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I – Conceito
A sucessão envolve sempre uma ideia de substituição, sub-rogação subjetiva, ou seja, trata-se de alguém
substituindo outro nas suas relações jurídicas. No nosso caso, isso se dá em virtude da morte. Logo, o
que acontece na sucessão é o estabelecimento de uma regra de transmissão de todo o patrimônio de
alguém que morre para outrem, por isso chamado de sucessor. Quer dizer ainda que, no momento da
morte e a partir do exato instante dela, há uma continuidade das relações do morto na pessoa de alguns
herdeiros, que são os que continuam as relações jurídicas ativas e passivas do morto. As ideias
fundamentais do direito sucessório são: (i) os sucessores respondem pelas dívidas do falecido até o
tamanho do patrimônio do falecido; (ii) os sucessores, continuando as relações, passam a titulá-las.
Se quem sucede é herdeiro, o morto é autor da herança ou muito costumeiramente chamado de “de
cujus”, porque é uma expressão latina, corruptela de uma frase mais longa e que quer fundamentalmente
dizer que a sucessão trata da transmissão de bens do autor da herança, portanto, é de cuja sucessão se
trata. Já a herança é o conjunto de bens ativos e passivos que se transmite por causa da morte e no
momento da morte. Além disso, às vezes, transmite-se algum bem particularmente considerado, ou seja,
não apenas um conjunto de bens, mas é possível que o autor disponha sobre alguns bens em particular.
A isso se dá o nome de legado e quem o recebe se chama legatário.
Entretanto, nem todos os direitos e nem todas as obrigações são passíveis de transmissão causa mortis.
Há determinados direitos, relações e obrigações que são intransmissíveis, e já vimos isso antes:
1) Parte Geral: os direitos da personalidade do morto não se transmitem com a morte, não sendo
passíveis de herança. Mas atenção: apesar de não se transmitirem os direitos da personalidade,
eles suscitam proteção até depois da morte, porque se amparam num valor que é social – a
dignidade da pessoa humana. Por isso, a lei confere a alguns familiares a titularidade das
medidas de defesa desses direitos (art. 12), o que não quer dizer que a titularidade deles se
transmita.
2) Direito das Obrigações: um caso de sucessão objetiva é a cessão de crédito e assunção de
dívida. Entretanto, eles ocorrem inter vivos, enquanto a sucessão é causa mortis. Há, nessa parte,
uma hipótese de intransmissibilidade: as obrigações personalíssimas, infungíveis. Por exemplo,
se o Ivo Pitangui morrer, os filhos dele não podem fazer minha cirurgia plástica em seu lugar.
3) Direitos Reais: no geral, são perfeitamente transmissíveis. Contudo, há determinados direitos
reais de gozo que não se transferem, nomeadamente, o usufruto. Ele é personalíssimo e vai no
máximo até a morte. Portanto, não existe herança de usufruto.
4) Direito de Família: o poder familiar é intransferível. Se X tem um filho menor e morre, o
filho não se torna responsável pela família e outros irmãos, e o poder também não é “repartido”
entre eles. Ele se extingue com a morte de X.
II – Fundamento e Evolução
A ideia básica é assegurar que bens, em virtude da morte, não permanecem acéfalos, sem dono. Essa é a
primeira preocupação do sistema: evitar que determinados bens permaneçam sem dono. Entretanto,
Isso não faz sentido em outros contextos. No sistema tribal, por exemplo, a propriedade não era privada,
e sim grupal. Se o chefe da tribo morria, outro o substituía e tudo continuava público. O problema
emerge quando surge a ideia de propriedade privada. No direito romano, importava a propriedade como
local de culto, de adoração aos antepassados. Isso significava, do ponto de vista do direito sucessório, a
garantia da transmissão da propriedade para preservação do culto doméstico, da adoração, e era
incumbência do pater família passá-la para o seu filho homem mais velho. Portanto, significa dizer
PRIMOGENITURA e MASCULINIDADE do direito sucessório.
Por outro lado, havia também uma grande liberdade de testar. O autor poderia dispor de sua herança
como bem lhe aprouvesse, até mesmo prejudicando o filho mais velho. Isso só mudou no direito
medieval, em que o componente religioso se tornou mais importante do que o econômico. Assim, era
importante manter a propriedade no mesmo tronco familiar. Foi justamente aí que surgiu uma ideia
fundamental: direito de saisine. Quando os servos morriam, os seus sucessores precisavam devolver a
posse, pagavam aos senhores e a posse voltava para eles. Contudo, como forma de otimização, pensou-
se em uma transmissão sucessória ficta e automática: “a morte dos servos tocava os vivos” (saisine
significa tocar, em francês).
Finalmente, no direito contemporâneo, onde nos encontramos, o que há no direito sucessório é uma
ponderação: de um lado, regras interventivas, que afastam o espaço de autonomia; de outro, regras que
preservam a liberdade de o autor escolher os seus sucessores. Dessa forma, hoje coexistem regras
interventivas e assecuratórias e a liberdade de testar. Ademais, o instituto da sucessão reconduz a ideia
de manutenção da titularidade privada.
Liberdade Direito
Regras de testar do Sucessório
interventivas
autor Atual
É claro que isso suscita inúmeras críticas. Para os jusnaturalistas, o fenômeno sucessório não é natural,
e sim uma ficção objetiva do sistema. Para os comunitaristas, a herança não traz proveito social – ao
contrário, fomenta o ócio, a desocupação, etc. A primeira crítica se responde dizendo que a própria ideia
de assenhoramento não é natural. Se, para um jusnaturalista, a ideia de propriedade vem como um
direito natural, também será natural a ideia de sucessão, por um imperativo de coerência, já que a
sucessão é nada mais do que uma transmissão de propriedade. Contra a crítica comunitarist, o que se diz
Há mecanismos de controle dessa ideia de transmissão privada que evitam excessos ou ponderam essas
imposições, de um lado comunitaristas e, de outro, autonomistas. Há pelo menos dois instrumentos
muito comuns de que se valem os sistemas romano-germânicos para tentar equilibrar esses imperativos
valorativos.
O primeiro é estabelecer limites até onde o patrimônio permanece com os sucessores legais
(fundamentalmente parentes). Vamos ver que, no Direito Brasileiro, há uma parte da herança que se
garante a certos familiares mais próximos, os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes,
cônjuges). Para esses, a lei garante pelo menos metade da herança do morto, estabelecendo-se uma
sucessão necessária. Em relação à outra metade, ou a toda a herança, se não houver herdeiro
necessário, o autor pode dispor como quiser. Agora, se não houver herdeiros necessários e nem
testamento, a lei garante que a transmissão da herança se faça a parentes colaterais.
O mecanismo que balanceia essas exigências é o limite da extensão de até onde vai a herança de parentes,
pois se não houver nem os parentes colaterais, o Estado recolhe a herança. Assim, o legislador pode
balancear as exigências comunitaristas e autonomistas. No passado, já se previu que até que o colateral
de décimo grau pudesse herdar. Hoje, isso se limitou muito, de tal sorte que só herda o colateral de até
4º grau.
III – Classificação
A) Pelo Título: LEGAL ou TESTAMENTÁRIA
A sucessão pode ocorrer por imposição da lei ou da vontade. Quando a sucessão é legal, pode ser
subdividida em NECESSÁRIA ou LEGÍTIMA. A sucessão necessária é aquela que se estabelece por
força de lei, em favor de familiares mais próximos. Antigamente, isso se dava por meio da pressuposição
de que o autor da herança quereria fazer isso, mas hoje não é preciso mais esse esforço de ficção. Pouco
importa o que o autor quer – a lei garante parte da herança a eles e ponto.
É necessária porque necessariamente parte da herança é destinada a eles. Ou seja, para esses, a lei já
garante 50% da herança, que é o que se chama de LEGÍTIMO. Esse termo, quando se está tratando da
A sucessão no direito brasileiro se examina de forma sucessiva. Quando o sujeito morre, na verificação
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dos sucessores, a primeira pergunta é: o sujeito tinha, no momento da morte, herdeiros necessários? Se a
resposta for sim, metade da herança (legítima) se garante a esses herdeiros necessários. Se o sujeito não
tinha herdeiro necessário, em segundo lugar, pergunta-se: havia testamento? Se sim, está resolvido, pois
ou a parte disponível ou todo patrimônio é passível de disposição de última vontade, de deixa
testamentária. Assim, verifica-se apenas para quem o autor deixou seus bens. Contudo, se não houver
testamento, volta-se para a sucessão legal. Aí a parte disponível vai para os herdeiros necessários, que
ficarão com 100% da herança, e não mais com 50%.
Entretanto, se não houver herdeiros necessários, nem testamento, a herança vai para os sucessores
LEGÍTIMOS, que são familiares não tão próximos, mas que irão herdar, por opção legal. São os
colaterais de até quarto grau. Aqui, se diz que sucessão é legal e LEGÍTIMA.
Reparem que os três tipos de sucessão podem ocorrer de uma vez: por exemplo, se X tem filhos, a eles a
lei garante 50%. A outra metade é disponível e X pode fazer testamento, podendo inclusive deixar toda
essa parte disponível para um filho só. É uma sucessão necessária e ao mesmo tempo testamentária.
Vamos imaginar agora que X não tem herdeiros. X pode testar o patrimônio todo, ou ele deixa uma
fração para alguém e não dispõe sobre o resto. Haverá uma sucessão testamentária e uma legítima. Além
disso, nada impede que X, ainda em vida, doe um bem para o filho do meio dizendo que “está doando
da parte disponível”, afastando a presunção de adiantamento de legítima. Aí, basta calcular no momento
da morte se o bem cabia na parte disponível (em relação ao patrimônio do momento da morte, e não da
doação).
Herança
1º - Testamento
50% (disponível)
2º - Herdeiros
Necessários
1º - Testamento
100%
Herança
(disponível)
2º - Herdeiros
Legítimos
Fora desses dois títulos (legal e testamentária) não há sucessão causa mortis, e o direito brasileiro não
admite a sucessão contratual ou pactos sucessórios (pacta corvina), os quais a lei sanciona com a nulidade:
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
É imprópria porque a partilha em vida se faz por doação, produzindo efeitos imediatos, ou seja, é uma
doação que o autor faz aos sucessores como forma de antecipar a partilha. Ele precisa respeitar todas as
regras do direito sucessório, o que será verificado no momento de sua morte, quando se verificará se ele
respeitou a igualdade dos herdeiros necessários em relação à legítima.
Essas universalidades podem ser classificadas em universalidades de fato, como o rebanho e biblioteca, e
outros de direito, como a própria HERANÇA, que é um conjunto de bens ativos e passivos que se
transmitem aos herdeiros nesta sua natureza, ou seja, os herdeiros recebem a universalidade, ainda que
cada qual tenha direito a uma quota parte ideal. Eles recebem no momento da morte (mesmo que ainda
não saibam da morte) um todo indiviso, isto é, ainda não dividido, sendo que o INVENTÁRIO serve
para dividir. Ressalta-se que a sucessão universal é a regra.
Interessa dizer que o direito sucessório reconhece sucessão a título singular, ainda que excepcional, já
que depende de testamento. A sucessão se dá a título singular por meio do LEGADO. Por exemplo, o
sujeito faz um testamento, dentro das limitações legais, deixando a casa A, o carro B e a aplicação C para
o legatário que ele quiser. Nesse caso, a sucessão causa mortis ocorre a título singular.
Cuidado, porque não são hipóteses excludentes. Os dois podem ocorrer simultaneamente. Por exemplo,
X pode testar uma casa para Y (pode ser várias, desde que individualizadas), mas ainda haverá um
remanescente patrimonial que não foi tratado no testamento. Nesse caso, o que sobrou é herdado
legalmente de forma universal. Além disso, o autor pode, no mesmo testamento, dispor sobre bem
singular e bem universal. Por exemplo, X pode deixar uma casa para Y (singular), 1/3 de seu patrimônio
para Z (universal), e o resto para os outros filhos.
Obs.: Todos os exemplos dos gráficos são meramente exemplificativos. Há outras possíveis
formas de divisão da herança.
Exemplo 2
50% Herdeiros
(legítimo) Necessários
Herança Casa de
Praia para LEGADO
Filho 1
50%
(disponível) Testamento
Exemplo 3
Casa de
Praia para o LEGADO
vizinho A
1º -
Testamento
Carro para LEGADO
100% vizinho B
Herança (disponível)
Assim, o CC reserva duas partes para tratar cada uma de: a) sucessão legítima; e b) sucessão
testamentária. O problema é que o CC considerou que a sucessão legítima é um gênero,
correspondente à sucessão que se dá por causa da lei, diferente da sucessão testamentária, que se dá pelo
testamento. Sucede que a sucessão que acontece por força e nos termos da lei, embora seja um gênero,
comporta uma subdivisão importante, que não está representada na divisão do CC: sucessão
necessária.
Opondo-se à sucessão testamentária está a sucessão legal, esta que se subdivide em necessária e
legítima. Ambas decorrem de lei, mas a diferença é que a sucessão necessária é imposta por lei para
garantir parte da herança a alguns familiares mais próximos (ascendente, descendente e cônjuge). Para
eles a lei reserva metade do patrimônio. A sucessão legítima também é legal, mas é supletiva, ou seja,
ocorre se não houver mais para quem entregar o patrimônio. Para isso, a lei chama outros familiares, de
modo a preservar a herança no tronco familiar. Assim, o problema do código não é só um problema de
divisão orgânica, mas um problema lógico e operacional.
Quando alguém morre, quais são as perguntas que devem ser feitas para definir para quem vai a
herança? A primeira pergunta é: o Claudio tem descentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro? Se sim,
incide pelo menos para metade a regra da sucessão necessária (parte LEGÍTIMA). A segunda pergunta
seria: X fez testamento? Se sim, pode ser que a sucessão pare aqui. Entretanto, se não tiver, volta ao
Código, ou seja, se o X não fez testamento, e não houver herdeiro necessário, vai para outros parentes.
Portanto, temos três perguntas, que deveriam corresponder aos capítulos do Código: a segunda parte
deveria ser DA SUCESSÃO NECESSÁRIA, depois DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA e depois
DA SUCESSÃO LEGÍTIMA. E onde a sucessão necessária está sendo tratada? No CC anterior, ela
vinha no capítulo da sucessão testamentária, porque era uma limitação à liberdade de testar. Quanto ao
CC atual, no projeto, a sucessão necessária não era um capítulo próprio, mas estava na parte geral, o que
é menos mal, mas na tramitação caiu e hoje está na parte da sucessão legítima.
Sucessão
SIM legal
X tem necessária
ascendente,
descendente,
cônjuge ou Sucessão
SIM
companhiero? testamentária
X deixou
NÃO
testamento?
Sucessão legal
NÃO
legítima
I – Introdução
A sucessão se considera aberta no momento da morte. É a regra de ouro. ABERTURA é o momento
em que se dá a aquisição do direito sucessório. Antes da abertura não há direito sucessório, apenas
expectativa de direito, sem que haja possibilidade de, fora do testamento, qualquer negócio tendo como
objeto a herança da pessoa viva. Então abertura é momento em que se adquire a herança e esse instante
ocorre no exato momento da morte do titular daquele patrimônio que será transmitido.
Que morte é essa? (i) morte morrida (com todas as discussões de quando é isso); (ii) morte
presumida do artigo 7º do CC (hipótese de morte provável, tratada como morte morrida). Nesses casos,
havido procedimento judicial de verificação dessa morte, e se preenchido os seus requisitos, o juiz
manda lavrar um assento de óbito, portanto, o sujeito é tratado como se biologicamente morte fosse. É
sintomático que o artigo 7º determina ao juiz que ele lavre e determine a data da morte, abrindo-se a
sucessão. Além desses dois: (iii) ausência. O instituto da ausência não é de direito sucessório, embora
se aplique a semelhança do direito sucessório em algumas regras para permitir a entrega de alguns bens
ao sucessor, pois não há morte biológica e nem provável. O que há é o sumiço, e para que o patrimônio
não fique acéfalo, entrega para o sucessor. Aqui há sucessão, mas não exatamente por morte.
Uma observação: existe algum caso de morte civil no sistema brasileiro? Sim, mas em termos. Não é um
caso de morte civil plena, mas a pessoa é considerada como morta para fins sucessórios:
INDIGNIDADE. Essa pessoa indigna é tratada na sucessão como se ela fosse morta.
Abrir a sucessão com a morte significa dizer que no exato momento da morte, automaticamente, todo o
patrimônio do morto se transfere a seus sucessores, e quando se diz automaticamente, significa ao ato
seguinte da morte, ainda que os sucessores não saibam da morte ou até mesmo que não saibam
que seja sucessor (filho não reconhecido, por exemplo). A universalidade de bens que constitui a
herança se transmite, pois a ideia é que esse patrimônio do morto não fique um só segundo sem
titular. Essa é a ideia atual do legislador, mas nem sempre foi assim. No direito romano, havia um
período em que a herança permanecia delata, o que quer dizer que os herdeiros precisavam aceitar. A
delatio, ou seja, a entrega da herança se dava só com a aceitação da herança. É exatamente isso que se
quis evitar no sistema moderno.
Portanto, os herdeiros não responderão das dívidas do morto com o patrimônio que os herdeiros já
titulavam antes, e nem o que adquirem depois sem ser a herança. Já vimos que a sucessão causa mortis
se dá normalmente a título universal, mas é possível na sucessão testamentária que haja uma deixa de
bem ou bens singularmente considerados, portanto, uma sucessão causa mortis a título singular. No
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários
sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à
propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas
normas relativas ao condomínio.
Esse artigo estabeleceu que desde a abertura até a partilha, nesse meio tempo, aplicam-se regras do
condomínio. Isso traz consequências importantes, por exemplo: apesar de o inventariante ser o gestor
da herança, cada herdeiro pode, individualmente, reivindicar bens da herança ou zelar por eles. Significa
dizer, por exemplo, que cada herdeiro pode reivindicar coisas sozinho, como qualquer condômino pode
fazer. Claro que no mais das vezes é o inventariante que fará isso, mas não se impede que qualquer
herdeiro o faça.
II – Efeitos
A) Lei Aplicável
Porque a abertura se dá no momento da morte, a lei aplicável àquela sucessão é aquela vigente no
momento da morte. Nós vamos estudar a questão da sucessão legítima por cônjuge ou companheiro e
veremos que hoje o cônjuge tem uma situação sucessória privilegiada conforme o regime de bens. No
CC anterior, o cônjuge, qualquer que fosse o regime, era o terceiro a receber: chegava-se a ele somente
se não houvesse descendentes ou ascendentes. Hoje, conforme o regime de bens, o cônjuge pode herdar
junto com ascendentes e descendentes, garantindo-se lhe inclusive uma porcentagem mínima. Até a Lei
do Divórcio, o regime mais comum era a comunhão universal, então o cônjuge não precisava de uma
situação privilegiada, pois já era meeiro de quase tudo.
