemnizado pelo prejuízo. A
doutrina tem expressado diferentes entendimentos:

a) Professor Oliveira Ascensão – entende que “o problema está em aberto”, uma vez
que, não havendo declaratário no testamento, não seria uma razão decisiva para
excluir a aplicabilidade da regra, se pudéssemos pensar que ela se estenderia ao
destinatário das atribuições feitas em testamento;
b) Professor Guilherme de Oliveira – tem vindo a defender que, apesar as expectativas
dos interessados e a confiança na sua satisfação devem ser menos digna de tutela,
seria exagerado afirmar que nunca se indemnizará o dano causado por uma disposição
testamentária não séria;
c) Professores Jorge Duarte Pinheiro e Menezes Leitão – entendem que, tendo caráter
não reptício, não há lugar a tal indemnização, só existindo em negócios com
declaratário.

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6.4.2. Falta de consciência da declaração e coação física


Mais uma vez, quanto à falta de consciência da declaração e coação física, aplica-se o
regime do artigo 246.º do negócio jurídico. Assim, o testamento celebrado sob estas circunstancias
é inexistente, no entanto, cabe ressaltar que estando os requisitos de forma preenchidos, é
extremamente difícil verificar-se esta situação, a menos que haja uma certa tolerância do notário.
O artigo estabelece que, se a falta de consciência foi devido a culpa, fica o declarante obrigado a
indemnizar, no entanto, esta disposição não se aplica no testamento, uma vez que implicaria
responsabilidade dos herdeiros pela indemnização e não se trata de um negócio em que a
confiança do declaratório mereça tutela.

6.4.3. Incapacidade acidental


O vicio da incapacidade acidental quanto ao testamento vem previsto no artigo 2199.º,
determinando a anulabilidade do testamento feito por quem estava incapacitado de entender o
sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda
que transitória. Neste caso, temos uma diferença: uma vez que o testamento é um negócio não
reptício, não há o requisito do facto ser notório ou conhecido do declaratário.

6.4.4. Simulação
A simulação no testamento vem prevista no artigo 2200.º, sendo anulável a disposição
feita, aparentemente, a favor de uma pessoa, mas que, na realidade e por acordo com essa pessoa,
visa beneficiar outra. Este apresenta a diferença de ser anulável e não nulo, e ainda de a simulação
ser feita entre o testador e a pessoa aparentemente designada. O artigo 2200.º prevê a simulação
do testamento por interposição fictícia de pessoa, embora, por aplicação subsidiária, seja
igualmente relevante para os efeitos da anulação a existência de simulação absoluta e relativa
objetiva.

A disposição testamentária dissimulada pode vir a ser válida nos termos do artigo 241.º/2,
enquanto nos termos do artigo 2259.º/1, encontramos um caso de aplicação desta solução, tendo
em conta que se o testador pretender fazer uma liberalidade dissimulando o pagamento de uma
dívida, a lei considera válido o legado, ainda que não exista dívida, salvo se a mesma de destinar
a elidir a incapacidade de o legatário a receber por sucessão. Na falta de interposição fictícia de
pessoa, é difícil admitir-se a validade da disposição a favor de quem se pretendia, uma vez que
não há o mínimo de correspondência entre o ato dissimulado e o contexto do testamento (2187.º).

6.4.5. Reserva mental


O artigo 2200.º, ao fazer referencia à simulação, exclui a relevância da reserva mental no
negócio testamentário. O entendimento da doutrina tradicional tem sido o de que a reserva mental
não tem relevância para a validade do testamento. Porém, o Professor Oliveira Ascensão, tem
vindo a admitir que a reserva mental conduz à anulação do testamento por aplicação analógica do
artigo 2200.º, admitindo-se a possibilidade de indemnização ao beneficiário enganado, opinião
seguida pelos Professores Capelo de Sousa, Guilherme de Oliveira e Menezes Leitão. Já o
Professor Jorge Duarte Pinheiro, considera que se aplica o artigo 244.º/2, pelo que será anulável

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qualquer disposição testamentária contrária à vontade real do testador, feita com o intuito de
enganar qualquer pessoa, exigindo-se apenas que o testador tenha um mínimo de correspondência
no contexto do testamento (2187.º), no entanto, não admite qualquer indemnização ao beneficiário
enganado.

6.4.6. Erro na declaração


O artigo 247.º relativo ao erro na declaração, aplica-se também ao testamento. No entanto,
tendo em conta o caráter não reptício do testamento, o requisito da cognoscibilidade não é exigido,
sendo apenas necessária a essencialidade resultante do testamento. O artigo 2203.º admite um
regime especial para certos casos, como seja o testador indicar erroneamente a pessoa do herdeiro
ou legatário ou os bens que são objeto da disposição, mas se for possível extrair da interpretação
do testamento a pessoa ou bens a que se referia, a disposição vale relativamente a essa pessoa.

A questão que se colocou na doutrina foi saber se o erro na declaração gera nulidade ou
anulabilidade. O Professor Oliveira Ascensão entende resultar do preceito que a disposição não
vale em relação aqueles a que se referiam, tratando-se de uma nulidade. Já os Professores
Guilherme de Oliveira e Menezes Leitão entendem aplicar-se o regime da anulabilidade pelo
artigo 2201.º.

6.4.7. Erro-vício
Resulta do artigo 2201.º que é anulável a disposição testamentária determinada por erro.
O erro sobre os motivos resulta do artigo 2202.º, podendo ser de facto, por exemplo, alguém
referir que fez a disposição a favor daquela pessoa por este ter administrado os seus bens na sua
ausência quando isso não aconteceu, ou de direito, quando, por exemplo, alguém deixa
determinada pensão de alimentos ao seu filho, referindo que o faz porque a lei obriga os padrinhos
a prestar alimentos a afilhados.

Neste caso, exige-se ainda a essencialidade do erro sobre os motivos, ou seja, o testador
não teria feito a disposição em causa sem o mesmo, no entanto, não vigoram aqui os requisitos
do regime geral do negócio jurídico para o erro-vício, como é a cognoscibilidade e o
reconhecimento da mesma. No entanto, a lei exige que a essencialidade neste caso resulte do
próprio testamento, o que tem levantado a questão na doutrina de saber se é admitida prova
complementar relativamente à essencialidade do erro sobre os motivos:

a) Professor Oliveira Ascensão – tendo em conta que o artigo 2202.º reflete matéria
testamentária a contraposição dos artigos 251.º e 252.º para o regime geral do negócio
jurídico, pelo que apenas se aplica o regime do erro sobre os motivos que não se
refiram ao objeto da disposição ou à pessoa do beneficiário (abrangidos pelo 2202.º),
que não estabelece qualquer exigência de prova complementar;
b) Professor Pamplona Corte-Real, Jorge Duarte Pinheiro e Menezes Leitão – entendem
que o artigo 2202.º é aplicável a todo o erro-vício, excluindo-se a admissibilidade de
prova complementar em relação à essencialidade exigida para a sua anulação.

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Podemos questionar igualmente se é admissível em matéria testamentária a relevância do


erro sobre a base do negócio nos termos do artigo 252.º:

a) Professora Maria Nazareth Guimarães – considera que está incluído no erro sobre os
motivos;
b) Professores Oliveira Ascensão e Jorge Duarte Pinheiro – sendo o testamento
unilateral e não recepetício, haverá que adaptar o regime dessa disposição
testamentária viciada por erro sobre as circunstancias que fundaram a decisão de
testar;
c) Professor Menezes Leitão – concorda com a relevância deste erro, no entanto,
considera que está sujeito ao regime do artigo 2202.º, não sendo necessário adaptar o
artigo 252.º.

6.4.8. Dolo
O artigo 2201.º prevê a anulação do testamento por dolo, salientando-se que, caso seja
pratica por um beneficiário do testamento, constitui incapacidade sucessória (2034.º), sendo
mesmo assim relevante para anular o testamento. O Professor Cunha Gonçalves tem vindo a
considerar que no testamento, o dolo presente no artigo 253.º, consiste em insinuações (mentiras
ou cartas anónimas, por exemplo) contra as pessoas que o testador beneficiaria e também para se
aproximar do testador e ser beneficiado. O autor do dolo não será relevante para anulação , uma
vez que a confiança do declaratário não merece tutela, ao contrário do que acontece no regime
geral.

6.4.9. Coação moral


O artigo 2201.º prevê a anulação fundada em coação moral, constituindo também
fundamento da incapacidade sucessória (artigo 2034.º). Estamos perante coação moral sempre
que o testamento tenha sido determinado pela ameaça ilícita ao testador de um mal, com o fim de
obter a realização do testamento. Não se exige neste caso que a ameaça seja de um mal grave nem
que seja justificado o receio da sua consumação. Não há também distinção do autor da coação.

6.4.10. Usura
Tem sido controvertido na doutrina saber se o testamento pode ser anulado por usura
(artigo 282.º), uma vez que a lei não faz qualquer referencia a esse vicio no testamento:

a) Professor Capelo de Sousa – diz-nos que sim, considerando que algumas


características do testador podem tornar o testamento vulnerável, tendo de se proteger
a liberdade e vontade real nas disposições testamentárias de benefícios excessivos;
b) Professores Jorge Duarte Pinheiro e Daniel Morais – admitem a anulação por usura,
tendo de estar preenchidos os requisitos do artigo 282.º, uma vez que considera que
alguém poderá aproveitar-se de uma situação de necessidade do testador;
c) Professor Menezes Leitão – não admite a usura, dizendo que não vê como é que um
negócio unilateral mortis causa, possa ser visto como um negócio desequilibrado.

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6.5. Inexistência e invalidade do testamento


Os testamentos podem também ser inexistentes, de acordo com o regime geral do negócio
jurídico (os casos de coação física e falta de consciência na declaração – 246.º). A invalidade do
testamento reporta-se a qualquer caso em que, não se verificando inexistência, o testamento seja
celebrado em infração de alguma disposição legal, sendo a consequência, normalmente, a
nulidade (dito expressamente no caso do 2180.º, e em alguns casos como o artigo 2181.º). A
anulabilidade apenas decorre da lei, como acontece no artigo 2199.º e seguintes. No caso de
nulidade, a ação caduca no prazo de 10 anos a contar da data em que o interessado teve
conhecimento do testamento e da causa de nulidade (2308.º/1), enquanto na anulabilidade se
estabelece um prazo de 2 anos (2308.º/2).

A lei, mesmo assim, dá a possibilidade da confirmação do testamento por parte dos


interessados, impedindo quem tiver confirmado de invocar algum desses desvalores negativos
(2309.º). A questão que tem surgido na doutrina, será quanto a alguns casos particulares que não
seriam suscetíveis de confirmação. O Professor Oliveira Ascensão tem vindo a defender que o
testamento feito por mero escrito particular, por ser inexistente, não seria suscetível de
confirmação, já o Professor Guilherme de Oliveira, considera insuscetíveis de confirmação as
disposições contrárias à ordem pública e aos bons costumes, assim como disposições contrárias à
lei, enquanto o Professor Jorge Duarte Pinheiro considera casos de nulidade típicas em relação ao
regime do artigo 286.º, abrangendo entre estas as disposições condicionais ou modais ilícitas ou
impossíveis (2229.º e 2245.º), disposições ilícitas (280.º/1), impossíveis (280.º/2), determinadas
por um fim ilícito (286.º) ou que não observem a forma legal (220.º e 2206.º/5). O Professor
Menezes Leitão entende não haver justificação para estes entendimentos, uma vez que significa
a privação de invocar a nulidade do testamento por parte do interessado. O regime da invalidade
tem caráter injuntivo, sendo vedado ao testador proibir a impugnação do testamento por nulidade
ou anulabilidade (2310.º).

