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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
FORO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
3ª VARA CÍVEL
AV. SALMÃO, 678, São José dos Campos - SP - CEP 12246-260

SENTENÇA

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1004639-59.2023.8.26.0577 e código Om9xyPv9.
CONCLUSÃO
Aos 20 de setembro de 2023, faço estes autos conclusos ao Exmo. Sr. Dr. LUIS MAURÍCIO
SODRÉ DE OLIVEIRA, MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca. Eu, José Antonio de
Castro Rangel Neto, Escrevente, subscrevi.

Processo nº: 1004639-59.2023.8.26.0577


Classe - Assunto Procedimento Comum Cível - Rescisão do contrato e devolução do

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por LUIS MAURICIO SODRE DE OLIVEIRA, liberado nos autos em 27/09/2023 às 16:46 .
dinheiro
Requerente: Alexandre Bueno Machado
Requerido: Ativa Investimentos S/A Corretora de Títulos Câmbio e Valores e
outros

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luís Mauricio Sodré de Oliveira

Vistos.

Alexandre Bueno Machado propôs ação de conhecimento em face


de Ativa Investimentos S/A Corretora de Títulos Câmbio e Valores, RII Corretora de Títulos e
Valores Mobiliários Ltda e Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo,
visando em sede de tutela de urgência o arresto da quantia de R$ 380.614,74, e, no mérito, a
rescisão do contrato de investimento celebrado com as rés, cumulado com pedido de resgate dos
valores investidos, correspondentes a R$ 380.614,74, sob a alegação de que é titular da conta de
registro n. 32.681, da agência 0001 da ré ATIVA INVESTIMENTOS S.A. CORRETORA DE
TÍTULOS, a qual recomendou a aplicação no fundo de renda fixa denominado INFINITY
SELECT FUNDO DE INVESTIMENTO RENDA FIXA LONGO PRAZO, administrado pela ré
RJI CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS. Segundo o autor, conforme
cláusula 5.2 do Regulamento do fundo de investimento vigente na data do pedido de resgate, o

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prazo para pagamento do resgate deve ocorrer no mesmo dia da solicitação. Assim, no dia

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08/02/2023 o autor solicitou o resgate total do valor investido, o que não foi efetivado porque a ré
RJI CORRETORA informou o fechamento do fundo no dia anterior, ou seja, 07/02/2023. Alega
ainda o autor que a iliquidez do fundo já era de conhecimento das rés, uma vez que no dia
16/12/2022 o mencionado fundo INFINITY atingiu o máximo do patrimônio líquido superando a
quantia de 706,20 mi, com valor aplicado de 635,75mi, com aproximadamente 10.430 cotista, e

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que decorridos 14 dias da máxima capitalização, ocorreu expressivo resgate dos recursos
395,00mi, os quais superam 50% do capital financeiro, fato que não foi informado, infringindo-se
assim o artigo 60 da IN 555-2014 da CVM. Afirma ainda o autor que nenhum fato relevante foi
divulgado nos meses de dezembro/2022 e janeiro/2023, de maneira que as rés tinham
conhecimento da iliquidez e premeditaram a conduta de fechamento do fundo.
A liminar foi concedida pela decisão de págs. 295/298, que
determinou o arresto dos valores monetários indicados na inicial, via SISBAJUD, em contas
bancárias da ré INFINITY SELECT FUNDO DE INVESTIMENTO RENDA FIXA LONGO
PRAZO, até final decisão de mérito.
Conforme petição de págs. 318/319, a parte autora alegando que o
bloqueio efetivado a págs. 308/314 afetou depósito a prazo, emergindo daí a presunção de
ausência de recursos em depósito à vista disponível na conta titularidade da ré INFINITY, requer
que a instituição financeira custodiante do bloqueio, ou seja, a própria ré RJI CORRETORA DE
TÍTULOS, promova a liquidação do depósito a prazo no prazo de 48 horas, sob pena de multa
diária.
Citadas, as rés INFINITY FUNDO DE INVESTIMENTO E RJI
CORRETORA apresentaram contestação (págs. 328/346) alegando que o fechamento de
determinado fundo é faculdade atribuída a seu administrador no caso excepcional de iliquidez,
que é a hipótese dos autos, razão pela qual procedido o pedido de resgate após o fechamento do
fundo não foi possível o atendimento do pedido do autor. Alegam ainda as rés que conforme
Regulamento do Fundo a cotização para resgate deve observar o prazo de 75 dias, o que se daria
em 02 de junho de 2023, de maneira que não há liquidez do valor pretendido pelo autor. Aduzem,
ainda, que à época do fechamento do Fundo os emitentes dos títulos de crédito compronentes da
carteira do Fundo réu estava inadimplentes com as obrigações de pagamento das parcelas
descritas nos referidos títulos, tendo alguns deles solicitado recuperação judicial ou mesmo tido a
sua falência decretada, situações que ocasionaram a inadimplência quase que integral dos ativos
que compõem a carteira do Fundo réu, razão pela qual a ICVM 555 autoriza a administradora a
efetivar o fechamento do Fundo. Alega, ainda, a corretora RJI a ilegitimidade passiva, pois apenas

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administra o fundo (págs. 413/417).

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Em réplica (págs. 445/454) o autor alega que o Regulamento
juntado pelas rés a fim de justificar o prazo de cotização do resgate, tem sua vigência a partir de
04/04/2023, ou seja, após a propositura da ação, e após o pedido de resgate efetivado em
08/02/2023, quando então vigia outro Regulamento segundo o qual o prazo para cotização era
D+0, ou seja, no mesmo dia, conforme se verifica pelo documento juntado pela ré a págs.