Ex.: X morre em Junho de 2002. A situação sucessória do cônjuge sobrevivente se rege por que lei?
Pela lei anterior ou atual? O CC de 2002 só passou a vigorar em janeiro de 2003. Quando é que foi
aberta a sucessão? Junho de 2002, quando vigia o CC de 1916 ainda! Portanto, incide o CC antigo.
B) Capacidade Sucessória
Quem é apto a suceder? Alguém que nem existia? Filhos que o morto não tinha? Ou filhos que já eram
pré-mortos? A regulação de quem é apta a suceder se dá em função dos requisitos que precisam estar
presentes no momento da morte.
Por exemplo, pai e filho morreram num acidente, mas o pai morreu instantaneamente e o filho morreu 2
dias depois. No momento de abertura da sucessão o filho era apto a suceder, então ele era herdeiro,
C) Imissão
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Não é preciso ordem prévia do juiz para o herdeiro receber a herança. A transmissão dela é automática,
e ele pode se imitir na posse instantaneamente.
D) Local
Art. 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.
O lugar da abertura é que vai definir a competência de requerimento de abertura do inventário, ainda
que seja competência relativa. Essa abertura se dá no local do último domicílio, ainda que ele não
tenha bens ou não tenha falecido nesse lugar. Entretanto, é possível que haja mais de um domicílio
(duplo ou múltiplo domicílio), e nesses casos, qualquer deles pode ser considerado para abertura.
Ademais, se o morto não tivesse domicílio conhecido, o local da abertura da sucessão será onde estejam
os seus bens. Se houver mais de um, qualquer deles. Por fim, se não conhece a localização dos bens, o
local da abertura da sucessão se considera o local do óbito, onde o sujeito morreu.
Local do
Local dos Local da
último
bens morte
domicílio
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): para os bens situados no Brasil, aplica-se o
direito brasileiro, ainda que se trate de estrangeiro não domiciliado no Brasil. A ressalva é que se a lei
estrangeira for mais benéfica aos filhos e cônjuge brasileiros, aplica-se a lei estrangeira (CF, art. 5º,
XXXI).
III – Comoriência
Comoriência é a situação em que duas pessoas morrem sem que se saiba quem morreu antes. Isso não
tem a menor importância se não houver laço recíproco entre os dois, mas, por exemplo, se for pai e
filho, ela ganha uma grande importância. Se for possível definir que o pai morreu antes, então o filho era
vivo quando o pai morreu, herdando dele. Assim, se o pai tinha três filhos, divide-se a herança em três.
Agora se o filho Assim, um terço que iria para ele vai para os filhos do filho (neto do pai), e se divide
entre eles. Agora, suponham que pai e filho morreram sem saber quem morreu antes. Aí ocorre o
fenômeno da comoriência, resolvido pelo artigo 8º da parte geral.
Quando não é possível definir quem morreu antes, a lei considera que os dois morreram
simultaneamente, e isso significa que ninguém herda de ninguém. Herdar pressupõe sobreviver pelo
menos um instante a mais do que o outro, para que se possa receber a herança. Se a morte é simultânea,
não há transmissão. É como se um não existisse na sucessão do outro. Mas e os filhos do filho que
morre ao mesmo tempo que o pai? Eles só herdariam se o filho fosse pré-morto, mas aqui é co-morto.
Podem herdar como netos, se o filho (seu pai) não tiver irmãos. Contudo, não herdarão no lugar dele.
Na comoriência, não existe direito de representação.
I - Introdução
A capacidade sucessória trata daqueles que tem ou não tem aptidão para herdar. O legislador está
tratando da vocação hereditária ou sucessória. Ele trata da situação de quem tem LEGITIMAÇÃO
para concorrer à herança, isto é, são os vocacionados à sucessão, sejam ou não capazes. A imprecisão
da terminologia é que alguém incapaz como recém-nascido pode ser herdeiro, ao passo que alguém
capaz, pode não o ser. Para a verificação de quem pode ser chamado para a sucessão é necessário
observar os seguintes requisitos:
B) “Existência”
Alguém que ainda não nasceu ou não foi concebido não pode ser herdeiro, assim como alguém que
morreu. Outros herdarão e alguns, eventualmente, em seu lugar.
Já aqui há um problema, que é o problema do nascituro, pois há conflito de dispositivos dentro do CC.
O artigo 1.798 estabelece claramente a legitimação do nascituro à herança, que o nascituro pode ser
herdeiro. Contudo, para alguém adquirir direitos e titulá-los, precisa ter personalidade jurídica, e
segundo art. 2º, essa personalidade começa com o nascimento com a vida.
Então parece haver um conflito entre os dois dispositivos. Alguns autores concepcionistas se utilizam,
entre outros argumentos, que esse artigo 1.798 acaba de admitir que o nascituro tem personalidade
jurídica. Uma coisa é certa: ainda que se pretenda defender que o nascituro já herda com abertura da
sucessão, sem dúvida herda com a condição resolutiva de nascer com vida, pois se não nascer ou não
nascer vivo, essa quota parte da herança acresce aos demais herdeiros.
Para Godoy, por coerência, o que acontece aqui é igual à parte geral. Orlando Gomes diz que na
situação do nascituro há uma pendência da delação sucessória. Isso se compatibiliza com a ideia de que
o nascituro é um sujeito em formação que lei protege, e aqui, protege com a CURATELA do nascituro,
B) Embriões Pré-implantatórios
São óvulos já fecundados extra corpore e que ainda não foram implantados no útero da mulher. Por
exemplo, Maria e José congelam embriões e o José morre. Qual seria a situação sucessória diante desses
embriões congelados? Aliás, a situação não é diferente dos sêmens congelados. A questão que se coloca
é se, pelo menos no caso de embriões, a situação se equipara à dos nascituros. Bem ou mal, do ponto de
vista pragmático, o STF já decidiu isso dizendo que o embrião pré-implantatório não é nascituro.
Além disso, o artigo 1.597 é frequentemente utilizado como defesa de que embrião pré-implantatório é
considerado nascituro, mas esse artigo não diz isso, pois ele trata da presunção da concepção de
filhos durante o casamento. Ele trata da presunção pater is e não diz que os embriões pré-
implantatórios são nascituros. Uma coisa é dizer que, quando nascido o feto proveniente desse embrião,
poderá haver registro com o nome do pai, sem o seu consentimento, em função de uma presunção legal.
Outra, totalmente diversa, é dizer que o embrião se equipara desde já ao nascituro.
Agora, uma coisa é certa: implantados após a morte ou mesmo inseminados artificialmente após a morte,
com a devida autorização do marido que já estudamos, e sendo frutífera, essa implantação ou a
inseminação gerará um nascituro que, se nascer vivo, será tão filho quanto os outros. O problema está
na consideração de que quando se abriu a sucessão no momento da morte esse herdeiro não existia
porque não tinha havido ainda a implantação ou inseminação. Entretanto, se o filho nasceu vivo, ele
deve titular os mesmos direitos. Mas como? E se a implantação demorar a ser feita?
E mais, ainda que defendamos que o embrião pré-implantatório já seja nascituro, ele pode não ser
implantado nunca. Mesmo que defendamos a tese de que o embrião pré-implantatório seja um
nascituro, o sistema teria que trabalhar com um prazo de espera de implantação, para encerrar essa
situação de instabilidade.
Quando o CC novo veio, houve muitos problemas em relação a isso. O que tem prevalecido é a ideia de
petição de herança. O que se tem entendido é que, havida a implantação pós-morte, uma vez nascido
vivo o filho daí resultante, como filho que é, sem desequiparação, ele herda como os outros herdam,
mas há um prazo para que reclame sua parte na herança, que é o prazo comum de qualquer herdeiro
reclamar a sua herança. A ação de petição de herança serve para qualquer herdeiro.
Para o exercício desse direito, o herdeiro tem 10 anos a partir da abertura da sucessão. Esse é o
termo inicial. O filho pré-implantatório tem o prazo de 10 anos para reclamar parte da herança.
Passados esses 10 anos, a pretensão prescreve. Talvez não seja a solução mais justa, mas é a opção do
sistema para trazer segurança jurídica.
Existe uma situação similar, que é a dos filhos concebidos fora do casamento. Eles não gozam da
presunção pater is e podem não saber que são filhos – e, portanto, herdeiros – até depois da morte do pai.
Nesse caso, da mesma forma, vale a regra da petição de herança, com prazo de 10 anos. Por exemplo:
X tem 3 filhos nascidos vivos. Em vida, teve um relacionamento fora do casamento, que resultou em
C) Prole Eventual
Aqui não há nem dúvida que não há herdeiro. Prole eventual são filhos eventuais, que não existem na
abertura da sucessão. No caso de prole eventual, estamos tratando de sucessão testamentária. É um
problema particular e exclusivo da sucessão testamentária. Significa que o autor da herança pode fazer
um testamento deixando parte do seu patrimônio, todo ele (senão houver herdeiro necessário), ou ainda
alguns bens específicos dele para o filho que eventualmente X, ou Y, ou um casal qualquer venha a ter.
É mais ou menos o seguinte: Carlos deixa testamento deixando bens para os filhos que João venha
eventualmente a ter. Isso é possível no testamento:
Entretanto, retornamos ao problema pragmático: TEMPO, o que significa dizer que essa disposição
testamentária tem para todos os efeitos algumas subordinantes, algumas condicionantes. Primeiro, é
preciso que ao momento da abertura da sucessão, a pessoa cujos filhos eventuais foram dados esteja
viva. No nosso exemplo, o João precisa estar vivo, senão o testamento caduca. Segundo, além de o João
estar vivo, é preciso que ele conceba dentro de um determinado prazo:
Assim, João precisa conceber um filho em até dois anos da abertura da sucessão. Ou seja, se em até
dois anos houver a concepção, o filho herda com os efeitos retroativos ao momento da abertura. Agora,
se em até dois anos o João ou a Maria ou os dois não tiverem concebido, o testamento caduca.
Agora, pergunte-se: esse prazo de dois anos pode ser alterado por manifestação de vontade do testador?
Ou seja, o testador pode dizer “pode ser concebido em 10 anos”? NÃO, porque é um prazo que
legislador estabeleceu para que se tornasse indiscutível aquela posição testamentária. O autor da herança
não pode dilatar. O que ele pode fazer é diminuir, pois assim mais cedo a situação se sedimenta. Isso é
uma questão de segurança jurídica.
Cuidado: às vezes, a leitura do parágrafo 4º pode levar a um equívoco a esse respeito: há um aposto que
pode ser mal compreendido. Esse “salvo disposição em contrário do testador” pode levar ao equívoco
de se supor que ele possa estabelecer prazo diferente, o que não é verdade. Esse aposto refere-se ao
destino dos bens caso não haja um herdeiro esperado. É evidente que o testador possa dizer que, se os
filhos de João, de Maria ou de ambos não tiverem sido concebido em dois anos, a herança vai para José.
Do mesmo modo, nomeia-se um curador para o esperado herdeiro, seguindo-se as regras gerais da
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curatela (com preferência para parentes, etc.). É uma situação acautelatória, mas de alguém que não
existe, ao contrário do nascituro. Muita gente quis usar esse prazo de dois anos como argumento para o
embrião pré-implantatório. Só que os dois anos decorrem de uma manifestação de vontade
testamentária, e não de sucessão legal necessária, como é a do embrião (futuro e eventual filho).
D) Pessoa Jurídica
É um problema que afeta só o testamento, porque pessoa jurídica não é herdeiro necessário nem
legítimo.
Primeiro problema: precisa ser uma pessoa jurídica regularmente constituída ou pode ser irregular
(com atos constitutivos, mas sem registro) ou de fato (sem atos constitutivos)? De um modo ou de
outro, são sociedades despersonalizadas. Se elas não tem personalidade jurídica e atuam no mundo
jurídico sem separação jurídico patrimonial entre elas e os sócios, como ela vai receber herança? Nesse
caso, a doutrina majoritária defende a possibilidade do testamento a favor dessas pessoas jurídicas
despersonalizadas. Isso é criticável, porque não há divisão jurídico-patrimonial entre a pessoa jurídica
(que não existe) e os sócios, então, teoricamente, o testamento é para os sócios. Ora, se tudo acaba indo
para os sócios, melhor testar para eles diretamente. Essas pessoas jurídicas despersonificadas, entretanto,
atuam na vida econômica e foram contempladas pelo CC 2002. Por isso a maioria defende que possam
ser herdeiras. Para o Godoy parece estranho, já que elas não têm personalidade, mas fiquemos na
posição majoritária no sentido de que podem. Outro argumento no sentido de que entes
despersonalizados podem herdar: interpretação conforme a vontade das partes, nos termos do art. 112
do Código Civil. Se o testador quis favorecer aquela unidade econômica de fato, a indicação das pessoas
dos sócios ou do ente despersonalizado em si é mera formalidade.
III – Restrições
Aqui tratamos apenas de sucessão testamentária.
Pista do próprio código: embora o legislador tenha tirado o descendente daqui, ele continuou no artigo
1802, onde está dito que há nulidade da disposição testamentária quando o testador beneficia esses
impedidos, e entre essas interpostas pessoas os descendentes entram:
Assim, fica suprida a lacuna do art. 1.801, e os descendentes também não são legitimados a suceder.
Além disso, pelo próprio fundamento do impedimento os descendentes também entrariam. A
preocupação aqui é manter a liberdade do testador ao testar, que deve ser assegurada em plenitude.
O que o legislador quer é evitar a cooptação do testador para que ele faça liberalidade em beneficio
daquele que escreve a seu pedido.
B) Inciso II – Testemunha
Qualquer testamento precisa de testemunhas, elas garantem a higidez da vontade do testador. Quem foi
testemunha do testamento não pode ser herdeiro.
Ainda que se entenda a regra do ponto de vista da lógica interna do sistema, essa ressalva no final
quanto ao prazo não faz sentido. É como se estivesse dizendo: “X pode fazer testamento para a
amante, se já estiver separado de fato de sua esposa há mais de 5 anos e a separação de fato não tiver
sido culpa dele”. O primeiro problema está na história da culpa pela separação de fato. Quem tem culpa
prazo? Não faz o menor sentido! Inclusive esse dispositivo já é projeto de alteração. O certo é que
enquanto for casado não pode testar para a amante. O problema é a ressalva.
I – Introdução
A indignidade retira do herdeiro a sua legitimação sucessória. A fundamental característica é a exclusão
da sucessão. São hipóteses legais de cometimento pelo herdeiro contra o autor de maneira direta ou
indireta de verdadeiros atos de ingratidão, que o legislador tipifica. A indignidade é uma sanção civil
ao herdeiro, seja testamentário ou legal, que de qualquer modo tenha agido contra o autor da herança,
seja direta ou indiretamente. Essa sanção se aplica excluindo o indigno da sucessão, mas não como se ele
nunca tivesse existido, e sim como se tivesse morrido antes, pois é sanção a ele, e não aos seus herdeiros.
De qualquer modo, como a hipótese é muito séria, o artigo 1.814 traz os casos em que isso pode ocorrer.
É um rol de interpretação restritiva, embora haja algumas ressalvas em virtude do fundamento da
regra: reprimir o ilícito consubstanciado num ato de ingratidão.
Atenção: não confundir indignidade com deserdação! A deserdação é também uma hipótese de
exclusão da herança, mas a diferença é a seguinte: a deserdação não trata de exclusão de quaisquer
herdeiros, pois só se aplica a herdeiros necessários. Segundo, diferentemente da indignidade, a
deserdação pressupõe manifestação de vontade praticada pelo autor da herança que, em um
testamento, deserda os seus herdeiros necessários. Terceiro, é um ato de vontade do testador que
deserda em virtude de hipóteses legais, mas que não são as mesmas da indignidade, pois são mais
amplas. São as mesmas da indignidade, mais as do artigo 1.961 e seguintes do CC (veremos adiante).
II – Hipóteses
A) Crime doloso contra a vida
São as hipóteses em que o herdeiro mata dolosamente, ou tenta matar, o autor da herança, seu cônjuge,
companheiro, ascendente e descendente. Ressalte-se que não existe tentativa culposa. O praeter dolo
também afasta essa hipótese de indignidade, porque o crime de homicídio se torna culposo, já que o
dolo era limitado, por exemplo, à agressão física que precedeu o resultado não querido – a morte. Por
último, o dolo não precisa ser específico quanto à obtenção da herança. Não é preciso matar querendo
herdar – basta matar querendo matar.
É necessária uma sentença penal condenatória? Via de regra, não, mas, se existir sentença penal, o juízo
cível fica vinculado ao que nela for decidido categoricamente (materialidade e autoria). As causas de
exclusão de ilicitude, como legitima defesa, estado de necessidade, também afastam a indignidade, bem
É clássico o entendimento de que a indignidade incide sobre quem tenha capacidade, ou seja, quem
entende a sua conduta. Ficariam excluídos da pena os incapazes que tenham intentado contra a vida do
de cujus. Entretanto, há incapazes que não são completamente incapazes, tendo certo discernimento do
que estão fazendo – os relativamente incapazes, do art. 4º do Código Civil. Tanto é assim que estão
sujeitos a sanções infracionais, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas essa é uma
discussão ainda incipiente. Note-se que o Estatuto do Deficiente não mudou essa concepção. Não
estabeleceu novas regras quanto à capacidade ou imputabilidade penal, apenas dispondo sobre medidas
institucionais e processuais que visam proteger os portadores de deficiência.
O inciso II refere-se ao cônjuge e companheiro no final da frase com uma vírgula, parecendo que só o
crime contra a honra pode ser cometido contra cônjuge e companheiro, mas a denunciação caluniosa
pode ser praticada contra o cônjuge ou o companheiro também.
A segunda hipótese do mesmo inciso é o crime contra a honra. Injúria, calúnia, difamação. O problema
é que boa parte da doutrina entende que neste específico caso uma sentença penal transitada em julgado
seja necessária. O motivo é o verbo incorrer. Para boa parte da doutrina, quando a lei disse “incorram
em crime contra a honra”, ela exigiu sentença penal condenatória transitada em julgado. Godoy não
acha que é uma boa interpretação, porque se para o homicídio, que é mais grave, não se exige sentença,
por que deveria ser assim para os crimes contra a honra?
