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AULA 1

INTRODUÇÃO AO DIREITO SUCESSÓRIO

Tema 01

Introdução Fontes dos nossos slides: Novo Curso de Direito Civil e Manual de
Direito Civil – Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo P. Filho (Ed. Saraiva).

Introdução: Fundamento constitucional do direito sucessório

Primeiramente, iremos comparar o direito alemão com o direito brasileiro, para


termos uma visão ampliada.

Rudolf Meyer-Pritzl (sobre o Direito Alemão): “O Direito das Sucessões vincula-se


a um fato social, a morte.

Objeto da regulamentação do Livro 5 do Código Civil alemão é a transmissão


do patrimônio do falecido para os seus herdeiros:

‘O Direito das Sucessões tem a função de não deixar perecer a propriedade


privada, deixada pelo falecido, fundamento do núcleo existencial pelo qual se
responsabilizou, mas, sim, assegurar a manutenção desta propriedade,
conforme a sucessão legal’.

Somente a existência do Direito Sucessório já consagra a estabilidade após a


morte, contribuindo para o seu desenvolvimento e plena eficácia. A Constituição
alemã garante, no art. 14, par. 1º, a propriedade privada e o Direito Sucessório.
O Direito das Sucessões fica, com isso, próximo da constitucional propriedade
privada. A partir da estreita união entre a propriedade e o Direito Sucessório
resulta também liberdade do testador como um dos princípios sucessórios
fundamentais”.
(Rudolf Meyer-Pritzl, Staudinger BGB — Kommentar zum Bürgerlichen
Gesetzbuch mit Einführungsgesezt und Nebengesezt — Eckpfeiler des
Zivilrechts, Berlin, 2008, p. 1146)

Mesmo no direito alemão, o direito sucessório tem grande importância porque


visa imprimir estabilidade jurídica, ou seja, pretende que o patrimônio deixado
por alguém não fique sem titular.

O segundo aspecto importante é que o direito sucessório e à herança tem uma


conexão muito próxima com o direito de propriedade.

Isso porque se transmite a herança para os sucessores, uma vez que se foi
proprietário daqueles bens.

A Constituição consagra a propriedade privada, a consequência lógica é que o


direito à herança seja consagrado também.

Se a propriedade tem como uma de suas características a perpetuidade, a


consequência é que, com o falecimento, o patrimônio se converta em herança e
seja transmito aos sucessores.

A Constituição Federal brasileira, no artº. 5, consagra como direitos


fundamentais, a propriedade privada (na perspectiva da sua função social), e,
pouco depois, o direito à herança (art. 5º, XXII, XXIII e XXX).

O Direito das Sucessões, portanto, por consequência lógica, tem fundamento


constitucional. Dessa forma, o direito à herança é direito constitucional
fundamental, o que conduz a concluir que o direito das sucessões tem
fundamento constitucional.

Há uma similitude com o direito alemão, na medida que o direito das sucessões
visa imprimir estabilidade patrimonial, para que o patrimônio daquele que
morre não fique sem dono, e que o direito à herança é um reflexo do próprio
direito à propriedade privada. Se alguém possui a propriedade de seus bens, a
consequência e que possa transmiti-los aos seus herdeiros.

Sistemas sucessórios

Fundamentalmente, existem três sistemas sucessórios:

1. Sistema da Liberdade Testamentária — sustenta-se a plena liberdade de


dispor, à luz da autonomia privada. Significa dizer, o sujeito, à luz da autonomia
privada, faz o que bem entender com o seu patrimônio, ainda que tenha filhos

2. Sistema da Concentração Absoluta ou Obrigatória - esse modelo pretende


que toda a herança seja deferida a apenas um sucessor. Isso acontecia na
Idade Média, quando havia o benefício da primogenitura.

3. Sistema da Divisão Necessária — Havendo sucessores desta categoria, parte


da herança obrigatoriamente lhes tocaria. É o sistema adotado no Brasil.

Dessa forma, a liberdade do autor da herança é parcial, ele pode dispor


livremente de parte da herança, caso ele tenha determinada categoria de
sucessores, que são os herdeiros necessários. Tendo herdeiros necessários, eles
têm direito à legítima. Por exemplo, alguém tem o patrimônio de 1 milhão, no
entanto, possui 2 filhos. Metade do patrimônio, 500 mil, tocará aos herdeiros.
Com a outra metade, ele pode fazer o que quiser.
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o
cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos
bens da herança, constituindo a legítima.