6.6. Interpretação e integração do testamento


6.6.1. A interpretação do testamento
A interpretação em matéria de testamento obedece ao preceito do artigo 2187.º/1, que
manda, na interpretação das normas testamentárias, adotar-se o sentido mais ajustado à vontade
do testador conforme o contexto do testamento, afastando-se o critério objetivo do artigo 236.º.
Assim, o objetivo será reconstituir a vontade do testador até ao limite com base nos elementos
disponíveis, assim como no âmbito do testamento, através de um confronto com as restantes
cláusulas, podendo ainda ser consideradas deixas per relationem que sejam válidas. Afasta-se
qualquer tipo de interpretação conforme ao circunstancialismo que rodeou o testamento.

A doutrina tem vindo a ter entendimentos difusos quanto à regra geral do artigo 236.º. O
artigo 2187.º afasta o critério objetivo do artigo 236.º, pelo que o Professor Jorge Duarte Pinheiro
tem entendido que se aplica só aos casos em que não seja possível aplicar o critério subjetivista
do artigo 2187.º, enquanto o Professor Menezes Leitão entende que não se deve aplicar, ao
contrário dos Professores Oliveira Ascensão e Carvalho Fernandes. Quanto à disposição do artigo
237.º, os Professores Capelo de Sousa e Jorge Duarte Pinheiro sustentam a aplicação,
considerando que, se do testamento resultarem dois sentidos igualmente ponderosas, deve adotar-
se o menos oneroso para os herdeiros, enquanto o Professor Daniel Morais entende que não será
possível adequar o preceito ao testamento.

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Existem algumas normas interpretativas pelo código:

• Artigo 2225.º - considera-se a disposição feita a uma generalidade de pessoas, sem


qualquer outra indicação, a favor das existentes no lugar em que o testador tinha o seu
domicilio à data da morte;
• Artigo 2226.º - estabelece que a disposição a favor dos parentes do testador ou terceiros,
sem designação de quais sejam, considera-se feita a favor dos que seriam chamados por
lei à sucessão, na data da morte do testador (distribuindo-se segundo as regras da sucessão
legítima), e que de igual forma se procederá, se forem designado como sucessores os
herdeiros legítimos do testador ou de terceiro ou outra certa categoria de terceiros;
• Artigo 2227.º - se o testamento designar certos sucessores individualmente e outros
coletivamente, estes são havidos como individualmente designados;
• Artigo 2228.º - se o testador chamar à sucessão certa pessoa e os seus filhos, entende-se
que todos são designados simultaneamente nos termos do artigo 2227.º, e não
sucessivamente;
• Artigo 2260.º - o legado feito a favor de um credor, mas sem que o testador refira a sua
dívida, não se considera destinado a satisfazer essa dívida;
• Artigo 2262.º - se o testador legar a totalidade de créditos deve entender-se que o legado
só compreende créditos em dinheiro, excluindo depósitos bancários e os títulos ao
portador ou nominativos;
• Artigo 2263.º - sendo legado o recheio de uma casa ou o dinheiro nela existente, não se
entende, no silêncio do testador, que são também legados os créditos, ainda que a na casa
se encontrem os documentos respetivos;
• Artigo 2269.º - na falta de declaração sobre a extensão do legado, entende-se que só
abrange benfeitorias e partes integrantes, e quanto ao prédio rústico ou urbano, ou
conjunto de prédios rústicos e urbanos, que constituam uma unidade económica, abrange
as construções nele feitas, anteriores ou posteriores ao testamento, assim como aquisições
posteriores ao testamento.

6.6.2. A integração do testamento


Não parece, face ao disposto no artigo 2182.º/1, possível a integração do testamento fora
destes limites, sendo por isso aplicáveis as regras gerais da integração de negócios do artigo 239.º.
A lei, mesmo assim, admite uma exceção à proibição de integração das disposições essenciais do
testamento, que consta do artigo 2185.º, admitindo a disposição a favor de pessoa incerta. Já
relativamente a aspetos não essenciais ou meramente instrumentais da disposição testamentária,
é admissível a integração nos termos gerais do 239.º de acordo com a vontade hipotética do
testador.

6.7. O conteúdo do testamento


6.7.1. Disposições não patrimoniais
O testamento, tal como qualquer negócio jurídico, corresponde ao conjunto de
disposições testamentárias que o compõe. O artigo 2179.º/2 prevê as disposições não
patrimoniais, dizendo que são válidas as disposições não testamentárias que a lei permitir inserir
(como é a perfilhação – 141.º/1 do CRC –, a declaração de maternidade – 1853.º/b) –, a designação

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de tutor – 1928.º/3 –, sufrágios – 2224.º -, confissão extrajudicial – 358.º/4 -, a deserdação –


2166.º/1 -, a reabilitação de sucessível indigno ou deserdado – 2038.º e 2166.º/2 -, a revogação
do testamento – 2312.º -, a nomeação de testamenteiro – 2320.º - e ainda o estabelecimento de
pessoas coletivas, nomeadamente de fundações – 185.º/1), desde que seja revestidos de forma
testamentária ainda que nele figurem outras disposições. A questão que surge face a isto será
saber se podem ser incluídas outras disposições sem cariz patrimonial que não estejam previstas
na lei, ao que se responde de forma negativa, podendo incluir-se como deverá ser o funeral do
testador ou qual o destino do seu corpo, ou estabelecer restrições relativamente à colheita de
órgãos e ainda determinar a transferência post mortem de embrião nos termos do artigo 22.º/3 da
LPMA, assim como outras disposições relativas a publicação de cartas ou outros.

6.7.2. Disposições patrimoniais


A função primordial do testamento será quanto às disposições patrimoniais de natureza
patrimonial, incluindo-se disposições a título da herança e legado, havendo também o conteúdo
acessório do testamento, abrangendo condições, termos e modos (incluindo-se aqui, para o
Professor Menezes Leitão, as substituições diretas e fideicomissárias).

6.7.2.1. As disposições a título de herança


O testamento é constituído pelas disposições a título da herança, sendo considerado o
herdeiro testamentário aquele que seja instituído por testamento na totalidade ou numa quota do
património do testador (2030.º/2), bem como no remanescente dos seus bens (2030.º/3). O
testador tanto pode indicar um único herdeiro como mais que um, tendo-se distinguido várias
situações consoante lhe são ou não designadas quotas da herança.

6.7.2.2. Os legados
Estamos perante um legado quando o testador atribua ao beneficiário bens e valores
determinados (2030.º/2), sendo ainda classificado como legatário o usufrutuário (2030.º/4).
Existem quatro classificações que podemos dar aos legados:

a) Legados típicos e atípicos – esta distinção faz-se consoante o tipo de legado está ou
não regulado na lei (sendo o legado de um crédito típico, uma vez que consta do artigo
2261.º, e o legado de uma joia atípico, porque não tem regulação legal);
b) Legados per vindicationem e per damnationem – esta distinção ocorre consoante
ocorra a atribuição da propriedade ou de outro direito real, ou apenas um direito de
crédito contra o herdeiro;
c) Legados dispositivos e obrigacionais – de acordo com a definição do Professor
Galvão Telles, os legados dispositivos seriam aqueles em que a propriedade do objeto
legado se transmite diretamente para o legatário, representando uma diminuição do
ativo da herança através da disposição de bens (podem recair sobre direito existentes,
direitos novos, a constituir sobre os bens, e exoneração de obrigações em que se
perdoa uma divida ao legatário), enquanto nos legados obrigacionais a coisa só é
adquirida com o cumprimento do encargo por parte do sucessor, representando um
aumento no passivo através da constituição de obrigações;

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d) Legados com eficácia imediata e eficácia mediata – o Professor Carvalho Fernandes


vem contrapor a classificação apresentada acima, distinguindo os legados com
eficácia imediata, em que a aquisição da propriedade se dá pelo mero efeito do
testamento, e os legados com eficácia mediata, em que a aquisição de propriedade
estaria dependente de um segundo ato, a praticar pelo herdeiro onerado. O Professor
diz que seria diferente da classificação anterior, dando o exemplo do legado de coisa
genérica, que implica uma redução no ativo mas não tem eficácia imediata, uma vez
que a transmissão da propriedade está dependente de especificação ou escolha.

6.7.2.2.1. O regime dos legados dispositivos


Os tipos de legados dispositivos são:

a) O legado de coisa certa e determinada – neste tipo de legados, o legatário beneficia


da ação de reivindicação contra terceiros, não sendo liquido na doutrina se é aplicável
ao herdeiro ou outro legatário. A maioria da doutrina tem entendido que não, tendo a
entrega de ser reclamada por quem esteja obrigado a cumprir o legado, no entanto,
para o Professor Menezes Leitão, sendo aplicável o artigo 2050.º aos legados
(2249.º), parece que o legado de coisa certa e determinada institui o legatário na
propriedade da mesma, não se vendo razão para não recorrer à ação de reivindicação
nos termos do artigo 2311.º, mesmo dispondo da ação de cumprimento do legado
(2270.º). Assim, a ação de reivindicação tem de ser articulada com a necessidade de
aceitação do legado, tendo este de ser aceite no prazo de 10 anos (2059.º e 2249.º),
perdendo a reivindicação caso não o faça. O artigo 2269.º/1 determina que, na falta
de declaração do testador sobre a extensão do legado, entende-se que será extensível
às benfeitorias e partes integrantes, assim como o disposto no artigo 2269.º/2. O
mesmo vale para os frutos (2271.º);
b) O legado de coisa identificada pelo lugar em que se encontra (2255.º) – define-se
que o legado de coisa existente em lugar determinado só pode ter efeito até onde
chegue a quantidade que aí se achar à data da abertura da sucessão, exceto se a coisa
habitualmente guarda nesse lugar, tiver sido de lá removida em todo ou em parte a
título transitório. Assim, o testador dispõe de coisas que possui, no entanto, identifica-
as com referência ao lugar em que se encontram, pelo que o legado fica limitado ao
que lá se encontra quando se dá a abertura da sucessão;
c) O legado de usufruto (2258.º) – este existe sempre que se atribua ao legatário o
direito de gozar temporária e plenamente de uma coisa ou direito alheio, podendo
afetar todo o património sem a qualificação de legado ser afetada (2030.º/4). O artigo
2258.º determina que, na falta de indicação em contrário, a deixa é feita de forma
vitalícia, e caso seja a favor de pessoa coletiva, terá a duração de 30 anos (1443.º). O
artigo 2072.º determina que os herdeiros poderão exigir um adiantar das somas
necessárias para cumprir os encargos da herança, podendo os herdeiros, caso não o
faça, exigir que dos bens usufruídos se vendam os necessários para cumprir os
encargos. É ainda responsável caso seja instituído um legado de alimentos ou pensão
vitalícia, tendo de cumprir por inteiro esse legado quando o usufruto abranger a
totalidade do património (2073.º/1), caso seja apenas uma quota-parte, será obrigado
a contribuir de forma proporcional (2073.º/2), ao contrário do usufrutuário de coisas

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determinadas que não é obrigado a contribuir para este encargo, a não ser que lhe
tenha sido expressamente imposto (2073.º/3);
d) O legado de crédito (2261.º) – constitui a deixa de um crédito existente na herança,
e só produz efeitos relativamente à parte que subsista no património do testador no
momento da sua morte, sendo que a obrigação herdeiro se limita à entrega ao legatário
dos títulos respeitantes ao crédito (2261.º/2). O artigo 2262.º estabelece que se deve
entender, em caso de dúvida, que o legado só compreende créditos em dinheiro,
excluídos os depósitos bancários e os títulos ao portador ou nominativos. O artigo
2263.º estabelece que o recheio da casa ou do dinheiro nela existente, são também
legados os créditos, ainda que na casa se encontrem os documentos respetivos, no
entanto, esta regra é restrita a legados do recheio referente a uma casa. A lei apenas
deixa por esclarecer saber se o legado de todos os créditos do testador se deve
entender como referente aqueles que se encontram no património aquando da feitura
do testamento ou aquando da abertura da sucessão. O Professor Cunha Gonçalves
manifestou-se no sentido da primeira opção, a título supletivo, dizendo que eram os
únicos que podia contemplar aquando da disposição testamentária, enquanto o
Professor José Tavares defende a segunda opção por constituir a última vontade do
testador. O Professor Menezes Leitão tem considerado a questão dependente de
apuramento da vontade do testador (2187.º).