A justificativa é outra: trata-se de ação penal privada. Assim, é necessário verificar se de fato o autor da
herança se sentiu de fato ofendido e entrou com ação penal. É um raciocínio lógico. É para constatar
que realmente o autor ou o companheiro ou o cônjuge se sentiram ofendidos. Como o professor
acredita na reabilitação (perdão) inclusive para crimes contra a honra, ele acredita que não precisaria de
sentença.
Por fim, cabe lembrar que o crime contra a memória do morto é um subtipo da calúnia, conforme
disposto no artigo 138 do CP. Assim, enseja igualmente a incidência da indignidade.
Como já foi dito no início, não cabe uma interpretação extensiva nessa matéria, mas estamos tratando de
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intepretação teleológica. Por exemplo, o induzimento, instigação ao suicídio. Não é homicídio, mas não
deveria ser uma causa de indignidade? Não é de algum modo um atentado? Um ato de ingratidão? O
Recurso Especial nº. 334.773 tratou de maus tratos, investigando se o abandono grave praticado pelo
herdeiro não deveria ser considerado indignidade. Fundamentalmente, é preciso verificar o ANIMUS,
ou seja, se esses sérios maus tratos ou séria situação de abandono, de algum modo, envolviam esse
propósito específico de colocação de risco da vida do autor da herança. Aqui o raciocínio é similar ao do
homicídio. Mas e a eutanásia? É homicídio, mas faz sentido tornar a pessoa indigna? Não. É a mesma
coisa da aberratio ictus ao revés, que deveria ser incluída no rol de indignidade, como já dito. Se X queria
matar o pai, mas acabou matando outra pessoa, ele não deveria ser considerado indigno? São Perguntas
em aberto ainda.
III – Declaração
Para que a indignidade tenha efeito, ela precisa ser declarada por sentença.
Por colocar em risco os interesses do suposto indigno, a sentença deve ser produzida em contraditório e,
portanto, em processo contencioso. A indignidade não pode ser declarada no inventário, que é processo
de jurisdição voluntária. Assim, é necessária a propositura de ação própria e autônoma. Isso é
reforçado pelo parágrafo único, que estabelece o prazo decadencial de 4 anos para que se proponha
essa ação. Se fosse possível declarar a indignidade no inventário, não haveria que se falar em decadência.
Ainda em relação ao prazo, há um problema do termo inicial de contagem. A lei estabelece que ele se dá
com a abertura da sucessão, mas o que acontece é que normalmente ainda não se tem conhecimento
do ato de indignidade nesse momento. Muitos autores criticam o estabelecimento desse prazo inicial,
mas é a tal história de escolha, de segurança jurídica. Se imaginasse que o prazo seria contado a partir do
conhecimento do ato, por quanto tempo precisaria a herança ficar instável?
A) Legitimidade
Quem pode propor essa ação? O CC velho dizia o óbvio: quem tivesse interesse seria legítimo. Isso
não foi reproduzido pelo Código atual, porque o artigo 3º do CPC já diz isso. Entretanto, o que seria
esse interesse? É possível imaginar primeiro um INTERESSE ECONÔMICO, pois pode haver
outros herdeiros que se beneficiariam com a exclusão do indigno. Além deles, os credores de um dos
sucessores (que não o indigno). Isso porque a quota parte de seu devedor vai aumentar se reconhecida a
indignidade de outro herdeiro. Contudo, ao lado do interesse econômico, há também o INTERESSE
MORAL. Outro herdeiro pode querer ver, por motivo moral, o afastamento do indigno.
O MP também é legítimo se envolver homicídio? O CC velho nada dizia, e o CC novo também não diz.
O enunciado 116 do CEJ (Centro de Estudos Judiciários), editado na III jornada de direito civil, diz que
o MP pode propor a ação se houver interesse social. Ficaria incluído aí, naturalmente, o caso do
homicídio.
Há autores que sustentam que, para legitimidade ativa, deve-se recorrer ao rol do art. 12, parágrafo único
do CC.
Por analogia, seria de algum modo defesa da situação de alguém que morreu. Só que aí fica um
problema: esse rol é exaustivo? Porque, se for exaustivo, por exemplo, o credor não pode entrar com
ação. Contudo, na sucessão, credores podem aceitar a herança pelo herdeiro ou mesmo se opor à sua
renúncia – então por que eles não poderiam entrar com a ação? Alguns dizem que, se o credor tem
algum direito na sucessão, a lei devera dizer. Mas, como ela não diz nada, eles estariam excluídos. Mas a
questão é exatamente essa: a lei não diz nada! Por isso, para Godoy, o MP e os credores são sim
legítimos de propor a ação. Na ausência de regra especial, vale a regra geral do CPC.
Portanto, há um problema mal resolvido acerca de quem tem essa legitimidade, mas normalmente quem
ajuíza a ação são herdeiros mais próximos, como o irmão do indigno. Uma coisa é certa: o autor da
herança não pode propor essa ação, porque a ação de indignidade é post-mortem. Ele pode deserdar,
com os mesmos alcances da indignidade.
Ademais, essa ação seria indivisível? Vamos imaginar três filhos: um deles pratica um ato de indignidade,
outro irmão propõe a ação, mas o terceiro não propõe. A sentença aproveita também o herdeiro que
não ajuizou? Se a ação for indivisível, aproveita. Se for divisível, o indigno não seria excluído
completamente, perdendo apenas o que acrescentaria na parte de quem propôs. Entretanto, já vimos
que até o MP pode propor, e ele logicamente nunca receberá a herança. Então a divisibilidade não faz
sentido para Godoy, bem como para a maioria da doutrina e jurisprudência.
O que acontece se o indigno morre no curso da ação? Para alguns, a ação se extingue, porque a exclusão
da herança é uma sanção pessoal, que depende de uma sentença. Para outros, não, porque a sentença é
meramente declaratória, com efeitos retroativos. Contudo, não haveria aí um caráter desconstitutivo da
condição de herdeiro? Godoy acha que a ação não se extingue, mas por outro fundamento. Uma vez
proposta, no fundo, há um interesse em saber quem seja o herdeiro. Isso porque, em certas
hipóteses, tratar o herdeiro como morto pode fazer muita diferença. Quando a sucessão é
testamentária, não há direito de representação. Se eu testo para X e X morre, não faz sentido que os
herdeiros de X entrem em seu lugar, porque essa não foi a minha vontade. É diferente das hipóteses de
sucessão legal, em que há direito de representação, porque a lei consagra o interesse de manter o
patrimônio do morto dentro do mesmo tronco familiar.
IV – Efeitos
O indigno é tratado como se fosse pré-morto, como se tivesse morrido antes do autor, pois a
indignidade é algo pessoal e não pode atingir pessoas a mais. O resto é igual à regra geral. No exemplo
da sucessão legal (legítima e necessária), pode haver o DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. Observe-
se que o direito de representação surge sempre na linha reta descendente e, na linha transversal, para
filhos dos irmãos do de cujus, conforme os arts. 1852 e 1853 do Código Civil. Se o herdeiro indigno é
testamentário, caduca o testamento, se essa for a sua única disposição.
Ex.: Claudio tem dois irmãos e 3 filhos e mata o pai. Claudio é tratado como pré-morto. Neste caso há
direito de representação, sendo Claudio representado pelos 3 filhos e divide-se a herança em 3 (não 2,
como na renúncia). Os irmãos do Cláudio recebem e o Cláudio também receberia, mas é como se fosse
pré-morto, então os 3 filhos do Cláudio, por representação, recebem.
Daqui decorrem outros potenciais efeitos, muito comuns, que a lei vai querer frustrar. Por exemplo,
semestre passado estudamos a administração e usufruto dos bens dos filhos menores. No nosso
exemplo, se o Cláudio tem 1 filho menor de idade, ele é o administrador e usufrutuário dos bens do
filho. Agora imaginem que esse filho tenha recebido esses bens no lugar do Cláudio porque ele é
indigno? Esses bens ereptícios são os bens que caberiam ao indigno. Portanto, o Cláudio não terá a
administração e usufruto dos bens que o filho porque Cláudio é indigno. E mais, se o filho do
Cláudio morrer, o Cláudio não pode herdar esses bens ereptícios, pois seria uma forma oblíqua de
ele se aproveitar dos bens que pôde herdar.
Se o indigno é casado no regime da comunhão universal de bens, esses bens não se comunicam ao
cônjuge ou ao companheiro, pois aí haveria um meio oblíquo de gozar da herança. Ou seja: se um pai
mata o seu filho, e este não tem descendente ou cônjuge, a mãe herda, mas os bens não se comunicam
com o pai, mesmo na comunhão universal.
Além disso, os direitos de terceiros de boa fé são assegurados. Os atos de disposição onerosa que o
herdeiro indigno tenha praticado prevalecem se o terceiro estiver de boa-fé. Atos onerosos praticados
antes da indignidade são preservados porque, no fundo, o indigno é considerado um herdeiro aparente.
Pode haver indenização, mas não o desfazimento. Para os atos gratuitos, é cabível a desconstituição do
ato, por meio do instituto da fraude contra credores.
Por fim, os frutos e rendimentos: eles são englobados pelos bens ereptícios! Se, durante algum tempo, o
herdeiro indigno ficou na posse desses bens e obteve frutos e rendimentos, ele precisa devolvê-los.
V – Reabilitação
Art. 1.818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da
herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente
reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.
Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno,
contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar,
já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da
disposição testamentária.
Reabilitação é o perdão. O autor perdoa o indigno, mas apenas de maneira EXPRESSA, por testamento
ou outro documento autêntico. E mais, se esse perdão vier por testamento, ele é uma disposição não
Ex.: X tem dois filhos e diz que, da parte disponível, 10% ficam com o filho indigno. Para o CC novo, o
indigno recebe só isso, não recebendo a metade do restante.
I – Introdução
Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao
herdeiro, desde a abertura da sucessão.
Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o
herdeiro renuncia à herança.
II – Aceitação
A aceitação (aditio) é a manifestação de vontade do herdeiro, que confirma a transmissão patrimonial
havida no momento, superando-se o estado de pendência. Do ponto de vista da natureza jurídica, a
aceitação é negócio jurídico unilateral não receptício, ou seja, é um negócio jurídico que se aperfeiçoa
com uma só declaração de vontade do herdeiro que já produz seus efeitos mesmo antes da sua
comunicação chegar ao declaratário.
O artigo 1.804 é claro ao dizer que declarada a vontade de aceitar a herança, aquela transmissão do
momento da morte se torna definitiva. É, portanto, uma confirmação da transmissão com efeito
retroativo ao momento da morte. Uma vez aceita a herança, então essa transmissão se torna
IRRETRATÁVEL. O CC antigo permitia a retratação, hoje não mais. A irretratabilidade significa de a
impossibilidade de haver renúncia, isto é, se o herdeiro aceitou uma vez, não pode mais renunciar. Agora,
não significa que uma vez aceita, ela não possa ser transmitida. Até porque, salvo num caso, quem cede
os seus direitos hereditários certamente o faz porque aceitou antes. Aceitação em si é irretratável.
A) Formas
Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por
declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos
próprios da qualidade de herdeiro.
§ 1º Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o
funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração
e guarda provisória.
§ 2º Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e
simples, da herança, aos demais co-herdeiros.
b. Também não significa aceitação tácita um único caso de cessão dos direitos hereditários.
A transmissão dos direitos em si pressupõe aceitação, como foi dito anteriormente, mas há
um único caso, óbvio, que a cessão não significa aceitação. Quando o herdeiro cede
gratuitamente os seus direitos hereditários a todos os demais herdeiros. Por um
motivo simples: o que se tem é uma verdadeira renúncia! É como se o herdeiro dissesse
que não quer e que a sua porção vá para todos os outros herdeiros. Notem a diferença: X
poderia ter dito que quer que a sua parte da herança vá para todos os herdeiros, mas que
queria R$100.000,00 em troca. Aí não tem renúncia. Outro caso é se X diz que
gratuitamente quer que a sua parte vá para o seu irmão mais velho. Isso é sinal de
transmissão! Dizer apenas “quero que vá para outros herdeiros” significa que ele está
renunciando, não que ele esteja transmitindo. Além disso, não pode nem dispor de tudo
definindo quanto vai para cada um. A diferença está em que, ao dispor sobre o destino de
seus direitos, ele modula os efeitos da sua declaração de vontade, praticando verdadeiro
negócio jurídico (cessão). Contudo, quando simplesmente deixa para os demais, os efeitos
que se operam são idênticos aos efeitos legais. Por isso, tem-se aí um ato jurídico em
sentido estrito, que é equiparado à renúncia, por razões pragmáticas.
(iii) Presumida ou Ficta: diz a lei que qualquer interessado pode provocar a deliberação do herdeiro.
Algumas pessoas têm interesse em provocar o herdeiro para que ele diga claramente se está aceitando ou
renunciando. Por exemplo, o credor do herdeiro. Ex.: X é credor de Y, que é herdeiro de Z. Assim, X
tem todo interesse em saber se o Y vai aceitar a herança de Z ou não, porque, aceitando, Y terá um
patrimônio que vai garantir melhor o pagamento do crédito. Além dos credores, os co-herdeiros
também têm interesse, porque, se Y renunciar, acresce para os outros herdeiros.
Sucede que o artigo 1.807 estabelece um procedimento para isso: em até 20 dias da abertura da sucessão
o interessado pode pedir ao juiz que intime o herdeiro para que ele, num prazo não superior a 30 dias,
diga se aceita ou não. Se nestes 30 dias (ou menos dias fixados pelo juiz) o herdeiro não disser nada,
significa que ele aceitou. No fundo, a aceitação é imposta pela lei no caso do silêncio do herdeiro.
Direta Sucessor
Aceitação
Gestor de
Indireta
Negócio
Credor
A aceitação direta é a manifestada pelo herdeiro, e a indireta significa que alguém aceita pelo herdeiro. O
artigo 1.809 traz essas pessoas que podem aceirar pelo herdeiro:
Primeiro, os próprios sucessores do herdeiro. Os sucessores do herdeiro podem aceitar por ele quando
o herdeiro tiver morrido, porque o patrimônio herdado inclui o juízo de deliberação, só que com dois
detalhes: os sucessores, com a morte do herdeiro só podem deliberar se estes sucessores aceitarem a
herança do herdeiro. Isso é óbvio, porque se não aceitarem a herança, eles não recebem o direito de
deliberar. Além disso, se se tratar de herança testamentária com efeito suspensivo, a faculdade de
deliberar não se transmite, pois é necessário que se implemente a condição ou o termo para que o
negócio produza efeitos.
Além dos sucessores, em segundo lugar, o mandatário pode aceitar a herança, desde que tenha
recebido poderes para tal. Já em relação ao gestor de negócio, há dúvidas na doutrina. É parecido com
o mandatário, porque ambos cuidam por interesses alheios, mas, no mandato, isso decorre de um
acordo de vontades, enquanto a gestão é ato unilateral.
Além disso, a aceitação da herança também se pode dar pelo credor. Para que o credor aceite, é
necessário que o herdeiro tenha renunciado primeiro. Antes disso, o credor pode provocar o
herdeiro para saber se ele aceita ou não (já visto), mas aceitar no lugar dele pressupõe a renúncia. Em
segundo lugar, é preciso que essa renúncia tenha sido lesiva ao credor, causando-lhe verdadeiro
Entretanto, isso também se dá por um procedimento específico escrito nos parágrafos. Isso deve ser
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requerido e autorizado pelo juiz do inventário. O credor precisa se habilitar, de sorte a ser autorizado
a aceitar o que o herdeiro renunciou. Essa habilitação deve se realizar em até 30 dias, a contar da ciência
da renúncia, e não da renúncia propriamente dita. O parágrafo segundo ressalva que, deferida esta
habilitação e pagas as dívidas daquele credor, se ainda sobrar herança para o renunciante, aí a renúncia se
repristina, gerando efeitos quanto ao que restou. Por exemplo, vamos imaginar que (i) o herdeiro
renunciou, (ii) o credor se habilitou dizendo que na verdade aquela renúncia era para si lesivo, (iii) juiz
defere e verifica quanto caberia ao herdeiro. Se cabia R$100,00 e o crédito era de R$80,00, o restante
(R$20,00) será renunciado e rateado entre os demais herdeiros.
Não há necessidade de propositura da ação própria para que o credor aceite em nome do herdeiro
renunciante, pois isso se dá nos próprios autos do inventário. Aqui não cabe ação pauliana, porque não
há transferência alguma. Aqui há renúncia, que é abdicativo. Não se passa nada para ninguém.
Além disso, a doutrina e a jurisprudência têm mitigado esse prazo de 30 dias, permitindo que o credor se
habilite mesmo já passados esses 30 dias. Mas então até quando o credor pode se habilitar? A maioria
diz: pelo menos até a partilha, já que, efetivada a partilha, os demais já receberam a parte do renunciante.
Entretanto, há aqueles que dizem que o credor pode até invalidar a partilha, embora tenha prazo para
isso também (veremos mais adiante).
Tudo o que foi dito até agora se aplica aos legatários também (sucessão a título singular). E por fim,
tem-se defendido que se a herança testamentária foi deixada com encargo, o credor não poderia obrigar
um devedor a aceitar, porque isso seria aceitar uma obrigação, que é o encargo.
C) Conteúdo
Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob
condição ou a termo.
§ 1º O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los,
renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los.
§ 2º O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão
hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar
quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia.
Indivisibilidade
A aceitação é indivisível, pois não dá para ter só o que é bom. Como no “pacote” vem coisas boas e
ruins, o legislador disse que não pode aceitar partes da herança, porque senão todos diriam que só aceita
o ativo e não passivo. A regra é expressa:
Ressalvas: se o herdeiro concorre da herança a mais de um título sucessório, ele pode aceitar um título
e repudiar o outro. Por exemplo, se X tem 3 filhos e morre, a herança se divide em 3 partes. Esses filhos
são herdeiros necessários, logo a eles pelo menos se reserva a parte legítima (50%). A outra metade que
se chama parte disponível, X pode ter testado, inclusive a favor de um filho só. Se X deixou toda parte
disponível ao filho mais velho, então esse filho concorrerá como herdeiro necessário e concorrerá
também como herdeiro testamentário, recebendo os 50% disponíveis. Aqui, o filho mais velho pode
aceitar a legítima e renunciar à disponível, e vice-versa. Isso pode acontecer com o legado também. Se X
deixou ao filho mais velho um legado e ele não quiser, ele pode renunciar o legado, o que não quer dizer
que ele renunciou à legítima também.
