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DIREITO DAS SUCESSÕES

Professora Giselda Hironaka

Caderno por Flávia Parra Cano

Aula 01 – 18.08.2020

Roteiro de aula disponibilizado

INTODUÇÃO

“Ao nos dar a memória, a natureza revelou-nos uma verdade amarga e de outro modo
inimaginável: a verdade sobre a imortalidade e a morte” - George Santayana.

Direito das Sucessões cuida da transmissão da titularidade de direitos e obrigações que


compunham o acervo de quem falece.

Luiz Paulo Vieira de Carvalho (Direito das Sucessões, São Paulo, Editora Atlas,
2014, p. 18): “Direito das Sucessões é o ramo do Direito Civil, obviamente permeado por
valores e princípios constitucionais, que tem por objetivo principal estudar e regulamentar
a destinação do patrimônio da pessoa física ou natural em decorrência de sua morte,
momento em que se indaga qual o patrimônio transferível e quem são as pessoas que o
recolherão”.

Principais pressupostos:

• a morte, que põe fim à existência da pessoa natural;


• a vocação hereditária: instituída pelo falecido ou pela lei, no silêncio daquele (art.
1829 CC).

Ordem de vocação hereditária: é uma relação preferencial, estabelecida pela lei, das
pessoas que são chamadas a suceder ao finado.

A lei faz a escolha dos chamados a herdar, colocando-os na ordem preferencial que
imagina ser a querida pelo falecido.

Abertura da sucessão: corresponde ao exato momento da morte da pessoa de cuja


sucessão se fala. Não se deve confundir com abertura do inventário.
Droit de saisine: origem do chamado droit de saisine – ou princípio de saisine - nem
mesmo a morte pode interromper ou nulificar o direito de propriedade, pois o domínio e
a posse dos bens de alguém imediatamente transmitem-se aos herdeiros.

FUNDAMENTO DO DIREITO SUCESSÓRIO

Giselda Hironaka (Direito das Sucessões: Introdução, in Direito das Sucessões,


coord. Rodrigo da Cunha Pereira, 2ª edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p.5): “o
fundamento da transmissão causa mortis estaria não apenas na continuidade patrimonial,
ou seja, na manutenção pura e simples dos bens na família como forma de cumulação de
capital que estimularia a poupança, o trabalho e a economia, mas ainda e principalmente
no fator de proteção, coesão e perpetuidade da família ”.

Flávio Tartuce (Direito Civil: Direito das Sucessões: 9ª edição, Rio de Janeiro,
Forense: 2016, p.4): “a sucessão mortis causa tem esteio na valorização constante da
dignidade da pessoa humana, seja do ponto de vista individual ou coletivo, conforme os
arts. 1º, III, e 3º, I, da Constituição Federal de 1988, tratando o último preceito da
solidariedade social, com marcante incidência nas relações privadas”. O direito à herança
é garantido como um direito fundamental pelo art. 5º, XXX, da Constituição Federal.

SUCESSÃO EM GERAL

Livro V da Parte Especial do Código Civil:

• Sucessão em geral – normas gerais especialmente quanto à transmissão, à


aceitação, à renúncia, à petição da herança e os excluídos da herança. O legislador
do Código Civil incluiu, aqui, as regras quanto a sucessão do companheiro.
• Sucessão Legítima – sucessão que se opera por lei, ab intestato, conforme a ordem
da vocação hereditária e outras regras.
• Sucessão testamentária – sobre as regras relativas à transmissão que se opera por
ato de última vontade (testamento).
• Inventário e partilha – normas sobre o processo judicial não contencioso, por meio
do qual se efetua a divisão dos bens entre os herdeiros, além de normas sobre
colações e sonegados.
COMORIÊNCIA

• Art. 8º CC.
• O preceito não exige que a morte tenha ocorrido no mesmo lugar, mas sim que
tenha se dado ao mesmo tempo.
• Interessa quando os comorientes são sucessores entre si, apenas, porque entre
comorientes não se dá a transmissão sucessória.
• “Não podendo afirmar com absoluta certeza, em face da prova dos autos, a
premoriência de uma das vítimas de acidente em que veículo é abalroado e vem a
explodir em seguida, deve ser mantida a presunção de comoriência” – TJMG,
Acórdão 1.0137.06.900006-5/001, 5ª Câmara Cível, Carlos Chagas, Rel. Des.
Cláudio Renato dos Santos Costa, j. 09.11.2006, DJMG 1º.12.2006.

Anotações da aula

Esquema de disciplina: um ou dois vídeos curtos para cada aula, conjuntamente a


leituras disponibilizadas, slides e roteiros de aula.

Introdução

A morte é o primeiro pressuposto do direito das sucessões. Do que cuida esse direito?
Deve-se vir à mente o verbo transmitir e o substantivo transmissão. O direito das
sucessões cuida da transmissão da titularidade de direitos e obrigações que compunham
o acervo de quem falece. O que é acervo? A herança, o acervo, na maior parte das vezes,
patrimonial e, em determinadas situações, extrapatrimonial. Pode-se chamar essa pessoa
que deixa a herança de falecido, morto ou pelo termo técnico jurídico autor da herança.
Apesar de ser comum chamar o autor da herança de de cujus, Giselda não gosta muito do
termo.

Luiz Paulo Vieira de Carvalho (Direito das Sucessões, São Paulo, Editora Atlas,
2014, p. 18): “Direito das Sucessões é o ramo do Direito Civil, obviamente permeado por
valores e princípios constitucionais, que tem por objetivo principal estudar e regulamentar
a destinação do patrimônio da pessoa física ou natural em decorrência de sua morte,
momento em que se indaga qual o patrimônio transferível e quem são as pessoas que o
recolherão”.

O segundo pressuposto, então, do direito sucessório é a existência dessas pessoas que


recolherão ou receberão aquele patrimônio que foi deixado pelo falecido. Esse, assim,
anteriormente, era a titular dos direitos e deveres, sendo que essa titularidade desaparece
em decorrência da morte. No entanto, bens patrimoniais não podem ficar sem titular. Na
mesma hora que a pessoa falece, portanto, as titularidades que deixam de ser suas dada a
morte, são transmitidas aos herdeiros – mesmo que esses sequer saibam que a pessoa em
questão morreu.

Abertura da sucessão

Não pode ser confundida com abertura do inventário. Na linguagem jurídica, a abertura
da sucessão significa exatamente o momento em que a pessoa morreu. Trata-se, então, de
uma ficção jurídica chamada de droit de saisine. É justamente por meio de essa ficção
que posso dizer que a sucessão se abre no exato momento em que o autor da herança
faleceu.

Nas palavras de Paulo Lôbo, a abertura da sucessão “é a ocorrência indiscutível da morte


da pessoa física, de modo a gerar a transmissão da titularidade dos bens que deixou e a
responsabilidade pelo pagamento das dívidas que contraiu em vida e ainda não solveu”.
Transmite-se, portanto, a maior parte das dívidas e os bens.

Morte é fato jurídico em sentido estrito – fato social que recebeu importância suficiente
para se transmudar em fato jurídico. Outros exemplos de fato jurídico em sentido estrito:
maioridade decorrente de faixa etária, nascimento, dentre outros. A vontade humana não
tem domínio sobre esses fatos em sentido estrito. A morte faz com que o ser humano,
nesse sentido, deixe de ser pessoa, o que leva à extinção de suas titularidades.

Morte real e morte presumida

Na medicina, só se fala em morte real, mas, para o direito, realizamos essa distinção.

Morte real: a Organização Mundial da Saúde (“OMS”) caracteriza a morte como a


cessação completa e irreversível das funções cerebrais, provocada pela perda de contato
entre cérebro e o restante do organismo, a incapacidade muscular, a parada espontânea da
respiração, o colapso da pressão sanguínea. Ocorre a morte da pessoa – mesmo sem
parada cardiorrespiratória do corpo. É um conceito que serve ao direito para se
determinar se a pessoa morreu ou não.

Morte presumida: se dá em virtude da ausência, tendo por efeito a abertura da sucessão.


Ausência é o desconhecimento, por longo período de tempo, do paradeiro de uma pessoa,
por seus parentes e conhecidos, constatado pela demorada interrupção de informações. A
pessoa pode ter tal ausência que gera a presunção de sua morte.

Comoriência

Significa morrer ao mesmo tempo. Exemplo: duas pessoas que morrem em um acidente
de avião, dado não ser possível saber quem morreu primeiro, o direito reconhece que
ambas morreram simultaneamente.

Art. 8º, CC – Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se


podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-
se-ão simultaneamente mortos.