6.7.2.2.2. O regime dos legados obrigacionais


A lei refere a existência de vários tipos de legados obrigacionais:

a) O legado de coisa genérica (2253.º) – é válido o legado de coisa apenas determinada


quanto ao género, não sendo apenas válido se se tratar de um género remoto ou sem
indicar a quantidade do género, sendo válido mesmo que nenhuma coisa deste género
se encontrasse no património do testador (a não ser que o tenha indicado, sendo nesse
caso nulo – 2253.º - e caso exista em menor número deverá considerar-se reduzido),
sendo sempre possível encontrar coisas do género, entendendo-se que o testador tem
a obrigação de adquirir as coisas e as entregar ao legatário. A lei determina que a
escolha cabe ao obrigado ao cumprimento do legado, a menos que o testador
determine que a escolha seja realizada pelo próprio legatário ou por terceiro
(2266.º/1), e caso o sucessor onerado venha a falecer sem ter efetuado a escolha, este
direito transmite-se aos seus herdeiros (2268.º);
b) O legado alternativo (2267.º) – aquele que compreende duas ou mais prestações,
incumbindo a escolha ao obrigado ao cumprimento do legado (543.º/2), a não que
atribua ao próprio legatário ou a terceiro, sendo também transmissível aos herdeiros;
c) Os legados de prestação periódica e de alimentos (2273.º/1) – se o testador legar
qualquer prestação periódica, o primeiro período corre desde a sua morte.

6.7.2.2.3. O pré-legado
O pré-legado constitui um legado efetuado pelo testador a favor de um dos seus herdeiros
legais, testamentários ou contratuais. O artigo 2264.º estabelece que o legado a favor de um dos
co-herdeiros e a cargo de toda a herança vale por inteiro, resultando isto do facto de podermos
questionar se, ao atribuir o legado a um dos herdeiros, o testador pretendia integra-lo na sua quota

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hereditária ou atribui-lo para além da mesma, consagrando-se esta última solução com a expressão
“vale por inteiro”, presumindo-se assim um acrescento à sua quota hereditária. Entende-se assim
que a deixa testamentária de bem ou valor determinado antecede e prevalece sobre a instituição
dos herdeiros, entre os quais se encontra o pré-legatário. O pré-legatário tem a faculdade de aceitar
a herança e repudiar o legado, ou vice-versa, mas apenas caso a deixa repudiada não esteja sujeita
a encargos.

6.7.2.2.4. Os legados pios


O artigo 2280.º refere os legados pios, determinando que estão sujeitos a legislação
especial, neste caso, o Decreto-Lei 39449 de 24 de novembro. Os legados pios, neste decreto lei
são definidos como sendo as disposições comuns os legados destinados a sufragar a alma do
testador ou de pessoas amigas, assim como os que se destinam a fins de caráter religioso e à
satisfação de fins de utilidade pública como a assistência, beneficência, educação e análogos. Tem
sido uma dificuldade perceber distinguir os legados pios das disposições a favor da alma referidas
pelo artigo 2224.º, tendo a doutrina entendido que o conceito de legados pios é reservado a
liberalidades de beneficência, assistência e caridade, devendo ser deixados em beneficio de
determinada pessoa, mas sim no interesse geral da sociedade ou de uma instituição religiosa,
havendo um regime especial de fiscalização de Direito Administrativo.

Este regime passa por: instituição de uma entidade especifica para o seu cumprimento
(em principio a camara municipal, a não ser que se destinem a fins da religião católica, caso em
que é a autoridade eclesiástica); nos outros casos, incumbe ao donatário ou aos seus herdeiros, se
já tiver falecido; a lei prevê também a determinação do Ministro da Administração Interna aos
legados que impliquem a criação e estabelecimento de fundações ou organizações, ou ainda que
procedam à venda de prédios.

6.7.2.2.5. Perturbações do legado


O legado poderá também ser objeto de perturbações que frustrem o direito do legatário,
referindo a lei seis situações deste tipo:

a) O legado de coisa pertencente a terceiro – os legados estão também sujeitos a regras


gerais, pelo que, se no momento da abertura da sucessão se verificar que o legado
pertence a outrem, este será nulo (2251.º/1), não produzindo efeitos. Caso o testador
tenha alienado o bem posteriormente ao legado, considerar-se-á que ocorreu
revogação do legado (2316.º). O legado poderá ser considerado válido quando se
depreender que o testador sabia que a coisa não lhe pertencia (2251.º/1), sendo
considerado um legado obrigacional, e o sucessor que aceitar a disposição fica
obrigado a adquirir a coisa e transmiti-la ao legatário ou proporcionar a sua aquisição,
ou a pagar o valor da coisa;
b) O legado de coisa comum – O regime do legado de coisa alheia é aplicável também
no caso de a coisa não pertencer por inteiro ao próprio testador, verificando-se a
nulidade apenas quanto à parte que não lhe pertence (2252.º). No caso de resultar do
testamento que o testador sabia que a coisa não lhe pertencia por inteiro, o legado
será igualmente considerado como obrigacional em relação à parte alheia, ficando o

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sucessor onerado com o legado igualmente obrigado a proporcionar a aquisição da


coisa ao legatário ou a pagar-lhe o valor dela (2252.º/1 e 2251.º/2);
c) O legado de coisa certa e determinada integrada na comunhão conjugal – outra
perturbação da prestação nos legados respeita ao legado de coisa certa e determinada
integrada na comunhão conjugal, cujo regime é ressalvado em relação ao legado de
coisa comum pelos artigos 2252.º/2. Efetivamente uma vez que em relação aos bens
comuns, o cônjuge só tem direito à sua meação, apenas dela pode dispor por morte
(1685.º/1), não podendo dispor desta coisa. O artigo 1685.º/2 estabelece que a
disposição dá ao contemplado o direito de exigir o respetivo valor em dinheiro, uma
vez que daqui resulta que a disposição é nula quanto ao objeto legado, sendo objeto
de conversão. O nº 3 do artigo estabelece algumas exceções;
d) O legado de coisa pertencente ao sucessor obrigado ao legado – a disposição será
nula, a menos que se possa depreender do testamento que o testador sabia que a coisa
legada não lhe pertencia, implicando para o herdeiro ou legatário a obrigação de
transmitir essa coisa ao outro legatário;
e) O legado de coisa pertencente ao próprio legatário ou por este adquirida – esta
situação vem referida nos artigos 2256.º e 2257.º. Neste âmbito deverá distinguir-se
entre a situação da coisa já pertencer ao próprio legatário, o legado será nulo
(2256.º/1), se à data da abertura da sucessão a coisa pertencia ao testador, o legado
passa a ser considerado válido, sendo-o igualmente, se a esse tempo pertencia ao
sucessor onerado com o legado ou a terceiro, e do testamento resultar que a deixa foi
feita na previsão deste facto (2256.º/2), aplicando-se o regime do legado de coisa
pertencente ao onerado ou a terceiro (2256.º/3 e 2251.º/2 e 4). Já quanto ao legado
que foi posteriormente adquirido pelo legatário ao testador, a título oneroso ou
gratuito, determinando o artigo 2257.º que o legado não produz efeitos;
f) O legado de coisa onerada – a outra hipótese que surge vem prevista no artigo
2272.º, caso em que a coisa legada não se encontra livre, mas sujeita a ónus ou outro
encargo, no entanto, a lei não lhe atribui uma grande importância, dizendo que se a
coisa legada estiver onerada com alguma servidão ou outro encargo que lhe seja
inerente, passa com o mesmo encargo ao legatário (2272.º/1). A lei estabelece a
exceção relativamente a prestações atrasadas que serão pagas por conta da herança,
sendo também pagas por conta dela as dívidas asseguradas por hipoteca ou outra
garantia real constituída sobre a coisa legada (2272.º/2). Não fazia sentido que o
legatário fosse obrigado a efetuar prestações vencidas antes do momento em que
recebeu o legado, que devem permanecer da responsabilidade da ação;
g) O legado para o pagamento da dívida – poderá distinguir-se em três modalidades:
i. O legado para o pagamento de dívida existente – uma vez que se
a dívida existe, teria que ser sempre paga pelos herdeiros nos termos
da sua responsabilidade pelas dívidas da herança, não fazendo
sentido o testador instituir um legado para determinar o pagamento,
não tendo nesses casos eficácia (o 2259.º/1 considera válido este
legado, permitindo ao testador reconhecer a dívida;
ii. O legado para o pagamento de dívida inexistente ou extinta – o
facto da dívida não existir ou ter sido posteriormente extinta impede
o legado de desempenhar a função visada pelo testador
(distinguindo-se no artigo 2259.º a situação de a dívida nunca ter
existido ou se ter entretanto extinto);

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iii. O legado feito ao credor sem referência à dívida – é válido e não


se considera destinado à satisfação da mesma (2260.º), aplicando-se
mesmo que o legado corresponda exatamente ao montante da dúvida
uma vez que na dúvida, presume-se que o testador pretendeu
efetivamente constituir um legado e não apenas determinar o
pagamento da dívida.

6.7.3. A instituição de fundações


Outro conteúdo possível do testamento, é a instituição de fundações, uma vez que as
pessoas coletivas podem ser constituídas através de testamento (185.º/1). Os herdeiros do
instituidor não poderão revogar a instituição, sem prejuízo do disposto em matéria de sucessão
legitimária, implicando a sujeição da instituição da fundação ao regime da redução por
inoficiosidade (2168.º). O testador terá de indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe
pretende destinar, podendo ainda formular estatutos sobre a sede, organização e funcionamento
da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar o destino dos respetivos
bens, e caso não o faça, compete isto aos executores do testamento, e caso não lavrem os estatutos
no ano posterior à instituição, essa tarefa deverá ser da entidade competente para o
reconhecimento.