Há uma polêmica entorno da companheira, se ela seria ou não herdeira


necessária. Pela letra do Código Civil, os herdeiros necessários são os
descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Por exemplo, alguém que é casado e tem duas filhas não possui plena liberdade
para dispor de seu patrimônio para depois da morte. Mesmo em vida, não pode
doar violando a legítima das filhas, porque à luz do sistema brasileiro da divisão
necessária a liberdade é parcial. Essa pessoa só pode dispor de metade do
patrimônio, uma vez que tem herdeiros necessários que possuem direito à
legítima (metade do patrimônio).

Washington de Barros Monteiro:

Essa legítima, tão combatida por Le Play e seus sequazes, porque contrária à
ilimitada liberdade de testar, é fixa em face do nosso direito, ao inverso do que
ocorre em outras legislações como a francesa, a italiana e a portuguesa, em que
varia de acordo com o número das pessoas sucessíveis, e é sagrada, nesse
sentido de que não pode, sob pretexto algum, ser desfalcada ou reduzida pelo
testador. (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil — Direito das
Sucessões, 3. ed., São Paulo: Saraiva)

Essa é uma doutrina clássica. No entanto, a legítima ainda é sagrada no Brasil.

A legítima, embora preservada em nosso sistema, merece crítica.


À luz do Sistema da Divisão Necessária, existindo herdeiros necessários ou
cônjuge, não se pode dispor de mais da metade do patrimônio. Isso não
significa que em uma prova aberta não se possa fazer uma crítica à legítima.

Muitas vezes, a preservação da legítima significa a destruição de uma família.


Quando o patriarca é muito rico, os filhos não se sentem na obrigação de
trabalhar e esperam que o pai morra para desfrutar da legítima.

Por exemplo, alguém chega aos 70 anos de idade, passou em concurso público,
criou três filhos, os quais estão na faixa dos 40 anos. Um é médico, outro
advogado e outro engenheiro. Essa pessoa resolve doar seu patrimônio para o
hospital do câncer. Isso não seria possível, embora os filhos sejam maiores e
aptos para o trabalho.

Na opinião de Pablo Stolze, a legítima deveria ser protegida enquanto houvesse


filhos menores, incapazes ou vulneráveis.

Herança

Objetivamente, a herança é o patrimônio deixado pelo falecido.

Essa herança, por vezes, torna-se parte em um processo. Quando o sujeito


morre, a herança deixada por ele se torna sujeito ativo ou passivo numa relação
processual.

Quando se considera a herança em perspectiva processual, utiliza-se a palavra


espólio. Um ente despersonificado que pode integrar demandas, ser parte
autora, representada pelo inventariante, ré etc.

Enquanto o inventário corre, a herança é objeto de condomínio, os sucessores


são condôminos ou copossuidores.

De acordo com a Parte Geral do Código Civil, (art. 80, II, CC), o direito à herança
(direito à sucessão aberta) tem natureza imobiliária.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
(...) II – o direito à sucessão aberta

Direito à sucessão aberta é o mesmo que direito à herança.

Quando se fala em imóvel, pensa-se em casa, terreno, apartamento etc., não em


herança. Porém, a lei concedeu a natureza imobiliária à herança porque a
transmissibilidade de um imóvel é burocrática, cercada de regras de segurança.

Por exemplo, Pablo tem direito à herança de seu pai. Se ele pretender ceder ou
transferir esse direito para outrem, existem formalismos, como se ele estivesse
cedendo um imóvel.

Quando se vende uma casa, a depender do regime de bens, é necessária a


autorização do marido ou esposa. Na mesma linha, para parte da doutrina,
para ceder o direito à herança para terceiro, a depender do regime de bens, é
necessária a anuência do cônjuge. É como se se estivesse vendendo um imóvel,
porque o direito à herança tem natureza imobiliária.

Além disso, pode-se transferir o direito à herança para terceiros. Por exemplo,
alguém morre e deixa um patrimônio de 1 milhão. Essa pessoa possui 3 filhos.

Alguém pode ir até o filho Pablo e dizer que tem interesse na fazenda. Pablo
pode transferir o direito à herança do pai (cessão de direito hereditário).