A ligação disso com o direito das sucessões é que, entre os comorientes, não pode se dar
transmissão sucessória. Exemplo: acidente do avião da TAM em São Paulo. Dentre as
pessoas falecidas, havia pai e filha solteira – eram herdeiros simultaneamente entre si. Se
o pai falecesse antes, a filha herdaria – daí a importância de ser solteira. Porém, se a filha
falecesse antes, os pais seriam os herdeiros. Entre eles, portanto, não se deu o repasse do
patrimônio de um e de outro mortis causa. Isso porque a regra, como dito, é que, entre os
comorientes, não há transmissão em razão da morte.

Esse preceito do art. 8º, porém, não significa que a morte tem de ter ocorrido no mesmo
lugar – não é uma exigência legal. Então, é possível que duas pessoas morram ao mesmo
tempo, não sendo no mesmo lugar. Isso, porém, implica em uma certa dificuldade em se
provar que as pessoas morreram exatamente ao mesmo tempo. No mais das vezes, se dá
a comoriência em decorrência de eventos ocorridos no mesmo lugar, tais como acidentes
em automóveis, aviões, dentre outros. Interessa, porém, apenas quando os comorientes
são sucessores entre si. Isso porque entre esses não se dá a transmissão sucessória.
“Não podendo afirmar com absoluta certeza, em face da prova dos autos, a
premoriência de uma das vítimas de acidente em que veículo é abalroado e
vem a explodir em seguida, deve ser mantida a presunção de comoriência” –
TJMG, Acórdão 1.0137.06.900006-5/001, 5ª Câmara Cível, Carlos Chagas,
Rel. Des. Cláudio Renato dos Santos Costa, j. 09.11.2006, DJMG 1º.12.2006.

A jurisprudência é interessante ainda que seja antiga. Assim, não podendo saber quem
morreu primeiro, presume-se a comoriência.

Perfil do direito sucessório

A base seria a transmissão da titularidade de direitos e obrigações que compunham o


acervo de quem falece. O primeiro pressuposto é a morte e o segundo pressuposto é existir
pessoas que estarão na possibilidade de recepcionar aquela herança – ou seja, a condição
de herdeiros.

Principais pressupostos:

• a morte, que põe fim à existência da pessoa natural;


• a vocação hereditária, instituída pelo falecido ou pela lei, no silêncio daquele (art.
1.829 CC). Quer dizer, se quem faleceu deixou um testamento e esse preencher
os requisitos de perfeição do negócio jurídico unilateral, essa vocação para herdar
será a que foi dita pelo falecido. Porém, conforme veremos mais adiante, se a
pessoa que faz o testamento tem herdeiros necessários, ela não pode fazer um
testamento a respeito do todo patrimonial – é possível apenas fazer o testamento
em relação a uma metade, sendo a outra considerada parte indisponível, direito
irrecusável dos herdeiros necessários. O art. 1829 CC, nesse caso, estabelece a
ordem de vocação hereditária caso o falecido não tenha deixado um testamento
(maior parte dos casos, apenas cerca de 2% dos brasileiros fazia testamento).
Assim, quem não faz um testamento, tem sua sucessão regida exclusivamente pela
lei. Nesse sentido:

Art. 1.829, CC – A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide


Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se
casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da
separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime
da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens
particulares;
II - Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - Ao cônjuge sobrevivente;
IV - Aos colaterais.

Ordem de vocação hereditária: é uma relação preferencial, estabelecida pela lei, das
pessoas que são chamadas a suceder ao finado. A lei faz a escolha dos chamados a herdar,
colocando-os na ordem preferencial que imagina ser a querida pelo falecido – o objetivo
do legislador foi imaginar a ordem desejada pelo falecido.

Sucessão em geral

Livro V da Parte Especial do Código Civil:


• Sucessão em geral: normas gerais especialmente quanto à transmissão, à
aceitação, à renúncia, à petição da herança e os excluídos da herança.
• Sucessão legítima: sucessão que se opera por lei, ab intestato, conforme a ordem
da vocação hereditária e outras regras. Refere-se às pessoas que faleceram sem
deixar testamento com base no art. 1.829 CC.
• Sucessão testamentária: sobre as regras relativas à transmissão que se opera por
ato de última vontade (testamento). Refere-se às pessoas que faleceram deixando
um testamento. Pode-se, inclusive, falar em sucessão mista, na qual parte se rege
pelo testamento e a metade indisponível se rege pela sucessão legítima – ambas
coexistindo no mesmo inventário.
• Inventário e partilha: normas sobre o processo judicial não contencioso, por
meio do qual se efetua a divisão dos bens entre os herdeiros, além de normas sobre
colações e sonegados.

Herdeiros necessários

Herdeiros que não podem ser afastados pela mera vontade do falecido.

Art. 1845, CC – São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e


o cônjuge (ou o companheiro) – depois do paradigmático julgamento do RE
n. 878.694-MG, pelo STF – relatoria do Min. Luis Roberto Barroso, em maio
de 2017).
Herdar por cabeça ou por estirpe

Herdar por cabeça significa direito próprio, era a vez de herdar e a pessoa efetivamente
herdou. Exemplo: pais com sete filhos, se o pai falece, os sete filhos herdam ao seu
patrimônio e dívidas, se existirem. Ou seja, o patrimônio será dividido em sete, sendo que
os herdeiros se encontram no inciso I do art. 1.829. No entanto, se, nesse mesmo exemplo,
o filho mais velho tiver falecido antes de seu pai, quando esse último falecer, o filho pré-
morto deixou dois filhos. Esses, então, podem ocupar o lugar de seu pré-morto pai na
sucessão de seu avô, herdando o que o pai pré-morto teria herdado, ou seja, um sétimo
dividido por dois. Esses filhos que herdam no lugar do pai pré-morto, portanto, herdam
por estirpe, sendo o direito de representação.

Os descendentes chamados a herdar podem ser de graus diversos (1º grau e 2º grau,
por exemplo). Nessa hipótese, como visto, a sucessão se dará por cabeça e por estirpe.

• Por cabeça (ou por direito próprio): aqueles que herdam pela sua própria vez
de chamamento (exemplo: os filhos - 1º grau – chamados a herdar)
• Por estirpe (ou por direito de representação): aqueles que são chamados a
herdar em lugar de descendente do autor da herança que antes deste tenha falecido
(exemplo: os netos, 2º grau, filhos do filho pré-morto). Assim, pelo direito de
representação um herdeiro substitui outro (pré-morto), por força de convocação
realizada pela lei. Essa categoria gera a chamada sucessão por estirpe.

São duas as situações em que o direito de representação se dá:

• Representação na linha reta descendente (art. 1.852 CC): atenção – não há


direito de representação na linha reta ascendente. Deve-se atentar a isso, dado que
há muitos erros na área.
• Representação na linha colateral ou transversal (art. 1.853 CC): somente em
favor de filhos de irmão pré-morto do falecido, quando com irmãos deste
concorrerem. São os parentes que são estão em linha reta, tais como os irmãos.
Exemplo: uma pessoa viúva que não teve filhos e nenhuma pessoa na linha reta
descendente terá seu patrimônio partilhado entre seus irmãos (colaterais de 2º
grau). Se algum desses, então, tiver morrido antes e deixado filhos, esses podem
receber a parte que seu pai pré-morto iria herdar – caso concorram na herança com
os seus tios, ou seja, os outros irmãos do falecido.
Os representantes só herdam o que o representado herdaria, se vivo fosse (art. 1.854 CC).

Diferença entre meação e herança

É uma confusão que ocorre em diversas situações. Exemplo: falecido era viúvo, mas vivia
em união estável. Os bens seriam divididos e partilhados em vida. Ou seja, quando um
dos companheiros falece, uma metade se torna herança e a outra meação a ser deixada ao
companheiro que permanece vivo por força do direito de propriedade, e não por
transmissão sucessória em razão da morte. Inclusive, não incidem impostos em relação à
meação. Fora isso, ocorre também a possibilidade de herança, diferente da meação, que
será tratada na disciplina posteriormente.

Meação é o direito de cada sócio da sociedade conjugal, consistente na metade dos bens
que integram o patrimônio comum do casal. Esta metade ideal já pertencia a cada um
deles, mesmo antes do falecimento do autor da herança. A metade que pertencia ao
sobrevivente continua lhe pertencendo (mas não por força do deferimento sucessório).

Herança é o patrimônio deixado pelo falecido. Pode consistir na meação que lhe
pertencia em vida, somada a outros bens (particulares) que não integravam o patrimônio
comum – ou seja, os obtidos antes do casamento ou união estável.