6.7.4. As cláusulas acessórias do testamento


Tal como em qualquer negócio jurídico são admitidas cláusulas acessórias no testamento,
tal como a condição, o termo e o modo, assim como é possível discutir a admissibilidade de
cláusula penal.

6.7.4.1. Condição
O artigo 2229.º confirma a possibilidade de sujeitar a instituição de herdeiro ou legatário
a condição suspensiva ou resolutiva, com algumas limitações. A principal limitação que
encontramos é a impossibilidade de condições contrárias à lei, ordem pública ou ofensivas dos
bons costumes no artigo 2230.º, sob pena da cláusula se ter por não escrita. A diferença reside no
regime entre a condição física ou legalmente impossível, em que a lei admite que o testador possa
declarar inválido o próprio negócio em virtude da não realização da condição (2230.º/1). A
condição impossível é aquela que desde o inicio insuscetível de se verificar, não correspondendo
assim ao facto futuro e incerto. A lei dá vários exemplos de condições contrárias à lei, como são
a condição captória do artigo 2231.º, do artigo 2202.º.

(VER EXEMPLO DAS PÁGINAS DO ARTIGO 263 E 264)

També quanto à pendência da condição, o artigo 2236.º estabelece um regime diferente,


consoante se trate de condição suspensiva ou resolutiva. Caso se trate de condição resolutiva, o
tribunal poderá impor ao herdeiro ou legatário o depósito de caução no interesse daqueles a favor
de quem a herança ou legado será deferido. Se for condição suspensiva, se estiver em causa uma
herança, a herança é posta em administração até que a condição se cumpra (2237.º), enquanto no
legado, o tribunal pode impor aquele que deva satisfazer o legado a obrigação de prestar caução

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no interesse do legatário, podendo o testador excluir essa solução. O regime da administração é


sujeita ao regime da curadoria provisória (2239.º).

O artigo 2242.º/1 manda retroagir os efeitos da verificação da condição à morte do


testador, considerando como não escritas as declarações do testador em contrário, desviando-se
do estabelecido no artigo 276.º. O artigo manda aplicar à verificação da condição o 277.º/2 e 3,
não prejudicando a validade dos atos de administração ordinária realizados, enquanto a condição
estiver pendente, pela parte a quem incumbir o exercício do direito.

6.7.4.2. Termo
O testamento pode estar sujeito a termo, mas a sua admissibilidade é bastante restrita de
acordo com o artigo 2243.º, limitando a aplicação do artigo 278.º e 279.º. A lei não admite a
sujeição da instituição de herdeiro inicial nem a termo final, considerando-se as cláusulas como
não escritas (2243.º/2), implicando que o herdeiro adquire imediatamente a herança a título
definitivo. Em relação à nomeação de declaratário, a mesma pode ser sujeita a termo inicial, mas
este apenas suspende a execução da disposição, não impedindo que o legatário adquira logo o
direito ao legado (2243.º/1), exemplo do artigo 2274.º. Em relação ao termo final na nomeação
de legatário, este é igualmente proibido, considerando.se essa cláusula como não escrita, exceto
se a disposição versar sobre direito temporário (2243.º/2).

A lei manda aplicar ao legado sujeito a termo inicial o regime do legado sujeito a condição
suspensiva, podendo ser imposta pelo tribunal a prestação de caução no interesse do beneficiário
(2236.º/2), podendo ser dispensada pelo testador. Em caso de não cumprimento dessa obrigação,
o legado é posto sob administração (2237.º), que compete ao seu beneficiário, embora o tribunal
possa providenciar de forma diferente, havendo justo motivo (2238.º).

A verificação do termo suspensivo no âmbito do legado não tem eficácia retroativa, uma
vez que apenas a sua execução é suspensa, dado que o legatário adquire imediatamente o seu
direito.

6.7.4.3. Modo ou encargo


Tal como o que se sucede nas doações, também as disposições testamentárias podem ser
oneradas com encargos (2244.º), dado que resultam de negócio gratuito. O modo ou encargo
consiste na restrição imposta ao beneficiário da liberalidade que o obriga à realização de
determina prestação no interesse do outrem ou do próprio beneficiário podendo revestir tanto a
natureza de uma obrigação em sentido técnico. Ao contrário do que acontece nas doações em que
o encargo pode ser imposto a favor do próprio autor da liberalidade, no testamento por definição
tal não pode ocorrer a não ser no sentido moral como nos encargos a favor da alma (2224.º) ou
destinados a perpetuar a memória do testador.

À semelhança do que sucede na condição, não é admissível estipular encargos


impossíveis (caso em que se têm as cláusulas por não escritas), contrários à lei, à ordem pública
ou ofensivos dos bons costumes (tendo-se igualmente por não escritas ainda que o testador tenha
declarado o contrário, a não ser que se possa concluir que o testamento foi essencialmente
determinado por esse fim, caso em que será nulo).

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É também, neste caso, prevista a possibilidade de obrigação de o tribunal impor ao


herdeiro ou legatário onerado a obrigação de prestação da caução, sempre que o considere
justificado e o testador não tenha disposto coisa diversa (2246.º). A lei atribui a qualquer
interessado o direito de exigir o cumprimento do legados encargos (2247.º).

6.7.4.4. Cláusula penal


Autores como o Professor José Tavares tem vindo a defender a sua admissibilidade apesar
de não ser prevista em sede de testamento, uma vez que o princípio será o do respeito pela vontade
do testador em tudo o que não seja impossível ou contrário à lei, assim como o Professor Cunha
Gonçalves. O Professor Menezes Leitão entende que se reconduzirá a um segundo encargo
estabelecido para a hipótese de não cumprimento da disposição testamentária, devendo
considerar-se admissível (2244.º), desde que respeitados os limites.

6.7.5. Revogação do testamento


A revogação corresponde à extinção do negócio jurídico em virtude da celebração de um
novo negócio jurídico em sentido oposto ao anterior, sendo também unilateral, podendo
compreender várias modalidade.

Quanto ao modo de efetuar a revogação:

a) Revogação expressa – quando o testador declara noutro testamento ou em escritura


pública que revoga no todo ou em parte o testamento anterior (2312.º), só podendo
resultar de escritura pública ou outro testamento. Relativamente à revogação em outro
testamento, a lei não faz qualquer restrição à forma do testamento, exigindo-se que o
testamento revogatório seja válido, e que nele faça constar a declaração de revogação
do testamento anterior;
b) Revogação tácita – ocorre quando o testador efetua um testamento incompatível com
o anterior (2313.º), não sendo necessário que a incompatibilidade seja material,
bastando que a mesma revele uma intenção diferente do testador. A lei estabelece que
se aparecerem dois testamentos com a mesma data, sem possibilidade de determinar
qual foi o posterior, e houver contradição entre ambos, ter-se-ão por não escritas as
disposições contraditórias (2313.º/2);
c) Revogação real – ocorre quando se verifica a inutilização do mesmo (2135.º) ou a
alienação ou transformação da coisa legada (2316.º).

Quanto ao âmbito da revogação:

a) Total – se o testador elimina todo o conteúdo do seu testamento (obrigatória neste


caso para a revogação real para a inutilização do testamento;
b) Parcial – se afetar apenas uma parte deste (obrigatória para o caso de revogação real
por alienação ou transformação da coisa legada).

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A revogação do testamento revogatória não implica a repristinação do testamento anterior


(2314.º/1). A lei exige que a segunda revogação seja feita em testamento, uma vez que a escritura
pública é admitida para revogar um testamento anterior (2312.º), mas não se admite a segunda
escritura pública para proceder à revogação.

6.7.6. Caducidade do testamento


A caducidade corresponde à extinção do negócio jurídico em virtude da superveniência
de um facto jurídico, ou seja, ineficácia superveniente da disposição testamentária em virtude da
verificação de um facto independente da vontade do testado. A caducidade poderá ser qualificada
como total ou parcial, uma vez que sendo total, caso a caducidade se verifique em relação a todo
o testamento, este perde qualquer efeito e a herança será atribuída aos herdeiros legítimos,
enquanto que, sendo parcial, poderá verificar-se direito de acrescer, excluindo o chamamento dos
herdeiros legítimos (2301.º).

A caducidade prevista no artigo 2317.º, estabelece que tanto a instituição de herdeiro


como a nomeação de legatário caducam:

a) Se o instituído ou nomeado falecer antes do testador, salvo havendo representação


sucessória;
b) Se a instituição ou nomeação estiver dependente de condição suspensiva e o sucessor
falecer antes de a condição se verificar;
c) Se o instituído ou nomeado se tornar incapaz de adquirir a herança ou legado;
d) Se o chamado à sucessão era o cônjuge do testador e à data da morte deste se
encontravam divorciados ou estavam separados judicialmente de pessoas e bens ou
em caso de declaração de invalidade do casamento com sentença já transitada em
julgado ou que venha a transitar, ou se vier a ser proferida, posteriormente aquela
data, sentença de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de
invalidade do casamento;
e) Se o chamado à sucessão repudiar a herança ou legado, salvo havendo representação
sucessória.

7. Sucessão contratual
O artigo 2028.º/1 proíbe a sucessão contratual, o que se compreende tendo em conta que
o testamento é um ato unilateral e revogável. Estando o pacto sucessório sujeito ao artigo 406.º/1,
estaria vedada a revogação unilateral, impedindo o de cuius de alter as suas disposições. Assim,
serão apenas admitidos os pactos sucessórios previstos nas disposições legais especiais e da
possibilidade de conversão da doação por morte em testamento, prevista nos artigos 946.º/2.

Genericamente, podemos definir como fórmula para a sucessão contratual:

𝑉𝑇𝐻 (𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑎 ℎ𝑒𝑟𝑎𝑛ç𝑎)


𝑣𝑖𝑑𝑎
= 𝑅 (𝑅𝑒𝑙𝑖𝑡𝑢𝑚) + 𝐷 (𝐷𝑜𝑛𝑎𝑡𝑢𝑚 𝑝𝑜𝑠𝑡𝑒𝑟𝑖𝑜𝑟 à𝑠 𝑑𝑜𝑎çõ𝑒𝑠 𝑒𝑚 )
𝑐𝑜𝑛𝑣𝑒𝑛çã𝑜
− 𝑃 (𝑃𝑎𝑠𝑠𝑖𝑣𝑜)

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7.1. Modalidades de pactos sucessórios


As três modalidades de pacto sucessório previstas no artigo 2028.º são:

a) Os pactos renunciativos, mediante os quais alguém renuncia à sucessão de pessoa


ainda vida – um acordo entre o autor da sucessão e um seu sucessível;
b) Os pactos aquisitivos ou designativos, mediante os quais alguém regula a sua própria
sucessão – o autor da sucessão institui alguém como seu herdeiro, mas em lugar de
fazer isso por testamento, fá-lo por contrato celebrado com o sucessível assi
designado;
c) Os pactos dispositivos, mediante os quais alguém dispõe da sucessão de terceiro ainda
não aberta – alguém convencido que vai suceder a uma certa pessoa, celebra com
outrem um contrato, ainda em vida do de cuius, pelo qual dispõe dessa sucessão.