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347/362.
Conforme petição de págs. 459/462, o autor vem novamente aos
autos a fim de informar fato novo consistente no novo fechamento do fundo para resgates em 17
de maio de 2023, sendo que em 19 de maio de 2023 as rés RJI CORRETORA e INFINITY
SELECT informaram reajuste na carteira do fundo no importe de -84,96% por inadimplemento
das operações na carteira intitulada BOX PU, o que implica na gestão temerária do fundo pela
RJI, colocando em risco aproximadamente 85% do capital financeiro do fundo de investimento
renda fixa em operações denominadas BOX PU vinculada no mercado financeiro em derivativos,
reiterando, portanto que o arresto deferido na decisão inicial alcance as contas bancárias da
administradora e custodiante do fundo RJI CORRETORA.
Conforme se verifica pela petição de págs. 586/625, a ré ATIVA
INVESTIMENTOS S.A. CORRETORA DE TÍTULOS, CÂMBIO E VALORES apresentou
contestação, conquanto intempestiva em face à certidão de decurso de prazo de pág. 444,
alegando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva, pugnando, no mais, pela produção de provas
consistentes na oitiva dos representantes legais dos réus e do autor, assim como na juntada pela
administradora RJI e Fundo de Investimento dos documentos que informem o patrimônio do
fundo, o montante disponível em caixa do fundo, onde estão alocados os investimentos feitos pelo
fundo, quem são as contrapartes dos investimentos feitos pelo fundo, quais as garantias das
operações realizadas pelo fundos, requerendo, ainda, a produção de prova pericial por auditor
credenciado junto à CVM, requerendo, no mais e por fim, a improcedência do pedido.
Conforme petição de págs. 702/708, a ré RJI CORRETORA
impugna os fatos novos declinados pelo autor na petição de págs. 459/462, alegando, em síntese,
que conforme cláusulas 6.3 e 6.6.1 do Regulamento do Fundo há autorização expressa de
aquisição de derivativos até o limite de 100% do patrimônio líquido do Fundo, como é o caso da
operação BOX PU. Alega, ainda, que conforme cláusula 6.5.1 do aludido Regulamento é clara a
determinação de obrigação da gestora do Fundo manter o seu investimento em um mínimo de
80% de ativos financeiros sintetizados via derivativos.
Por fim, nas petições de págs. 812/813, 815/827 e 828/845, as rés

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ATIVA INVESTIMENTOS e INFINITY SELECT reiteram as alegações já deduzidas, diante das

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quais, o autor, instado a manifestar-se reitera a pág. 848, os argumentos já deduzidos nas petições
anteriores.

É o relatório

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D E C I D O.

Uma vez que a presente lide versa sobre questão de direito e de


fato, cuja prova é exclusivamente documental, passa-se ao julgamento antecipado da lide.
Não há preliminares a apreciar.
Isso porque, as condições da ação, consoante ensinou Kazuo
Watanabe, em Da Cognição no Processo Civil, RT, 1987, devem ser aferidas no estado de
asserção, ou seja, independentemente do direito material demandado em juízo. Saber se o autor
possui ou não tal direito é, na verdade, questão de mérito que não diz respeito aos pressupostos de
desenvolvimento válido e regular do processo ou às condições da ação.
Ademais, totalmente desncessária é a oitiva dos representantes
das rés --- aqui curiosamente requerida pelas próprias rés --- bem como a realização de auditora
feita por servidor da CVM, na medida em que não se faz possível a parte ré requerer o próprio
depoimento pessoal nem mesmo pretender que a CVM interfira a função jurisdicional, visto que o
controle que está exerce no mercado de capitais, além de ter a função de regulamentação macro-
jurídica deste mercado, não se confunde c a função jurisdicional em questão, diante do conflito
instaurado, nem pode a esta sobrepor-se.
Trata-se, à evidência, de medidas de cunho tipicamente
protelatório, visto que os fatos narrados na inicial, não foram impugnados especificamente, sendo
apenas e tão-somente necessária fazer a subsunção destes ao ordenamento jurídico, a fim de se
apurar a procedência ou não o pedido formulado.
Assim sendo, e porque o depoimento pessoal da parte autora em
nada pode alterar a solução decorrente da análise dos fatos incontroversos, ficam as provas
requeridas pelas rés indeferidas, visto que o processo está em termos para ser julgado.
Passa-se assim à análise da questão de mérito.
O pedido formulado é procedente.
Primeiramente, cabe ressaltar que o CDC, bem como toda a

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normatização que regulamenta o mercado de capitais, tem aplicação na hipótese em questão, não

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sendo demais ressaltar que de acordo com a súmula 297, do STJ, O Código de Defesa do
Consumidor é aplicável às instituições financeiras, sendo instituição financeira para os fins em
questão tanto as entidades que operam no mercado financeiro, como aquelas, no mercado de
capitais, a teor do que dispõe o artigo 1º, da lei 7492/86, a saber:
Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de

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direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória,
cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia,
emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores
mobiliários.

Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio,


capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

I-A - a pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos
virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia;

II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo,
ainda que de forma eventual.

Com efeito, é fato incontroverso que os termos da contratação


estipulado pela parte autora, junto das rés, que respondem solidariamente, por por força do
disposto no parágrafo único do artigo 7º do CDC.

Assim sendo, é forçoso reconhecer que todo o artifício


argumentativo das rés teve como escopo burlar toda a legislação que tutela a economia popular e
as relações das empresas de capital aberto com o público investidor, já que estas, para poderem
captar parcela da poupança social há de ter o respectivo registro e autorização junto a Comissão
de Valores Mobiliários e, portanto, sujeitam-se à normatização regulamentar editada.

Nada obstante seja intuitivo que a CVM, autarquia federal


existente há mais de 40 anos, frise-se, já tenha sedimentado, pela experiência, o limite e âmbito de
atuação normativa, no que se refere à função de disciplina jurídica do mercado de capitais no
Brasil, conveniente se faz algum aprofundamento, diante do equívoco de se concluir que a

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regulamentação tem como escopo precípuo proteger as instituição financeiras, em detrimento do

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publico investidor.

Esse tema, ademais, não é novo para este julgador, visto que foi
estudado e enfrentado, por quase 10 anos, tendo constituído, aliás, parte de objeto de estudo de
tese de doutoramento, junto ao Departamento de Direito Financeiro e Econômico da Universidade
de São Paulo, ao final aprovada em 2005, o que resultou na edição do livro Mercado de Câmbio

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- Contribuição ao Disciplinamento Jurídico no Brasil, ed. Juruá, 2007.

Naquela ocasião, a página 124 e seguintes, sob o item 5.1.5 - O


sistema financeiro nacional e as operações cambiais, enfrentou-se a necessidade de estabelecer
nítida de distinção entre o que se convencionou chamar mercado financeiro, em contraposição
ao denominado mercado de capitais. A saber:
"Primeiramente e antes de conceituar o sistema financeiro
nacional, no que tange à respectiva estruturação e finalidade, impõe-se, como antecedente
lógico, precisar o significado jurídico do próprio vocábulo financeiro, visto que se trata de
cuidado imprescindível, prudencial, a ser feito, no momento da análise de textos normativos
(COMPARATO, 1983, p. 11).
Pode-se dizer que, no ordenamento jurídico brasileiro, em
seus vários níveis constitucional e infraconstitucional o termo financeiro, quando
utilizado, está exatamente a denotar os negócios jurídicos creditícios, entendendo-se como
tais os negócios, cujas prestações e contraprestações das partes hão de ocorrer,
inevitavelmente, pela transferência de moeda ou de direito de crédito monetário.