Aula 02 – 25.08.2020

Roteiro de aula disponibilizado

Droit de saisine – Momento da transmissão da herança

A herança de alguém se transmite no mesmo momento de sua morte. Trata-se de uma


ficção jurídica que convém ao Direito, eis que não há possibilidade, juridicamente
falando, de um bem ficar sem titular, nem que seja por um único minuto. Não é possível
que ocorra um “vazio” na titularidade de qualquer bem que componha agora – por força
da morte – o acervo hereditário a ser distribuído. Assim, a transmissão se dá por força de
lei, ainda que o (s) herdeiro (s) não tenha conhecimento desta sua situação.
Esta transmissão, contudo, jamais se dará antes do falecimento do autor da herança, uma
vez que a disposição de herança de pessoa viva é vedada em nosso sistema (art. 1.089
CC), até porque, enquanto não se operar o evento morte, os potenciais herdeiros possuem
mera expectativa de direito.

O tempo da morte do autor da herança se denomina abertura da sucessão e não se


confunde com o momento posterior em que ocorrerá a abertura do inventário
(procedimento).

A esta ficção jurídica se dá o nome de droit de saisine, expressão que vem da máxima le
mort saisit le vif, sans ministère de justice, cuja tradução livre poderia ser o morto agarra
ao vivo, sem interferência da justiça. Como se disse, o droit de saisine traduz a própria
essência ou fundamento do direito das sucessões, no sentido de que nem mesmo a morte
do titular pode interromper ou nulificar o direito de propriedade, pois o domínio e a posse
dos bens de alguém imediatamente transmitem-se aos herdeiros, ainda que estes
desconheçam esta sua qualidade ou o fato da morte, eis que tal fato ocorre em razão de
singela ficção jurídica. Vale dizer, a transmissão do acervo hereditário que se dá,
imediatamente, a favor dos herdeiros, legítimos ou instituídos, do falecido, assim se
processa por definição do direito, o qual determina uma situação que pode mesmo ser
diametralmente distinta da ordem natural das coisas, mas que reflete a chance de uma
solução lógica, atendendo às demandas jurídicas e sociais a respeito da ocorrência. E
assim se passa porque, para o direito, apresenta-se uma insuportabilidade diante da ideia
de que bens possam ficar sem um correspondente titular; então, a titularidade –
aparentemente vazia – se transmite de pronto, ipso iure, para os sucessores do morto. Não
há formalidade alguma para que tal fato se dê, bem como não importa o desconhecimento
da transmissibilidade por quem quer que seja; o fato da morte e a transmissão legal do
acervo são coincidentes cronologicamente, por força de presunção legal, isto é, o droit de
saisine.

O princípio da saisine teve sua origem em uma situação peculiar da história francesa,
referente à necessidade de se subtrair a propriedade do vassalo morto das exigências dos
senhores feudais, em uma época em que estes eram “donos” de todas as terras submetidas
à sua autoridade. Parte dessas propriedades, contudo, eram exploradas pelos vassalos e,
quando eles morriam, elas eram “devolvidas” ao senhor feudal. Mediante uma
contribuição que os herdeiros pagassem àquele, poderiam, então, recebê-las de volta. Essa
regra era assim prevista no direito francês: le vassal mort saisit le vif son seigneur. Em
outras palavras: com a morte do vassalo, além de a sua família ficar sem ter sequer onde
morar (pois a propriedade era devolvida ao seigneur), os seus herdeiros ainda deveriam
indenizá-lo, para que pudessem recebê-la de volta.

Diante dessa injustiça, foi criada a ficção jurídica da saisine, que admitia pressupor, então,
que o vassalo, no momento mesmo de sua morte, teria imitido os seus herdeiros na posse
de todos os seus bens.

A doutrina francesa e, hoje, também a doutrina canadense, assim definem a saisine: Le


droit que l’on a d’entrer en possession effective du patrimoine du de cujus e d’exercer
passivement et activement les actions qu’il avait.

Significa, portanto, o direito de entrar na posse do patrimônio do falecido e exercer todos


os direitos e obrigações a ele inerentes, como se sob certa autorização legal para se
comportar, de plano, como possuidor da herança2. Assim, restava certo que, com a morte,
abria-se a sucessão, pela recepção do princípio em comento.

Não se confundem os momentos, todavia, embora sejam momentos coincidentes: a morte


é o antecedente lógico, é o pressuposto e a causa; a transmissão é a consequência, é o
efeito da morte. Por força de ficção legal, então, em que se fazem coincidentes os fatos –
causa e efeito – em termos cronológicos, essa é a fórmula do que se convenciona
denominar saisine. O direito dá valor a essa coincidência por ele mesmo criada, tomando
tal posição a bem do sistema, pressupondo ou presumindo que a construção seja adequada
como a solução mais próxima possível do natural, e que a presunção dará início a uma
série de atos, apesar de ser, essa similitude com a verdade, apenas uma possibilidade. A
lei, dessa forma, passa a presumir que o falecido investiu – ou teria podido investir – os
seus sucessores na titularidade de seus bens, por meio dessa transmissão imediata, à qual
se dá o nome de transmissão causa mortis.

Nem todas as relações das quais ele participava, em vida, são transmissíveis aos seus
sucessores, por exemplo, seus direitos de personalidade, suas obrigações personalíssimas,
e mesmo os direitos reais extinguíveis com a morte, entre outras hipóteses.

Nesse fictício momento de conjugação do falecimento com a transmissão, considera-se


aberta a sucessão do morto, no instante mesmo de sua morte ou no instante em que sua
morte seja presumida, despontando o direito à herança, com a substituição do falecido
pelos seus sucessores nas relações jurídicas (de natureza transmissível), das quais o autor
da herança era partícipe. O patrimônio transmissível denomina-se herança e seguirá – a
partir da presunção de transmissibilidade imediata – o destino que se estampa nas regras
sucessórias do direito civil positivado. Outras legislações também adotaram a ficção legal
em comento, e, entre elas, destacam-se as seguintes: Código Civil português (art. 2.131),
Código Civil francês (arts. 718 a 724), Código Civil italiano (art. 456), Código Civil
espanhol (arts. 657 a 661), Código Civil chileno (art. 955), Código Civil venezuelano
(arts. 986 e 988), Código Civil japonês (arts. 964 e 992). Como fonte anterior, algumas
normas já contemplavam o princípio da saisine, por exemplo, o Alvará de 9 de novembro
de 1754, o Assento de 16 de fevereiro de 1876, a Consolidação de Teixeira de Freitas,
art. 978. Esse mesmo princípio esteve recepcionado, também, pelo projeto do Código
Civil de 1965 e pelo Projeto de Código Civil n. 634, de 1975.

(Texto construído a partir da obra Morrer e Suceder: passado e presente da


transmissão sucessória concorrente, de autoria de Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka, publicada pela Editora RT, São Paulo, 2011)

Indivisibilidade da herança

A herança, por expressa disposição legal (CC, art. 80, II), é tida como imóvel,
independente dos bens que a compõe, e ainda como uma universalidade iuris. Além desta
característica, o conjunto de bens e direitos arrecadados também é tido como indivisível,
se existirem dois ou mais herdeiros, até a adição do respectivo quinhão em favor de cada
um, através da partilha, por expressa disposição contida no art. 1.791, caput e parágrafo
único, do Código Civil.

A indivisibilidade da herança faz com que ela permaneça como uma universalidade iuris
impartível, criando entre os herdeiros um regime de condomínio forçado, cada qual sendo
titular de uma parte ideal do todo.

Decorre da indivisibilidade imposta por lei a prerrogativa para cada herdeiro, de reclamar
qualquer dos bens que compõe a herança de quem injustamente os possua, sem que este
possa alegar o caráter parcial do direito do reivindicante (CC, art. 1.791, parágrafo único).
E assim agindo, mesmo sendo titular apenas de parte ideal do acervo, o herdeiro que teve
a iniciativa beneficiará a todos os demais, não lhe sendo exclusivo o resultado.
E, como bem salienta Silvio Rodrigues, “tal solução legal, além de conveniente, se estriba
em boa razão lógica. O herdeiro, dada sua condição de condômino, é titular apenas de
uma parte ideal do espólio, pois seu quinhão só se individuará por ocasião da partilha.
Entretanto, como não é possível deferir-lhe a defesa de um quinhão ainda não
individuado, a lei define como indivisível seu direito e lhe concede a prerrogativa de
reclamar a universalidade da herança”.

Lembra-se apenas que este direito do coerdeiro não exclui, mas convive, com a
legitimidade do próprio espólio, representada pelo inventariante, para propor qualquer
ação na defesa dos interesses do acervo hereditário, inclusive, e, especialmente, de
preservação do acervo patrimonial, em face de quem indevidamente aventure-se a lesá-
lo.