7.2. Regime dos pactos sucessórios


O artigo 2028.º/2 determina que são apenas válidos os pactos sucessórios previstos na lei,
implicando a nulidade dos pactos dispositivos, podendo alguns pactos designativos e
renunciativos ser válidos nos termos do artigo 1700.º. Os pactos designativos correspondem a
doações por morte, apenas permitidas no âmbito das convenções antenupciais (1700.º/1/a) e b)),
enquanto os renunciativos correspondem a um repudio antecipado da sucessão que ainda não foi
aberta, o que apenas é admitido se estivermos perante uma renúncia recíproca à condição de
herdeiro legitimário do outro cônjuge quando o regime de bens seja o da separação (1700.º/1/c) e
3). Estão estão sujeitos ao regime da nulidade geral, e não ao da nulidade atípica das disposições
testamentárias.

7.2.1. Pactos sucessórios renunciativos


O artigo 1700.º/1/c) prevê o pacto sucessório renunciativo da renúncia recíproca à
condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge. O Professor Menezes Leitão entende que se
abrange também a condição de herdeiro legítimo, já o Professor Jorge Duarte Pinheiro diz que
não se deverá abranger a sucessão legítima. O artigo 1700.º-A/1 determina que a renúncia afeta a
posição sucessória do cônjuge, referindo-se à designação sucessória em geral e não apenas à
qualidade de herdeiro legitimário. É, no entanto, exigido que o regime de bens seja o da separação
(1700.º/2). Mesmo assim, são reconhecidos alguns direitos especiais ao cônjuge, como são: não
serem consideradas inoficiosas as liberalidades feitas ao cônjuge (2168.º/2); não prejudica outros
direitos do cônjuge não relacionados com a sua posição sucessória como o direito de alimento
(1707.º-A/2); o direito a permanecer na casa de morada de família do cônjuge falecido, caso fosse
sua (1707.º-A/3, 4, 5, 6 e 10); direito de preferência em caso de alienação do imóvel (1707.º-A/9).

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7.2.2. Pactos sucessórios designativos


O artigo 1700.º/1/a) e b) admitem a validade de estipulações na convenção antenupcial
de alguns pactos sucessórios designativos:

a) A instituição de herdeiro e a nomeação de legatário, através de doação mortis causa


feita na convenção por um dos esposados a favor do outro ou reciprocamente em
relação a ambos;
b) A instituição de herdeiro e a nomeação do legatário, através da doação mortis causa
feita na convenção por terceiro a favor de um ou ambos os esposados;
c) A instituição de herdeiro e a nomeação de legatário, através de doação mortis causa
feita na convenção por qualquer um dos esposados a favor de terceiro que seja pessoa
certa e determinada.

(1) A disposição do esposado a favor do outro e as disposições recíprocas de ambos


os esposados

Na convenção antenupcial qualquer um dos esposados pode instituir o outro como


herdeiro ou nomeá-lo legatário, sendo possível que aconteça reciprocamente (1700.º/1/a)). Nesse
caso, a nomeação não pode ser unilateralmente revogada depois da aceitação, nem será licito
prejudicar o donatário através de atos gratuitos de disposição (1701.º/1), o que se mantem caso o
objeto seja uma quota da herança (1702.º/1). O doador poderá apenas alienar os bens com
fundamentos em grave necessidade própria ou dos membros da família a seu cargo, desde que
haja autorização do donatário ou o seu suprimento judicial (1701.º/2), concorrendo o donatário à
sucessão do doador como legatário do valor dos bens dados ao tempo da morte destes (1701.º/3).
A situação altera-se quando se institua a totalidade da herança, podendo o doador dispor
gratuitamente, em vida ou por morte, de uma terça parte dela (1702.º/2). A lei determina a
caducidade da instituição e do legado em favor dos esposados caso:

a) O casamento não se celebre dentro de um ano ou venha a ser declarado inválido, salvo
o disposto para o casamento putativo;
b) Se ocorrer divórcio ou separação judicial de pessoas e bens;
c) Caso o donatário venha a falecer antes do doador.

(2) As disposições de terceiro a favor de um ou ambos os esposados

O artigo 1700.º/1/a) prevê também a instituição de herdeiro ou a nomeação como legatário


por terceiro a favor de um ou de ambos os esposados, aplicando-se igualmente o regime do artigo
1701.º e 1702.º, especialmente quanto às liberalidades que podem ser revogadas a todo o tempo
por mútuo acordo (1701.º/1). Aplica-se igualmente a caducidade na hipótese de não celebração
do casamento, divórcio ou separação judicial de pessoas e bens (1703.º, 1760.º/1/a), 1791.º/1 e
1794.º).

(3) As disposições dos esposados a favor de terceiro

Quanto às disposições de esposados a favor de terceiros, a lei distingue consoante a


disposição seja feita a favor de pessoa que intervenha na convenção como aceitante (1705.º),

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considerando-se a disposição com caráter contratual existindo pacto sucessório (1705.º), podendo
reservar-se a faculdade de revogar, ou tal não venha a ocorrer como no caso da disposição a favor
de pessoa indeterminada ou determinada que não intervenha no ato como aceitante (1704.º),
considerando-se neste último caso com valor meramente testamentário.

(4) As disposições por morte para o casamento

O artigo 1753.º/1 estabelece que a doação para casamento é feita a um ou ambos os


esposados, com vista do seu casamento, podendo o doador ser tanto o esposado como o terceiro,
e ainda poderá acontecer reciprocamente entre esposados. Estão sujeitas ao regime geral dos
artigos 1701.º a 1703.º, aplicando-se o regime do 1753.º e seguintes também. Têm de ser feitas
por testamento, sob pena de nulidade (1756.º/1 e 2), não sendo revogáveis mutuamente (1758.º)
e estando sujeitas à redução por inoficiosidade. Está também sujeita às causas de extinção dos
pactos sucessórios.

7.3. A situação jurídica dos sucessíveis contratuais em vida do autor da


ddsucessão
A designação contratual atribui ao sucessível uma tutela muito forte em vida do autor da
sucessão, assemelhando-se à do herdeiro legitimário. Não é apenas altamente limitada a
possibilidade de revogação das disposições contratuais mortis causa, como também a
possibilidade de alienação em vida, tendo em conta que o cálculo da herança toma em
consideração as alienações efetuadas em ordem a proteger a sucessão contratual. A generalidade
tem vindo a entender que, sempre que exista um pacto sucessório irrevogável, o sucessível goza
já em vida do autor de uma expectativa jurídica de aquisição dos bens em causa. Esta situação
ocorre mesmo nos casos em que são irrevogáveis ou o passam a ser posteriormente (como no caso
do 1706.º/2). Já no caso de a disposição contratual poder ser revogada, a situação do sucessível
contratual é equiparada à do sucessível testamentário.

7.4. A impossibilidade de repúdio da sucessão contratual após a abertura


sssda sucessão
Tem surgido na doutrina a questão de perceber se, quando aberta a sucessão, o sucessível
contratual pode repudiar a herança ou legado, surgindo várias posições:

a) Professores Pires de Lima e Antunes Varela – entendem que poderá, uma vez que a
natureza contratual das doações por morte não impedem o beneficiário de repudiar,
não obstando o facto de não poderem ser unilateralmente revogadas;
b) Professores Jorge Duarte Pinheiro e Menezes Leitão – entende que, tendo aceite a
proposta, à data da abertura da sucessão não adquire o direito de aceitar ou repudiar,
uma vez que já aceitou, a seu ver a solução é confirmada pelo artigo 2055.º que não
prevê o chamamento contratual;
c) Professor Daniel Morais – entende que não poderá repudiar, no entanto, nada impede
que no momento da abertura da sucessão, o mesmo possa aceitar a herança a benefício
do inventário.

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8. Sucessão legitimária
A sucessão legitimária é uma modalidade injuntiva de sucessão, uma vez que o elenco de
herdeiros legitimários se encontra legalmente fixado (2157.º), mandando o legislador reservar
uma parte da herança, a legítima, a favor destes herdeiros (2156.º), não podendo o autor da
sucessão impor encargos sobre a legítima nem designar os bens que a devem integrar contra a
vontade do herdeiro (2163.º - Princípio da Intangibilidade da Legítima). O autor da sucessão só
poderá privar os herdeiros legitimários da sucessão através da deserdação (2166.º). A sucessão
legitima é uma modalidade de sucessão legal, no entanto, distingue-se da sucessão legitima quer
seja pelo universo de sucessíveis, quer seja em relação ao regime da incapacidade sucessória
(2034.º e 2166.º) quer pela forma de cálculo da legítima, estabelecendo-se institutos para tutelar
os herdeiros legitimários (a defesa contra os encargos ou legados e a redução das doações por
inoficiosidade). As regras da legitimária são examinadas para a sucessão legítima (2131.º), como
a preferência de classes (2133.º e 2134.º), a preferência de graus de parentesco (2135.º) e a divisão
por cabeça (2154.º).

8.1. Os herdeiros legitimários


O artigo 2157.º define que são sucessíveis legitimários o cônjuge, os descendentes
(entram o adotado e os seus descentes, igualmente) e os ascendentes (entram o adotante e os seus
ascendentes, igualmente), segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima. O Decreto-
Lei 496/77, de 25 de novembro adotou uma solução controversa quanto ao cônjuge, instituindo-
o como herdeiro legitimário, tendo uma legítima diferente quando concorre com mais de três
descendentes (2139.º) e é, em qualquer caso, muito superior à legítima dos ascendentes, não
estando também sujeito a colação (2104.º), assim como o direito de ser encabeçado no momento
da partilhada, no direito à habitação e uso do recheio, podendo também exigir alimentos. Em 2014
introduziu-se a possibilidade dos cônjuges renunciarem reciprocamente aos direitos sucessórios,
desde que o regime de bens adotado seja o da separação de bens (1701.º/1/c)) e 3).

8.2. A legítima
O artigo 2156.º define a legitima como a porção de bens de que o testador não pode dispor
por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários. A porção de bens varia consoante o
número de herdeiros legitimários (2158.º), variando ainda em consequência da consideração do
valor dos bens alienados gratuitamente pelo de cuius.

Podemos, dentro da legítima, distinguir dois conceitos:

• Legítima objetiva – a chamada quota indisponível, é a parte da herança da qual o


autor da sucessão não pode dispor gratuitamente, contrapondo-se à quota disponível,
de que pode legitimamente dispor a esse título. A quota disponível corresponde à
diferença da legítima em relação à totalidade do património hereditário;
• Legítima subjetiva – parte da herança da qual o testador não pode dispor
gratuitamente relativa a cada um dos herdeiros legitimários, correspondendo a soma
das legítimas subjetivas à legítima objetiva.