Assim, as dívidas se transmitem aos herdeiros nos limites da porção herdada. Se o espólio, massa
patrimonial, vale R$100,00 nos ativos e no entanto o morto tinha dívidas de R$120,00, o que acontece é
que os herdeiros responderão com os bens da herança até os R$100,00, e o credor não vai receber o
resto. O importante é que o herdeiro não responderá com o próprio patrimônio. É portanto uma
condição implícita que dá conteúdo à aceitação. A única questão é de prova: o herdeiro deverá
demonstrar que aquele passivo ultrapassa o ativo recebido, para fins de limitar a sua responsabilidade.
III – Renúncia
A) Forma
Aqui, ao invés de aceitar, o herdeiro renuncia a herança. Embora o herdeiro não seja obrigado a aceitar a
herança, para renunciá-la, há uma exigência formal mais rígida, porque se trata de ato abdicativo de
direito.
O artigo 1.806 exigiu que a renúncia fosse manifestada sempre de forma expressa, em documento
escrito e público, o que significa dizer escritura pública ou por termo judicial em autos de
processos. Para que o herdeiro possa validamente renunciar a herança, ele deve lavrar uma escritura
pública de renúncia ou se manifestar perante o juiz, lavrado nos autos. Esses autos precisam ser os do
inventário? Não. Podem ser os de qualquer ação cujo objeto (mérito) envolva a herança.
B) Legitimação
É preciso outorga uxória ou marital para a renúncia? A maioria da doutrina e jurisprudência entende que
sim, mas o professor acredita que não. Para quem exige a outorga, o fundamento é o de que a renúncia é
ato de disposição de um bem imóvel (art. 80, II CC considera o direito à herança um bem imóvel). Logo,
haveria a necessidade de outorga do cônjuge, a não ser que o regime seja de separação ou participação
final de aquesto com pacto de dispensa da outorga.
Professor Godoy discorda porque, em primeiro lugar, no CC anterior, estabelecia-se o que a mulher
podia ou não fazer sem a autorização do marido, e uma delas era a renúncia da herança. Isso era
expresso, mas igual exigência não se estabelecia para o marido, que poderia renunciar sem a autorização
da mulher. Com o Estatuto da Mulher Casada, os direitos foram equiparados: retirou-se da lei a
exigência para que a mulher renunciasse a herança com a autorização do marido. Mas aí é que está: a
equiparação foi para mais, ou para menos? A mulher deixou de precisar de autorização, equiparando-se
ao homem, ou o homem passou a precisar de autorização, equiparando-se à mulher? Alguns dizem que
deve ser seguida a regra geral de que é preciso autorização. Contudo, se fosse assim, o CC velho não
precisaria ter dito nada. As regras para a herança seguiriam as dos demais bens imóveis. O fato de ter
existido disposição específica para a mulher, exigindo autorização, e o de ter sido posteriormente
revogada reforçam a tese de que não é preciso haver autorização. Esse é um argumento histórico.
C) Efeito
Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce à dos
outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve-se
aos da subsequente.
Cuidado para não confundir o efeito dar renúncia com a indignidade. Vimos que no caso da indignidade,
o indigno é tratado como se ele tivesse morrido antes do autor da herança, como se ele fosse pré-morto.
Isso traz consequências como direito de representação se a sucessão for legítima em alguns casos. Se o
pai morre e um dos filhos é considerado indigno, e ele possui dois irmãos, a herança se divide em 3
partes, e a parte do indigno quem herda são os seus filhos. No caso da renúncia é diferente, porque o
herdeiro é considerado como se não existisse.
Portanto, as consequências são completamente diferentes. No mesmo exemplo, se o filho, com dois
irmãos, na sucessão do seu pai fosse renunciante, a herança do pai se divide não em 3 partes, mas sim
em 2 partes. A parte do renunciante acresce à dos outros herdeiros da mesma classe, os seus irmãos.
Ademais, se ele for filho único, a parte acresce aos herdeiros da classe seguinte: os netos. Esses netos
não herdariam por representação, mas por direito próprio.
INDIGNIDADE
Herança
50%
50% (disponível
(lgítima)
)
RENÚNCIA 2
Herança
Por outro lado, se for herança testamentária, o efeito depende do caso. Na regra geral, se o X resolveu
deixar herança para o amigo e esse amigo renuncia a herança, o testamento caduca. Agora, se o X deixou
para o amigo e o irmão do amigo, e o amigo renuncia a parte dele, toda a herança disponível vai para o
irmão do amigo. Além disso, o testador poderia ter colocado várias sucessões: X deixa herança para o
amigo e o irmão dele, e pode falar que, se o amigo renunciar, vai para uma terceira pessoa Y. Se o
testamento caducar totalmente, a parte vai para os herdeiros necessários, se houver. Se não, aos
herdeiros legítimos. É tudo casuístico.
Para terminar, alguns autores dividem a renúncia em: abdicativa (o que para Godoy é pleonasmo) e
traslativa ou translativa (o que para Godoy não é renúncia). Esta última é aquela que o herdeiro
manifesta em favor de alguém especificamente considerado. Conforme já discutido, isso não é renúncia,
e sim cessão de direitos hereditários, pois o “renunciante” está modulando os efeitos da renúncia, o
que não é possível, pois ela é ato jurídico em sentido estrito. A autonomia da vontade só atua em
negócios jurídicos, então a “renúncia translativa” deve ser entendida como um ato (negócio) de cessão.
A renúncia verdadeira é sempre abdicativa. O CC anterior não falava dessa cessão, então a
nomenclatura ainda se justificava. Hoje, contudo, há dispositivos expressos, o que inutiliza a dicotomia.
I – Introdução
Como foi analisada no final do capítulo anterior, a renúncia translativa não é renúncia porque o
“renunciante” está modulando os efeitos da renúncia. Além disso, quem cede seus direitos hereditários
já aceitou a herança, exceto o caso do artigo 1.805, §2º, quando a título gratuito um herdeiro “cede” em
partes iguais todos os seus direitos hereditários (ativo e passivo) ao todos os demais co-herdeiros.
Dessa forma, a cessão é a transferência que o herdeiro faz de seus direitos hereditários, a título oneroso
ou gratuito, a outro herdeiro ou a terceiros. É como se fosse uma “alienação” dos direitos hereditários.
O termo “alienação” não é muito correto porque normalmente é utilizado apenas para bens. Quando se
trata de transmissão de direitos, a palavra utilizada é “cessão”. A matéria está regrada a partir do artigo
1.793.
Obs.: o herdeiro que cede os seus direitos hereditários, cede universalidades, e não bens
singulares. O art. 1793 § 2º veda que o herdeiro especifique um bem para servir como objeto da
cessão, o que faz sentido, porque não se sabe ainda se o direito dele recairá sobre aquele bem ao
final da partilha. Além disso, ele não cede a sua condição subjetiva de herdeiro, ou seja, o
cessionário assume a posição jurídica do herdeiro quanto ao que foi cedido, nos limites do que
foi cedido. Não se torna herdeiro, pois essa é uma condição que só pode ser atribuída a
alguém pela lei, e não pela vontade.
[CC/02] Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro,
pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em consequência de substituição ou de direito de acrescer,
presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança
considerado singularmente.
§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem
componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
A) Tempo
A cessão certamente só pode acontecer desde o instante da abertura da sucessão (até porque antes disso
qualquer negócio que diga respeito à herança de pessoa viva é nulo), e pode ocorrer até o momento da
partilha, porque o que se cede é o direito à herança ou parte dela, e a herança desaparece, enquanto
universalidade de direito, depois da partilha, tornando qualquer cessão posterior nula, por
impossibilidade de seu objeto.
II – Requisitos
A) Capacidade e Legitimação
O cedente precisa ser capaz, ou seja, maior. Quanto à legitimação, diferentemente da renúncia, se o
cedente for casado, é necessária a outorga do cônjuge, tendo em vista que o CC considera que os
direitos hereditários são bens imóveis, nos termos dos artigos 82, I e 1.647, I.
C) Objeto
O objeto é uma universalidade, ou seja, é a herança ou parte dela (não individualizada) que compete ao
herdeiro que está cedendo. Não é possível ceder uma casa X, porque ninguém garante que na partilha
esse bem caberá ao herdeiro cedente. Além disso, o cedente não possui essa casa específica, mas sim o
direito a um conjunto. O § 2º do artigo 1.793 garante que não se pode ceder um bem singularmente
considerado. Contudo, a sanção ao descumprimento da regra não é a nulidade, pois o § 3º estabelece
que esta cessão assim consumada é ineficaz perante os demais co-hereiros.
Situação 1: Se o João tem dois irmãos e cede a casa A à Maria, isso não vincula os dois irmãos
de João, ou seja, os irmãos, no momento da partilha, podem continuar dividindo como
quiserem. Contudo, entre João e Maria o negócio continua valendo.
Situação 2: há uma ineficácia relativa em relação aos demais herdeiros. Assim, se eles
concordaram com o negócio não há nenhum problema, pois é como se os dois irmãos de João
tivessem concordado com uma espécie de antecipação da partilha, e todos se entendem na
partilham.
Situação 3: é possível, conforme o § 3º, que em situações excepcionais, o juiz autorize uma
cessão de bens singularmente considerados por algum motivo justificável e casuístico.
Se o juiz não tiver autorizado e os demais herdeiros não tiverem concordado, o negócio é ineficaz em
relação aos outros herdeiros. É um caso de ineficácia que pode ter o efeito de pós-eficacização, de
maneira que o que era ineficaz fica eficaz.
Situação 4: mesmo que seja filho único e haja apenas um bem, continua precisando aguardar o
fim da “partilha”, pois a cessão não implica apenas o ativo, sendo possível haver dívidas,
legados, etc.
O objeto da cessão, além do mais, são os direitos hereditários que o herdeiro tinha no momento que ele
efetuou a cessão. Pode ser que o herdeiro tenha acréscimo de direitos hereditários, por exemplo, porque
o outro herdeiro renunciou, porque havia testamento da parte da herança que foi anulado, porque havia
um herdeiro testamentário que morreu e a parte dele acresceu ao cedente que também era testamentário,
etc. Nesses casos, não é impossível que depois da cessão haja um acréscimo de direitos hereditários aos
cedentes.
Essa parte acrescida automaticamente não se inclui na cessão, pois não se transfere a condição
hereditária do herdeiro. A herança vai ao herdeiro cedente. Agora, o direito é disponível, então nada
impede que o cedente diga que está cedendo não apenas o que titula, mas também aquilo que vai ser
acrescido.
Cessão é um negócio particular, individualizado, mas o objeto não é individualizado, porque o objeto é
uma universalidade, ou parte dela.
Quando estudamos condomínio, vimos o direito de preferência. Quando o condômino quer transferir a
título oneroso a sua parte, deve dar preferência a quem já é condômino. Aqui é a mesma coisa, pois se
um co-herdeiro quiser ceder a título oneroso o seu quinhão hereditário a um terceiro, deve dar o direito
de preferência para que os demais herdeiros adquiram esse quinhão nas mesmas condições.
Situação 1: o cedente precisa notificar os irmãos dizendo “eu pretendo ceder meus direitos
para a Ana por 500 mil reais pagos em 5 parcelas de 100 mil reais, corrigidos e com juros ao
mês”. Aí, os irmãos podem adquirir esses direitos nas mesmas condições que a Ana teria.
Obs.: o direito de preferência existe em inúmeros casos, como compra e venda com pacto de
preferência, locação, etc. O importante é que o desrespeito pode ensejar uma pretensão real, ou
apenas pessoal indenizatória. Por exemplo, na locação, se não for registrado no cartório de
imóveis, só tem pretensão pessoal, mas o condomínio gera uma pretensão real.
Aqui, como a pretensão é real, se o co-herdeiro preterido no seu direito de preferência, em até 180 dias,
depositar o valor do bem, pode ter os direitos. Os 180 dias são contados, segundo a lei, a partir da
cessão. Contudo, parte da doutrina sustenta que este prazo de 180 dias deve ser contado da ciência que
o co-herdeiro tem do desrespeito ao seu direito de preferência. Porém, isso teria o dilargamento
indefinido do prazo, pois poderia demorar 50 anos para ele saber. Assim, não há solução perfeita.
Situação 2: por exemplo, João cedeu para Maria e ela quer ceder para um terceiro. A Maria
precisa dar o direito de preferência aos irmãos de João? Claro que não, porque a Maria não é
herdeira (a condição subjetiva de herdeira não foi transferida).
IV – Efeitos
O cessionário assume a posição jurídico-patrimonial do cedente, vai participar da partilha, vê o que tem
pra pagar de dívida, etc. Além disso, o cedente eventualmente pode responder pela solvência do espólio,
pois ele recebe um pacote com ativos e passivos, e ninguém garante que o resultado será positivo. E
mais, a cessão poderia até ter sido onerosa!
Quando examinamos a cessão de crédito, vimos que quem cede não responde pelo pagamento. Aqui
também o cedente não responde pela solvência do espólio, a não ser que as partes hajam pactuado em
sentido contrário (cláusula pro solvendo).
Quando examinamos a cessão de crédito, vimos que o cedente responde pela existência da dívida. Aqui
há um paralelo perfeito, porque o cedente precisa responder pela sua condição de herdeiro. Se por
qualquer motivo ele não for herdeiro, pouco importando o motivo (testamento anulado, foi considerado
indigno, foi réu numa ação negatória de paternidade e não é mais filho, etc.), o direito cedido não existe,
e ele responde perante o cessionário com a devolução do preço recebido e eventuais perdas e danos.
I – Introdução
[CC/02] Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente
conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um
curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.
É a mesma coisa que herança vacante. A herança jacente é uma situação provisória quando não há
herdeiros conhecidos. No Direito Romano, não havia transmissão automática, então toda herança era
jacente (hereditas iacente). Agora a situação é a mesma, mas a causa é diferente: se os herdeiros não são
encontrados, o juiz declara vacância, e a partir disso, a herança fica com o poder público (município ou
DF). Até 1990, os bens declarados vacantes transferidos ao poder público iriam para universidades
públicas, mas hoje vai para o município.
Há apenas um caso que é possível declarar a vacância sem a jacência: todos os herdeiros renunciam.
A ideia do legislador é a mesma ideia de não deixar os bens acéfalos. O Direito Sucessório é pensado de
modo que a titularidade fique no tronco privado, mas, se não houver como, ela se transfere ao poder
público, que nem por isso se transforma em herdeiro. Até por isso se discutiu se essa seria uma matéria
de Direito Sucessório, mas concluiu-se que sim. As heranças jacente e vacante foram tratadas aqui, pois
envolvem sucessão causa mortis, cumulada com outra causa: a ausência de herdeiros de qualquer tipo.
Cuidado para não confundir outras hipóteses em que o poder público é o próprio herdeiro! Alguém
pode testar seus bens para o município sem problemas. Nesse caso, o poder público pode recusar a
herança (se houver encargo, por exemplo), dentro dos limites do interesse público. Na condição de
sucessor subsidiário, o poder público não pode renunciar, apenas recebe.
II – Natureza
A herança jacente não tem personalidade jurídica, assim como o espólio, mas os dois não são iguais,
porque o espolio é uma massa patrimonial indivisa que tem dono (herdeiros), desde o momento da
morte. A herança jacente não tem dono conhecido. Orlando Gomes diz que é “núcleo unitário”, ou
seja, é um patrimônio unitário provisório. Realmente, do ponto de vista da natureza jurídica, a
herança jacente é uma anomalia.
Quando se diz que durante a jacência há uma situação de provisória acefalia que se quer superar com
o encontro dos herdeiros ou transferência ao poder público a partir da declaração de vacância, os bens
da herança jacente podem ser objetos de usucapião. Os bens passam para o poder público a partir da
declaração de vacância, mas até lá, os bens podem ser usucapidos (não dá para usucapir os bens
públicos). Aqui não há saisine do Estado, pois ele é um sucessor anômalo.
A especificação do procedimento está no CPC/73 a partir do artigo 1.142. Isso tudo se processa na
seguinte ordem: (i) Zé morre; (ii) não se tem notícias da existência de testamento ou outros herdeiros;
(iii) o juiz, provocado por qualquer interessado ou mesmo de ofício, arrecada os bens do Zé1, e durante
a diligência de arrecadação, já delibera da existência de herdeiros; (iv) não havendo notícia de existência
de herdeiro durante a arrecadação, ele lavra um auto descrevendo o que aconteceu e nomeia um
curador; (v) o juiz manda publicar 3 editais, com intervalo de 30 dias entre eles e prazo de 6 meses para
convocar pessoas que se entenderiam herdeiras; (vi) depois de um ano contado do primeiro edital
publicado, se não aparecer ninguém, a herança jacente é declarada vacante e os bens passam aos poderes
públicos, sob condição resolutiva.
[CC/02] Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente
se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao
domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições,
incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal.
Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da
sucessão.
Quando a herança é declarada vacante, já há um efeito definitivo: os herdeiros colaterais não podem
mais reclamar o seu quinhão. Contudo, se aqui no artigo 1.822 o legislador se refere apenas aos
colaterais, isso quer dizer que há outros que podem aparecer depois e pegar: herdeiros legítimos em
linha reta ou herdeiros testamentários. Eles podem, ainda que tardiamente, pedir a sua parte.
Esses herdeiros na linha reta ou testamentários, mesmo declarada a vacância, ainda tem 5 anos para
reclamar (não são os 10 anos da petição da herança). Problema: contar desde quando? O legislador diz a
partir da morte, mas a declaração de vacância pode não acontecer dentro de 5 anos a partir da morte!
Alguns autores sustentam que é a partir da morte e ponto final, só que eles teriam que considerar uma
hipótese de transferência ao poder público sem a declaração de vacância. Todo sistema funciona em
uma ordem: jacência, vacância e habilitação retardatária. Seria estranha uma passagem de bens ao poder
público sem o chamamento dos possíveis herdeiros, pois a jacência serve exatamente para isso (dar
publicidade e depois declarar a vacância). Ainda pior se houver alguma habilitação pendente, que o juiz
ainda não decidiu. Para professor, o mais razoável é que o prazo de 5 anos seja contado a partir da
morte só se já tiver uma declaração de vacância. Se a declaração se deu em 3 anos, tem mais 2 anos para
as habilitações retardatárias. E mais, não poderia haver declaração de vacância se ainda houver
pendência de habilitação. Posteriormente, se a habilitação for deferida, há um herdeiro. Senão, declara a
vacância e o prazo de 5 anos precisa ser contado a partir daí.
Outra opção seria considerar que o prazo é de 5 anos a contar da vacância. O juiz poderia dizer isso,
mas não foi o que a lei disse.