Diferem esses negócios jurídico-financeiros daqueloutros,


denominados comerciais, na medida em que não há, nos negócios jurídico-financeiros,
obrigação das partes de realizarem prestações que envolvam bens ou serviços usufruíveis,
visto que tanto a prestação como a contraprestação hão de realizar-se única e
exclusivamente pela transferência de moeda ou direito de crédito monetário que, nos termos
do disposto na Lei 4.595/64, denomina-se titulo mobiliário.

Assim, quando se fala de sistema financeiro ou mercado


financeiro está, inevitavelmente, a fazer menção aos negócios jurídicos contratos
creditícios que tenham como objeto do próprio contrato a moeda ou titulos mobiliários.

omissis
De ver, portanto, que o mercado financeiro difere daqueloutro

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denominado de capitais, merce dos objetivos e finalidades de um e outro, o que importa em

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reconhecer que um e outro mercado diferem entre si pela natureza jurídica dos respectivos
negócios aperfeiçoados e, por conseqüência, dos títulos negociados (OLIVEIRA, 1989, p. 28).

Enquanto o mercado financeiro caracteriza-se pelo fato de


dar ensejo ao aperfeiçoamento de negócios creditícios que implicam a emissão (efetiva ou
escritural) de títulos mobiliários que circulam no próprio mercado financeiro, de acordo

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com regras preestabelecidas pelas autoridades monetárias Conselho Monetário Nacional e
Banco Central cujo traço principal é a impessoalidade e generalidade que o caracteriza
(OLIVEIRA, 1989, p. 27-28), aqueloutro, de capitais, tem como escopo regular os negócios
jurídicos que se poderiam denominar de participação, assim se caracterizando os títulos
emitidos nesse mercado de capitais, cuja meta principal é a captação de poupança para a
prática de atos de investimento pelos agentes econômicos privados, em atividades
econômicas (OLIVEIRA, 1989, p. 29).
Assim, pode-se dizer que a expressão título mobiliário refere-
se, preponderantemente, ao mercado financeiro, ao passo que a de valores mobiliários, ao
mercado de capitais.
O Direito brasileiro, partindo-se novamente de definição
estipulativa, no art. 2°, da Lei 6.385/76, acabou por definir o que se deva entender por valor
mobiliário.

De acordo com o referido art. 2°, da Lei 6.385/76, com as


modificações instituídas pela Lei 10.303/01, são valores mobiliários:

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição; omissis...VII os contratos futuros, de opções


e outros derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX quando ofertados
publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito
de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços,
cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros." (Grifado, ob. Cit., p.
124/127)."

Na exposição de motivos do projeto de lei (mensagem n° 203),


que resultou na lei 6.385/76, que criou a CVM, contém ensinamento, cuja transcrição afigura-se
oportuna, para fim de estabelecer a natureza jurídica dos recursos que são destinados pelo público
poupador/investidor ao mercado de capitais e qual a função macro-econômica que este exerce na
renda e poupança sociais e, por consequência, na econômica de um país. In verbis:

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"MENSAGEM N.° 203

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Excelentíssimos Senhores Membros do Congresso Nacional:

Nos termos do artigo 51 da Constituição, e para ser apreciado nos prazos nele referidos,
tenho a honra de submeter à elevada deliberação de Vossas Excelências, acompanhado de
Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado da Fazenda, o anexo projeto de lei que
"dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários -

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CVM".

Brasília, em 2 de agosto de 1976. - Ernesto Geisel.


E.M. n.° 197 - Em 24 de junho de 1976.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República:

Tenho a honra de encaminhar a Vossa Excelência projeto de lei que dispõe sobre o
mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
2. 0 texto anexo forma, em conjunto com o projeto de lei das sociedades por ações, um
corpo de normas jurídicas destinadas a fortalecer as empresas sob controle de capitais privados
nacionais. Com tal objetivo, ambos procuram assegurar o funcionamento eficiente e regular o
mercado de valores mobiliários, propiciando a formação de poupanças populares e sua aplicação
no capital dessas empresas.

3. 0 projeto de lei das sociedades por ações pressupõe a existência de novo órgão federal - a
Comissão de Valores Mobiliários - com poderes para disciplinar e fiscalizar o mercado de
valores mobiliários e as companhias abertas.
4. A experiência demonstrou que a defesa da economia popular e o funcionamento
regular do mercado de capitais exigem a tutela do Estado, com a fixação de normas para
emissão de títulos destinados ao público, divulgação de dados sobre a companhia emitente e
negociação dos títulos no mercado. Além disso, é necessário que agência governamental
especializada exerça as funções de polícia do mercado, evitando as distorções e abusos a que
está sujeito.
5. A Lei n.° 4.728, de 1965, organizou o mercado de capitais, sob a disciplina do Conselho
Monetário Nacional e a fiscalização do Banco Central do Brasil. 0 legislador da época entendeu
que o mercado de capitais, então incipiente, não justificava a criação de órgão especializado para
o fiscalizar. 0 Banco Central, que estava sendo instalado, era o órgão naturalmente indicado para
exercer a função. Entretanto, o Banco Central, cuja função precípua é a de gestor da moeda, do
crédito, da dívida pública e do balanço de pagamentos, não deve ter as suas atribuições

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sobrecarregadas com a fiscalização do mercado de valores mobiliários.

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6. 0 projeto institui a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, com a função de
disciplinar o mercado de títulos privados - ações, debêntures e outros - sob a orientação e
coordenação do Conselho Monetário Nacional. 0 campo de ação da CVM se estende às
companhias abertas, aos intermediários e a outros participantes do mercado.

7. Ademais, o projeto atualiza a legislação do mercado de capitais relativa aos valores

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mobiliários, regulando a emissão e distribuição desses valores, a negociação e intermediação no
mercado, a organização, o funcionamento e as operações das bolsas de valores, e outras atividades
correlatas (artigo 1.°).
8. 0 mercado de valores mobiliários compreende os títulos emitidos pelas companhias
ou sociedades anônimas: as ações, partes beneficiárias e debêntures; os cupões desses
títulos; os bônus de subscrição; os certificados de depósito de valores mobiliários; e outros, a
critério do Conselho Monetário Nacional (art. 2.°).
9. Permanecem na área de competência do Banco Central o mercado monetário, o mercado
de capitais representados por títulos de responsabilidade de instituição financeira (exceto as
debêntures), e o mercado de títulos da dívida pública, inclusive o open-market.
10. Como na Lei n.° 4.728, o projeto enuncia, no art. 4.°, os fins para os quais o
Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários devem exercer as
atribuições legais, circunscrevendo-lhes o campo de discricionariedade.