O sistema brasileiro cerca isso de formalismos, como se fosse a venda de um


imóvel. Mesmo que a herança do referido pai não fosse uma fazenda, mas bens
móveis, para ceder o direito hereditário, há formalismos. Isso porque,
independentemente da natureza herança (por exemplo, carros, gado etc.), o
direito à herança, por força de lei, tem natureza de imóvel. Além disso, mais de
um precedente do STJ indicam que plano de previdência VGBL não é herança:

STJ
HERANÇA x SEGURO VGBL
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. VALORES
DEPOSITADOS EM PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA (VGBL). DISPENSA DE
COLAÇÃO. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. ACÓRDÃO DIVERGENTE DA
JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. A DECISÃO PROFERIDA NO JUÍZO
PRÉVIO DE ADMISSIBILIDADE NÃO VINCULA ESTA CORTE. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o
Plano de Previdência Privada (VGBL), mantido pelo falecido, tem natureza
jurídica de contrato de seguro de vida e não pode ser enquadrado como
herança, inexistindo motivo para determinar a colação dos valores nele
depositados.
2. A decisão proferida no juízo prévio de admissibilidade não vincula esta
Corte, motivo pelo qual é desnecessária a justificação da não incidência
dos óbices apontados naquela decisão.
3. Razões recursais insuficientes para a revisão do julgado. 4. Agravo
interno desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.832.714/SP, relator
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/12/2021,
DJe de 15/12/2021.)

2. A Segunda Turma desta Corte, nos autos dos REsp n. 1.961.488/RS, Rel.
Min. Assusete Magalhães, DJe 16/11/2021 e REsp n. 1.963.482/RS, Rel. Min.
Assusete Magalhães, DJe 18/11/2021, reiterou o entendimento no sentido
da natureza de seguro do plano VGBL, de modo que os valores a serem
recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do segurado
contratante de plano VGBL, não se consideram herança, como prevê o
art. 794 do CC/2002.
3. Não integrando a herança, isto é, não se tratando de transmissão
causa mortis, está o VGBL excluído da base de cálculo do ITCMD.
4. Agravo interno não provido. (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.766.626/RS,
relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em
26/4/2022, DJe de 29/4/2022.)
Sucessão hereditária – noções úteis

a) Sucessão Hereditária Legítima (arts. 1.829 a 1.856 do CC)


b) Sucessão Hereditária Testamentária (arts. 1.857 a 1.990 do CC)

Se uma pessoa morre deixando um testamento que cobre todos os bens, a


sucessão será testamentária.

Porém, se ele morre sem deixar testamento ou fez testamento, mas esse foi
declarado inválido, as regras serão da sucessão legítima, isto é, aquela
disciplinada pela lei, não pelo testamento.

Por vezes, a pessoa faz um testamento que alcança parte dos bens do
patrimônio. Significa dizer que quanto aos bens que não foram alcançados pelo
testamento aplicam-se as regras da sucessão legítima.

A maioria dos brasileiros não deixa testamento, por isso, aplicam-se


integralmente as regras da sucessão legítima, isto é, as regras legais. É como se
a lei substituísse o sujeito que faleceu.
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei (sucessão legítima) ou por disposição de
última vontade (sucessão testamentária).

a) Sucessão Hereditária Universal (arts. 1.829 a 1.856 do CC): alcança o herdeiro,


porque a ele é deferida a universalidade, pode herdar toda a herança ou uma
quota parte dela. O sucessor universal é um herdeiro.

b) Sucessão Hereditária Singular (arts. 1.912 a 1.940 do CC): é o caso do legatário.


A esse não é deferida toda a herança ou uma fração, mas um bem ou um direito
determinado. Ele sucede a título singular.

A maioria dos brasileiros, quando falece, sequer deixa testamento, por vezes,
sequer tem patrimônio para aplicar as regras da sucessão legítima.

No máximo, deixam um crédito na conta do PIS, PASEP, FGTS, rescisão


trabalhista, os chamados resíduos sucessórios. O Código não olhou para essa
situação. Para tanto, existem os pedidos de alvará judicial para liberar os
valores em conta do falecido. Isso integra o inventário com herança?

Não. São objeto de um procedimento mais simples de alvará judicial para o


levantamento desses valores.

TEMA 2 -

PRINCIPIOLOGIA

PRINCIPIOLOGIA

Tema 02 – Principiologia

Fontes dos nossos slides: Novo Curso de Direito Civil e Manual de Direito Civil –
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo P. Filho (Ed. Saraiva).

Destacamos alguns importantes princípios do Direito Sucessório:


a) Princípio da Saisine;

b) Princípio non Ultra vires Hereditatis;

c) Princípio da Territorialidade;

d) Princípio Temporariedade;

e) Princípio da Autonomia da Vontade.