A indivisibilidade da herança refere-se não só ao domínio, como à própria posse dos bens.
Como já visto, é transmitida a posse aos herdeiros, entretanto, a eles, na fase provisória
do processo de inventário, é transferida a posse indireta, reservada ao inventariante a
posse direta. Neste contexto, se algum herdeiro exercer a posse direta exclusiva de um
determinado bem, o inventariante pode reclamá-la em favor da massa, no exercício de
sua administração do espólio, ou ainda, como a qualquer herdeiro preterido, tem sido
admitida ação para cobrança de aluguéis, através de arbitramento judicial, a ser revertido
em favor da massa.

Por fim, como efeito da indivisibilidade verifica-se que a cada coerdeiro só será permitida
cessão de sua quota-parte (fração ideal e abstrata) da herança, impossibilitando a
negociação isolada por um, da integralidade de um bem ou direito.

Este estado de indivisibilidade cessará, como já mencionado, com a partilha, que se


seguirá ao inventário; são duas fases do mesmo processo judicial que visa à formalização
da transmissão da herança. Mas nada impede que na própria partilha, os herdeiros, todos
ou alguns deles, permaneçam como condôminos de determinados bens. Desfaz-se a
comunhão forçada em razão da indivisibilidade provisória da herança, e forma-se o
condomínio em razão da aquisição, pelos sucessores, com a partilha, de partes ideais
sobre o mesmo bem.

(Texto construído a partir da obra Direito das Sucessões, de autoria de Francisco


José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, publicada pela Editora
RT, São Paulo, 4ª edição, 2011)
Abertura do inventário

A sucessão é aberta no local do último domicílio do falecido (art. 1785 CC), ainda que
outro tenha sido o local de sua morte e ainda que outros sejam os locais da situação dos
bens. A regra deriva da necessidade de se fixar o foro competente para o processamento
do inventário e da partilha, mas liga-se ainda ao problema da determinação da jurisdição
internacional competente. É regra, portanto, que se relaciona ao direito processual e ao
direito internacional privado.

A norma que vinha estatuída no Código Civil de 1916 veio repetida no Código atual,
determinando a abertura da sucessão no lugar do último domicílio do finado. Se este,
todavia não possuía domicílio ou possuía mais de um, o problema de sua determinação
para fins de estabelecer o local da abertura da sucessão desloca-se para as regras da Parte
Geral atinentes ao domicílio da pessoa física.

Abertura da sucessão não é, todavia, conceito idêntico ao de abertura do inventário. A


regra processual geral é a de que o foro competente para assistir à abertura do inventário
é o foro onde tinha o finado o seu último domicílio. Aqui coincidem as regras. Mas a
normativa processual (CPC) de 1973 veio especificar o foro competente para o
processamento do inventário nas hipóteses em que o domicílio é incerto.

Entendeu o legislador processual que não bastava indicar o local da abertura da sucessão
pelo último domicílio do falecido, porque este poderia apresentar-se de forma incerta,
poderia o falecido não possuir domicílio algum, ou ainda possuir mais de um domicílio,
e por estes motivos, especificou a regra no que concerne ao local da abertura do
inventário, fazendo-o incidir no local da situação dos bens sempre que o domicílio fosse
incerto (art. 96, I, CPC). Mas outro problema seria criado quando os bens que
compusessem a herança se situassem em locais diversos. Entendendo o legislador não ser
possível a multiplicidade de inventários referentes a uma mesma herança, bem imóvel
indivisível por determinação legal, deslocou a competência jurisdicional para o local do
óbito do de cujus (art. 96, II, CPC). Por fim, para a hipótese de pluralidade domiciliar,
permitiu a abertura do inventário em qualquer foro correspondente a um dos domicílios
do finado (art. 94, parágrafo 1º).
Diversos são os problemas relativos à jurisdição competente e à determinação da lei
material aplicável à sucessão quando esta apresenta algum elemento estrangeiro. Essa
temática é referente ao direito internacional privado, ramo do direito que estabelece regras
para a solução dos conflitos de lei no espaço.

Sucessão no espaço – Morto o de cujus, o primeiro passo que se deve seguir é o referente
à determinação do foro competente para o processamento do inventário. Quando,
entretanto, existe na relação sucessória qualquer elemento estrangeiro, a problemática
desloca-se para a determinação da jurisdição competente para conhecer do inventário e
proceder à partilha dos bens. E isso se dá porque esse elemento estrangeiro revela uma
conexão da relação jurídica sucessória com mais de um ordenamento jurídico. Assim, a
nacionalidade do de cujus e dos herdeiros potenciais, o domicílio de um ou dos outros, a
situação de bens no estrangeiro, ou mesmo ter o falecimento ocorrido em outro Estado
são elementos que devem despertar a atenção do profissional do Direito no sentido de
verificar qual o foro e qual a lei competente para dirimir a questão.

No âmbito do direito sucessório brasileiro, interessa saber quando será competente a


jurisdição nacional. Assim, será competente a jurisdição brasileira sempre que o defunto
tivesse, no momento de sua morte, domicílio no território nacional, fosse ele brasileiro
nato, naturalizado ou mesmo estrangeiro aqui domiciliado, uma vez que esta é a regra
geral relativa à determinação do foro competente para a abertura do inventário. Mas não
apenas nessas hipóteses. O legislador processual houve por bem determinar a
competência exclusiva da jurisdição nacional sempre que os bens outrora pertencentes ao
de cujus estejam situados no Brasil, ainda que o falecido não possua mais domicílio no
país (hipótese em que será tido como competente o juízo nacional do foro em que por
último teve o morto seu domicílio) ou mesmo que tenha nunca fixado aqui o seu domicílio
(quando então, tem-se por competente o juízo da situação dos bens a inventariar) - art.
89, inc. II, CPC.

Resolvido o problema atinente à determinação do foro competente, deve-se verificar qual


a lei que regerá materialmente a sucessão. Esta é uma tarefa atribuída ao juiz nacional
competente para o processamento do inventário, atendo-se ele ao quanto disposto no art.
10º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB – nome substitutivo da
antiga LICC, pela Lei nº 12.376/2010), bem assim ao disposto no inc. XXXI do art. 5º da
Constituição Federal.
Determina o art. 10º, caput, da LINDB que a lei que regula a sucessão é aquela lei vigente
no local do último domicílio do de cujus.

Assim, sempre que domiciliado o autor da herança no Brasil no momento de sua morte,
a lei aplicável será, a princípio, a brasileira. Disse-se a princípio por ser factível a hipótese
de o sucessor, determinado pela lei brasileira como tal, uma vez que é a nossa ordem de
vocação hereditária a aplicável, ser domiciliado no exterior. Nessa hipótese, dever-se-á
verificar da aptidão, da legitimidade para suceder, segundo o disposto na lei pessoal do
presumível sucessor, já que se trata de hipótese de capacidade e que, como tal, requer a
aplicação da lei do domicílio do indivíduo para sua determinação (LINDB, art. 7º).
Percebe-se, portanto, que o direito de participar da sucessão será determinado pela lei do
domicílio do de cujus, mas o direito a suceder determinar-se-á segundo a lei pessoal do
sucessível, contra quem pode pesar, segundo a lei vigente no Estado em que é
domiciliado, um qualquer impedimento, uma causa de indignidade ou deserdação, ainda
que não verificada ou desconhecida pela lei brasileira, salvo se ofender nossa ordem
pública, como a hipótese de a lei pessoal determinar o afastamento do filho adotivo da
sucessão.

(Texto construído a partir da obra Comentários ao Código Civil: Parte Especial –


Do Direito das Sucessões (arts. 1784 a 1856), de autoria de Giselda Maria Fernandes
Novaes Hironaka, volume 20 publicada pela Editora Saraiva, São Paulo, 2008).

Anotações da aula

Momento da transmissão da herança

Momento exato da morte de quem chamamos de autor da herança. Trata-se de uma ficção
jurídica (droit de saisine ou princípio de saisine) que convém ao Direito, eis que não há
possibilidade, juridicamente falando, de um bem ficar sem titular, nem que seja por um
único minuto. Não é possível que ocorra um “vazio” na titularidade de qualquer bem que
componha agora, por força da morte, o acervo hereditário a ser distribuído. Assim, a
transmissão se dá por força de lei, ainda que os herdeiros não tenham conhecimento desta
sua situação – ou seja, do falecimento da pessoa.

Essa transmissão, contudo, jamais ocorrerá antes do falecimento do autor da herança, uma
vez que disposição de herança de pessoa viva é vedada no nosso sistema jurídico (art. 426
CC), até porque, enquanto não se operar o evento morte, os potenciais herdeiros possuem
mera expectativa de direito. Por conseguinte, não é possível fazer contratos ou
negociações quanto a heranças de pessoas vivas. O tempo da morte do autor da herança
se denomina abertura da sucessão e não se confunde com o momento posterior em que
ocorrerá a abertura do inventário (procedimento judicial ou extrajudicial, a depender do
preenchimento de certos requisitos).