1A questão é se o juiz pode agir de ofício, levando-se em conta o princípio da inércia. Contudo, esse
princípio diz respeito a inércia da jurisdição, sendo que aqui não se trata de atividade jurisdicional. A
característica básica da jurisdição é a substitutividade, em que o juiz se substitui para dizer o que é o direito (é
uma heterocomposição). No caso em tela o juiz está simplesmente administrando.
I – Introdução
É um reclamo que veicula o herdeiro preterido do recebimento do seu quinhão, quando por qualquer
motivo, aquele herdeiro não foi como tal considerado e não recebeu o que lhe era devido. Essa ação
normalmente é ajuizada depois da partilha e justamente porque sua partilha se fez com a sua preterição.
Alguns autores sustentam que mesmo durante o inventário já seja possível a ação (Godoy acredita que é
possível, mas que não precisa, pois basta o herdeiro se habilitar dizendo que é herdeiro). É verdade que
pode haver discussão sobre a sua posição de herdeiro, mas questões de autoindagação (dilação) não são
verificadas no inventário. Assim, a petição faz mais sentido depois da partilha.
II – Prazo
Até quando pode propor? Não deveria se sujeitar a prazo, mas se sujeita. A petição não deixa de ser uma
espécie de reivindicação de uma universalidade. A ação reivindicatória é do proprietário que não tem
posse do que é seu e quer essa posse. Aqui há uma postulação singularizada de restituição de bem ou
bens individualmente considerados. O que acontece na herança é que, apesar de ser pretensão real, o
herdeiro não pede alguns bens singularmente considerados, mas sim uma universalidade, com ativo e
passivo. Então enquanto ele fosse titular, teoricamente ele poderia postular a ação. Contudo, não foi o
que se decidiu, por força da súmula 149, que sedimentou o entendimento de que a petição de herança se
sujeita sim ao prazo de caducidade, prescricional comum, de 10 anos, a contar do óbito.
Essa súmula foi editada para uma situação de cumulação de ação investigatória de paternidade e a ação
de petição. Nesses casos, a ação de investigação da paternidade não prescreve, mas a ação de petição
prescreva.
III – Procedimento
Quem propõe é o sedizente herdeiro, e é proposta contra quem está na posse da herança: co-herdeiro
ou terceiro. Uma vez julgada procedente a ação, o autor então tem direito a restituição da sua quota ou
da sua herança com todos os acessórios devidos, com a ressalva do artigo 1.826:
[CC/02] Art. 1.826. O possuidor da herança está obrigado à restituição dos bens do acervo, fixando-se-
lhe a responsabilidade segundo a sua posse, observado o disposto nos arts. 1.214 a 1.222.
Parágrafo único. A partir da citação, a responsabilidade do possuidor se há de aferir pelas regras
concernentes à posse de má-fé e à mora.
Esse artigo remete à disciplina da posse. Estudamos que quem tinha posse e precisava devolver,
dependendo do caso, precisava devolver também os frutos e benfeitorias, baseado na boa fé ou má fé. É
a mesma coisa.
O parágrafo único do artigo cogita a hipótese de o réu, na ação de petição, ser um herdeiro putativo,
aparente.
Situação 1: os réus da petição são os pais do morto, que morreu sem ter filhos reconhecidos.
Contudo, depois da morte, reconheceu-se a existência de um filho (os herdeiros mais próximos
recebem antes dos mais remotos). Há uma situação de putatividade porque os pais eram de fato,
até o instante da abertura, quem se supunham os herdeiros.
Situação 2: anulação de testamento. Esse réu era um herdeiro putativo, e ele poderia ter
praticado atos de alienação a terceiros de bens da herança. Nesse caso, prestigia-se o negócio
com terceiro se o terceiro estivesse de boa-fé, e se fosse onerosa.
Se o herdeiro aparente putativo tiver praticado atos de alienação onerosa a um terceiro de boa-fé, o
verdadeiro herdeiro não pode requerer aquele bem, mas apenas o equivalente em dinheiro. De um modo
ou de outro, é certo que o verdadeiro herdeiro não tem o direito de reivindicar. Entretanto, se a
alienação foi gratuita, o herdeiro pode requerer o bem. Além disso, o terceiro adquirente também se
submete à petição de herança se estivesse de má fé, mesmo que tenha sido onerosa. Analisa-se a ciência
que ele deveria ter da alienação a non domino, ou seja, de que quem estava transferindo não era o herdeiro.
[CC/02] Art. 1.828. O herdeiro aparente, que de boa-fé houver pago um legado, não está obrigado a
prestar o equivalente ao verdadeiro sucessor, ressalvado a este o direito de proceder contra quem o
recebeu.
Legado é uma deixa testamentária de bem ou bens singularmente considerados. Quando há um legado,
ele deve ser cumprido (entregar para o legatário), mas quando isso é feito por um herdeiro putativo, o
verdadeiro não pode reclamar. Se o herdeiro fosse reclamar, teria que ser da legalidade do legado.
Contudo, se estava no testamento, o verdadeiro herdeiro não pode requerer, não importando para quem
seja ou quem tenha entregado o legado.
I – Introdução
Na sucessão legítima, estudaremos a sucessão que ocorre nas forças e nos termos da lei, diferente da
manifestação da vontade (testamento). No fundo, essa bipartição sucessão legítima vs. testamentária é
insuficiente, porque desconsidera a sucessão necessária, que, porém, vem tratada aqui, dentro do título
da sucessão legítima, porque de qualquer maneira ocorre nas forças e nos termos da lei. Entretanto, é
importante diferenciá-las por questão prática e pragmática.
Quando alguém morre, para saber o que vai acontecer com os bens da herança, o primeiro passo é
perguntar se a pessoa tinha herdeiros necessários, para quem a lei reservou uma parte da herança que se
chama LEGÍTIMA (50%). São os descendentes, ascendentes e cônjuges (com falha tenebrosa em
relação ao companheiro, mas que iremos tratar). Trata-se de uma sucessão legal, mas que é prioritária,
reservatária e necessária.
Segundo passo é questionar se havia testamentos. Se a resposta é sim, a herança vai seguir a disposição
dessa última vontade. Se não deixou testamento, ou não testou sobre tudo, o terceiro passo é voltar para
a lei, procurando qual o destino desses bens. Aí a lei estabelece quem são os herdeiros: descendente,
ascendente, colaterais, etc. Dessa forma, é possível que um filho receba os 50% da legítima e também
receba os outros 50% porque não havia testamento.
O artigo 1.829 já estabelece um rol de herdeiros legítimos: descendente, ascendente, cônjuge e colateral
até quarto grau. Duas observações fundamentais: (i) não está o Estado, pois já vimos que o Estado pode
suceder, mas não é herdeiro (diferente de quando ele é herdeiro testamentário); e (ii) não está o
companheiro. O CC atual foi projetado antes da CF de 88, e o legislador acabou criando um
monstrengo ao tentar adequar o Código à CF, tratando o companheiro num artigo esparso que está na
parte geral do direito sucessório (artigo 1.790).
Nesse rol, alguns são necessários e outros não. São necessários apenas o descendente, ascendente e
cônjuge, tendo em vista que os colaterais podem ser afastados da herança pelo testamento.
A ideia da sucessão legítima, desde o Direito Romano, era de se legalmente estabelecer um continuador
pessoal, o culto de adoração dos deuses do domus. Isso mudou e não há mais cunho religioso, mas hoje
Sucede que mesmo assim o legislador estabeleceu uma ordem de integrantes desse grupo familiar que
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recebem uns antes dos outros. É uma ordem que se estabelece dentro do grupo familiar sucessivo, em
que uns receberão antes de outros. De qualquer forma, o que o legislador fez foi dar um rol de
familiares, estabelecendo que a herança legalmente se transmitirá a essas pessoas em uma das seguintes 4
situações: (i) quando houver herdeiros necessários (pelo menos metade da herança se submete à
sucessão necessária); (ii) mesmo que não haja necessária, não haja testamento; (iii) quando houver
testamento, mas ele não contemplar a totalidade da herança (é perfeitamente possível no nosso sistema
que haja sucessão legítima e testamentária); e (iv) caducamento ou invalidação do testamento. Sempre
haverá sucessão legítima, só ou com testamento, nesses quatro casos.
Neste grupo familiar de herdeiros legítimos, o legislador estabelece uma categorização, uma ordem
preferencial, a chamada Ordem da Vocação Hereditária. Para fazer isso, o legislador se vale de uma
ideia de proximidade maior, presumindo que o autor da herança teria querido beneficiar os mais
próximos. Assim, a sucessão legítima se organiza a partir de uma ordem daqueles que são chamados a
suceder. Essa ordem ainda se organiza em Classes Preferenciais, e dentro de cada classe, em Grau
Mais Próximo em relação ao morto.
A ordem de vocação se estabelece em classes de tal sorte que entre elas haja uma preferência: (i)
descendentes; (ii) ascendentes; (iii) cônjuge; e (iv) colaterais (companheiro será examinado depois).
Entre essas classes há uma preferência de forma que aqueles da classe seguinte não serão chamados se
houver algum herdeiro da classe anterior. Na sucessão legítima, os ascendentes serão chamados só se
não houver descendentes, e assim sucessivamente. Nesse sentido, os colaterais serão chamados só se
não houver descendentes, ascendentes e cônjuge. Entretanto, essa ordem sofre uma exceção: o cônjuge
pode eventualmente herdar concorrentemente com o descendente, e sempre com os ascendentes do
morto.
Por fim, dentro da mesma classe, há regra preferencial: os familiares de graus mais próximos excluem os
mais remotos. Por exemplo, vamos imaginar que a sucessão se dará na classe dos colaterais, e entre eles
haja apenas tios (3º grau) e primos-irmãos (4º grau). Dentro da mesma classe, os de grau mais próximo
excluem os mais remotos. No nosso exemplo, havendo tios, não herdarão os primos irmãos.
Contudo, novamente essa segunda regra de ouro sofre exceção: direito de representação, em que às
vezes aqueles de grau mais remoto representam os de grau mais próximo junto com outros herdeiros de
grau mais próximo. Por exemplo, se o Zé morre, e um dos filhos é pré-morto, os netos (descendente de
2º grau) herdarão no lugar do pai deles (descendente de 1º grau) em seu lugar.
Por enquanto fica dito que os herdeiros de graus mais próximos excluem os mais próximos na mesma
classe, com exceção da concorrência e do direito de representação.
II – Classificação
A) Quanto ao modo de suceder
1. POR DIREITO PRÓPRIO: alguém herda pela sua própria condição de herdeiro, não no
lugar de outro herdeiro. Se o Antônio morre com 3 filhos vivos, então cada qual herda pela sua
própria condição pessoal de herdeiro;
2. POR ESTIRPE: os herdeiros herdam o que receberia o herdeiro pré-morto, porque a partilha
por estirpe é muito próprio da sucessão por representação. Significa dizer que o que iria para o
herdeiro vai para o seu tronco (estirpe).
[CC/02] Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a
suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse.
É uma exceção à regra de que os mais próximos excluem os mais remotos. Agora, além de haver um
pré-morto, é necessário que haja outros herdeiros vivos no grau do pré-morto, porque senão não haverá
direito de representação. Há, portanto, dois pressupostos: (i) haver herdeiro pré-morto; (ii) haver
herdeiro de mesmo grau do pré-morto, que concorrerão com os representantes.
A) Fundamento
Para alguns é uma forma de ficção, para outros é sub-rogação, o que significa dizer que é a passagem
da situação do herdeiro pré-morto para seus sucessores. Para outros seria sub-rogação real, ou seja, é o
patrimônio que anda do pré-morto ao seu sucessor (o que não deixa de ser ficção). O que parece melhor
B) Descendentes
[CC/02] Art. 1.852. O direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na
ascendente.
Na classe dos descendentes e sem limites, o que significa dizer que havendo um descendente de grau
mais remoto concorrendo pelo descendente de grau mais próximo pela premoriência, haverá sempre o
direito de representação.
Zé
A B C
(pré-morto) (1/3) (1/3) POR CABEÇA
M N O
(1/9) (1/9) (1/9)
POR ESTIRPE
Situação 2: Não há representação per salto, ou seja, não se pode saltar graus. Se A tem M, N e
O, não pode ter representação pelos netos de A. Se só o M fosse pré-morto, o N e O
herdariam por representação e os filhos do M por representação do M.
Com relação à indignidade, muito embora o CC tenha dito que tenha direito à representação, não disse
nada a respeito do deserdado, que é tratado como indigno para esse fim. A deserdação é manifestação,
por testamento, do autor da herança de afastar o herdeiro, nos mesmos casos de indignidade e mais
alguns.
B) Colaterais
Na classe dos colaterais o direito de representação é limitado aos filhos de irmãos (sobrinhos).
Situação 1: Zé morreu e não deixou descendentes, ascendentes e nem cônjuge, mas apenas
colaterais de 2º grau (dois irmãos A e B). O irmão A é pré-morto, mas ele tem dois filhos G e
N, que possuem o direito de representação: são sobrinhos que concorrem com o tio B. A
herança se reparte em duas, metade para B e metade, por estirpe, divide entre G e N.
Entretanto, na linha colateral, acaba aqui o direito de representação. Se o de cujus só tem dois tios e um
deles é pré-morto com filhos A e B, só o tio vivo recebe tudo. Não há direito de representação além dos
sobrinhos.
IV – Efeitos
O efeito básico é que os representados assumem a posição jurídica do representado. Se eles assumem
essa posição, os representantes herdam aquilo que o representado herdaria do ponto de vista
quantitativo e qualitativo. Agora, do ponto de vista quantitativo, os representantes herdam a porção que
herdaria o representado, mas entre si dividem essa porção por cabeça. Então se houver mais de um
representante, a porção por eles herdada na condição de representante não muda, mas a divisão interna
pelo grupo dos representantes se dá por cabeça. A herança por representação se dá por estirpe, e é da
porção que o pré-morto receberia.
Situação 1: Antônio tem três filhos A, B e C, mas A (com 2 filhos) e B (com 4 filhos) são pré-
mortos. Contudo, a herança continua se dividindo em 3 partes: 1/3 para C, 1/3 a ser dividido
entre os 2 filhos de A, e 1/3 a ser dividido entre os 4 filhos de B. Aqui, os filhos de A e B,
apesar de serem de mesmo grau, recebem de forma diferente, pois cada filho de A recebe mais
que cada filho de B. Os netos de Antônio herdaram de maneira diferente, pois a herança é por
representação, mas se C também fosse pré-morto, não haveria representação, e todos os netos
receberiam pela própria posição e de forma igual.
Do ponto de vista qualitativo, o efeito básico é que os representantes recebem os bônus e ônus, ou seja,
os representantes também recebem as dívidas da herança em benefício do inventário, até os limites do
que recebem.
[CC/02] Art. 1.856. O renunciante à herança de uma pessoa poderá representá-la na sucessão de outra.
A renúncia que um herdeiro manifeste à herança de alguém, não impede de representar esse outro
alguém em outra herança, ou seja, a renúncia à herança não impede o sujeito de ser o representante.
Situação 2: Zé morre e seu filho A é pré-morto, e um dos três filhos de A renunciou. Isso não
impede esse filho renunciante de ser herdeiro do avô, o Zé.
I – Introdução
Levando-se em consideração o artigo 1.829 do CC, vamos analisar a classe dos herdeiros que recebem
por força de lei, ou porque é obrigatória, necessária, ou porque não há testamento. São aqueles que
herdam por força de lei: necessários e legítimos em sentido estrito.
Esse artigo agrupa os familiares em classes preferenciais, e dentro da mesma classe, os familiares de
graus mais próximos excluem os mais remotos (salvo direito de representação). Esse rol é organizado
em (i) descendentes; (ii) ascendentes; (iii) cônjuge; e (iv) colaterais até o quarto grau.
II – Descendentes
[CC/02] Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido
no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único);
ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
São os primeiros a serem chamados, pois o legislador presumiu que o morto teria querido aquinhoar
sempre os familiares mais próximos, e como já vimos, na classe dos descendentes, há direito de
representação de maneira irrestrita.
Além disso, não importa a origem da descendência para haver direito sucessório. Pensando nos filhos,
no CC anterior, eles não herdavam de maneira igual, pois o sistema jurídico, no Direito de Família,
distinguia relações advindas do casamento e outras de fora do casamento. Assim, quem não era filho
legítimo era excluído da sucessão. O filho ilegítimo, mas natural dos pais, poderia ser legitimado
(bastava o casamento dos pais); filhos espúrios (adulterinos ou incestuosos) não herdavam nada; os
filhos adotivos, se não concorressem com filhos legítimos havidos depois da adoção, herdavam tudo,
mas se depois concorressem com irmão, filhos de seus pais, herdavam metade que o outro recebia
(lembrando-se de que só podia adotar quem não tivesse filhos).
O CC novo adotou a comunhão parcial como o regime legal, e quando o cônjuge deixou de ser
necessariamente meeiro de tudo (só dos aquestos), a sua situação deveria ter sido alterada. Quando foi
projetado o CC atual, quiseram fazer isso. Assim, a situação do cônjuge mudou para adequar ao regime
de bens, e hoje, conforme o caso, o cônjuge herda com os descendentes, sob o fundamento de proteger
o cônjuge nas situações em que este não fosse meeiro. A ideia fundamental é que onde há meação,
não há concorrência.
O problema foi a consumação positiva desse propósito, que foi muito ruim. Apesar de o fundamento
parecer claro, o legislador acabou redigindo: “aos descendentes, em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, SALVO SE...”, ao invés de ter escrito “herdam em primeiro lugar os descendentes, em
concorrência com o cônjuge QUANDO...”. Ao invés de dizer quando concorre, o legislador disse
quando não concorre. Assim, temos que definir quando não concorre para saber quando concorre, e o
Código estabeleceu 3 exceções:
Parece que a interpretação melhor seja de que quando é comunhão universal, não há concorrência
naquilo que é comum, mas se houver bens particulares incomunicáveis, o cônjuge precisa herdar
em concorrência. Contudo, isso não está dito na lei e não é a única interpretação possível. A outra
interpretação é a literal de que se for comunhão universal, não há concorrência em nenhuma hipótese.
O que o Godoy defende é que no que é comum não concorre e no que não é comum concorre. Precisa
haver coerência com a regra da comunhão parcial.
O problema maior é que a não concorrência às vezes prejudica o cônjuge que quis se proteger com
a imposição da separação obrigatória.