Princípio da Saisine

“Na Idade Média, institui-se a praxe de ser devolvida a posse dos bens, por
morte do servo, ao seu senhor, que exigia dos herdeiros dele um pagamento
para autorizar a sua imissão. No propósito de defendê-lo dessa imposição, a
jurisprudência no velho direito costumeiro francês, especialmente no Costume
de Paris, veio a consagrar a transferência imediata dos haveres do servo aos
seus herdeiros (...)”

Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil — Sucessões. 17. ed. Rio
de Janeiro: Forense.

A ideia de Saisine é muito difundida, de acordo com ela, com a morte do sujeito
— ou seja, abertura da sucessão — automaticamente a herança é transmitida
aos sucessores. É uma espécie de ficção jurídica.

No direito francês, na Idade Média, o servo possuía uma área de terra, era
vassalo de um senhor e, durante 40 anos, cultivava-a. Quando ele morria, seu
patrimônio não ia automaticamente para os herdeiros, mas voltava para o
nobre, de quem ele era vassalo. Os filhos do falecido tinham que pagar uma
taxa para o nobre devolver-lhes a posse dos bens.

Por isso, o direito francês criou uma regra no sentido de que, quando o sujeito
morresse, automaticamente o seu patrimônio passasse para os filhos, sem que
precisem pagar uma taxa ao senhor de seu falecido pai. Nasce, então, a ideia da
saisine hereditária, que é difundida em todo o mundo, ao menos nos estados
europeus do direito ocidental.

No direito alemão, o princípio da saisine é consagrado por meio de uma


expressão em alemão “der tote erbt den lebenden”. A tradução que faziam dessa
expressão do alemão para outras línguas continha, aparentemente, uma
impropriedade.

Sobre a expressão usada para caracterizar a saisine hereditária no Direito


Alemão, conferir: STOLZE, Pablo. “Der Tote erbt den Lebenden” e o
Estrangeirismo Indesejável. Revista Eletrônica Jus Navigandi.

Quando se traduz essa frase para o português, ela fica sem sentido: “o morto
herda do vivo”. Por isso, não se pode utilizar simplesmente as expressões
estrangeiras sem entendê- -las (estrangeirismo indesejável).

O Princípio da Saisine pode ser definido como a regra fundamental do Direito


Sucessório, pela qual a morte opera a imediata transferência da herança aos
seus sucessores legítimos e testamentários.

Trata-se de uma ficção jurídica que visa a impedir que o patrimônio do falecido
fique sem titular.

Por exemplo, a pessoa morre e deixa 4 filhos, automaticamente os filhos


receberão a herança em termos ideias, por força da saisine. Cada um é titular
de ¼ da herança. Qual dos filhos ficará com o carro, lancha, casa etc. será
determinado no inventário.

O inventário irá descrever os bens, apurar o passivo, abatê-lo, pode ser que não
sobre nada.

Enquanto o inventário ou arrolamento tramitam, com a morte do sujeito,


automaticamente, cada um dos sucessores é titular de uma fração ideal.
Código Civil

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.

À luz do princípio da saisine hereditária, com a morte, automaticamente, a


herança é transmitida aos herdeiros. Isso é uma ficção jurídica. Por exemplo,
alguém morre, tem 4 filhos, automaticamente cada um é titular de 1/4 da
herança.

Às vezes, o inventariante se sente dono dos bens objeto do inventário. Por


exemplo, um dos herdeiros se apossa do apartamento que integra o inventário,
bem mais valioso. Enquanto o inventário corre, ele mora no apartamento como
se fosse o dono.
Existe precedente do STJ, confirmado em 2022, no sentido de que o herdeiro que
exerce posse exclusiva de bem do inventário, por exemplo, um apartamento,
pode ser compelido a pagar aluguel aos outros herdeiros:

STJ AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL


CIVIL. ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. USO EXCLUSIVO DO BEM POR
HERDEIRA. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE
POSSE EXCLUSIVA. ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. NÃO CABIMENTO.
CONCLUSÕES DO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 7
E 568 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do STJ considera “possível a fixação de aluguéis pela
utilização de bem deixado pelo autor da herança exclusivamente por um
dos herdeiros” AgInt no AREsp 889 672 / Rel. Ministra MARIA ISABEL
GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21.2.2017 DJe 10.3.2017).
2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória.
Súmula 7 do STJ.
3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n.
1.849.903/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,
julgado em 21/2/2022, DJe de 25/2/2022.)