Embora a morte, antecedente, pressuposto lógico e causa da transmissão sucessória, com


a transmissão, efeito da morte e consequência. Por força de ficção legal, então, em que
se fazem coincidentes os fatos – causa e efeito – em termos cronológicos, essa é a fórmula
do que se convenciona denominar droit de saisine.

Indivisibilidade da herança

Por expressa disposição legal é tida como imóvel, independentemente dos bens que a
compõe e com universalidade juris dessa – natureza de ser uma coisa só até que seja
distribuída eventualmente.

O conjunto de bens e direitos arrecadados também é tido como indivisível, se existirem


dois ou mais herdeiros, até a partilha, por expressa disposição contida no art. 1.791, caput
e parágrafo único, do CC. A indivisibilidade da herança se refere não só ao domínio,
como à própria posse dos bens – o direito real de propriedade propriamente dito e a posse.

Sucessão legítima e ordem da vocação hereditária

Repete-se, mais uma vez, o art. 1.829 do CC:

Art. 1.829, CC – A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide


Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I - Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se
casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da
separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime
da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens
particulares;
II - Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - Ao cônjuge sobrevivente (ou companheiro, por força de decisão
mencionada do STF);
IV - Aos colaterais.

O objetivo central do RE n. 878.694-MG, de relatoria do Min. Luis Roberto Barroso,


julgado em maio de 2017 pelo STF, era decretar a inconstitucionalidade do art. 1.790 CC
– que dispunha especificamente sobre os direitos das pessoas em união estável, tratando
duas situações conjugais e familiares equalizadas de maneira diversa. Era como se a união
estável não fosse parte da sucessão legítima, o que era nitidamente inconstitucional.
Assim, o STF determinou que os direitos sucessórios dos que tinham vivido em união
estável fosse unido ao art. 1.829 CC. Essa, portanto, é a leitura desse artigo após o STF
dessa forma decidir.

Em relação aos cônjuges ou aos companheiros, é possível que esses concorram com
descendentes ou ascendentes na posição de herdeiros. Não vai haver concorrência, porém,
quando o regime de bens não for compatível com essa. São esses: comunhão universal,
separação obrigatória de bens ou se, no regime de separação parcial de bens, o falecido
não tiver deixado bens particulares – os quais não se comunicam com cônjuge ou
companheiro. A grande dificuldade está em entender o que está dito no inciso I do art.
1.829. Quais regimes, então, são compatíveis com a concorrência? Os que sobraram são
a separação convencional de bens e o regime da comunhão parcial, no caso em que o
autor da herança deixou bens particulares sobre os quais incide a concorrência sucessória
do cônjuge ou companheiro. Ademais, por fim, há também como compatível o regime de
participação final dos aquestos.

Parentalidade consanguínea

Parentes em linha reta:

• Descendente: filhos, netos, bisnetos, dentre outros de forma infinita.


• Ascendente: pais, avós, bisavós, dentre outros de forma infinita.

Parentes em linha colateral (não há parente colateral de 1º grau):

• 2º grau: irmãos.
• 3º grau: tios e sobrinhos.
• 4º grau: primos, sobrinhos-netos e tios-avós (grau máximo de chamamento à
herança).
Aceitação da herança

O patrimônio e dívidas do falecido, logo que ocorre a morte, vira herança e se destina aos
herdeiros por conta do droit de saisine.

O herdeiro sucessível pode aceitar ou renunciar à herança: princípio constitucional


da liberdade ou de autodeterminação. Por conta disso, as pessoas podem aceitar ou
renunciar a determinada herança.

A aceitação (e também a renúncia) só pode ser juridicamente considerada feita após a


morte do autor da herança. Vedação total a qualquer ato que tenha por objeto herança
de pessoa viva – pacto sucessório. Assim, ressalta-se novamente que não pode existir ato
que diga respeito ou tenha por objeto herança de pessoa viva.

A aceitação tem por efeito a confirmação da transmissão legal (droit de saisine) – art.
1.804 CC – a qual tem efeito meramente declaratório de confirmação da transmissão das
titularidades, que já havia se operado desde a abertura da sucessão. Isso porque a herança
já havia sido transmitida anteriormente em razão do droit de saisine. Aceitação tem por
efeito a confirmação da transmissão legal.

O Código Civil, porém, não exige manifestação expressa da aceitação. Então, reputa-se
existente a aceitação se o herdeiro não manifestar expressamente a renúncia.

Termos utilizados como sinônimos, na linguagem jurídica:

• Adir (aceitar).
• Adição (aceitação).

A lei não determina prazo para que ocorra a aceitação. Mas, como isso não pode ficar
indefinidamente em aberto, o juiz estabelecerá prazo razoável, se e quando necessário,
em razão do procedimento de inventário. Vencido o prazo estabelecido pelo juiz, tem-se
como aceita a herança, de modo irrevogável.

Sucessíveis não plenamente capazes para aceitar:

• Absolutamente incapaz (representante legal deve promover a aceitação, se for o


caso).
• Relativamente incapaz (assistente legal, assistirá o relativamente incapaz).
• Nascituro (o início do prazo para aceitar só se iniciará com o seu nascimento com
vida, e desde que conte com representante legal).
Aceitação inexistente: se feita antes da abertura da sucessão, ou seja, feita antes do óbito
do autor da herança. Trata-se, então, de ato inexistente.

Aceitação nula: viola lei expressa. Por exemplo, aceitação feita por curador ou tutor,
quando não expressamente autorizados pelo juiz.

Aceitação anulável: feita diretamente por relativamente incapaz, sem assistência. Pode
ser ratificado por esse mesmo assistente legal que não estava presente na aceitação. Se
for ratificado, portanto, passa a ser válido.

Modalidades de aceitação

• Expressa: utilização rara – se for expressa, deve ser por documento escrito. A
aceitação, assim, não precisa ser expressamente declarada.
• Tácita: decorre de atitudes ou comportamentos (quando não renuncia; quando
realiza atos próprios de herdeiro; quando assume a posse imediata de bens e os
administra; quando paga dívidas do espólio; quando cobra créditos do falecido;
quando toma providências para a abertura do inventário, dentre outros). Todas as
situações são exemplos de atitudes ou comportamento a indicar que houve uma
aceitação tácita.

Situações vedadas na aceitação da herança

Aceitação sob condição, ou a termo; aceitação parcial da herança (exceção = herança +


legado). Nesse caso de exceção, o herdeiro recebe duas coisas, podendo aceitar o legado
e renunciar a herança. Porém, tratando-se apenas de herança, não há como ser feita uma
aceitação parcial dessa.

Renúncia à herança

Declaração unilateral do beneficiado, subjetiva e não sindicável por quem quer que seja,
incluindo o próprio Poder Judiciário. Declaração que incumbe apenas ao herdeiro. Só se
renuncia a direito já nascido (droit de saisine), ou seja, direito de suceder, e incorporado
ao patrimônio do renunciante.
A renúncia, ademais, tem efeito retroativo e deve ser interpretada restritivamente. A
forma é indispensável (expressa por escrito), diferentemente da aceitação, para que se
torne conhecida e indiscutível. Essa forma, inclusive, expressa por escrito deve ser feita
por:

• escritura pública, lavrada por tabelião, ou


• termo nos autos.

A herança ou legado renunciados não se disponibilizam para os sucessores do renunciante


– art. 1.811 CC: “ninguém pode suceder representando herdeiro renunciante”. Se eu
sou herdeira e renuncio a minha herança, isso não significa que meus descendentes podem
ocupar meu lugar. Os herdeiros do renunciante são renunciantes também da quota que foi
renunciada. Em casos outros, tais como morte do herdeiro, herdeiro excluído ou
deserdado, os sucessores destes podem substitui-lo.

A renúncia é irrevogável. Contudo, pode haver especiais exceções:

• Herdeiro que renunciou por serem excessivos os gravames impostos pelo testador
(exemplo: muitas condições). Mas, depois, caso decisão judicial considere nulos
tais gravames, o herdeiro que havia renunciado pode propor ação de anulação da
renúncia.
• A renúncia pode ser feita por procurador, mas desde que esse tenha poderes
específicos e bem definidos para tanto.

Espécies de renúncia: abdicativa e translativa

• Abdicativa: pessoa que renuncia produz rejeição pura e simples da herança.


Quinhão renunciado volta ao espólio e será distribuído entre os demais herdeiros.
• Translativa: renúncia em favor de determinada pessoa, a qual não existe mais em
nossa legislação contemporânea. Isso significa que eu poderia renunciar em nome
de meu irmão, por exemplo.