11. A Comissão de Valores Mobiliários será uma autarquia, vinculada ao Ministério da


Fazenda (art. 5.°), administrada por um presidente e quatro diretores, nomeados pelo Presidente
da República e demissíveis ad notum (sic). 0 Presidente da Comissão integrará o Conselho
Monetário Nacional (art. 6.°).
12. No exercício das suas atribuições a Comissão de Valores Mobiliários poderá (art. 9.°):
examinar registros contábeis, livros e documentos das pessoas sujeitas a sua fiscalização; intimá-
las a prestar informações ou esclarecimentos, sob pena de multa; requisitar informações de órgãos
públicos, autarquias e empresas públicas; determinar às companhias abertas a republicação de
demonstrações financeiras e outros dados; apurar infrações, mediante inquérito
administrativo; e aplicar penalidades.
13. Pouca ou nenhuma eficácia teria a ação fiscalizadora da Comissão de Valores
Mobiliários, se esta não dispusesse de um sistema de sanções disciplinadoras contra as
infrações do mercado. Por isso, o projeto prevê um conjunto de penalidades, que poderão

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ser aplicadas pela Comissão, a saber (art. 11): advertência; multa; suspensão do exercício de

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cargo de administrador de companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição de
valores; inabilitação para o exercício desses cargos; suspensão da autorização ou registro
para o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários; e cassação da autorização
ou registro para o exercício dessas atividades. As multas serão de até quinhentas ORTN's,
ou até trinta por cento da emissão ou operação irregular.

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14. As organizações que compõem o sistema de distribuição de valores mobiliários estão
classificados no art. 13, nesta ordem de atividades: I - as instituições financeiras e demais
sociedades que tenham por objeto distribuir emissão de valores mobiliários; a) como agentes da
companhia emissora; b) por conta própria, subscrevendo ou comprando a emissão para a colocar
no mercado; II - as sociedades que tenham por objeto a compra de valores mobiliários em
circulação no mercado, para os revender por conta própria; III - os profissionais autônomos e as
sociedades que exerçam atividade de mediação ou corretagem no mercado de valores mobiliários;
IV - as bolsas de valores.

15. 0 exercício de atividades no sistema de distribuição está condicionado à autorização ou


registro, concedidos pela Comissão de Valores Mobiliários (art. 14), observadas as normas gerais
fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 16, I).

16. Reconhecendo a realidade atual do sistema financeiro e de capitais, que inclui


instituições autorizadas a operar no mercado financeiro e no mercado de valores mobiliários (caso
dos bancos de investimento e das grandes corretoras), o projeto deixa ao Conselho Monetário
Nacional a competência para definir os tipos de instituição financeira que poderão exercer
atividades no mercado de valores mobiliários, admitindo que as instituições financeiras e as
corretoras existentes continuem a funcionar nos dois setores (art. 13, § 1.°).
17. Em relação às instituições financeiras e demais sociedades autorizadas a explorar
simultaneamente operações ou serviços no mercado de valores mobiliários e nos mercados
sujeitos à fiscalização do Banco Central, as atribuições da nova autarquia serão limitadas às
atividades próprias daquele mercado, mantendo-se a competência do Banco Central sobre as
demais atividades. Compete ao Conselho Monetário Nacional estabelecer normas que assegurem
a coordenação dos trabalhos do Banco Central e da Comissão (art. 13, §§ 2° e 3.°).
18. Às bolsas de valores cabe papel importante na organização do mercado, atuando
na fiscalização dos seus membros e das operações nelas realizadas, como órgãos auxiliares
da Comissão, conforme prevê o art. 15. Mantém-se a autonomia administrativa, financeira e
patrimonial das bolsas, operando estas sob a supervisão da CVM. Em consonância com

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esses princípios, as bolsas poderão estabelecer requisitos próprios para a admissão de títulos

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à negociação no seu recinto, além daqueles fixados pela Comissão (art. 19, § 5.°).

19. Semelhantemente ao disposto na legislação atual (Lei n.° 4.728), porém de modo mais
completo, o art. 17 da lei proposta regula a emissão pública de valores mobiliários no mercado,
proibindo qualquer atividade de distribuição (oferta, subscrição, venda, etc.), sem que a emissão
esteja registrada na CVM. Objetiva-se com tal registro obrigar a companhia emissora a revelar ao

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mercado fatos relativos a sua situação econômica e financeira, possibilitando aos investidores
uma avaliação correta dos títulos oferecidos.
20. Apenas a emissão pública (isto é, a emissão oferecida publicamente) está sujeita a
registro. Não se aplica essa norma à emissão particular, como é o caso da emissão negociada com
um grupo reduzido de investidores, que tenham acesso ao tipo de informação que o registro visa a
divulgar. Se estes, porém, adquirem a emissão com o fim de a colocar no mercado, mediante
oferta pública, estão sujeitos às mesmas restrições que a companhia emissora.
21. Enquanto o art. 17 se ocupa do registro para distribuição de valores novos, o art. 19
cuida dos registros para negociação de valores já em circulação no mercado. Só os valores
mobiliários emitidos por companhia registrada na CVM podem ser negociados na bolsa e no
mercado de balcão (art. 19, § 1.°). A inovação do projeto consiste em exigir o registro da
companhia emitente não só para negociação na bolsa (registro que hoje é feito no Banco
Central), mas também para o mercado de balcão (que compreende as atividades realizadas
fora da bolsa, e com a participação de intermediários do mercado).
22. 0 sistema de registros do art. 19 tem por fim colocar à disposição de todos os
investidores informações atualizadas sobre a companhia emitente Procura-se, por esse meio, em
conjugação com outras normas que disciplinam as companhias abertas, evitar a utilização abusiva
de informações privilegiadas por parte dos que as tenham obtido em virtude da posição que
ocupem na empresa (acionista controlador e administrador, principalmente), com o fim de auferir
vantagem na negociação dos títulos.
23. 0 art. 20 dá à Comissão poderes para expedir normas sobre as companhias abertas
(ou seja, as companhias cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação na bolsa
ou no mercado de balcão). Essas normas, que dizem respeito às informações que as
companhias devam divulgar, à compra e venda de ações emitidas pela própria companhia e
a outras matérias, integram o sistema de proteção do público investidor.
24. No mesmo sentido, o projeto contempla normas sobre a administração de carteiras
de valores mobiliários de outras pessoas (art. 21); a custódia de valores mobiliários (art. 22);

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a auditoria externa das companhias abertas (art. 24); e os serviços de consultores e analistas

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de valores mobiliários (art. 25).