Nesse caso, não foi provada a posse exclusiva, mas se fosse, o herdeiro teria
que pagar. Isso é justo, porque o inventário pode levar anos. Dessa forma, não
se pode dizer que um herdeiro tem mais direitos do que outro. Todos têm
direitos iguais, por força do princípio da saisine, abstratamente considerados.

Por causa da saisine, cada um dos herdeiros é automaticamente titular da


posse e da propriedade ideal da herança, logo, qualquer deles pode defender o
espólio, bens componentes da herança.

Por exemplo, enquanto o inventário corre, uma das fazendas deixadas pelo
falecido foi invadida. Qualquer dos herdeiros pode lançar mão de uma ação
possessória, pois é como se fossem coproprietários, condôminos, em frações
ideais daquela herança enquanto ela está sendo apurada no inventário.
Por exemplo, em um júri, foi julgado um caso grave de homicídio, em que um
zelador entrou em uma casa e tentou estuprar uma senhora. A senhora pegou
uma faca na cozinha, porém, o zelador conseguiu puxar a faca pelo fio,
esfaqueou e matou-a.

Na réplica, o promotor deixou o argumento mais forte para o final e disse que a
senhora tentava defender a sua honra, pois tinha um terço na bolsa. Além da
denúncia contra o réu por homicídio qualificado, ele requereu que ele fosse
denunciado por furto, porque depois de esfaquear a vítima, pegou a sua bolsa e
levou seus pertences.

Ele poderia ter furtado a vítima, estando ela morta? O furto é a subtração de
coisa alheia móvel de quem está vivo. No entanto, no momento em que ele leva
os pertences da vítima, à luz do princípio da saisine, se ela está morta,
automaticamente, todo o patrimônio pertence aos herdeiros.

Dessa forma, houve um crime patrimonial também. Não foi latrocínio, mas um
ato autônomo. Quando alguém retira bens de uma pessoa falecida, aqueles
bens já pertencem aos sucessores dela, por força do princípio da saisine.

Por exemplo, se a pessoa morre e só deixou dívidas ou deixou mais dívidas que
patrimônio ativo, os herdeiros não vão assumir débitos.

Princípio “non ultra vires hereditatis”

Traduz a ideia de que o sucessor não responderá por dívidas que ultrapassem
as forças da herança.
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da
herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário
que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

Por exemplo, um tio morreu e deixou apenas um herdeiro.O seu patrimônio era
de 500 mil reais e devia 1 milhão.

Quando se fizer o encontro de contas, haverá ainda 500 mil reais de débito. O
sobrinho irá assumir? Não, porque o herdeiro não responde “non ultra vires
hereditatis”. No final do século XIX e início do século XX, antes do Código de 1916,
quando a pessoa morria, a herança descia para o herdeiro inclusive se fosse só
dívidas ou mais dívidas do que crédito.

Dessa forma, no passado, no Brasil, um filho poderia herdar apenas as dívidas


do pai. A única forma de evitar isso seria receber a herança sob benefício de
inventário.

Hoje, essa matéria já está pacificada e regulamentada na nossa legislação. A lei


é clara ao estabelecer que o herdeiro não responde além das forças da
herança.

O princípio “non ultra vires hereditatis” não deve ser confundido com o princípio
“intra vires hereditatis”. Essa última significa dizer que, quando o sujeito morre, o
patrimônio responde pelas dívidas que ele deixou.

Por exemplo, uma pessoa morreu, deixou uma dívida de 100 mil.

Ela tem o patrimônio de 1 milhão. O credor vai ao inventário, se habilita e cobra


do espólio. Não há problema, está “intra vires”, dentro das forças da herança.

Obs.: Por outro lado, o próprio patrimônio deixado pelo falecido deverá
responder pelas dívidas que foram deixadas, razão por que se diz que
responderá “intra vires hereditatis”.

STJ: 1. “O espólio sucede o de cujus nas suas relações fiscais e nos processos
que os contemplam como objeto mediato do pedido. Consequentemente,
espólio responde pelos débitos até a abertura da sucessão, segundo a regra
intra vires hereditatis”. (REsp 499147/PR)
Princípio da territorialidade (a lei sucessória no espaço)

Art. 1.785, CC. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.

Por exemplo, o último domicílio do falecido João foi a comarca de São Paulo. A
sucessão será aberta lá.

Art. 48, CPC. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente


para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de
última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para
todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no
estrangeiro. Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio
certo, é competente:
I - o foro de situação dos bens imóveis;
II - havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;
III - não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio.