Mas, o CC inovou (art. 1.805, parágrafo único), atendendo a práticas comuns e costumes
repetidos: “não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples da herança,
aos demais coerdeiros”. Ou seja, se um herdeiro terminar por encaminhar aos demais sua
quota hereditária não se trata de renúncia, mas sim de cessão. Nesse caso, há impostos a
pagar, o que não ocorreria se se tratasse de simples renúncia. A rigor, não é cessão, nem
renúncia – apenas se cede o que está incorporado ao patrimônio jurídico do cedente.
Art. 1.813. Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à
herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do
renunciante.
§ 1º A habilitação dos credores se fará no prazo de trinta dias seguintes ao
conhecimento do fato.
§ 2º Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao
remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros.

Ou seja, se se tem credores que teriam sido beneficiados caso eu aceitasse uma certa
herança, esses podem a aceitar em nome do renunciante. Assim, se a herança é de 100
reais e a dívida existente é de 70 reais, sobram 30 reais com status de herança renunciada
que retornam ao espólio repartidos entre os demais herdeiros.

“Não se trata de invalidação da renúncia à herança, mas sim da sua


ineficácia perante o credor, atingindo apenas as consequências jurídicas
exsurgidas do ato. Por isso, não há cogitar das alegadas supressão de
competência do juízo do inventário, anulação da sentença daquele juízo ou
violação à coisa julgada”, afirmou o ministro Luiz Felipe Salomão (STJ).
RECURSO ESPECIAL Nº 1.252.353 - SP (2011/0062484-9).

Cessão da herança

O herdeiro pode transferir a outrem sua parte na herança, lembrando que isso não pode
ser feito enquanto o autor da herança estiver vivo.

• A herança é um todo indivisível, seguindo regras do condomínio. Isso significa


que os herdeiros possuem suas quotas ideais.
• A cessão dará ensejo à transferência de apenas parte ideal que cabia ao cedente.
• A cessão, que pode ser gratuita ou onerosa, será feita por meio por instrumento
público: cedente (o herdeiro) e cessionário (o adquirente da parte ideal da
herança).
• Não há necessidade de registro público deste instrumento.
• Cede-se a posição (não a qualidade) de herdeiro, inclusive para fins de aceitação
e petição de herança.
• O cessionário é alcançado pela transmissão do domínio e da posse do herdeiro
cedente, desde a abertura da sucessão. Se eu, herdeira, produzo a cessão cinco
meses após a abertura da sucessão, essa retroage.
Cessão gratuita: equivale à doação. Incidem, assim, impostos relacionados a essa
atividade negocial.

Cessão onerosa: equivale à compra e venda, ou equivale à permuta, ou equivale à dação


em pagamento – ocorrendo, porém, ao longo do procedimento sucessório.

Direito de preferência, ademais, é assegurado aos coerdeiros. Aplicável apenas nos casos
de cessão onerosa, sendo que não há preferência na cessão gratuita – art. 1.794 CC.

Aula 03 – 01.09.2020

Legitimação

Importante saber quem está legitimado a suceder no direito brasileiro. Ou seja, trata-se
daqueles que já estiverem nascidos ou concebidos no momento de abertura da sucessão
(momento da morte). Porém, isso é diferente na sucessão testamentária, na qual estão
legitimados a suceder os filhos ainda não concebidos, desde que os pais estejam vivos.
Ademais, estão também legitimadas pessoas jurídicas e pessoas jurídicas que tenham sua
organização determinada pelo testador sob forma de fundação. Quando o testador, então,
deixa parte ou o seu patrimônio em totalidade, caso não tenha herdeiros necessários,1
pode-se criar uma fundação a partir disso.

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no


momento da abertura da sucessão.

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:


I - Os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde
que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II - As pessoas jurídicas;
III - As pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob
a forma de fundação.

1
Os herdeiros necessários são os descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro. Há quem diga, porém,
na doutrina, que o companheiro não foi adequadamente equiparado ao cônjuge na sucessão, não podendo
concorrer com os outros. No sentido de defender que esse não foi elevado a categoria de herdeiro necessário,
sugere-se o voto do Ministro Edson Fachin, que reconhece que, por testamento, pode ser afastado o
companheiro.
Ademais, no caso de herdeiros que sejam filhos ainda não concebidos, nomeia-se um
curador. Esse, a priori, será quem teve o filho que foi nomeado herdeiro pelo testador.
Porém, caso não ocorra essa nomeação, valer-se-á da previsão contida no Código Civil
quanto à curatela, sendo os curadores também nomeados assim para cuidar do patrimônio
a ser recebido por filho ainda não concebido contemplado em testamento.

No capítulo da curatela, temos permissão para que o cônjuge ou companheiro sejam


curadores de direito quando ainda estão casados. Em seguida, o que temos são os pais,
descendentes e ascendentes. Porém, é claro que uma decisão judicial poderá vir a nomear,
em determinados casos, como curador pessoa que pareça atender melhor aos interesses
do herdeiro. Ademais, caso esse herdeiro não venha a ser concebido, salvo em disposição
contrária do testador, os bens que a ele eram reservados serão destinados aos herdeiros
legítimos. A expressão salvo disposição em contrário, ao ver de Claudia, não parece ser
em relação ao prazo de dois anos referente à concepção do herdeiro, mas sim quanto a
uma possibilidade de disposição desses mesmos bens a outra pessoa que não os herdeiros
legítimos.

O Código Civil, inclusive, também prevê a pessoa que não pode ser nomeado
herdeiro ou delegatário, ou seja, aquela pessoa que a rogo escreveu (redigir de próprio
punho) o testamento para o testador, nem o cônjuge ou companheiro dessa mesma pessoa
ou seus ascendentes ou irmãos. Além disso, as testemunhas do testamento também não
podem ser nomeadas herdeiras ou delegatárias ou o concubino2 de testador casado, salvo
se, sem culpa desse mesmo, ele esteja separado de factum de seu cônjuge há mais de cinco
anos.

Art. 1.800, CC – No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança


serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
§ 1 Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa
cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas
indicadas no art. 1.775.
§ 2 Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado,
regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que
couber.
§ 3 Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão,
com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.

2
Concubinato são as relações não eventuais entre pessoas impedidas de se casar. Serve basicamente para
amantes, dado que os que são casados podem manter união estável desde que estejam separados de fato, ou
para relações incestuosas.
§ 4 Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido
o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do
testador, caberão aos herdeiros legítimos

Art. 1.801, CC – Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I - A pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - As testemunhas do testamento;
III - O concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver
separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - O tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem
se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

Continuando, também não podem ser nomeados herdeiros ou delegatários o tabelião, seja
ele civil ou militar, ou o comandante ou escrivão – pessoas perante as quais se faz o
testamento ou se aprova esse. Se forem assim classificados em testamentos, ou seja, todas
as pessoas descritas acima, tem-se que essas cláusulas serão nulas. Não adianta, ademais,
tentar burlar essa regra por meio de fraude ou simulação de contrato oneroso. Por fim,
também não adianta dispor de interposta pessoa, as quais são definidas no Código Civil
como ascendentes, descendentes, irmãos, cônjuges ou companheiros de quem não está
legitimado a suceder.

Art. 1.802, CC – São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas


não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato
oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os
descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a
suceder.

Entretanto, se for ser deixado patrimônio em prol do filho do testador que também seja
filho de seu concubino, essa deixa testamentária é lícita. Ou seja, não posso beneficiar o
concubino, mas se essa deixa testamentária beneficiar filho do concubino que seja
também filho do testador, passa-se a ser lícita.

Art. 1.803, CC – É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for


do testador.

Essas questões todas são relevantes na medida em que, nos dias de hoje, estão disponíveis
métodos como a inseminação artificial, o que permite que o embrião leve um tempo para
ser implantado na mulher. Estima-se, inclusive, pela corrente doutrinária majoritária, que
esse mesmo embrião só pode ser considerado quando já está implantado. Isso é uma
alternativa no caso de uma pessoa que, correndo risco de morte, deseje reconhecer sua
vontade de que seu material genético seja posteriormente utilizado pelo cônjuge ou pela
companheira – beneficiando o seu herdeiro caso esse nasça com vida.

Ressalta-se que os herdeiros podem ser testamentários ou legítimos. Os primeiros são os


que se beneficiam de parte não discriminada do patrimônio, o delegatário, ao contrário,
cabe um bem discriminado e certo (exemplo: deixo à Felipe a casa amarela, aqui se trata
de delegatário, ou seja, é deixado um legado; ou deixo à Felipe 20% de meu patrimônio,
caso que versa sobre herança propriamente dita).

Exclusão por dignidade

Trata-se de pessoas que, ainda que estejam adequadamente legitimadas, estão excluídas
por motivo de indignidade.