Situação 1: uma menina casa aos 16 anos de idade com autorização, no regime de separação
obrigatória, para proteger quem se casa abaixo da maioridade. Essa menina permanece casada
durante 60 anos e o seu marido morre aos 90 anos. Se houver descendentes, ela não herdaria!
O legislador precisava pelo menos ressalvar as situações em que a separação obrigatória não fazia mais
sentido (casamento duradouro) e a situações em que a separação prejudica a pessoa que deveria proteger.
1) Há alguns autores que fazem uma interpretação literal do dispositivo, mas desrespeita o
fundamento básico da sucessão do cônjuge. Segundo essa interpretação, o que acontece é que
se o morto tiver deixado bens particulares, não haveria causa para incidência da exceção e a
concorrência se daria. Em outras palavras, se o cônjuge morto não tiver deixado bens
particulares, volta à regra da concorrência, porque o que está dito na lei é que na comunhão
parcial só haverá concorrência se houver bens particulares. Se o cônjuge deixou bens
particulares, não incide a exceção e aplicamos a regra da concorrência sobre tudo.
Problema: a regra peca por desrespeitar o fundamento da concorrência, pois segundo essa
interpretação, caberia concorrência sobre todos os bens do de cujus, inclusive os comuns, o que
não faz sentido pois o cônjuge já possui metade desses bens comuns.
2) Para combater esta tese pariu-se uma segunda, vinda por julgamento do STJ no RESP 992.749
relatora ministra Nancy do dia 1.12.2009. Depois o STJ repetiu esse julgamento em 2013 no
RESP 1.377.084. Qual foi a ideia da ministra Nancy? Se o cônjuge tiver deixado bens
particulares, haverá concorrência, que é basicamente o que a lei diz. Só que ela diz que a
concorrência é justamente não dos bens particulares, mas sim dos bens comuns. De novo cai
no mesmo problema do fundamento. Ela diz que não é possível entender que, havendo bens
particulares, a concorrência seja de bens particulares porque seriam bens que em vida não se
comunicariam, assim não caberia essa comunicação após a morte. O que em vida era
comunhão parcial acaba virando universal.
Problema: é a mesma da primeira tese. Pela primeira tese, havendo bens particulares, haveria
uma concorrência sobre tudo, porque não incidiria a exceção (inclusive bens comuns). Nessa
segunda tese, diz-se que a concorrência é sobre os bens comuns, para não transformar o regime
de comunhão parcial em universal. No fundo, essa regra parte de um falso pressuposto, porque
se eu tivesse igualando os dois regimes, teria que dizer exatamente que não há concorrência dos
bens comuns porque já são comuns.
3) RESP 974.241 julgada em 7.6.2011. O relator Honildo Amaral disse que na comunhão parcial,
se além dos bens particulares houver bens comuns, como o cônjuge já tem meação, então ele
não herda em concorrência de nada, nem dos particulares. Para essa terceira tese, se o morto
deixou bens comuns, então como o cônjuge já tem metade não precisa de concorrência. Ex.: o
morto deixou 10 imóveis particulares e um fusca comum. Por esta terceira tese, quando há bens
comuns, o cônjuge é completamente afastado. Assim, o cônjuge vivo ficaria apenas com a
metade do fusca. Isso não está certo.
Há dois regimes que não foram mencionados no artigo 1.829: (i) separação convencional e (ii)
participação final dos aquestos.
A dificuldade da separação convencional é que os cônjuges pactuaram que determinados bens não se
transmitiriam. Eles quiseram isso, o que torna o problema pior.
Primeira Tese
Se o inciso primeiro diz que o cônjuge herda em concorrência e estabelece aquelas hipóteses em que ele
não herda em concorrência, a conclusão óbvia é que se a separação convencional não foi incluída na
exceção, a contrário sensu, quando o casamento for regime de separação convencional, haverá
concorrência! Essa interpretação literal é a mais óbvia, e parece ser a mais correta para o professor, à luz
da conformidade com o fundamento que anima essa matéria. No regime de separação convencional,
todos os bens são próprios, por isso, defender a concorrência vai ao encontro desse exato fundamento
de que quando os bens são particulares ocorre a concorrência sucessória. Nesse regime, só há meação
nos aquestos que tenham sido adquiridos com a contribuição dos dois, e nesses casos, não há
concorrência.
Críticas: tudo estaria ótimo se a coisa tivesse parado aqui, mas esta interpretação foi objeto de críticas,
que nem aceitavam e nem recusavam. A crítica era pela opção do legislador: primeiro, entender que há
comunicação dos bens por força da concorrência sucessória seria uma forma de contornar a
incomunicabilidade que os próprios cônjuges escolheram em vida, ou seja, seria uma forma de se
permitir causa mortis uma comunicação que inter vivos os próprios cônjuges quiseram separar. Pior,
permitiria – segundo a crítica – que eventualmente os bens do morto que ele nunca quisesse que se
comunicasse ao cônjuge se comunicasse após a morte, podendo terminar com a titularidade do segundo
cônjuge do cônjuge sobrevivo ou do filho exclusivo deste.
Situação 1: Zé casa com Sônia, esta que já possui 2 filhos exclusivos. Zé morre e deixa 1 filho
com a Sônia. A Sônia então herda junto com o único filho do casal, mas ela possui 2 filhos
exclusivos também. Assim, eventualmente os bens irão para esses filhos exclusivos da Sônia,
além do novo cônjuge dela.
Segunda Tese
A luz dessas críticas, no dia 12 de abril de 2003, pouco depois do início da vigência do novo CC, Miguel
Reale publicou um artigo no Estado de São Paulo dizendo que o Código deveria ter ressalvado o regime
da separação convencional, assim como a separação obrigatória, ou seja, ele mesmo reconheceu que não
deveria haver concorrência entre cônjuge e descendente nesse caso. Assim, a luz do artigo 1.829, I,
passaram a defender essa posição dele.
Contudo, passou-se a sustentar que onde está escrito separação obrigatória, dever-se-ia ler também
separação convencional. A tese seria de que a separação convencional, depois de convencionada,
Críticas: primeiro, uma coisa é uma coisa, outra coisa é a outra coisa. Uma coisa é a incomunicabilidade
estabelecida para o casamento; outra coisa diferente são as regras sucessórias, que implicam transmissão
após a morte. Segundo, de mais a mais, se fosse para se preocupar com uma eventual burla oblíqua da
incomunicabilidade, então o legislador tinha que ter ido mais longe: tinha que ter afastado a
possibilidade de qualquer sucessão do cônjuge no regime de separação convencional, pois se não houver
nem descendente e nem ascendente, o cônjuge herda tudo! Além disso, quando o cônjuge concorre com
o ascendente, a concorrência não depende do regime de bens.
Antes mesmo do CC/2002, o CC/1916 quis melhorar a situação do cônjuge, pois já havia uma
concorrência de usufruto vidual entre o cônjuge e os descendentes – mesmo no regime de separação
convencional. Dessa forma, entender que o cônjuge casado no regime de separação convencional não
concorre com os descendentes é piorar a situação do cônjuge, inclusive quando comparada com o CC
anterior, deixando esse cônjuge pior do que o cônjuge no CC antigo. Não só se desconsidera o histórico,
a previsão do Estatuto da Mulher Casada, mas também o fato de que o cônjuge pode eventualmente
herdar tudo sozinho depois. Então essa interpretação não resolve nada.
Por último, separação obrigatória não pode ser confundida com a separação convencional. São regimes
chamados de maneira diferentes! Sempre soubemos – e o legislador também sabe – a existência desses
dois termos. Assim, não podemos ler “separação obrigatória” incluindo a “separação convencional”.
Além disso, a comunhão parcial também é uma opção, pois é livre aos cônjuges dispor sobre o regime
de bens, e já chegamos à conclusão de que há concorrência nos bens particulares.
Conclusão
A luz de todas essas críticas, essa tese acabou sendo revista pelo mesmo STJ – 3ª Turma. RESP
1.472.945 retomou a tese originária, dizendo que na separação convencional, o cônjuge concorre sim
com os descendentes. Isso condiz com a proibição do retrocesso, interpretação sistemática, etc. Esse
acórdão foi mais além e disse que não há qualquer espaço de autonomia aos cônjuges no que diz
respeito às regras de sucessão legítima porque ditada por ordem pública. É uma regra cogente, não
dispositiva para as partes. Assim, a mesma autonomia para o pacto não vale para a morte – fora o
testamento. Antes disso, o fato é que a 2ª Sessão do STJ, não sem discussão, acabou sedimentando o
entendimento do acórdão de prestígio da primeira tese. Este acórdão foi proferido no RESP 1.382.170
no julgamento de 22 de abril de 2015 e o relator designado foi o Ministro João Otávio de Noronha, que
manteve a concorrência sucessória e disse que a norma é de ordem pública.
Terceira Tese
É a intermediária entre a primeira e a segunda tese. Significa permitir que no pacto antinupcial as
partes explicitassem que querem a incomunicabilidade durante o casamento, e que não querem um
herdar do outro por concorrência dos descendentes nos bens particulares. Isso de algum modo resolve
aquela preocupação de que com a morte de um os bens possam indiretamente acabar com a titularidade
de filhos exclusivos ou novo cônjuge do sobrevivente. Contudo, há algumas dificuldades.
A primeira delas, de direito posto, é a questão do artigo 426, de proibição da pacta corvina, pois aqui,
do ponto de vista literal, haveria um pacto cujo objeto é a herança da pessoa que não morreu. Contudo,
esse pacto de corvo quer evitar que se fomente a aposta na morte, o que não acontece no pacto
Há aqueles que dizem então que seria uma renúncia antecipada, que deveria se dar no momento da
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abertura. A ideia da vedação da renúncia antecipada é assegurar a livre manifestação do renunciante de
influências do de cujus enquanto ele estiver vivo. Também parece não ser o caso, porque no fundo os
dois estariam reciprocamente dizendo que um não quer do outro, não havendo “pressão”.
Portanto, do ponto de vista teleológico, o pacto dessa espécie não feriria a vedação do pacta corvina ou
vedação da renúncia antecipada. Entretanto, há acórdão dizendo que a norma é de ordem pública.
Assim, se a lei permitisse, essa tese ficaria mais confortável. Atualmente muitos cônjuges, no pacto
antenupcial, têm colocado uma cláusula dizendo que não querem concorrência nos bens particulares.
Contudo, ainda não há julgamentos questionando a validade ou não dessas cláusulas.
O artigo 1.829, I não mencionou esse regime, mas é fácil. A característica desse regime é um mix:
durante o casamento vigora regras da separação, mas ao término do casamento, inclusive por morte, as
regras aplicadas são de comunhão parcial. A questão sucessória se resolve do mesmo modo que se
resolve na comunhão parcial e não sem grande discussão, com a sedimentação de que o cônjuge
sobrevivo herda em concorrência apenas nos bens particulares do morto.
Antes de entrar em outro problema, vale a pena mencionar o enunciado da III Jornada de Direito Civil:
Enunciado 270: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com
os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou,
se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse
bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns
(meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.
Não se mencionou a comunhão universal porque nesse regime há meação em praticamente tudo.
B) Cálculo
Já vimos quando há e não há concorrência sucessória dos cônjuges com os descendentes. Quando
houver, de quanto é essa concorrência? Concorre em quanto? Recebe quanto? A resposta a essa
pergunta está no artigo 1.832 do CC.
[CC/02] Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge
quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da
herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.
Quando o cônjuge concorre com os descendentes, ele recebe o mesmo quinhão dos descendentes por
cabeça. Em outras palavras, quando o cônjuge concorre com os descendentes, a herança se divide em
partes iguais, e ele vai receber uma parte igual à parte que cada descendente receber, ou se houver direito
de representação, recebe a mesma coisa que os descendentes de grau mais próximo.
Situação 1: o cônjuge está concorrendo com 2 filhos do morto. Cada um recebe 1/3.
Situação 2: um dos filhos é pré-morto. A herança se divide em três também e o cônjuge vai
receber a mesma coisa que os descendentes de grau mais próximo (os filhos do morto).
RESERVA MÍNIMA
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O cônjuge, em regra, recebe a mesma coisa que os descendentes, só que se o cônjuge for também
ascendente daqueles descendentes que vão herdar pela morte do outro genitor, a lei reserva para o
cônjuge no mínimo 25% da herança. É a chamada reserva mínima para o cônjuge, que ele recebe se
estiver concorrendo com descendes do morto que também sejam seus descendentes.
Com essa reserva mínima, é possível que o cônjuge receba uma parte maior do que os descendentes.
Entretanto, ele recebe mais porque como os descendentes também são seus descendentes, pela ordem
natural, o cônjuge morreria antes e os filhos receberiam tudo. Por isso, se concorrer com descendentes
exclusivos do morto, não há reserva mínima.
Além disso, só vai precisar cogitar a reserva se houver 4 filhos ou mais, porque 4 filhos mais o cônjuge
daria apenas 20% para cada, sendo que a lei garante 25% ao cônjuge se ele for ascendente desses 4
descendentes.
Situação 3: Zé morre e deixa 7 filhos e a esposa Maria. 25% da herança vão para a Maria e
75% vão ser divididos entre os 7 filhos. Eles recebem menos, mas tudo volta para os 7 filhos,
pois Maria é mãe deles. Contudo, se fossem 7 filhos exclusivos do morto, cada um recebe 1/8.
Lembrando que essa concorrência é apenas sobre bens particulares.
Entretanto, o legislador esqueceu que pode haver tanto filho comum quanto filho exclusivo.
Situação 4: Zé tem 3 filhos da primeira união e 1 filho da nova união com Maria. Assim há 3
filhos exclusivos, 1 filho comum e 1 cônjuge.
Solução Matemática
Quando o CC foi editado, os juristas recorreram aos matemáticos, que já imaginaram contas. A mais
comum é que uma possível alternativa seria a seguinte: aos filhos exclusivos, calcular a parte cabente
levando-se em consideração o número total de filhos, dividindo, no caso, a herança em 5. Assim,
entrega-se 20% a cada filho exclusivo, sobrando 40% para o cônjuge e o filho comum. Nesses 40% se
estabelece a reserva mínima, dando 25% ao cônjuge e 15% ao único filho comum, sob o fundamento de
que ele é herdeiro do cônjuge e vai acabar, pela ordem natural, recebendo a sua quota parte.
Problema: os filhos estão sendo desequiparados, pois o filho único receberia 40% da herança quando o
cônjuge supérstite morresse. Entretanto, isso se compensa pelo risco de o cônjuge supérstite não morrer
antes do filho único comum. Quando se garante a reserva mínima ao cônjuge e todos os filhos são
comuns, eles receberiam menos do que o cônjuge, mas todos estariam correndo o mesmo risco, com
equiparação. Nesse caso, a ideia é que como os filhos exclusivos nunca herdarão do cônjuge supérstite
teria que dar mais a eles. Outro problema seria que essa conta não dá certo para quando há muitos filhos
exclusivos, pois da parte que sobra, pode não dar 25%.
Sobram duas alternativas: ou tratar todos os filhos como se fossem comuns e garantir a reserva mínima,
ou tratar todos os filhos como se fossem exclusivos e abolir a reserva mínima. O inconveniente da
primeira tese é que a situação defasada dos filhos exclusivos nunca se recomporá porque eles não são
herdeiros do cônjuge sobrevivo. Então aquela situação justificável de que os comuns herdam menos
porque irão receber tudo no futuro, pela ordem natural, não cabe aos filhos exclusivos.
Portanto, parece que a única alternativa plausível seja tratar todos os filhos como exclusivos,
dividindo por cabeça a quota parte, sem a reserva mínima. Contudo, também há críticas: abolindo a
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reserva mínima quando há filhos comuns, o cônjuge está deixando de receber essa reserva mínima, mas
não tem jeito! A alternativa seria desequiparar a situação dos filhos. O que tem prevalecido é esse
tratamento de todos como se fossem filhos exclusivos.
III – Ascendentes
Se não houver descendentes, herdam os ascendentes, nos termos do inciso II do artigo 1.829. Aqui, o
cônjuge concorre sempre, independentemente do regime de bens. A ideia foi melhorar a situação do
cônjuge, mas, em relação aos descendentes, o legislador impôs algumas restrições com a justificativa de
que a descendência gera sucessão mais próxima. Com relação aos ascendentes, o legislador pensou que
tanto não são tão próximos que se houver descendentes eles nem herdam.
Assim, como os ascendentes já estão em segundo lugar, eles herdam juntos com o cônjuge,
independentemente do regime do casamento, e mais, essa herança concorrencial se dá sobre todos os
bens. Então o cálculo que vamos fazer é diferente da concorrência com os descendentes.
O § 1º diz que não há direito de representação na linha ascendente, o que significa dizer que se houver
ascendente de grau mais próximo, os de graus mais remoto não herdam nunca.
Situação 1: Zé morre, não tem descendentes, deixa mãe viva, pai morto e avós paternos vivos.
Quem herda é só a mãe do Zé. Os avós paternos não herdam porque não há direito de
representação. Se houver cônjuge, herda junto com a mãe.
Situação 2: Zé morreu, não tem descendentes, não tem pais, e tem 1 avô materno e 2 avôs
paternos. Como aqui é por linhas, divide-se a herança em duas partes, indo metade para o único
avô paterno e outra metade aos 2 avôs paternos (cada um fica com 25%).
[CC/02] Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da
herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.
Havendo cônjuge, nessas mesmas situações que acabamos de figurar, quanto ele recebe? Pela leitura da
primeira parte do artigo, parece que ao cônjuge tocaria 1/3 da herança concorrendo com pai E/OU
mãe do morto, mas não é assim. O cônjuge recebe 1/3 se concorre com pai E mãe do morto (cada um
recebe 1/3). Assim, temos que ler até o final.
Se o cônjuge herda só com o pai ou só com a mãe do de cujus, cada um recebe 50%, ou então o cônjuge
também receberá 50% se concorrer com ascendentes de maior grau (avô, bisavô, tataravô do de cujus).
Nesses casos a lei disse que o cônjuge recebe metade.
Situação 1: Zé morreu, sem descendente, com pai e mãe vivos e a esposa Maria viva. Pai, mãe
e Maria recebe cada um 1/3 da herança.
Situação 2: Zé morreu, sem descendente, com mãe viva, pai morto e a esposa Maria viva. Mãe
50
e Maria recebem cada uma 50% da herança.
Situação 3: Zé morreu, sem descendente, sem pais, 2 avôs maternos vivos, 1 avó paterna viva
e a esposa Maria (3 ascendentes de segundo grau mais o cônjuge). Vai 50% para Maria e os
outros 50% se divide por linhas – 25% para os 2 avôs maternos (cada um fica com 12,5%) e
25% para 1 avó paterna.