A legítima objetiva poderá ser: de um terço da herança, quando existem apenas


ascendentes de segundo grau e seguintes (2161.º/2); metade da herança, quando exista apenas

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cônjuge (2158.º) ou apenas um filho (2159.º/2); ou de dois terços da herança, se o cônjuge


concorrer com descendentes ou ascendentes (2159.º/1 e 2161.º/1) ou quando existam dois filhos
ou mais (2159.º/2). Os Professores Oliveira Ascensão e Carvalho Fernandes têm vindo a entender
que, quanto à expressão “não existirem”, devem apenas ser tido em conta na fixação da legítima
apenas com base nos sucessíveis remanescentes daqueles que foram chamados à sucessão, mas
que, por qualquer causa, foram eliminados da sucessão, salvo quanto ao direito de representação.
Por isso, caso existam dois filhos e um for declarado indigno antes da abertura da sucessão, a
legitima será de metade da herança, desde que a causa seja posterior à abertura da herança. Os
Professores Pamplona Corte Real e Daniel Morais entendem que se trata de uma existência física,
sendo relevante para a fixação da legítima, operando o direito de representação (2042.º) se o
mesmo tiver descendentes ou o direito de acrescer para os restantes filhos (2137.º/2),

A divisão da quota faz-se de acordo com as regras da sucessão legítima (2157.º), pelo que
se aplica a regra da divisão por cabeça (2136.º), sendo esta regra quebrada no caso do cônjuge
concorrer com mais de três descendentes, uma vez que lhe é atribuído pelo menos um quarto da
quota indisponível (2139.º).

8.2.1. Cálculo da legítima


O artigo 2162.º diz-nos que para calcular a legítima, devemos atender ao valor dos bens
existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte (Relictum), ao valor dos bens
doados e às despesas sujeitas à colação (Donatum), e às dívidas da herança (passivo da herança).
O Relictum abrange bens imóveis, e caso seja casado em regime de comunhão, a sua meação nos
bens comuns do casal, e ainda os bens deixados por testamento ou doados por morte, uma vez
que ainda se encontram no património. Já o Donatum inclui valor dos bens doados em vida e as
despesas sujeitas à colação. O passivo da herança inclui todas as dívidas referidas no artigo 2168.º
com exceção dos legados.

Os autores da escola da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Professores


Galvão Telles, Oliveira Ascensão, Pamplona Corte-Real, Jorge Duarte Pinheiro e Menezes
Leitão) tem vindo a defender que o cálculo da legítima é determinado pelo seguinte cálculo:

𝑉𝑇𝐻 (𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑇𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑎 𝐻𝑒𝑟𝑎𝑛ç𝑎) = R (Relictum) + D (Donatum) − P (Passivo)

Já os autores da Escola da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (como o


Professor Pereira Coelho, posição a que os Professores Capelo de Sousa, Carvalho Fernandes e
Cristina Pimenta Coelho vieram a aderir) têm vindo a entender que o artigo 2162.º não tem como
objetivo indicar a ordem das operações, defendendo que a dedução das dívidas se deve fazer dos
bens deixados e só deles, pelo que a fórmula deveria ser:

𝑉𝑇𝐻 (𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑇𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑎 𝐻𝑒𝑟𝑎𝑛ç𝑎) = R (Relictum) − P (Passivo) + D (Donatum)

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Esta divergência só terá relevância prática se a herança for deficitária, sendo que nesse
caso a Escola de Coimbra privilegia os herdeiros legitimários sobre os donatários, enquanto a
posição da escola de Lisboa faz o inverso. (VER EXEMPLO DO MANUAL – PÁGINA 300 DO
MANUAL)

8.3. A tutela da legítima


A legítima é objeto de proteção especial, não se permitindo ao testador que afete esta por
disposições (2156.º), não podendo também privar o herdeiro legitimário da mesma. A legítima
está assim protegida pelo princípio da intangibilidade da legítima, que tem uma dimensão
quantitativa e uma dimensão qualitativa.

8.3.1. A tutela quantitativa


A tutela quantitativa proíbe o autor da sucessão de privar total ou parcialmente o herdeiro
legitimário da sua legítima, não podendo este diminuir por disposição testamentária, doações em
vida ou por morte, a quantia que cada um dos herdeiros legitimários receberá. Esta tutela
quantitativa da legítima é assegurada pela redução por inoficiosidade.

8.3.1.1. A redução de liberalidades por inoficiosidade


A redução por inoficiosidade consiste na faculdade que os herdeiros legitimários têm de
reduzir as liberalidades efetuadas pelo autor da sucessão que ofendam a sua legítima,
consideradas, assim, inoficiosas (2168.º).

A) Que liberalidades abrange?

A redução abrange todas e quaisquer liberalidades efetuadas pelo autor da sucessão que
determinem que os herdeiros legitimários receberão menos do que aquilo que lhes competiria a
título de legítima. São abrangidas nas liberalidades, tanto liberalidades diretas como liberalidades
indiretas, sendo exemplo destas as que são realizadas por interposta pessoa ou pagamento de
dívidas alheias feito com animus donandi. O artigo 2168.º/2 exceciona aqui as liberalidades a
favor do cônjuge sobrevivo que tenha renunciado à herança nos termos do 1700.º/1/c), até à parte
da herança correspondente à legítima do cônjuge caso a renuncia não existisse. Entende-se como
nulo qualquer negócio celebrado em vida do autor da sucessão com o propósito que afete a
intangibilidade quantitativa da legítima, tendo em conta que não é permitido que o autor, em vida,
renuncie ao direito a reduzir as liberalidades (2170.º), a mesma pode ser efetuada mesmo que o
herdeiro a ela tivesse renunciado. As liberalidades só devem ser afetadas na medida em que seja
necessário para permitir o preenchimento da legítima.

B) Quem tem legitimidade?

O artigo 2169.º estabelece que têm legitimidade para requerer a redução os herdeiros
legitimários e os seus sucessores (2169.º). Os Professores Jorge Duarte Pinheiro e Menezes Leitão
têm vindo a entender que têm também legitimidade os adquirentes de quinhão hereditário do
herdeiro legitimário em caso de alienação da herança e os credores do repudiante que aceitem a
herança em nome deste (2067.º). Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela têm vindo a

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entender que a questão será duvidosa tendo em conta que a lei faz questão de conceder ao próprio
herdeiro legitimário a liberdade de aceitar. Já o Professor Batista Lopes rejeita abertamente a
legitimidade dos credores do repudiante para exercer a redução.

C) Forma de determinar a redução

A redução poderá ser efetuada por acordo entre os herdeiros legitimários e os


beneficiários das liberalidades inoficiosas, e, caso não seja possível, através de ação judicial. Esta
ação terá de ser instaurada nos dois anos seguintes à aceitação da herança, sob pena de caducidade
(2178.º), ou extinguindo-se por renúncia, desde que posterior à abertura da sucessão.

D) Qual a ordem da redução das liberalidades?

O artigo 2171.º determina a ordem da redução: disposições testamentárias a título da


herança; legados; liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão. A lei não
refere as doações por morte, no entanto, estão também sujeitas à redução (1705.º/3 e 1759.º).

A redução começa pelas disposições a título da herança, passando apenas para os legados
se a redução daquelas não for suficiente. O Professor Galvão Telles exceciona os legados de
usufruto de quota ou da totalidade da herança, entendendo que devem ser reduzidas
simultaneamente com a redução das disposições a título da herança. Se for suficiente a redução
das deixas, esta é efetuada proporcionalmente, tanto no caso das deixas a título da herança como
no caso de deixas a título do legado (2172.º/1), podendo o testador optar por dar preferência a
algumas das deixas (2172.º/2). As deixas remuneratórias beneficiam de preferência nos termos da
lei, sendo reduzidas em último lugar (2172.º/3). Não sendo suficiente, passamos à redução das
doações, começando-se pela última, se não for suficiente a anterior, e assim sucessivamente
(2173.º/1). Havendo várias liberalidades no mesmo ato ou na mesma data, far-se-á a redução
rateadamente, salvo se uma delas for remuneratória, caso em que beneficia igualmente de
preferência (2173.º/2 e 2172.º/3). É discutido na doutrina se esta hierarquização é imperativa ou
supletiva:

a) Professores Ana Sousa Leal e Menezes Leitão – defende a imperatividade da


prevalência das doações relativamente às disposições testamentárias;
b) Professor Jorge Duarte Pinheiro – defende a supletividade, considerando que ao
abrigo da liberdade contratual, uma doação pode ser reduzida antes de uma deixa
testamentária ou de uma liberdade contratual mais recente se tal tiver sido
convencionado entre o doador e o donatário. O Professor excetua a doação para
casamento, considerando que teria um impacto similar ao de um ato de revogação
dessas doações (proibido pelo 1758.º)

O artigo 2174.º determina que, ao contrário do que acontece na colação, onde existe
apenas uma obrigação de conferencia do valor dos bens doados, só havendo restituição do bem
em caso de acordo entre os herdeiros (2108.º/1), na redução prevê-se a restituição em espécie dos
bens doados. Assim, caso seja necessário afetar toda a disposição para preencher a legítima, os
bens devem ser restituídos aos herdeiros legitimários, e caso seja parcial, e os bens divisíveis, a
redução faz-se separando-se a parte necessária para preencher a legítima (2174.º/1), não sendo
divisíveis, se a importância da redução exceder metade, o bem será integralmente do herdeiro
legitimário e o legatário ou donatário ficará com o resto em dinheiro (2174.º/2). Caso não exceda
metade, receberão os herdeiros legitimários a importância necessária para preencher a legítima
(2174.º/2). Haverá igualmente esta restituição caso os bens tenham perecido (2175.º). Sempre que
houver lugar à restituição em dinheiro, a insolvência daqueles que, segundo a ordem estabelecida,

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devem suportar o encargo da redução não determina a responsabilidade dos outros (2176.º).
Quanto aos frutos ou benfeitorias, o donatário é considerado possuidor de boa-fé até ao pedido de
redução (2177.º).

8.3.2. A tutela qualitativa


A tutela qualitativa da legítima (2163.º) proíbe o autor da sucessão de impor encargos
sobre a legítima ou designar bens que a devam preencher contra a vontade do herdeiro. No
entanto, é atenuada por institutos como:

A) Cautela sociniana

O artigo 2164.º determina, em derrogação do artigo 2163.º, se o testador deixar usufruto


ou constituir pensão vitalícia que atinja a legítima, podem os herdeiros legitimários cumprir o
encargo ou entregar ao legatário a quota disponível. Esta solução foi alvo de polémica, uma vez
que os herdeiros legitimários eram constrangidos a ficar com a legítimas, perante a alternativa de
perder totalmente a legítima, no entanto, há quem considere que os herdeiros legitimários lucram
mais em receber no futuro a quota disponível do que perdem com a oneração da legítima, uma
vez que vão acabar por receber a propriedade de ambas após a extinção do usufruto ou da pensão
vitalícia. A doutrina tradicional, como é o caso do Professor Menezes Leitão tem vindo a
interpretar o artigo em termos estrito, considerando-o aplicável apenas a legados de usufruto ou
de pensão vitalícia, uma vez que que considera esta norma excecional, excluindo, por exemplo, a
substituição fideicomissária, ao contrário dos Professores Oliveira Ascensão e Carvalho
Fernandes que tendem a considerar que a tendência da lei é ampliativa, sendo extensível ao
fideicomisso. O Professor Jorge Duarte Pinheiro vai ainda além dizendo que se deve estender às
doações de usufruto e de nua-propriedade.