Art. 1.814, CC – São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:


I - Que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso,
ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - Que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - Que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor
da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de


indignidade, será declarada por sentença.
§ 1 O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em
quatro anos, contados da abertura da sucessão.
§ 2 Na hipótese do inciso I do art. 1.814, o Ministério Público tem legitimidade
para demandar a exclusão do herdeiro ou legatário.

O art. 1.815, então, ensina-nos que a exclusão por indignidade será permitida apenas após
sentença transitada em julgado. Há, ademais, um prazo decadencial de quatro anos para
que seja ajuizada ação de reconhecimento de prática de indignidade. Quando estivermos
diante da questão relacionada no inciso I, do art. 1.814, temos previsto também no Código
Civil que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar a ação.
Art. 1.816. São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro
excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.
Parágrafo único. O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à
administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à
sucessão eventual desses bens.

A exclusão, ademais, tem efeitos pessoais. O excluído não herda, mas o seu descendente
em representação pode herdar. Talvez por isso tenhamos poucas ações que buscam
reconhecer a exclusão por indignidade, dado que o patrimônio objeto de herança não
retorna. Não havendo descendentes, parte-se para irmãos e, posteriormente, para uma
linha sucessória. O excluído da sucessão não tem direito ao usufruto ou à administração
do patrimônio objeto da herança ou legado. Assim, se estivermos diante de filhos menores
que receberam patrimônio no lugar de seus pais excluídos da herança, esses não podem
ter usufruto ou administração (ainda que essa seja a situação legal mais comum). Da
mesma forma, o que foi excluído da sucessão por indignidade não fará jus à sucessão
desse mesmo patrimônio. Exemplo: assim, um filho em representação do pai, que foi
excluído, recebe a herança. Se esse filho morrer, sem deixar descendente, filhos, cônjuge
ou companheiro, a rigor, essa herança iria toda para seus pais. O que foi excluído por
indignidade, porém, não participa da sucessão desse patrimônio que fez parte daquela
herança da qual foi excluído.

Art. 1.817, CC – São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a


terceiros de boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo
herdeiro, antes da sentença de exclusão; mas aos herdeiros subsiste, quando
prejudicados, o direito de demandar-lhe perdas e danos.
Parágrafo único. O excluído da sucessão é obrigado a restituir os frutos e
rendimentos que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser
indenizado das despesas com a conservação deles.

Art. 1.818, CC – Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da


herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente
reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.
Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado
em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa
da indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária.

Assim, há disposições acerca da validade de alienações onerosas realizadas pelo herdeiro


aparente. Isso porque, antes de ser excluído, ele é herdeiro. São protegidos, portanto, os
direitos de terceiros de boa-fé. Porém, os herdeiros que forem prejudicados por atos do
que foi excluído por indignidade têm o direito de demandar perdas e danos, sendo
obrigado a restituir os frutos e rendimentos que dos bens da herança houver percebido.
Contudo, ainda assim tem direito a ser indenizado das despesas com a conservação deles,
considerando que, no ordenamento jurídico brasileiro, é vedado o enriquecimento sem
causa.

Ademais, pode haver reabilitação do indigno, nos termos do art. 1.818 do CC. A prática
de atos de indignidade é comum, porém, a existência de ações para reconhecimento dessa
não é tão observada.

Aula 04 – 08.09.2020

Sucessão legítima
• Não há testamento;
• O testamento é inválido;
• Testamento não abrange todos os bens do sucedido;
• Testamento extrapola limites da legítima;
• Testamento é caduco.

Sucessão legitima se refere ao conjunto de regras previstas quando não há uma deixa
testamentária. Então, o legislador presumindo as pessoas com as quais o falecido teria
maior vínculo afetivo estabeleceu uma ordem sobre como se dá a sucessão após a morte.
A sucessão legítima também ocorre nos casos em que o testamento foi invalidado, não
abarcou todos os bens ou foi caduco. Prevalece a sucessão legítima na hipótese de não se
ter uma última vontade ou, se por qualquer motivo, essa não puder prevalecer.

Sucessão na linha descendente

Essa é composta por filhos, netos, bisnetos e assim infinitamente. Exemplo: senhor que
tem três filhos, sendo esses parentes de primeiro grau. Os parentes da mesma classe e que
estiverem no mesmo grau herdam em equivalência de condições, ou seja, o mesmo
montante. No caso do senhor, cada um dos filhos herdaria um terço do patrimônio, se esse
vier a falecer. Os filhos herdam por cabeça, isso significa, por direito próprio em herdar.
Porém, imaginemos que, nessa mesma situação, um dos filhos do senhor tem também
seus próprios filhos – sendo os netos parentes de segundo grau. Se todos os filhos do
senhor estiverem vivos no momento de seu falecimento, os netos vão herdar? Não, porque
os parentes mais próximos excluem os mais remotos – ou seja, apenas os filhos do senhor
herdam. Contudo, se um dos filhos do senhor tenha deixado três filhos e falecido antes
de seu próprio pai, ocorre o primeiro caso de sucessão por representação – os três filhos
vão herdar representando o pai pré-morto, assumindo sua posição hereditária em direitos
e deveres. Vai ser como se representassem mesmo seu ascendente, recebendo o que o
filho pré-morto receberia dividido igualmente entre os três. A representação é um
instituto, portanto, que permite que, dentro da mesma classe, parentes de graus diferentes
herdem concomitantemente – caso haja permissão por lei. Concorrem para a sucessão
pessoas de diferentes parentescos. Assim, conforme estabelecido pelo art. 1.833 do CC,
os parentes mais próximos excluem os mais remotos salvo quando há representação.

Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais


remotos, salvo o direito de representação.

Art. 1.835. Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros


descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo
grau.

O que ocorreria, porém, se todos os filhos do senhor fossem pré-mortos restando apenas
os netos? Nesse caso, não falamos de representação, dado que todos têm o mesmo grau e
a mesma classe. Assim, eles deixam de representar o ascendente, recebendo por cabeça e
por direito próprio, sendo a herança dividida entre todos eles.

Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à


sucessão de seus ascendentes.

Até onde vai a representação? No caso do senhor, antes desse falecer, tem um filho
falecido. Como vimos, os três filhos receberiam representando o pai pré-morto, recebendo
um nono da herança cada um. Contudo, e se um dos netos tivesse falecido deixando dois
bisnetos? Esses receberiam por representação do neto que receberia em representação do
pai – ou seja, um dezoito avos para cada um. O direito de representação, em tese, se torna
ilimitado na linha descendente.

Representação na linha ascendente


Assim, na primeira situação, temos um moço que tem mãe e pai vivos. Caso esse faleça,
metade iria para a mãe e metade iria para o pai – ascendentes de linha materna e paterna
recebem o mesmo. Porém, se ele tivesse avós vivos e o pai morto, quando faleceu, teria
deixado a mãe e os avós. Contudo, determina-se que na linha ascendente não há direito
de representação. Por conseguinte, nessa situação, a mãe viva herdaria tudo. Portanto,
os parentes de grau mais próximo (primeiro, ou seja, mãe) excluem os mais distantes
(segundo, ou seja, avós). Outra história acontecerá se, quando o moço falecer, for órfão
de pai e mãe. Nesse caso, destina-se 50% a cada linha, isso significa, materna e paterna.
Assim, se houver duas avós e dois avôs vivos, cada um recebe um quarto do patrimônio.
Aqui, não se recebe por representação, mas sim por cabeça, por serem todos parentes de
mesmo grau.

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes,


em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
§ 1 Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem
distinção de linhas.
§ 2 Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da
linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.

Contudo, se houver a avó materna viva e os avós paternos, a avó materna receberá metade
e os avós paternos dividirão igualmente a outra metade, recebendo um quarto cada.

Sucessão na linha colateral

Situação em que um pai tem três filhos, ou seja, há parentesco de primeiro grau entre pai
e filhos e de segundo grau entre os irmãos – não existe parente de primeiro grau na linha
colateral. O pai falece antes dos filhos e, depois, um filho falece também. Caso esse filho
não tenha ascendente, descendente ou cônjuge, quem herda são as irmãs em igualdade de
condições, recebendo metade. Supondo agora que uma das irmãs tenha duas filhas.
Assim, quando o moço faleceu, já havia falecido seu pai e uma de suas irmãs. Nesse caso,
existe representação na linha colateral na única hipótese prevista em lei: filhos de irmãos
(sobrinhos). Nesse caso, uma irmã ficaria com metade da herança e as filhas herdariam
por representação, recebendo um quarto cada uma. No entanto, se, quando da morte do
moço, já tivessem falecido seu pai e suas duas irmãs, sendo que uma deixou duas filhas e
a outra um filho, estamos falando de parentes do mesmo grau (parentes colaterais de
terceiro grau, ou seja, sobrinhos). Por conseguinte, eles herdam por direito próprio, ou
seja, por cabeça, e não por representação.