25. Com o fim de evitar repetição de serviços, o projeto prevê que o Banco Central do
Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e a Secretaria da Receita Federal manterão um sistema
de intercâmbio de informações, relativas à fiscalização que exerçam, nas áreas de suas respectivas
competências, no mercado de valores mobiliários (art. 26).

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26. Como disposição transitória, estabelece o art. 27 que, enquanto não for instalada a
Comissão de Valores Mobiliários, suas funções serão exercidas pelo Banco Central do Brasil.
Com o objetivo de assegurar a execução ordenada dos serviços, atribui-se ao Conselho Monetário
Nacional competência para regulamentar o disposto nesse artigo, quanto ao prazo para instalação
da nova autarquia e às funções que passarão a ser por ela exercidas, à medida que se forem
instalando os serviços.
Valho-me do ensejo para renovar a Vossa Excelência meus protestos de profundo respeito.
- Mário Henrique Simonsen, Ministro da Fazenda."

Verifica-se, portanto, que o objetivo primordial que deu ensejo à


criação da CVM foi exatamente a tutela do Estado na defesa de economia popular, representada
pela tutela do público poupador/investidor, frente a distorções e abusos praticados pelas entidades
que participam do mercado de capitais no Brasil. Para tanto --- frise-se para que fique bem
vincado --- criou-se a CVM, autarquia federal, com funções regulamentares, como de polícia do
mercado, ou seja, com função de controle.

Esse foi o motivo que deu ensejo à CVM aplicar multa à parte ré,
já que infringiu toda a normatização legal e regulamentar que disciplina a captação da poupança
social no Brasil.

Dentre os deveres impostos às entidades que atuam no mercado


de capitais está o dever infastável de informação ao público investidor, o que se faz pela pública
de fatos relevantes.

O dever de informação visa, sobretudo a prática ilícita de atuação


no mercado por meio de informações privilegiadas, o que se convencionou chamar de insider
trading ou insider information.

Fábio Konder Comparato, no artigo Insider Trading: Sugestões

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para uma moralização do nosso mercado de capitais, publicado primeiramente em 1971 e depois

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na obra Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Forense, 1978, p. 3-15, traz importantes
considerações que merecem aqui transcrição. A saber:

"Sem dúvida, uma disciplina draconiana da especulação


bolsística, antes da sua expansão, pode matar no nascedouro o mercado acionário que se

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esteja a desenvolver. É incontestável, também, que somente a experiência suscita um direito
autêntico, e que o legislador, como governante, não pode tudo prever. Mas, por outro lado,
não se pode confiar cegamente nas "harmonias econômicas" para a natural organização do
mercado, sobretudo quando esse mercado é de natureza especulativa e visa a captar a
poupança popular. Nem se pode tachar de miúda e asfixiante uma disciplina jurídica que
leve em conta os grandes problemas já suscitados pela experiência estrangeira, e aqueles
resultantes da própria natureza da matéria em causa.
Expliquemo-nos.
Por ocasião de recente fusão de instituição financeiras, a
operação foi precedida de aumento de capital por subscrição de uma delas. Um dos seus
dirigentes e grandes acionista, com vistas na fusão iminente, cujas negociações conduzia,
adquiriu a ínfimo valor centenas de milhares de direitos de subscrição. Poucos dias após,
quando os rumores da fusão invadiram o mercado, esses mesmos direitos passaram a ser
negociados a preço trinta vezes superior. Ou seja, prevalecendo-se do conhecimento de fatos
reservados sobre mutações essenciais na vida da empresa que dirigia, aquele administrador
pôde lograr em poucos dias um ganho patrimonial considerável, pois interveio no mercado
em condições de absoluta superioridade em relação ao público em geral, que não tinha
acesso a tais informações. Jogou "com cartas marcadas".
O fato não constitui episódio isolado, e já se repitiu inúmeras
vezes entre nós nos últimos anos, sob as mais diversas modalidades sem que se saiba, até
hoje, de nehuma tentativa séria, seja de repressão por parte de nossas autoridades, seja de
indenização em juízo por parte dos lesados.
2. O primeiro país a se preocupar eficazmente com o
problema foram os Estados Unidos, editando desde o new deal do Presidente Roosevelt uma
legislação repressora do que lá se convencionou chamar de insider trading. O objetivo dessa
legilsação, como se declarou nos debates parlamentares que precederam o Securities Act de
1933, foi "pôr os proprietários de títulos em posição de igualdade, tanto quanto possível,

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com os dirigentes das sociedades emissoras e, no que diz respeito à informação disponível,

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colocar o comprador em pé de igualdade com o vendedor", ou então, como afirmou o
acórdão, "proteger os que ignoram as condições do mercado contra os abusos dos que as
conhecem".
O art. 16 (a) do Securities Exchange Act de 1934 impõe aos
administradores (directors) e diretores (officers) de sociedades cujos títulos são admitidos à

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cotação bolsística, e bem assim a toda pessoa que detém, direta ou indiretamente, 10% de
determinada categoria de ações cotadas, a obrigação de enviar à Securities and Exchange
Commission relatórios mensais, com a indicação de eventuais alterações no número de ações
possuídas...
omissis
Seja como for, a repressão ao insider trading não se limitou às
disposições citadas. O art. 10 (b) do Securities and Exchange Act havia atribuído à S.E.C o
poder de editar normas de proteção dos investidores contra as práticas fraudulentas, ou de
manipulação de preços, na negociação de títulos. Servindo-se desse amplo poder normativo,
em maio de 1942, a Comissão editou a regra de n° 5, que considerou ilegal "para qualquer
pessoa, direta ou indiretamente, pelo uso de qualquer meio de comércio interestadual, ou
pelo correio, ou servindo-se de qualquer bolsa nacional de valores, quando em relação com a
compra ou venda de valores mobiliários: 1) empregar qualquer plano, esquema ou artifício
fraudulento; 2) fazer qualquer declaração inverídica sobre fato importante (material fact)
ou deixar de declarar um fato importante (fato esse) necessário a fim de evitar que as
declarações feitas, à luz das circunstâncias em que foram feitas, não fossem enganadoras; ou
3) comprometer-se em qualquer ato, prática, ou negociação que representa ou representaria
um fraude ou burla em relação a qualquer pessoa".
É com base nessa regra, de enunciado intencionalmente vago,
que a S.E.C tem reprimido ultimamente grande parte das manifestações de insider trading,
sem as limitações contidas no art. 16 (b) da Lei de 1934. De início, a Comissão atuou na
esfera de seus poderes administrativos, punindo instituições autorizadas a intervir no
mercado de capitais --- notadamente os brokers [sinônimo de agente autônomo de
investimento] e dealers [sinônimo de corretora] --- que tivessem participado de manobras
desse tipo. Em seguida, passou a coadjuvar as pretensões de particulares lesados, em ações
de indenizações contra os responsáveis, intervindo no processo na qualidade de amicus
curiae, uma espécie de assistente litisconsorcial. Doravante, as Cortes federais norte-
americanas reconhecem sem exceção, ao particular lesado pela violação das regras editadas

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pela S.E.C., um direito de ação próprio (grifado, com observação).