Surge a questão de perceber se a legitima significa o legado ultrapassar o valor da quota


disponível ou incidir sobre bens integrantes da legítima, o que será pertinente a propósito do
legado vitalício varia consoante a idade do beneficiário, na prática poderá conter-se dentro do
valor da quota disponível. Se a herança for constituída apenas por imóveis e a legítima for de 2/3
da herança, um usufruto ou pensão vitalícia a favor de uma pessoa de 80 anos poderá ser avaliada
em 1/10 da herança, não ultrapassando o valor da quota disponível. O objetivo da cautela
sociniana não é a tutela da intangibilidade quantitativa da herança, mas sim da sua intangibilidade
qualitativa.

Quanto à entrega da quota disponível, questiona-se se a mesma se efetua através da


entrega do seu valor em abstrato ou da redução do usufruto ou da pensão à mesma. O Professor
Menezes Leitão – diz-nos que a primeira opção seria a mais correta, uma vez que a redução do
usufruto ou da pensão à mesma corresponderia ao cumprimento parcial do legado, semelhante à
redução por inoficiosidade, o que não é o objetivo.

Surge outra questão na doutrina que será saber quem tem legitimidade para recorrer a este
instituto. O Professor Galvão Telles recorre às regras da sociedade civil (artigo 985.º/3 e 4),
dizendo que tem de haver uma deliberação maioritária dos legitimários para se aplicar. Já o
Professor Antunes Varela, considera que caso exista divergência entre os legitimários, devemos
aplicar as regras relativas à contitularidade dos direitos sobre a mesma coisa (1406.º e seguintes).

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Já o Professor Jorge Duarte Pinheiro entende que se trata de um direito que pode ser exercido por
qualquer um dos legitimários em separado e independentemente.

B) Legado por conta da legítima

No legado por conta da legítima, o testador determina a atribuição ao herdeiro legitimário


de determinados bens para que com eles seja preenchida a sua legítima. Apesar de não estar
regulado na lei, é referido nos artigos 1678.º/2/d) e 1733.º/1/a), mas podemos extrai-lo do artigo
2163.º a contrario, uma vez que se o testador não pode, sem o consentimento do herdeiro, designar
os bens que devem integrar a legítima, à partida poderá com o seu consentimento, ficando a
eficácia do legado dependente de aceitação, conservando ainda o direito de receber a parte que
lhe compete a título de sucessão legítima. O legado por conta da legítima imputa-se
prioritariamente na quota indisponível, e a parte que a exceder, na quota disponível, considerando-
se a cargo da herança nos termos do artigo 2264.º, uma vez que existe a presunção de que o
testador quis avantajar aquele herdeiro em relação aos outros.

O que tem sido mais controverso no legado por conta da legítima, é o funcionamento das
vocações indiretas:

a) Professores Pamplona Corte-Real e Menezes Leitão – entendem que neste caso


deverá funcionar o direito de representação (2037.º/2), competindo aos seus herdeiros
decidir se aceitam o legado ou preferem receber a legítima por preencher. Para o
Professor Pamplona Corte-Real temos um herdeiro legitimário e um herdeiro
legítima;
b) Professor Jorge Duarte Pinheiro – considera que se aplicam cumulativamente as
regras da sucessão legal e da sucessão voluntária, sendo que na última não há direito
de representação do indigno, pelo que os herdeiros do herdeiro legitimário indigno
serão chamados, em representação, à sua quota hereditária legal, mas não ao legado
por conta da legítima. Seria para o Professor, um herdeiro legitimário quanto à quota
hereditária legal, um herdeiro testamentário e um herdeiro legitimo.

A natureza desta figura, isto é, se estamos perante um verdadeiro legado ou uma herança,
tem sido alvo de discussão na doutrina. Os Professores Carvalho Fernandes e Galvão Telles
seguem o entendimento de que se trata de um estatuto misto, ou seja, uma situação de herdeiro-
legatário. Os Professores Oliveira Ascensão, Armindo Ribeiro Mendes e Menezes Leitão
consideram não existir um verdadeiro legado, apenas um preenchimento da quota de herdeiro. Já
o Professor Pamplona Corte-Real defendeu que se deverá aplicar o estatuto de herdeiro, por essas
qualificações serem incompatíveis. Finalmente, o Professor Jorge Duarte Pinheiro entende que
no caso do valor dos bens determinados exceder o valor da quota, será herdeiro até ao montante
desta e legatário quanto ao remanescente. Ainda para os Professores Pamplona Corte-Real e Jorge
Duarte Pinheiro, entendem que se deve aplicar o regime da colação quanto ao excedente do
legado.

C) Legado em substituição da legítima

O legado em substituição da legítima vem previsto no artigo 2165.º que admite a


possibilidade de o testador deixar ao herdeiro legitimário um legado em lugar da legítima. Face à
necessidade de aprovação do herdeiro legitimário para que este possa ser privado da legítima,

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estabelece-se no nº 2 um direito de opção a favor do herdeiro legitimário entre a legítima e o


legado. Se aceitar o legado, não pode reclamar a diferença de valor a que teria direito a título de
legítima, uma diferença substancial para o legado por conta da legítima, que visa apenas o seu
preenchimento, pelo que não determina a sua perda. Tendo em conta que, por vezes, é complicado
distinguir as situações, a doutrina tem entendido que se deve preferir o legado em substituição da
legítima, assim como a lei manifesta uma preferência por esta solução, considerando que, no
silencio do herdeiro, vale como aceitação do legado (2165.º/3). Quanto à sua imputação, o artigo
2165.º/4 determina que se imputa na quota indisponível do autor da sucessão, se exceder o valor
da legítima do herdeiro, é imputado na quota disponível pelo excesso.

Tem surgido na doutrina a questão de se a aceitação do legado em substituição da legítima


retira ao sucessor a qualidade de herdeiro, questão que tinha sido resolvida no anteprojeto do
código, mas não transitou para o código:

a) Professores Galvão Telles e Armindo Ribeiro Mendes – caso o herdeiro aceite o


legado, passa a ser legatário, deixando de ser herdeiro;
b) Professor Oliveira Ascensão – entende que não deixa de ser herdeiro, no entanto,
perde o direito à sucessão legítima, pelo que, neste caso, não responderia pelas dívidas
da herança, porém, poderia beneficiar de acrescer, mantendo-se como herdeiro em
aspetos que não estejam ligados à titularidade ou contitularidade da herança;
c) Professor Pamplona Corte-Real – o legatário conservaria a posição de herdeiro
legitimário para efeitos de desencadear a redução por inoficiosidade, sendo que, no
caso o herdeiro não poder ou não querer aceitar, os seus descendentes teriam direito
de representação. Tem assim a qualidade de legatário legitimário e herdeiro legítimo.
VAI CONTRA O PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA LEGÍTIMA;
d) Professor Jorge Duarte Pinheiro – defende que se trata de um verdadeiro legado
testamentário, retirando o estatuto de herdeiro legítimo a quem o aceita, entendendo
que, em caso de indignidade, não é possível exercer o direito de representação por
parte dos descendentes, e que o legatário em substituição não pode exercer o direito
de redução de liberalidades, pelo que poderá ter que suportar o passivo em caso de
inoficiosidade;
e) Professor Menezes Leitão – entende que se exclui o legatário do estatuto de herdeiro,,
no entanto, não há razão para impedir esse herdeiro de beneficiar de acrescer entre
herdeiros, ou privar os seus descendentes do direito de representação. Quanto à
redução por inoficiosidade, entende que deve poder continuar a ser exercida.

8.3.3. Colação
A colação está prevista no artigo 2104.º, constituindo um instituto privativo da sucessão
dos descendentes, pretendendo-se que as liberalidades efetuadas pelo autor da sucessão aos seus
descendentes sejam juntas à herança para garantir uma partilha igualitária. Parte-se do princípio
que o autor da sucessão, quando fez as liberalidades, não pretendia prejudicar os outros
descendentes, limitando-se a adiantar esse bem, tendo o mesmo de voltar à herança para evitar
que seja prejudicada a posição dos demais descendentes (2104.º/1).

O artigo 2105.º estabelece que estão sujeitos à colação os descendentes que eram à data,
presuntivamente, herdeiros legitimários do doador, excluindo-se o cônjuge e os ascendentes
(2175.º). Presume-se que a doação aos descendentes foi feita como antecipação do que lhe caberia

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na sucessão legal, não sendo esta intenção normal quanto a outros herdeiros legitimários. O artigo
2105.º acaba por definir que estão sujeitos à colação apenas os herdeiros legitimários prioritários,
ou seja, não se incluem netos, podendo ser chamado em caso de pré-morte do pai (2039.º). A
sujeição do sucessível à colação, no entanto, não é inevitável, podendo ser afastada no caso de
este não pretender entrar na sucessão (2104.º/1). Isto implica, no entanto, a possibilidade de
redução por inoficiosidade, uma vez que a doação é imputada na quota disponível (2114.º/1), uma
vez que a doação é imputada na quota disponível (isto só não ocorre quando o donatário repudiar
sem ter descendentes – 2114.º/2). No entanto, tem sido objeto de discussão saber se também o
cônjuge deve ser chamado à colação:

• Professores Oliveira Ascensão e Capelo de Sousa - têm vindo a defender que também o
cônjuge deverá ser chamado à colação (por uma suposta lacuna depois da reforma de
1977 quando o cônjuge passa a ser herdeiro legitimário), quando concorrer com
descendentes;
• Professores Galvão Telles, Pereira Coelho, Antunes Varela, Pamplona Corte-Real, Jorge
Duarte Pinheiro, Ana Sousa Leal e Cristina Pimenta Coelho – consideram não existir
qualquer lacuna legal, baseando-se o instituto da colação numa presunção iuris tantum
(de que um pai não pretende beneficiar o filho em relação aos outros), não se aplicando
ao cônjuge, não havendo qualquer obstáculo a que o cônjuge seja beneficiado pela
colação dos descendentes;
• Professores Fernando Nogueira e Carvalho Fernandes – o cônjuge não estará sujeito à
colação, uma vez que a sua intenção será avantajá-lo em relação aos descendentes, no
entanto, não deve aproveitar da conferencia que os descendentes sejam obrigados a fazer
as quais reverterão apenas a favor dos outros descendentes, devendo interpretar-se o
artigo 2108.º/2 como referente aos descendentes e não aos herdeiros em geral (VER
EXEMPLO DO MANUAL DO PROFESSOR MENEZES LEITÃO – PÁGINA 318).

MÉTODO PARA A COLAÇÃO:


1. Determinar a quota disponível livre;
2. Determinar a massa de cálculo da herança legítima fictícia – quota disponível livre
mais o excesso das doações;
3. Dividir pelo número de herdeiros legitimários;
4. Determinar a quota hereditária legal fictícia – legítima subjetiva mais o que receberia
a título de sucessão legítima;
5. Comparar o valor da doação com a quota hereditária legal fictícia. Se a doações for
superior, temos de fazer uma igualação relativa, e, caso seja inferior, uma igualação
absoluta.