Em outra situação, baseada nesses mesmos fatos, se tiver sobrado apenas uma irmã e uma
sobrinha-neta (filha da sobrinha), a irmã termina por herdar tudo. Isso porque, na linha
colateral, a única representação que existe é em relação a filhos de irmãos, não tendo a
sobrinha-neta direito de representação. A parente de grau mais próximo, assim, exclui a
de grau mais remoto.

Vamos supor, porém, que, quando morreu, apenas as sobrinhas estavam vivas (parentes
colaterais de terceiro grau). Além delas, os tios também são parentes colaterais de terceiro
grau, sendo os primos parentes colaterais de quarto grau. Pela regra, todos são parentes
de mesmo grau e teriam que herdar em igualdade de condições. Porém, nesse caso
específico existe uma regra diferente que afirma que os sobrinhos preterem aos tios.
Assim, se houver tios e sobrinhos, mesmo sendo parentes colaterais de mesmo grau,
herdam apenas os sobrinhos – herdando por cabeça porque todos os irmãos faleceram.

Art. 1.843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os


tios.
§ 1 Se concorrerem à herança somente filhos de irmãos falecidos, herdarão
por cabeça.
§ 2 Se concorrem filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais,
cada um destes herdará a metade do que herdar cada um daqueles.
§ 3 Se todos forem filhos de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos unilaterais,
herdarão por igual.

O que aconteceria, porém, na sucessão colateral de quarto grau (primos, tios-avós e


sobrinhos-netos)? Esses sim vão concorrer e herdar em igualdade de condições, caso
todos os herdeiros anteriores estejam mortos (pais, irmãos, sobrinhos e tios).

Desta vez, imaginaremos outra situação. Um mesmo senhor foi casado duas vezes, tendo
três filhos com a primeira esposa e dois filhos com a segunda. São irmãos unilaterais, ou
seja, filhos do mesmo pai e de mãe diferentes, todos entre si, e bilaterais quando forem
filhos dos mesmos pai e mãe. Caso todos os pais estejam mortos e sobrarem apenas os
filhos, se um desses morrer, os irmãos bilaterais herdam o dobro dos irmãos unilaterais –
como afirmado acima no art. 1.843.
Caso todos tenham morrido, menos duas sobrinhas, uma de irmão bilateral e outra de irmã
unilateral, nesse caso, a lei diz que se aplica a mesma regra – a sobrinha de irmão bilateral
herda o dobro da sobrinha de irmã unilateral.

Sucessão do cônjuge quando há descendência

Quando o cônjuge é herdeiro? Art. 1.830, CC: Somente é reconhecido direito sucessório
ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados
judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de
que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

O caso mais simples é quando não há ascendente ou descendente, situação na qual o


cônjuge herda tudo sozinho:

• 1º requisito: cônjuges não estão separados judicialmente;


• 2º requisito: cônjuges não estão separados de fato há mais de dois anos;
• 3º requisito: cônjuges não estarem separados de fato há mais de dois anos por
culpa concorrente ou por culpa exclusiva do cônjuge sobrevivente. Discussão
sobre culpa envolvendo a Emenda Constitucional nº 66/2010 e a culpa mortuária,
bem como possibilidade de herdar após rompimento da vida comum.

Há, no entanto, hipótese em que o cônjuge continua como herdeiro quando a separação
de fato ocorreu há mais de dois anos e o sobrevivente não teve culpa. Porém, discute-se
esse dispositivo na medida em que esse é relativamente absurdo e em que haveria muita
dificuldade em discutir culpa mortuária – além do fato de que o morto não está lá para se
defender (prova diabólica). Por isso, tem sido comum o afastamento dessa disposição.

Se não há ascendente ou descendente, o cônjuge herda tudo. O irmão ocupa apenas o


quarto lugar na ordem sucessória, só herdando se não houver cônjuge.

Agora, imaginemos uma família que tem três filhos. O Código Civil condicionou as regras
de sucessão e de concorrência ao regime de bens do casamento vigente ao tempo do óbito.
Assim, se houver, por exemplo, cônjuge e descendentes, dá-se a concorrência sucessória.
No caso dos ascendentes, também existe concorrência sucessória, mas sem que a regra se
condicione a regime de bens. Assim, vamos falar primeiro da concorrência sucessória
entre o cônjuge e os descentes. Vamos supor que o pai faleceu, sendo casado em regime
de comunhão universal de bens, em que todos os bens são de ambos os cônjuges. Isso
quer dizer que, como o cônjuge sobrevivente já ficaria com metade de todo o patrimônio,
o legislador entendeu que não faria muito sentido que esse continuasse como herdeiro
concorrente. Nesse caso, então, de regime de comunhão universal de bens, o cônjuge não
é herdeiro, mas sim meeiro. Os herdeiros, portanto, seriam apenas os filhos.

Se fosse, contudo, no regime de separação obrigatória de bens, é importante atentar que


o cônjuge também não é herdeiro, tendo apenas seus bens particulares. Cuidado: ele não
é herdeiro concorrente, se não houver descendente ou ascendente, o cônjuge herda tudo
mesmo sendo regime de separação obrigatória de bens.

No regime de comunhão parcial de bens, há duas hipóteses: (i) se não há bens particulares,
o cônjuge sobrevivente também fica com metade de tudo pela meação, não tendo sentido
ser herdeiro pelos mesmos motivos; e (ii) há bens particulares, assim, há concorrência
sucessória em relação a esses, excluindo-se os bens comuns da concorrência. Nesse caso,
o cônjuge ficaria com um quarto dessa parte da herança dividida com os três filhos.

No regime, por fim, de participação final nos aquestos, há posições divergentes. Giselda
acredita ser semelhante à separação parcial de bens, mas Simão entende não haver bens
comuns e, portanto, sempre se dar a concorrência.

E no regime de separação convencional de bens? Aqui também o cônjuge é herdeiro


concorrente, mantendo seus bens particulares e recebendo um quarto da herança. No
entanto, garante-se, por lei, nessa situação, que o cônjuge receba, no mínimo, um quarto
da herança. Assim, se fossem quatro filhos e o cônjuge, teoricamente esse último
receberia apenas um quinto, mas recebe um quarto por força legal do art. 1.832 do CC,
sendo o restante dividido quanto aos filhos – caso esses sejam comuns. No entanto, se os
filhos não forem comuns, não é assegurado ao cônjuge o percentual de um quarto. E se
fosse a descendência híbrida, ou seja, filhos comuns e não comuns? Isso não tem muita
solução, mas, segundo decisão recente do STJ, não se assegura nesse caso o percentual.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá


ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a
sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos
herdeiros com que concorrer.

Sucessão do cônjuge quando há ascendência


Situação na qual o cônjuge faleceu, tendo vivos pai, mãe e o cônjuge sobrevivente. Se
ambos os pais estão vivos, a herança é dividida em três partes. Porém, se apenas um dos
pais estiver vivo, esse fica com metade, sendo a outra do cônjuge. Se, por acaso, não
houver pai e mãe, mas sim um avô e o cônjuge? A herança também termina dividida
igualmente entre o cônjuge e os parentes mais remotos, ou seja, a partir do segundo grau.
Caso, ademais, tivesse um avô e uma avó, ficaria um quarto para cada e metade para o
cônjuge.

Direito real de habitação

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito
real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família,
desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Independentemente do regime de bens, quando um cônjuge falece, o sobrevivente tem


direito a viver no imóvel de residência do casal. Assim, vamos supor um caso envolvendo
um regime de separação convencional de bens em que o casal vivia em um imóvel de
propriedade de apenas um dos cônjuges, sendo justamente esse o falecido. Nessa situação,
o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação mesmo não sendo proprietário do
bem, tendo o direito a continuar a viver no imóvel até o seu falecimento em decorrência
de direito oponível erga omnes. A lei determinou dessa maneira justamente para que o
cônjuge sobrevivente não fique desamparado – assegurando o mínimo existencial quanto
ao direito de moradia.

Porém, esse direito é contestado hoje em dia em decorrência de uma realidade familiar
mais complexa. Um exemplo seria pessoas extremamente jovens que casam e se separam
muito rapidamente ou uma pessoa muito jovem casada com um cônjuge bem mais velho.

Surgiu, por fim, uma grande divergência a respeito da aplicação do dispositivo legal. Isso
porque ele disse que há direito de habitação sobre o bem de residência desde que esse seja
o único dessa natureza inventariado. O que seria essa natureza? Poderia ser tido como o
imóvel ou o imóvel de residência do casal. Hoje, o entendimento que prevalece é se tratar
do único imóvel de residência do casal. Assim, pouco importa se há dez imóveis a serem
inventariados, se o casal só tinha domicílio em um imóvel, haverá direito de habitação
quanto a esse.

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