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Leitura indispensável para se conhecer a estruturação do mercado
de capitais no Brasil é, ainda, sem dúvida alguma, a obra de Luiz Gastão Paes de Barros Leães,
denominada Mercado de Capitais ¨"Insider Trading", RT, 1982, capítulos II e III. Nesta obra,
inigualável no Brasil, até hoje, o autor descreve duas situações que merecem aqui transcrição: a

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primeira, quanto à estrutura normativa do mercado de capitais, ao passo que, a outra, quanto à
polícia do mercado de capitais.
Começando pelo primeiro tópico, assim se manifestou o autor:
A ESTRUTURA NORMATIVA DO MERCADO DE
CAPITAIS.
A legislação dos mercados financeiro e de capitais obedeceu a
processo pouco habitual em nossa técnica legislativa, o que por certo explica a atitude de
suspicácia a vários de seus mais interessantes expedientes. A sua plasticidade custou a
encontrar eco (se é que já encontrou plenamente) em nossos pretórios, que brandiam
conceitos venerandos tais como a preservação da organização constiticuional, a manutenção
do princípio da separação dos poderes e a supremacia da lei no Estado de direito. Espíritos
mais sensíveis chegaram até a falar em "tirania do Executivo". Devemos convir que as
reações aqui lembradas são de pouco prestadio, ante a eficácia total desse corpo de normas
específicas a disciplinar segmento importante da economia nacional há mais de dois lustros.
Mas devem ser lembradas quando se pensa, como ora o fazemos, em estudar o seu espírito e
a sua estrutura normativa.
Assim sendo, não é demasia, antes pressuposto necessário, o
exame preliminar e pormenorizado de alguns dos tais preceitos constitucionais básicos, a
que se atrelam as principais objeções à legislação do mercado. Nas páginas subseqüentes,
procuraremos, portanto, desenvolver o processo normativo em que essa legislação se insere,
à luz desses iterativos juízos críticos. E sem nos afastarmos da tônica do trabalho, de redigir
paralelo exame de institutos correlatos, existentes no direito norte-americano.

RELATIVIDADE DA SEPARAÇÃO DE PODERES

1. Somos guiados em grande parte por idéias que pertencem a


um mundo que passou. Concebida dentro de contextos históricos diferentes, elas se adaptam
às novas conjunturas, adquirindo sucessivas "conexões de sentido". Pois as que oferecem

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resistência à marcha dos acontecimentos, e não se renovam, morrem com as circunstâncias

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que as forjaram. Freqüentemente, porém, por melhor que tenha sido sua adequação aos
fatos, afloram nas idéias renovadas pontos prejudiciais ou ainda não assimilados. É sob esse
prisma que deve ser encarado o princípio da separação dos poderes, hoje gravado em todas
as constituições.
omissis

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Já se advertiu, no entanto, que Montesquieu nunca empregou
em sua obra política a expressão "separação de poderes". Essa expressão, que passou a
consubstanciar uma das premissas da organização política liberal, somente ganharia difusão
quando transformada em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, em 26.8.1789. E essa recusa em usar dito estereótipo é significativa. Se bem que
historicamente o princípio da divisão tripartida dos poderes tenha desempenhado papel
relevante na solução do equilíbrio constitucional moderno, a verdade é que a independência
dos poderes nunca excluiu a colaboração recíproca. A relatividade da separação, aliás, já
vinha claramente exposta no Espírito das Leis. Mais: à separação funcional dos poderes, já
era inerente, na obra do ilustre gascão, uma supremacia do poder legislativo, na medida em
que o mesmo identificava vontade geral do Estado com poder legislativo, e pode legislativo
com Parlamento. Dada a prioridade lógica e cronológica da legislação sobre administração
(considerada esta também como aplicadora da lei, sem a incidência do processo
contencioso), natural que se sustentasse a supremacia do Congresso-órgão legislativo sobre a
Presidência-órgão executivo. Essa supremacia acentuar-se-ia durante o século XIX, para
atingir o pico no primeiro quartel do século XX. Pois como debilitamento do prestígio
monárquico e o rebaixamento da nobreza, impôs-se gradualmente a ideologia da soberania
popular e, por conseqüência, a imagem do Parlamento como porta-voz da vontade geral.
4. Essa supremacia do Parlamento implicava, em certa
medida, numa concentação monística do poder normativo. Se bem que Montesquieu já
insinuasse a relatividade da separação dos poderes, e visualisasse (sic) o processo legislativo
como conjugação da faculté de statuer, pertencente ao Legislativo, com a faculté d'empêcher,
consubstanciada no veto-sanção por parte do Executivo, não há negar que a idéia
prevalecente era a de atribuir ao Parlamento a exclusividade de função legislativa, como
legítimo poder representativo da vontade soberana do povo. O nome aliás dado ao sistema
político reinante já revelava a ótica dominante: regime parlamentarista, isto é, regime onde o
Parlamento, sobre exercer a função legislativa em termos de exclusividade, constituía (e
destituía) o Executivo. Esse gouvernment d'assemblée atingiria o seu clímax na França, com

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a constituição da 3ª República, quando o Parlamento foi investido não só do poder

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legislativo como também do poder constituinte, fazendo dele o órgão supremo do Estado.
Mas foi forma de governo não só comum aos países da Europa continental, como dominante
na Inglaterra (muito embora a supremacia do Parlamento na experiência inglesa tenha se
afirmado através de vicissitudes históricas diferentes das sofridas pelos civilians) e até nos
EUA, na sua primeira fase de experiência federativa (a do congressional government,

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denunciado por Woodrow Wilson, em 1885).

DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER NORMATIVO


1. Esse quadro irá sofrer mudança radical após a
conflagração mundial de 1914-18, com a passagem do Estado de direito liberal ao Estado de
direito social. Com efeito, já durante o transcorrer da segunda metade do século XIX,
importantes transformações econômicas e sociais, pondo à prova a mitologia liberal
oitocentista, viriam alterar profundamente o perfil político-jurídico do Estado moderno.
Acentuadas alterações na estrutura econômica da sociedade industrial, a par de
conseqüentes modificações nas relações sociais, impulsionaram o Estado a, cada vez mais, ir
abarcando maior número de atribuições, intervindo mais assiduamente na vida econômica e
social, para compor os conflitos de interesses de grupos e de indivíduos. A esses fatores, que
já por si só alterariam, profundamente, os caracteres morfológicos do Estado, acrescentar-
se-ia, já no século XX, o aparecimento, a partir de 1914-1918, e mais acentuadamente em
1939-1945, das economias de guerra (quando as nações centrais e as de periferia tiveram que
se preparar para o esforço bélico), que veio a acelerar, ainda mais, o alargamento das
atribuições do Estado.
Ora, dentro desse contexto, o Estado, doravante social e
intervencionista, passa a adquirir uma estrutura sobremodo diversa da que possuía o Estado
liberal representativo, com diferente composição dos pólos do poder. Naturalmente, a
intervenção dos poderes públicos no campo social e na economia deu lugar a uma profunda
alteração e dilatação da atividade normativa. A intervenção do Estado na economia (rectius,
o sensível aumento dessa intervenção, visto que o absenteísmo do Estado liberal sempre foi
relativo) se traduziu pela exigência de substituir a auto-regulação do mercado por uma
hétero-regulamentação, necessariamente autoritária, do mercado. Intimamente ligado a esse
intervencionismo econômico, insculpe-se o perfil solidarista ou assistencial do Estado
contemporâneo, que expande, assim, as suas atividades normativas, com o fim de dar
proteção social ao homem em sua concretude, posto que a igualdade e a liberdade,

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asseguradas pelo Estado liberal, não ultrapassavam o nível formal. O homem concreto,

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definido não pela sua essência ou por sua afinidade com um tipo ideal, mas pelas
particularidades que deve à situação onde está colocado, asumia o papel-chave de nova
legislação. Nesse sentido, para proteção desse homem situado, favorecendo o empregado em
relação ao empregador, o devedor em relação ao credor, o inquilino em relação ao senhorio,
a vítima em relação ao autor do dano, ou ao seu responsável indireto, o consumidor em

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relação ao fornecedor, surge uma pletora de normas assistenciais. Ora, essa transformação
quantitativa e qualitativa da atividade normativa do Estado não encontra resposta pronta e
adequada no Parlamento, que se revelava incapaz de suportar a crescente demanda do
Estado contemporâneo, não obstante ingentes esforços realizados para agilizá-lo.
2. Na realidade, os Parlamentos não estavam em condições de
dar conta de tão substancial acréscimo de funções, tanto porque foram concebidos, para
exercer o controle político e a elaboração legislativa, como centro de discussões dos temas
nacionais. Esses debates não poderiam, de maneira nenhuma, ser abreviados sem violência à
liberdade de palavra dos parlamentares. Ademais, a estrutura bicameral de alguns
parlamentos acentuava essa feição dilatória da ação parlamentar. Ora, dita morosidade se
revelava incompatível com a presteza exigida pela dinâmica das conjunturas econômicas e
das relações sociais, que ao Estado ora caberia disciplinar, como "equilibrador do sistema".
De resto, mesmo que o processo parlamentar pudesse ser acelerado a contento, certas
questões econômicas não poderiam ser levadas ao debate público, sem reserva do devido
sigilo, sob pena de não produzirem os frutos desejados. Ademais, a limitada eficiência do
Parlamento como legislador também se evidenciava face a crescente especialização técnica
das matérias objeto de normação. A assembléia parlamentar, eleita em função da "política"
se mostrava desprovida de competência qualificada, mal se prestando a elaborações
especializadas.
A conseqüência desse impasse, sobre alterar a posição dos
pólos do poder do Estado, levando o Parlamento a abdicar da hegemonia e da preeminência,
de que até então desfrutava, em favor do Executivo, que passa a ser visto como poder
governamental, foi a de prover instrumentos de descentralização da atividade normativa,
intra e extraparlamentar.
omissis
Ora, essa ampla reformulação do processo normativo nos
Estados modernos, marcada por esse movimento centrífugo do poder legiferante, não
poderia deixar de se refletir, como refletiu, no desenvolvimento do poder regulamentar, que

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sempre se reconheceu ao Executivo.

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omissis
Assim, nos casos de órgãos públicos policiadores da economia,
criados por legislação relativa à intervenção econômica, são exemplos o Conselho Monetário
Nacional, o Banco Central do Brasil, o Instituto Brasileiro do Café, o Instituto do Açúcar e
do Álcool, a Comissão de Valores Mobiliários, e tantos outros, o poder regulamentar é

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atribuído aos órgãos de direção de entidade criada pela lei, tendo em vista a possibilidade de
delegação de competência administrativa, que, por não excluir a competência concorrente e
superior do chefe do Executivo (antes a implica), não fica ao desamparo do dispositivo
constitucional, que, nos termos em que foi colocada, expressamente a autoriza (grifado).

Em duas outras partes da obra citada, Leães, ao mencionar qual


foi a finalidade da regulamentação do mercado de capitais nos EUA, e no Brasil, teceu
considerações importantes que devem ser aqui destacas, primeiramente, com relação ao escopo e
modelo norte-americano, a saber:
"...Assim, praticamente todas as políticas anticíclicas postas
em ação, desde o New Deal rooseveltiano até os nossos dias, são de clara inspiração
Keynesiana.
3. Daí por diante, o Estado se transforma em órgão regulador
e motor da economia. Através do planejamento econômico, da política econômica, e das
atividades empresariais diretas, o Estado, em sua função reguladora, substitui em parte o
mercado, definindo preços, salários, e taxa de juros, estabelecendo prioridades para o
investimento privado e orientando o consumo através de taxa diferençadas. Galbaith divide
o sistema capitalista em um sistema de mercado e um sistema de planejamento. Nesse
quadro, a "estatização" da economia é o epifenômeno das novas fôrmas de regulação
encarnadas no Estado, e seus limites são dados pelas necessidades de reprodução conjunta
do próprio capital monopolista.
omissis
6. Nesse contexto, é particularmnte relevante a legislação
reguladora do mercado de capitais, também dessa época --- a Securities Act, de 1933, e a
Securities and Exchange Act, de 1934 --- pois introduz um instrumento extremamente
original de controle social: o da revelação completa e honesta de informações (full and fair
disclosure). Toda a legislação reguladora do mercado primário e secundário de valores
gravita em torno desse conceito nuclear, procurando impor a prática do disclosure. O

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fls. 869

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propósito desses comandos é o de possibilitar ao investidor comum dispor de informações