8.3.3.1. Dispensa da colação


A presunção de que se quis beneficiar um dos descendentes é ilidível, podendo o
donatário ser beneficiado em relação aos outros descendentes, desde que não afete a legítima que
lhes cabe como herdeiros legitimários. Assim, o doador poderá dispensar a colação no ato de
doação ou posteriormente (2113.º/1). A colação pode ser dispensada caso a doação seja
acompanhada por alguma formalidade externa ou por testamento (2113.º/2), presumindo-se a

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colação sempre dispensada em casos de doações manuais ou remuneratórias. A questão que se


coloca será saber a dispensa da colação poderá ser posteriormente revogada pelo doador. O
Professor Pamplona Corte-Real pronuncia-se pela admissibilidade desta solução, por considerar
que tem natureza unilateral, contrariamente ao que tem vindo a ser defendido pelos Professores
Capelo de Sousa e Jorge Duarte Pinheiro, dizendo que a doação tem caráter contratual, pelo que
a dispensa da colação não pode ser revogado se não por acordo das partes, exceto se resultar de
um ato posterior. Outra questão será perceber se o donatário poderá renunciar à dispensa da
colação, tendo o Professor Menezes Leitão entendido que sim.

8.3.3.2. Obrigação de conferir


Incluem-se na obrigação de conferir, não apenas as doações tradicionais, mas também
qualquer ato de disposição gratuito em benefício dos descendentes, como a remissão da sua
dívida, benfeitorias nos bens dos filhos, a renúncia a uma herança em benefício de um dos
descendentes, prémios de seguro de vida pagos pelo autor. Excetuam-se apenas da obrigação de
conferir as despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento e colocação dos descendentes.

O artigo 2108.º/1 determina que a colação pode ser efetuada de duas formas:

a) Pela imputação do valor da doação ou da importância das despesas na quota


hereditária;
b) Pela restituição material dos próprios bens doados.

À partida é adotada a primeira forma, tendo em conta que a segunda requer o acordo de
todos os herdeiros. Assim, deduz-se à quota da herança a que o herdeiro tem direito, o valor da
doação que recebeu. Se, mesmo assim, os bens na herança não permitirem a igualação das
posições dos diversos herdeiros, isto implica que devem ser reduzidas as doações (exceto em caso
de inoficiosidade – 2108.º/2). A redução do bem apenas ocorre se a doação exceder o valor da
legítima que caberia ao donatário. Para efetuar a imputação, tem de se atender ao valor que têm
os bens à data da abertura da sucessão (2109.º/1), enquanto que, se já não existirem por algum
motivo, atender-se-á ao valor que hipoteticamente teriam nessa data (2109.º/2). Se a doação teve
por objeto dinheiro ou envolveu encargos em dinheiro que a oneram e foram cumpridos pelo
donatário, determina-se a atualização nos termos do artigo 551.º (2109.º/3).

O donatário é equiparado ao possuidor de boa-fé, sendo-lhe aplicável o artigo 1273.º,


quanto às benfeitorias necessárias e como levantar as benfeitorias úteis efetuadas na coisa, se o
puder fazer sem detrimento dela ou à sua restituição segundo o enriquecimento por despesas na
hipótese contrária (1273.º). O levantamento de benfeitorias voluptuárias dependerá de poder ser
feito sem detrimento da coisa. O donatário responde perante a herança pelos danos culposamente
causados nos bens doados (2116.º), e não terá de o fazer caso o bem pereça em vida do autor da
sucessão por facto que não lhe seja imputável (2112.º), exceto quando o perecimento ocorre após
a abertura da sucessão (entendimento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela,
contrariamente ao entendimento do Professor Batista Lopes).

A colação apenas abrange o que tenha sido doado pelo autor da sucessão pelo que, se
ocorrer a doação de bens comuns por parte de ambos os cônjuges, é apenas conferida metade dos
bens doados por morte de cada um deles (2117.º/1). A lei refere que a eventual redução das
doações sujeitas à colação constitui um ónus real que incide sobre os bens doados, estabelecendo
o mesmo em relação aos bens imóveis, que não pode fazer-se o registo da doação sem se efetuar

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simultaneamente o registo desse ónus (2118.º/2). Assim, evita-se que os bens sejam transmitidos
a terceiros, ficando o donatário insolvente em relação à obrigação de conferir o seu valor.

8.3.4. A imputação
Caso o autor da sucessão efetue atribuições patrimoniais gratuitas coloca-se o problema
de determinar a que quota da herança as mesmas devem ser afetas, sendo esta operação a
imputação. As formas de imputar as diversas liberalidades são:

a) Doações feitas aos descendentes que entrem na sucessão

Os descendentes estão sujeitos à colação como referido, sendo nesse caso a doação
imputada na quota indisponível (2108.º/1), salvo na parte em que a exceder, em que é imputada,
quando ao excesso, na quota disponível. A doação será imputada na quota disponível nos casos
em que não haja lugar à colação por alguma razão (2114.º/1). É mais complexa a questão da
imputação de doações feitas ao descendente único, caso em que não se justifica a colação por não
haver qualquer razão para fazer a igualação dos quinhões dos descendentes, pelo que se poderá
aplicar o artigo 2114.º/1 e imputar na quota disponível. Isto poderia levar à inoficiosidade de
disposições feitas pelo autor da sucessão a terceiros, pelo que se entende que deverão ser
imputadas na quota indisponível, uma vez que não seria a vontade do autor da sucessão.

b) Doações feitas aos descendentes que não queiram ou não possam aceitar a
sucessão

Não haverá colação relativamente às doações feitas a descendentes que repudiem ou não
tiverem descendentes que os representem, pelo que o artigo 2114.º/2 determina que a doação será
imputada na quota indisponível, criando-se uma legítima subjetiva fictícia que suporta o valor da
liberalidade. Se esta for inferior à respetiva quota legal hereditária legal, verifica-se acrescer
relativamente aos co-herdeiros, relativamente à diferença. Os Professores Pamplona Corte Real e
Jorge Duarte Pinheiro têm vindo a defender que se aplica este preceito analogicamente em caso
do herdeiro legitimário não poder ou não querer aceitar, defendendo que não existe razão para por
em causa disposições testamentárias a serem cumpridas à custa dessa mesma quota ou doações
nela imputáveis ou mais recentes, através de uma imputação da doação nessa quota. O Professor
Menezes Leitão, em defesa desta posição, argumenta ainda que se pressupõe que a doação não
tenha sido revogada por ingratidão do donatário (970.º). Já em caso de o donatário não poder
aceitar por não ter sobrevivido ao doador, a doutrina tem vindo a dividir-se, defendendo os
Professores Capelo de Sousa e Cristina Coelho a aplicação analógica do artigo 2114.º/2, enquanto
os Professores Pamplona Corte Real, Jorge Duarte Pinheiro e Menezes Leitão sustentam a
imputação na quota indisponível, entendendo que se poderá generalizar excessivamente a
aplicação do preceito.

c) Doações feitas ao cônjuge

A questão da imputação de doações feitas ao cônjuge está ligada com a questão discutida
quanto à colação. Quem defender que o cônjuge está efetivamente sujeito à colação, defenderá
naturalmente que a imputação do cônjuge se faz na quota indisponível, enquanto quem defende o
contrário, defende que se fará na quota disponível (2114.º/2), baseando-se esta tese no teor literal
do artigo 2114.º/1.

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No entanto, os Professores Pamplona Corte Real e Jorge Duarte Pinheiro têm vindo a
defender que, apesar de não haver lugar a colação, a imputação deverá fazer-se na quota
indisponível, dizendo que na ausência de qualquer explicitação do doador, estas devem ser
imputadas na quota indisponível, como antecipação do preenchimento da legítima, evitando-se o
avantajamento de certos legitimários face a outros. O Professor Paulo Barbosa defende a
imputação na quota disponível, a não ser que o cônjuge concorra com descendentes sujeitos à
colação, dizendo que, nesse caso, deverá ser imputada na quota indisponível de modo a garantir
algum equilíbrio. O Professor Menezes Leitão segue o argumento literal, dizendo ainda que a lei
prevê um regime diferente para as doações do feitas ao cônjuge (o da livre revogabilidade), não
estando o cônjuge sujeito a colação, e devendo as doações ser imputadas na quota disponível
(2114.º/1).

d) Doações feitas a ascendentes

Quanto aos ascendentes, não é pacífica na doutrina a imputação da doação na quota


disponível como resulta do artigo 2114.º/1. Os Professores Pamplona Corte-Real e Jorge Duarte
Pinheiro defendem que, na ausência de explicitação da vontade do testador em sentido contrário,
em relação a todos os herdeiros legitimários, a imputação deverá fazer-se na quota indisponível,
sendo apenas imputadas quanto ao excesso na quota disponível. Isto resulta do facto dos herdeiros
legitimários visarem antecipar o preenchimento da respetiva quota legitimária, e ser necessário
preservar a liberdade de disposição do de cuius relativamente à quota disponível. O Professor
Menezes Leitão vai contra este entendimento, dizendo que não é a ordem natural das coisas os
ascendentes sucederem aos seus descendentes, pelo que imputar a doação na quota indisponível
enquanto antecipação da quota legitimária é levar a ficção jurídica a um nível extremo, pelo que
entende que devem ser imputadas na quota disponível.

e) Doações feitas a não sucessíveis legitimários prioritários

As doações feitas a não sucessíveis legitimários prioritários do doador são imputadas na


quota disponível, uma vez que à data, não tinham qualquer expectativa de vir a beneficiar da
sucessão legitimárias (2114.º/1).

f) Disposições testamentárias a favor de herdeiros legitimários

Surgem alguns problemas quanto a deixas testamentárias a favor dos herdeiros


legitimários, uma vez que se as deixas forem a título da herança, e tendo em conta que o seu
objetivo habitualmente será avantajar um dos herdeiros em relação aos restantes. O Professor
Jorge Duarte Pinheiro admite, mesmo assim, que se averigue se a vontade do autor da sucessão
não será apenas de se referir à quota. Se as disposições testamentárias forem a título do legado,
como os casos do pré-legado, do legado por conta da legítima ou do legado em substituição da
legítima, a situação varia. Quanto ao pré-legado, este é imputado na quota disponível, uma vez
que o objetivo do testador é claramente avantajar o herdeiros legitimário beneficiário deste
legado, admitindo os Professores Pamplona Corte Real e Daniel Morais que esse legado possa ser
total ou parcialmente imputado na quota indisponível quando essa imputação seja necessária para
evitar a redução por inoficiosidade. Quanto ao legado por conta da legítima, imputa-se na quota
indisponível, sendo esse excesso, se houver, imputado na quota disponível. Não sendo o legado
suficiente para preencher a legítima do herdeiro legitimário, este tem direito a receber a diferença
na partilha. Já quanto ao legado em substituição da legítima, é imputado na quota indisponível,
mas se exceder a sua legítima, esse excesso é imputado na quota disponível (2165.º/4). Se o valor

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do legado for inferior ao da legítima, a aceitação do legado implica a perda do valor da diferença
(2165.º/2).

g) Disposições testamentárias a favor de não sucessíveis legitimários prioritários

As disposições testamentárias a favor de não sucessíveis legitimários prioritários, sejam


herança ou legado, esta é imputada na quota disponível, sendo reduzidas por inoficiosidade caso
a ultrapassem. Admite-se a possibilidade de, caso seja um legado de usufruto ou pensão vitalícia
que atinja a legítima, os herdeiros legitimários optem antes por cumprir o legado ou entregar ao
legatário apenas a quota disponível (2164.º).

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