No Direito Internacional Privado também há uma regra, na LINDB, que interessa


à compreensão do princípio da territorialidade:
Art. 10, LINDB. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em
que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a
situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os
represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
(Redação dada pela Lei n. 9.047, de 1995)
§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para
suceder.

O tema atinente à territorialidade da sucessão escapa a essa matéria,


recomenda-se a leitura do art. 1785 do Código Civil, 48 do CPC e 10 da LINDB.

Princípio da temporariedade (a lei sucessória no tempo)

Para saber como se dará a sucessão de alguém ou a legitimação para suceder é


necessário investigar qual era a lei vigente ao tempo da morte.

José Fernando Simão:

“Segundo dispõe o artigo, a lei que se aplica à sucessão é aquela vigente no


momento da morte, e não da abertura do processo de inventário. Assim, se a
pessoa faleceu até 10 de janeiro de 2003, sua sucessão será regida pelo Código
Civil de 1916, bem como pelas Leis n. 8.971/94 e 9.278/96, no caso de uma união
estável”. (Código Civil Comentado, 4ª ed. Forense, 4ª ed., 2022, comentário ao
artigo respectivo).

Por exemplo, se uma pessoa morreu em 10 de janeiro de 2000, qual será a lei
aplicável? Não se pode aplicar o Código Civil atual, de 2002, entrou em vigor em
11 de janeiro de 2003. Aplica-se o Código antigo, porque a lei sucessória aplicável
é a vigente ao tempo da morte. Reforçando a norma anterior, confira-se, ainda,
o seguinte dispositivo do CC/02:

Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação


hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua
vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n. 3.071, de 1 o de janeiro
de 1916).

Por exemplo, se a pessoa morreu em 1998 e o inventário está sendo aberto


agora, aplica-se o Código Civil de 1916, no que se refere à sucessão e à
legitimidade para suceder.

Princípio da autonomia da vontade

Trata-se de um importante princípio, calcado na autonomia privada: busca-se


preservar a vontade do falecido.

Sempre, dentro do possível, deve-se buscar preservar a vontade do autor da


herança.

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: (...)

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da


herança de seus bens por ato de última vontade.

Por exemplo, se a pessoa deixou um testamento, esse deve ser interpretado de


acordo com a vontade presumida do falecido. À luz desse princípio, veda-se a
“captação violenta” ou “dolosa” da vontade do testador.

Carlos E. Elias de Oliveira


“Chamamos de princípio da vontade soberana do testador o prestígio que deve
ser dado à manifestação de vontade expressada no testamento

[1]. Deve-se prestigiar, acima de tudo, a vontade do testador, segundo o


princípio da vontade soberana do testador.

Decorrem desse princípio várias consequências:


(1)é admitida a revogação do testamento a qualquer momento (art. 1.969, CC);

(2)é determinado que, no caso de cláusula testamentária dúbia, deve prevalecer


a interpretação mais compatível com a vontade do testador (art. 1.899, CC);

(3)irregularidades formais na lavratura do testamento que não coloquem a


suspeição a fidedignidade da manifestação de vontade não devem acarretar a
invalidade do testamento; (...)” (“Princípio da vontade soberana do testador e o
censurável ‘testamento magistral’”, publicado no Conjur, em 21.09.20)

O princípio da vontade soberana do testador nada mais é do que uma releitura


desse princípio maior da autonomia da vontade. Dessa forma, o testador pode
revogar o testamento quantas vezes quiser.

Por exemplo, o testamento tem um rasgo na ponta, mas é compreensível, ele não
deve ser anulado.

Uma das hipóteses em que o herdeiro pode ser excluído da herança é quando
ele cooptar a vontade do testador de forma fraudulenta ou dolosa. Por exemplo,
o neto ameaça o avô para que teste em seu favor. Se isso ficar comprovado, ele
pode ser excluído da herança, porque violou o princípio da autonomia da
vontade.

Na mesma linha, quando um dos herdeiros engana fraudulentamente alguém


com idade avançada, criando intrigas ou seduzindo de forma malévola para se
beneficiar do inventário.
Se for comprovado (embora seja difícil), essa pessoa será excluída da herança.
Por exemplo, a pessoa, antes de morrer, foi enganada por um dos herdeiros, que
era estelionatário mental, e o testamento foi totalmente favorável a ele. Há
testemunhas de que ele inibiu o testador de dispor livremente de seus bens.
Esse herdeiro pode ser excluído da herança, se for comprovado.

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