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necessárias para tomar decisões criteriosas com relação aos seus investimentos, e assegurar
também que essas informações sejam verdadeiras. Não procura questionar a solidez do
empreendimento, nem proibir que o investidor realize uma má escolha, mas apenas e tão-
somente fornecer-lhe informações pertinentes para exame. Sequer tenta assegurar que as
informações sejam de fato examinadas pelo investidor. A sua ação parte do princípio, por

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longo tempo reconhecido no direito americano, de que a pessoa deve estar habilitada a
realizar um negócio com pleno conhecimento dos fatos, se bem que a boa ou má escolha
fique reservada exclusivamente à sua vontade livre. Em suma, uma mercado livre de valores
exige um acesso igual para compradores e vendedores a informações materialmente
relevantes, a fim de que possam tomar uma decisão criteriosa a respeito dos seus negócios.
Essa proteção do público investidor, sem uma intervenção
"direta" do Governo (ou, como dizia o Presidente Roosevelt, na mensagem que acompanhou
os projetos de lei "com a menor interferência possível no mercado honesto"), se afeiçoou, às
maravilhas, à sensibilidade eminentemente "civil" da sociedade americana, e, à medida que
esse aparelho se mostrou eficiente no controle desse segmento da economia, outros campos
de legislação interventiva começaram a adotá-la... (ob. Cit., p. 13-17 - grifado).

Quanto ao escopo e modelo brasileiro, assim disse o autor:


O ESTADO TECNOBUROCRÁTICO BRASILEIRO E A
REGULAÇÃO DO MERCADO.
omissis
3. Ora, a técnica de regulação do processo econômico, através
da intervenção do Estado, originou-se da defesa contra as "disfunções" que ameaçavam o
sistema de um capitalismo abandonado a sim mesmo. A economia capitalista só poderia ser
mantida pelos corretivos estatais de uma política sócio-econômica. O quadro instittucional,
portanto, se repolitiza. Nessas condições, o Estado intervencionista e tecnoburocrático não
pode deixar de refletir a ideologia das forças dominantes. No Estado brasileiro, instituído
pelo pacto de 1964, essa ideologia se reflete na copiosa legislação reformuladora que se
seguiu à sua implantação. A legislação de mercado, que desempenhou papel importante
nesse contexto reformista, não poderia se situar à margem desse processo ideológico.
omissis
A gama de metas que essa legislação deveria atingir se
estendeu, desde a recapitalização das empresas privadas enfraquecidas no decurso do

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fls. 870

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processo inflacionário e o estímulo ao fortalecimento das bolas de valores, através de

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incentivo a hábitos de poupança em forma de participação acionária, até a mordernização
das empresas, a profissionalização de sua administração, e a democratização de seu capital,
assim como o acesso ao público aos dados essenciais da mesma...A originalidade da solução
brasileira se ressume em acoplar a fórmula de aliciamento compulsório de poupanças, com
vistas à locação no sistema privado do mercado de capitais, à uma modernização

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institucional do sistema financeiro, com vistas a consolidação de um mercado livre de
valores. Nessa modernização institucional do mercado de capitais livre, a adoção do critério
de discloure como instrumento central de controle social é perfeitamente justificada, e tem o
raro condão de valorizar o papel da sociedade civil, em confronte com o Estado
tecnoburocrático (que, singularmente, o acolheu) (ob. Cit., p. 19-22 grifado).

Já quanto ao tópico atinente à polícia do mercado de capitais,


assim se manifestou o autor:

A POLÍCIA DO MERCADO DE CAPITAIS


A disciplina normativa do mercado de capitais exige, como
complemento necessário, o desenvolvimento de uma polícia administrativa, que intervenha
no exercício das atividades individuais nesse específico segmento da economia, tendo como
objetivo evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as normas
procuram prevenir. Desde que a conduta particular tenha repercussões prejudiciais à
comunidade do mercado de valores, sujeita-se ela ao poder de polícia. Ora, esse poder de
polícia se exerce preventiva e repressivamente. No exercício do poder de polícia preventivo,
a ação administrativa se manifesta em regulamentos e atos administrativos, que
implementam o processo de normação do mercado. A par dessa atividade regulamentar, a
polícia se traduz também em atos de coordenação e direção. São os chamados directing ou
summary powers, que o direito administrativo amerciano atribiu à Administração,
juntamento com o rule making power. Por outro lado, o poder de polícia seria inane e
ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado com sanções (grifado).

Dessa sorte, é notório concluir que muito antes do denominado


fechamento do fundo para saques, investidores, com certeza detentores de informações
privilegiadas, trataram de rapidamente efetuar saques que chegaram aos valores indicados pela
parte autora que, frise-se, não foi objeto de impugnação especificada pelas rés.

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Assim, o que a parte ré chama de faculdade do gestor, qual seja,

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aquela de impedir a retirada dos investidores do fundo, diante dos saques que levaram-no
praticamente à situação de insolvência, tem o notório escopo de prejudicar a pequeno investidor,
ou seja, a economia popular, visto que está não é detentora de informações privilegiadas que
permitem a antecipação de movimentos, diante de gestões temerária, ineficientes e mesmo
fraudulentas, como foi o caso dos autos em que não houve uma diversificação adequada para se

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preservar o capital do público investidor, como indica a boa gestão de fundos de investimento.
Sendo notório, portanto, o escopo de prejudicar os pequenos
investidores, bem como estabelecer situação não paritária entre estes e os grande investidores que,
detentores de informações privilegiados, sacaram as respectivas aplicações antes do aludido
fechamento, impõe-se considerar este ato inválido perante a parte autora, advindo disso a
procedência do pedido formulado, com confirmação da liminar deferida initio litis.
É o quanto basta.
Ante o exposto, JULGA-SE PROCEDENTE o pedido o
formulado para CONDENAR as rés, solidariamente, à obrigação de assegurar o resgate imediato
dos recursos financeiros da parte autora aplicados no fundo negociado e gerido pelas rés,
solidariamente, no valor de R$ 380.614,74, tornando assim definitiva a liminar concedida. Juros
de mora e correção monetária dos termos do valor objeto do arresto e depositado em juízo.
CONDENAM-SE ainda as partes rés, solidariamente, ao pagamento das custas e despesas
processuais, bem como em honorários de advogado, fixados em 10% do valor da condenação. Em
consequência, JULGA-SE EXTINTO o processo, com resoluçaão de mérito, com base no artigo
487, inciso I, do CPC.

P.I.C.

São José dos Campos, 20 de setembro de 2023.

DATA
Aos 20 de setembro de 2023, recebi estes autos em Cartório. Eu, José Antonio de Castro Rangel Neto
Escrevente, subscrevi.

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