IV – Cônjuge
O cônjuge veio nessa ordem para antes dos colaterais por meio da Lei Feliciano Pena de 1907. O
Estatuto da Mulher Casada melhorou a situação da esposa com o usufruto vidual, naquelas situações em
que o cônjuge não era casado no regime da comunhão universal. Esse estatuto ainda estabeleceu o
direito real de habitação, até vir o CC atual, que continuou mantendo o cônjuge em terceiro lugar, mas
estabeleceu uma concorrência mais ampla do cônjuge com os descendentes (mais ampla porque hoje
não é só usufruto e sim titularidade) e com os ascendentes.
Para que o cônjuge receba tudo, é necessário que não haja descendentes e ascendentes, além de outros
requisitos que vamos examinar. O cônjuge tem uma situação singular no direito brasileiro atual, pois ele
é ao mesmo tempo herdeiro concorrente com classes mais próximas e também herdeiro em terceiro
lugar. Vimos que quando há renúncia à herança, a parte da herança que caberia ao herdeiro renunciante
acresce aos herdeiros de mesma classe:
Situação 1: Zé morreu, tem 3 filhos e era casado com Maria no regime que determina a
concorrência do cônjuge. O filho mais velho renuncia. A parte da herança que cabe ao filho
que renuncia vai aos outros irmãos ou vai ao cônjuge, que não é herdeiro da mesma classe?
O cônjuge se mantém na terceira classe, apesar de concorrer. Alguns sustentam, numa interpretação
literal, que a parte do filho renunciante acresceria apenas à parte dos dois outros irmãos, mas no fundo,
a solução é outra, por motivo sistemático. Quando acontece renúncia à herança, não há nenhuma
transmissão. Esse acréscimo acontece como consequência do aumento do todo, ou seja, o bolo aumenta.
Dessa forma, há uma maior parte para dividir a todos, e consequentemente, o cônjuge vai acabar
concorrendo com uma parte maior. Mas de fato é normal que se crie alguns problemas dessa situação
híbrida do cônjuge.
A) Momento
A situação sucessória em si do cônjuge depende fundamentalmente de ele ainda ser casado no momento
da abertura da sucessão. Esse é o princípio básico. Isso é óbvio, porém, ao tratar desse princípio básico,
o legislador, no artigo 1830, fez o seguinte:
[CC/02] Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da
morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos,
salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
PROBLEMA 2
No caso do divórcio, separação e invalidação, quando considerar que o casamento terminou, a fim de
afastar o cônjuge da sucessão? O divórcio e a separação podem ser judiciais e litigiosos no sentido amplo
(não houve prévio acordo). Nesse caso litigioso, para alguns, a situação sucessória do cônjuge cessaria a
partir do momento em que o juiz profere a sentença. Contudo, melhor sustentar que seja a partir do
trânsito em julgado.
Só que a separação ou divórcio pode ser consensual e judicial (ao mesmo tempo). Quando se dá por
acordo judicial, alguns autores sustentam que a situação sucessória cessaria a partir do momento em que
se dá a ratificação do acordo perante o juiz. A súmula 305 do STF diz que depois da ratificação, a
manifestação de vontade é irretratável. Contudo, essa ratificação se dá no mesmo dia da homologação.
Assim, considera-se que não há mais sucessão a partir da homologação.
No caso da invalidação, que só se dá por sentença, a situação sucessória do cônjuge cessa desde quando?
Desde a celebração de casamento. Se o casamento foi anulado ou declarado nulo, a sentença é
declaratória (ou constitutiva com efeitos de declaratória, no caso da anulabilidade), retroagindo ao
momento da celebração do negócio (v. artigo 1 82 CC). A ideia é que o casamento nunca poderia ter
sido celebrado, então se considera que o cônjuge jamais foi cônjuge para os efeitos legais. Há apenas
uma exceção: o casamento putativo. Nesse caso, a situação sucessória do cônjuge pode ser tratada como
se fosse de separação ou divórcio, cessando com o trânsito em julgado da sentença que declara o
casamento nulo ou que o anula.
PROBLEMA 3
Separação de fato. Diz a lei que o cônjuge supérstite mantêm a sua condição sucessória até dois anos da
separação de fato, o que em outras palavras quer dizer que se no momento da abertura os cônjuges
estivesses separados de fato há menos de 2 anos, o cônjuge herda. Isso é um absurdo.
Antes da Emenda 66 não era possível ao separado de fato há 1 ano requerer a sua separação judicial
(falência)? Se já era possível pedir a separação judicial com apenas 1 ano de separação de fato não faz
sentido dizer que o cônjuge separado de fato há menos de 2 anos mantém a sua posição sucessória. Pior,
depois da Emenda 66, o divórcio pode ocorrer a qualquer tempo. Pior ainda: o artigo 1.723, § 1º,
permite que o cônjuge separado de fato, independentemente de qualquer tempo, viva em união estável!
Ademais, o companheiro pode herdar também, havendo o risco de sucessão a três. Como resolver isso?
[CC/02] Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos
bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
E mais: que história é essa de culpa? Para o divórcio, não é preciso discutir quem é o culpado pelo
término. Não faz o menor sentido, sem contar que pode já haver união estável. E o que significaria essa
culpa? Se alguém saiu e bateu a porta, quem é culpado? E se a culpa for recíproca, já que é para falar em
culpa? Como proceder? Isso não faz o menor sentido do ponto de vista sistemático.
Não é possível interpretar o artigo 1.830 desligado do regime jurídico de término de casamento, pois é
com o término do casamento que cessa a sucessão do cônjuge. Então o que faz sentido é considerar que
a situação sucessória do cônjuge cesse no exato instante em que se consolidou uma separação de fato.
Uma separação de fato é uma situação consolidada de término de casamento (que deve ser séria,
relativamente prolongada, e etc., de modo a ensejar o fim dos deveres conjugais, como vimos em direito
de família), ainda que não formalizada.
A melhor orientação é que, uma vez ocorrida a separação de fato, não há mais sucessão. Se o casamento
se resolve para efeitos de direito de família, deve se resolver também para efeitos sucessórios, porque,
neste caso, a situação sucessória é determinada pelo vínculo de direito de família existente entre herdeiro
e autor da herança.
[CC/02] Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem
prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel
destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
É o direito real de usar um determinado bem imóvel para moradia, para residência. Isso foi instituído
pela Lei 4.121, Estatuto da Mulher Casada, que dizia que esse direito só se garantia ao cônjuge viúvo (i)
se o regime fosse de comunhão universal, (ii) se o imóvel fosse o único dessa natureza a inventariar e
(iii) enquanto perdurasse a viuvez. Cessada a viuvez (outro casamento ou união estável), cessava o
direito. Na época teria que ser a comunhão universal porque se o regime fosse outro, o cônjuge já tinha
usufruto vidual.
O artigo 1.831 garante o direito real de habitação, qualquer que seja o regime de bens, quer ele herde,
quer não. Conforme o regime de bens do casamento e a partilha, o cônjuge pode ou não ter a
titularidade daquele bem residencial, mas tendo ou não o cônjuge qualquer direito dominial sobre a
residência da família, ele tem o direito real de morar naquele imóvel.
Contudo, o CC atual trouxe da lei anterior o que não deveria e não trouxe o que deveria. Primeiramente,
faltou o requisito “enquanto perdurar a viuvez”, pois não faz o menor sentido que o vínculo persista se
ele é substituído pelo novo casamento ou união estável. Isso o CC novo não trouxe, mas deveria ter
trazido. Já há decisões em SP dizendo que mesmo sem a alteração legislativa que uma vez cessada a
viuvez, não há mais esse direito real.
de bens é indiferente para o direito de habitação, pode ser que o cônjuge não tenha direito a mais nada.
É possível que mesmo havendo vários imóveis residenciais, o cônjuge não fique com nada. Assim, se
restringir essa condição, a proteção se esvai, pelo menos naqueles casos em que o cônjuge não tem o
direito a nenhuma habitação. Assim, pode haver vários imóveis, mas é necessário garantir o direito real
de habitação no imóvel que ele já residia ou se não residisse em nenhum, em qualquer dos imóveis
observada a eventual ocorrência de abuso.
Sob a vigência do código de 1916, alterado pelo estatuto da mulher casada, a jurisprudência procurava
interpretar a exigência de imóvel único tendo em vista o domicílio do casal. Se o casal tinha um imóvel
em Manaus e um em São Paulo, e morava em são Paulo, o direito real ainda era garantido, porque
apenas um dos imóveis servia como residência. Esse era um problema que poderia ter sido resolvido
pelo legislador em 2002, mas não o foi, persistindo até hoje em nossa ordem jurídica.
Se se trata de um direito real de habitação, é oponível erga omnis, ou seja, todo mundo precisa respeitar.
Precisamos tomar cuidado porque nesse caso a publicidade se dá por força de lei, e não por registro
público. É necessário que um eventual comprador verifique se o proprietário anterior era casado. Como
é oponível erga omnis, os herdeiros precisam respeitar esse direito. Se o cônjuge sobrevivente não tiver
direito à titularidade, mas apenas ao direito real, os herdeiros podem vender, mas os compradores
precisam respeitar esse direito real.
Entretanto, este direito real oponível erga omnis não se opõe se o imóvel é do autor da herança em
condomínio com terceiros. O terceiro, que não é nem herdeiro, não precisa suportar o direito real de
habitação. Então aqui não há direito real de habitação.
Por fim, esse direito não pode ser afastado pelo autor da herança, mesmo em vida. É possível que o
autor da herança faça uma deixa testamentária deste bem para alguém, só que o herdeiro testamentário
terá que respeitar o direito real de habitação, e o testador não pode deixar o apartamento com a
condição de o herdeiro testamentário morar. É possível também que o Zé esteja à beira da morte e doa
tudo para os seus filhos exclusivos, tirando o imóvel da herança. Nesse caso há uma fraude ao legado
ex lege, que precisa ser protegido contra as hipóteses de burla.
V – Colaterais
São os últimos herdeiros legítimos na ordem do artigo 1.829. Se não houver descendente, ascendente e
nem cônjuge, os colaterais que herdam. Os colaterais são os quartos herdeiros dessa ordem de
preferência e não são herdeiros necessários. Isso significa que os colaterais, mesmo quando não haja
descendente, ascendente ou cônjuge, podem não herdar quando há testamento. Agora, se o autor da
herança morreu sem deixar descendente, ascendente, cônjuge e testamento, os colaterais são chamados.
Em relação aos colaterais que são chamados, a legislação brasileira é esquizofrênica, e essa ordem
mudou muito no Brasil.
A) Histórico
Nas Ordenações Filipinas, herdava o colateral até o décimo grau. Com a Lei Feliciano Pena, a
colateralidade foi reduzido a sexto grau e assim foi recebida pelo CC de 16. Durante a vigência do CC de
16 houve três alterações: (i) em 1939, com o Decreto-Lei 1907, colocando só os de segundo grau; (ii)
em 1945, pelo Decreto-Lei 8207, colocou até os de terceiro grau; e (iii) em 1946, com o Decreto-Lei
9461, que colocou até os de quarto grau, como é até hoje.
Situação 1: Zé morreu, não tem descendente, nem ascendente e nem cônjuge. Agora precisa
procurar colaterais. Zé tinha dois irmãos A (com 3 filhos) e B (com dois filhos), mas o B era
pré-morto. Aqui há direito de representação. Metade da herança vai para irmão vivo A e a outra
metade, que iria para o irmão morto B, vai para os seus dois filhos, e cada um fica com metade
da metade.
[CC/02] Art. 1.843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os tios.
No caput do artigo 1843, a lei fez uma opção. Embora tios e sobrinhos sejam herdeiros de mesmo grau
(terceiro grau), a lei, para fins sucessórios estabeleceu uma ordem: só herdam os tios se não houverem
sobrinhos. Assim, não havendo irmãos, herdam os sobrinhos, e se não houver sobrinhos, herdam os
tios.
C) Irmãos
Os irmãos podem sê-lo por parte do pai ou da mãe (bilateral), ou só por parte de pai ou da mãe
(unilaterais). Se concorrem na herança só irmãos bilaterais, herdam por cabeça. Se só concorrem meios-
irmãos, também herdam por cabeça. O problema é quando mistura os dois.
Irmãos bilaterais tem uma dupla fonte de parentesco, sendo que o unilateral só tem uma única fonte. Se
concorrem os bilaterais e os unilaterais ao mesmo tempo, os unilaterais recebem metade dos bilaterais.
Aqui não se fala de desequiparação de filhos porque aqui é irmão herdando de irmão.
Situação 1: Zé morre, não tem descendente, ascendente ou cônjuge, mas tem 3 irmãos: 2
bilaterais e 1 unilateral. Nesse caso a herança se divide por 5: duas partes para cada um dos dois
irmãos bilaterais e uma parte para o unilateral. Assim, os bilaterais recebem 40% e o unilateral
recebe 20%.
Essa mesma regra se projeta para quando concorrerem à herança (por direito próprio ou por
representação), sobrinhos que sejam alguns bilaterais e alguns unilaterais.
Situação 2: Zé morre, não deixa descendente, ascendente, cônjuge e nem irmãos, apenas
sobrinhos. Assim, os sobrinhos, por representação, irão herdar. Nesse caso, os filhos dos
irmãos bilaterais recebem o dobro dos filhos do irmão unilateral.
I - Introdução
A União estável só foi completamente recebida na CF de 88. Antes disso, ela só era objeto de ocupação
do Direito das Obrigações. Só com algumas leis especiais que o companheiro começou a ganhar
direitos: Lei Fiscal, para o abatimento de renda, e depois a anterior Lei de Locação, que permitia que
a locação pudesse prosseguir para o companheiro. De maneira genérica, a união estável foi recebida no
Direito de Família com a CF 88.
Depois disso foram editadas duas leis para regulamentar a união: Lei 8.971 de 1994 e Lei 9.278 de 96,
que contemplaram algumas medidas importantes. A lei de 94 já colocava nos artigos 1 e 2 duas regras
sucessórias: (i) o mesmo usufruto vidual garantido ao cônjuge, ou seja, o usufruto de metade ou um
quarto caso concorre com os descendentes (aqui não ressalvou o regime de bens da união, diferente do
cônjuge, que tinha direito ao usufruto se não fosse casado no regime de comunhão universal); (ii)
garantia ao companheiro da semelhança ao cônjuge no terceiro lugar na ordem de sucessão. Isso vai ser
muito importante para nós.
A segunda lei de união estável de 96 completou o sistema sucessório do companheiro, colocando ainda
o direito real de habitação. Assim, o companheiro tinha tanto o direito real de habitação, quanto o
usufruto vidual. A maioria da doutrina entendia que o companheiro tinha os dois direitos, ficando numa
situação melhor do que o próprio cônjuge. Contudo, antes do CC muitos autores já sustentavam que
deveria haver uma equiparação com o cônjuge para ter apenas um deles.
[CC/02] Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos
bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao
filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada
um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Situação 1: Antônio, que já era rico antes, viveu em união estável com Maria durante 30 anos.
Contudo, Antônio morreu, deixando filhos, netos, pais, irmãos, tios, etc., ou seja, deixou
parentes sucessivos. Como o Antônio já era muito rico, todos os bens dele eram particulares, e
quando adquiria bens depois da união, era por sub-rogação do que já tinha. Nesse caso, a
companheira não herdaria nada, nem em concorrência! Nesse caso é possível que a herança vá
para o primo, tio-avô e nada vá para a companheira.
Situação 2: Antônio era casado com Maria. Antônio morreu, deixou o filho Carlos, e o
patrimônio todo tinha sido adquirido a título oneroso na constância do casamento (aquestos).
Onde Maria já é meeira ela não herda. Contudo, se Antônio vivesse em união estável, Maria,
além de ser meeira, ainda herdaria os aquestos junto com Carlos.
Esses casos demonstram uma inconsistência absoluta, porque onde o cônjuge não herda, o
companheiro herda. Em relação aos aquestos, a situação do companheiro é melhor do que os cônjuges.
INCISO I
Diz a lei que, em primeiro lugar, o companheiro herda se concorrer com filhos comuns (dele e do
morto). Se ele concorre com filhos comuns, ele recebe uma quota parte igual a quota parte dos filhos, o
que significa dizer que a herança se reparte em porções iguais por cabeça. Se são 3 filhos mais a
companheira, divide-se a herança em 4.
Problema: porque só filhos? Netos não? O legislador dormiu, porque o inciso II está falando de
“descendentes comuns”. Portanto, a expressão filhos deve ser entendido como “descendentes”. Agora,
o que está faltando aqui em relação ao cônjuge? Reserva mínima. O artigo 1.832 estabelece que quando
Duas questões: (i) a conta é a mesma coisa que os irmãos unilaterais e bilaterais; (ii) por que a regra?
Por que quando a companheira herda junto com o filho só do morto, ela herda menos que esses filhos?
Porque esses filhos não vão herdar do companheiro também. O companheiro, quando há filhos comuns,
herda igual porque esses filhos comuns, na ordem natural das coisas, herdam do companheiro também.
O que o legislador esqueceu a possibilidade de haver tanto filhos comuns quanto filhos exclusivos, mas
pelo menos ele esqueceu tanto aqui quanto para os cônjuges. Esse problema sucessório pode ser
resolvido por duas formas: (i) trata como se fosse tudo comum; ou (ii) trata como se fosse tudo
exclusivo. Nenhuma solução é perfeita, pela óbvia razão de que nem todos são comuns e nem todos são
exclusivos. Cada solução tem uma vantagem e uma desvantagem.
1) Primeira alternativa: tratar todos os filhos como se fossem comuns. Prestigia o companheiro,
mas prejudica a situação dos filhos exclusivos, porque dividindo a herança em partes iguais, os
herdeiros comuns recebem a herança da companheira e ficam com mais.
INCISO III
Se o companheiro concorrer com qualquer outro parente sucessivo, ele recebe 1/3 da herança. Esses
quaisquer outros parentes sucessivos seriam os ascendentes e os colaterais. Se o companheiro concorrer
com pais ou avós, etc., ele herda 1/3 da herança. Isso é assim com o casamento, embora lá não se limite
aos aquestos.
Então o inciso está dizendo que o companheiro pode herdar junto com o colateral, e não antes. O
legislador retirou o companheiro da terceira classe da ordem sucessória, o que é um retrocesso.
Dessa forma, a companheira vai ter que dividir a herança com colateral de quarto grau, por exemplo, e
mais, pode receber uma quota menor, porque se for um só, ela recebe 1/3 e o colateral recebe 2/3. Na
lei de 1994, o companheiro era de terceiro grau, e agora, é o último! Isso não faz o menor sentido.
Obs.: em relação a outros parentes continua a ordem do artigo 1.829. Por exemplo, Zé morre,
deixa uma companheira, pais e irmãos vivos. A companheira concorre nos aquestos com esses
outros parentes, mas nesse caso, ela concorre só com os ascendentes, porque os ascendentes
vem antes dos colaterais.
Obs.: até seria possível pensar numa interpretação forçada e errada de que pela redação do
inciso III a concorrência seria em toda herança, além dos aquestos. Isso por causa da parte final
“da herança”. Contudo, essa herança precisa ser entendida nos termos do caput e o caput diz
que quando o companheiro concorre, é só nos aquestos.
[CC/02] Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou
tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas
respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.
O artigo 1.844 do CC trata justamente da situação que alguém falece sem deixar sucessores e o bem
passa ao poder público, e o artigo ressalva expressamente a situação do companheiro. A própria lei diz
que só há herança jacente se não houver nenhum parente sucessível, cônjuge ou companheiro.
Finalmente, só nessa hipótese, o companheiro herda tudo.
Opinião do Godoy: o regime atual não só representou retrocesso como também estabeleceu inúmeras
inconsistências sistemáticas, e por isso que ele é completamente inconstitucional. Na opinião do Godoy,
o efeito sucessório é efeito familiar interno, e o cônjuge está no rol de sucessores pela proximidade da
relação familiar. O artigo 1.790 é um exemplo típico de clara inconstitucionalidade, devendo se aplicar o
mesmíssimo regime do que o cônjuge. Hoje, por exemplo, ninguém discute que o companheiro deva ter
o direito real de habitação, e isso é um sinal de que a situação deva ser equiparada.
Jurisprudência: no âmbito dos Tribunais Superiores, a questão chegou duas vezes ao STJ, em dois
REsp: 1.135.354 e 1.291.636. Nos dois o relator Salomão disse que está na cara que o regime é
inconstitucional, mas que isso deveria ir ao STF. Num dos recursos, ele disse que não poderia remeter a
matéria ao Supremo porque colocou só o REsp e não o RExt junto. No outro remeteu-se ao STF, logo,
essa matéria está pendente no STF.
Cláusula de reserva de plenário: nos termos do art. 97 da Constituição, a declaração direta de uma
norma no âmbito dos tribunais estaduais só pode ser por tribunal pleno, mas não por turmas
fracionadas. Como alguns tribunais tem número muito grande de juízes, nesses casos, a CF autoriza que
haja órgão especial composto por até 25 desembargadores, e esse órgão representará o pleno. A
declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.729 CC ocorreu tranquilamente em muitos tribunais,
mas, em São Paulo, o Tribunal de Justiça declarou que o dispositivo é constitucional na Arguição de
Inconstitucionalidade 035.9133-51.2010.8.26.0000. O argumento fundamental foi o mesmo para dizer
que é inconstitucional, apenas com interpretação diferente. Disse-se que a união estável é diferente do
casamento e que, portanto, a situação sucessória seria diferente. Muito antes disso, muitos faziam
interpretação infraconstitucional, mas mesmo assim não dava por inconsistências do sistema, e o
Supremo percebeu que isso era uma forma oblíqua de enfrentar a inconstitucionalidade. Ele então
começou a acolher reclamações, que são ações que visam a preservar a competência e a autoridade das
decisões dos tribunais superiores. O supremo então sustou a eficácia dos acórdãos até resolver essa
questão na Reclamação nº 10.813 de 16 de novembro de 2010 do Ministro Gilmar Mendes.
I – Introdução
Os herdeiros necessários não podem ser afastados pela discrição do autor da herança. São necessários
aqueles que necessariamente concorrem na herança do morto, a não ser que tenham sido excluídos por
indignidade ou deserdação. A participação desse herdeiro do ponto de vista do autor da herança é
obrigatória porque a ele se reserva parte da herança chamada de legítima. Eles podem então ser
chamados de herdeiros legitimários ou reservatários. Agora, do ponto de vista deles próprios, a sua
participação não e obrigatória, no sentido de que não são obrigados a aceitar a herança, podendo
renunciar.
A figura do herdeiro necessário possui uma origem remota. Surgiu no Direito Romano antigo com heres
necessarius: filho homem mais velho, que assumia o papel do pai na continuação do culto doméstico, na
adoração dos deuses, do domus. Era menos uma transmissão patrimonial, e muito mais uma continuação
pessoal. Hoje, a figura do herdeiro necessário garante a conservação econômica do núcleo mais próximo
conforme a escolha do legislador.
Persiste no artigo 1.845 a mesma omissão da situação sucessória do companheiro. Quando o CC elevou
o cônjuge na condição de herdeiro necessário, nada dispôs em relação ao companheiro, e pela
interpretação literal do artigo, o companheiro não é herdeiro necessário.
Contudo, pela lógica sistemática, o companheiro deve ser herdeiro necessário: o artigo 1.790 estabeleceu,
ainda que só para aquestos, que os companheiros concorrem junto com descendentes e ascendentes.
Isso é indicativo claro de que alguma diferenciação sucessória foi feita.
Então são herdeiros necessários, pelo texto expresso, os descendentes, ascendentes e cônjuges, e por
extensão, os companheiros. A eles a lei garante parte da herança (legítima), de que eles não podem ser
privados, e o de cujus não pode excluir no testamento essa parte necessária.
II – Cálculo da Legítima
No nosso sistema é uma quota fixa da herança, que portanto não varia em função do número de
herdeiros necessários e nem em função de quem sejam esses herdeiros. Isso não acontece no direito
francês, português, italiano, em que a legítima pode variar conforme a quantidade e quem seja os
herdeiros. No nosso sistema pouco importa quantos e quais são os herdeiros. A legítima é sempre a
metade da herança, desde a Lei Feliciano Pena, de 1907, que reduziu sua proporção de 2/3 para 50%.
[CC/02] Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão,
abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a
colação.
Em primeiro lugar é necessário identificar a herança, separando o que eventualmente seja meação do
cônjuge ou companheiro. Havendo bens comuns, de qualquer modo esses bens devem ser levados ao
inventário, não que sejam objetos de sucessão, mas apenas para que a meação seja extremada. O que
sobra dessa separação é o objeto da sucessão.
Situação 1: Vamos imaginar que o total arrolado é R$1000,00, mas R$500,00 é meação. Então
sobra herança de R$500,00, e esse é o todo que será objeto de sucessão.
Agora, identifica-se, deste objeto da sucessão, as dívidas do morto e as dívidas para o funeral de
sepultamento. Todas as dívidas mais o funeral são abatidas da herança, sobrando uma herança líquida.
Essa herança líquida que será dividido em dois, e aí encontramos a parte legítima e o que sobra é a parte
disponível.
No último passo, à legítima deve-se acrescentar o valor das doações que por sua natureza tenham
representado adiantamento de legítima e deve ser objeto de colação. À legítima deve-se acrescentar o
valor das doações que os ascendentes em vida tenham feito ao descendente ou de um cônjuge ao outro.
O artigo 544 diz que em regra, essas doações representam adiantamento de legítima, e isso agora precisa
ser conferido. Esses valores doados se acrescentam à legítima calculada, e, portanto, sem aumentar a
parte disponível.
Daí são possíveis duas conclusões: (i) se tiver havido doações que devam ser colacionadas, a legítima
tende a ser maior do que a parte disponível; e (ii) sobre o valor das doações que sejam colacionadas, o
credor não tem direito nenhum, pois o abatimento de dívida se deu no passo anterior.
Portanto a ordem é: (1º) extremo as meações; (2º) abato as dívidas; (3º) divido por dois e acho o valor
da legítima; (4º) acrescenta o valor da colação à legítima.
III – Colação
A colação está no capítulo do inventário e partilha no artigo 2.002, e a obrigação da colação deriva
diretamente do artigo 544 do CC.
[CC/02] Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são
obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena
de sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte
indisponível, sem aumentar a disponível.
O artigo 544 diz que a doação feita de um ascendente para um descendente ou de um cônjuge para o
outro, significa, em princípio, um adiantamento de legítima. Ora, se é um adiantamento de legítima, o
A lei está dizendo que tem a obrigação de colacionar apenas os descendentes, esquecendo os cônjuges,
pois é óbvio que os cônjuges também são obrigados a colacionar. A grande omissão, de novo, é o
companheiro. Quem defende que o companheiro é herdeiro necessário, vai ter que defender que a
doação entre eles é adiantamento de legítima também, e que ele precisa colacionar.
Além disso, a pena na omissão da obrigação de colacionar é a pena de sonegação. Ela se aplica, nos
termos do artigo 1.992, a qualquer herdeiro que em qualquer circunstância, deixe de informar no
inventário a existência de bens que estejam em seu poder, ou que saiba onde esteja, configurando mais
uma hipótese de pena civil. Assim, o herdeiro é punido com a perda de seu direito hereditário em
relação a esse bem, sendo uma penalidade genérica aplicável a qualquer herdeiro. Assim, a doação vai
para o brejo.
A) Sujeitos
Descendentes e cônjuge (e companheiro). A doação feita pelo descendente ao ascendente não precisa
ser colacionado por opção do legislador. Isso porque a doação que o descendente faz para o ascendente
não é considerado adiantamento da legítima, conforme o artigo 544. Na ordem natural das coisas, o
descendente irá participa da herança do ascendente, e não o contrário. Foi uma escolha, mas é criticável.
[CC/02] Art. 2.009. Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós, serão obrigados
a trazer à colação, ainda que não o hajam herdado, o que os pais teriam de conferir
Esse artigo começa com uma imprecisão, pois começa a falar dos netos, quando não é só dos netos.
Esse artigo quer falar da sucessão de descendentes que são chamados por representação. Podem ser
bisnetos, tataranetos, etc. também. Assim, precisamos ler “descendentes de segundo grau ou mais”. Esse
dispositivo quer dizer que quando um descendente é chamado na condição de representante, ele tem a
obrigação de colacionar apenas o que o representado recebeu por doação.
Situação 1: Frederica tem dois irmãos, três filhos e seu pai faz uma doação à ela e ao filho mais
velho dela. Contudo, pai da Frederica morre e ela é pré-morta. Como o filho mais velho dela
herda por representação, ele precisa colacionar as doações feitas apenas à Frederica. O filho
mais velho de Frederica não precisa colacionar aquilo que ele recebeu, pois herda no lugar dela.
Situação 2: é diferente se os dois irmãos da Frederica também estivessem mortos. Nesse caso,
os netos do pai da Frederica herdam por cabeça, e não por representação. Aí sim o filho mais
velho dela precisaria colacionar a doação que ele mesmo recebeu, porque herdaria pela sua
própria posição.
B) Objeto
Em relação ao cônjuge e companheiro, quando eles concorrerem com os descendentes, é óbvio que eles
precisam colacionar aqueles bens recebidos em vida, mas em que a concorrência se dá, o que é evidente.
Em outras palavras, dependendo do regime de bens do casamento, ou dependendo do tipo de
As doações indiretas precisam ser colacionadas. Podem ser doações indiretas as (i) doações
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dissimuladas (um ascendente que quer doar ao descendente simula um contrato de compra e venda
para dissimular a doação); (ii) remissão (perdão) de dívida; (iii) construção no terreno do
descendente; etc.
[CC/02] Art. 794. No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital
estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de
direito.
A indenização do seguro de vida não precisa ser colacionada. O artigo 794 diz claramente que não se
considera para quaisquer fins da herança, o capital segurado. Se alguma discussão havia, não deveria ser
sobre a colação da indenização, mas sim sobre o valor do prêmio, que este sim quem paga é o segurado.
De qualquer modo o CC tomou a posição de que é um valor pago por meio de um contrato, de maneira
que não há colação.
[CC/02] Art. 2.010. Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente,
enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval,
assim como as despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em processo-crime.
Enquanto o descendente é menor de idade, não há dúvidas. As despesas para pagar escola, saúde,
vestuário, alimentação, tudo isso se refere ao dever de sustento, e é óbvio que não se colaciona. A lei
explicita que esses descendentes devem ser menores, mas sabemos que a jurisprudência alargou o dever
de sustento até o final da vida universitária. É diferente a situação de um pai que resolva pagar a um
filho maior de idade uma estadia de dois anos numa ilha paradisíaca no Taiti para que ele faça curso de
meditação transcendental. Isso com certeza é uma despesa extraordinária.
E o famoso intercâmbio? Depende. Isso envolve o que é ordinário ou não para uma determinada classe
social. Precisa ver o que é ordinário e extraordinário, e o que for extraordinário precisa colacionar. Além
disso, o filho menor pode casar também, e essas despesas não são colacionáveis.
Entretanto, o legislador dormiu quando disse processo-crime. No CC velho, a maioridade civil se dava
com 21 e a penal com 18. Isso não faz mais sentido porque o CC novo igualou a idade. Então se não há
processo-crime, pode fazer interpretação extensiva para despesas com um processo infracional. Em
relação aos outros incapazes é o mesmo princípio.
[CC/02] Art. 2.011. As doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão
sujeitas a colação.
Também não são sujeitas à colação as doações remuneratórias que o ascendente faça ao descendente por
serviços prestados pelo descendente ao ascendente. A doação remuneratória não é uma liberalidade pura,
e ela serve para retribuir um serviço que o donatário prestou ao doador. Aqui interessa o serviço
realizado pelo filho. Contudo, para a dispensa, a doação efetuada pelo ascendente precisa ter sido
proporcional ao serviço prestado, senão cai na doação indireta de novo.
Doações manuais: doação é um contrato formal porque não pode ser realizado por qualquer forma. Se
se tratar da doação de imóvel, precisa ser escritura pública, mas se se tratar de um móvel que não seja de
pequeno valor, a doação precisa ser feito por escrito, ainda que particular. Só as doações manuais – bens
[CC/02] Art. 2.012. Sendo feita a doação por ambos os cônjuges, no inventário de cada um se conferirá
por metade.
É o caso da doação feita por ascendentes que sejam cônjuges ou companheiros de bens comuns a um de
seus filhos.
Situação1: Zé e Maria são casados e os dois vão doar um bem comum ao filho mais velho.
Nesse caso, ele vai precisa colacionar no inventário de seus pais. A questão é se o José morreu,
mas a Maria está viva. O que o filho precisa colacionar? No inventário do José, o filho vai
colacionar metade do valor e, quando a Maria morrer, esse filho colaciona a outra metade.
Situação 2: é diferente a situação em que o bem é particular do José, que doa ao filho com a
anuência da Maria. Nesse caso, colaciona o bem inteiro no inventário do José.
Situação 3: José e Maria vão doar um imóvel comum para o filho exclusivo do José. Se o José
morre, o filho colaciona apenas a metade. Quando Maria morrer, o filho colaciona nada,
porque ele não é descendente de Maria.
Situação 4: José faz uma doação ao filho e sua esposa. O que se colaciona? Há uma discussão
no caso em que o ascendente doa ao casal e não exclusivamente ao filho. Na morte do José, o
filho colaciona metade, e com a metade da esposa do filho acontece nada. O que alguns
levantam é que isso pode ter sido uma forma oblíqua de retirar da colação a metade. Isso é
questão de prova, porque o sogro poderia perfeitamente ter querido beneficiar a sua nora.
C) Dispensa da colação
A doação de ascendentes a descendentes e entre cônjuges e companheiros, em regra significa
adiantamento de legítima, conforme o artigo 544, mas pode não ser. Não é adiantamento quando
expressamente o doador disser que aquela doação está saindo de sua parte disponível, dispensando o
donatário de trazer o valor à colação. Entretanto, é necessário verificar se cabe na parte disponível,
porque se ultrapassar está invadindo a legítima, fazendo com que a doação inoficiosa precise ser
reduzida. Notem que não é só o problema da doação entre herdeiros necessários. Isso pode acontecer
mesmo com terceiros, quando ultrapassa aquilo que o doador poderia dispor da sua parte disponível.
A dispensa precisa ser expressa e formal, o que quer dizer que ela já é explicitada no próprio ato da
doação, ou então é possível até que depois a dispensa seja explicitada em um testamento. Fora daí, não
vale a dispensa da doação. Não adianta fazer a doação e depois deixar uma carta ou falar para alguém.
[CC/02] Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte
disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.
Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao
tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário.
Situação 1: Antônio tem três filhos e em vida faz uma doação para o neto. Neto é herdeiro
necessário, mas como é de segundo grau, não herdará nada no nosso caso. Só que no momento
da morte os filhos de X também já eram pré-mortos, mas morreram depois da doação. Nesse
[CC/02] Art. 2.008. Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído, deve, não obstante, conferir
as doações recebidas, para o fim de repor o que exceder o disponível.
Nesse caso, se o renunciante ou o excluído precisa repor o excesso, então ele não precisa colacionar!
Repor o excesso significa que não precisa colacionar o valor do bem, apenas que precisa repor a parte
que excede o disponível. Mas isso pode quebrar a ideia do sistema.
Situação 1: Zé doou ao filho um apartamento quando ele era rico, mas quando Zé morreu, ele
não possuía mais bens. Na regra geral, o filho precisa colacionar a doação do apartamento, para
ver se cabe à parte legítima. Contudo, se o filho é herdeiro renunciante ou excluído,
teoricamente ele não precisa mais colacionar. Ele só precisa verificar se na época da doação,
aquilo cabia na parte disponível, e no nosso exemplo cabia, não havendo excesso para repor.
Nesse caso, os irmãos do filho excluído ficarão sem nada, e isso não faz sentido! Essa regra é
clara, mas é um absurdo e quebra o sistema.
Só para quem quiser ficar na redação literal, se ele é renunciante ou excluído, ele não é mais herdeiro
necessário. Assim, na hora de se calcular o excesso, não se pode considerar a legítima, que teria de ser
considerada no caso de um herdeiro necessário não renunciante e não excluído. Assim, “o excesso fica
maior” para o excluído ou renunciante.
Situação 2: uma mãe solteira e três filhos. O terceiro filho foi excluído, mas, antes da exclusão
(ou depois dela) a mãe doou para ele um imóvel que representava 80% do seu patrimônio à
época da doação. Para ele, o excesso será de 30%, porque não haverá 1/2 da parte legítima para
descontar. Se a doação tivesse sido feita para outro filho, o excesso seria de meros 5%, pois,
além dos 50% da parte disponível, seria preciso considerar os 25% que lhe cabiam (metade da
legítima).
BOA PROVA!