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O autor inicia a obra explicando que a ideia de que a posse é somente a exteriorização
da propriedade se encontra superada pela realidade. Esse “enjaulamento” do fenômeno
é, inclusive, contraditado pela prioridade histórica da posse sobre a propriedade. É
porque, cronologicamente, a propriedade começou com a posse geradora da
propriedade, ou seja, a posse para a usucapião. Dessa forma, a posse não seria somente
um mero conteúdo da propriedade, mas sim, e principalmente, sua causa e sua
necessidade. Causa porque é a sua força geradora. Necessidade porque exige a sua
manutenção sob pena de recair sobre aquele bem a força aquisitiva.
Em seguida, o Autor traz uma perspectiva histórica sobre os institutos. Narra que foram
os romanos os criadores do direito à propriedade privada e do direito privado como um
todo. O direito romano, porém, se ocupou mais dos elementos da propriedade do que de
lhe dar um conceito. O primeiro modo de propriedade reconhecido naquela ordem
jurídica foi a propriedade quiritária, reservada aos cidadãos romanos e atinente ao jus
civille. Em seguida, houve o desenvolvimento da propriedade bonitária, figura afeta ao
jus gentium. A idade média, por seu turno, consagrou a superposição de propriedades
diversas sobre um mesmo bem e a revolução francesa instaurou o individualismo e o
liberalismo. Sobre essa fase histórica, o autor, se remetendo a trecho de José de Oliveira
Ascenção, faz a seguinte ponderação: “O numerus clausus inscreve-se, ou pelo menos
pode-se inscrever, neste movimento. Abolidos os vínculos feudais e instaurada uma
nova ordem sobre os direitos e as coisas, um sistema fechado serve à maravilha para
perpetuar as conquistas obtidas; tudo o que se não adaptar ao esquema legislativo é
rejeitado” (p. 16).
Em seguida, a obra trata sobre a função social. Para o autor, a função social se relaciona
com o uso da propriedade, alterando, por conseguinte, alguns aspectos pertinentes a essa
relação externa que é o seu exercício. Fazendo um paralelo com o direito obrigacional, o
autor cita Eduardo Spíndola, para quem: “o pressuposto de confiança recíproca e boa-fé,
que se integra no moderno conceito de obrigação, encontra correspondência na função
social, implícita no direito de propriedade, no sentido de consideração à solidariedade
social, compreendendo os direitos do proprietário e os deveres que lhe são impostos
pela política legislativa” (p. 17). Para o autor, “a doutrina da função social da
propriedade corresponde a uma alteração conceitual no regime tradicional; não é,
todavia, questão de essência, mas pertinente a uma parcela da propriedade que é a sua
utilização” (p. 18). O autor parece se alinhar, portanto, à chamada teoria externa da
função social, o que parece ser reforçado por trecho posterior em que afirma que a
propriedade não é função social, e sim tem função social. Nessa linha de ideias, entende
a função social como um fator de legitimação, e não como condição sine qua non para
adquirir o direito de propriedade. A expressão função social compreenderia, portanto,
limitações, em sentido largo, impostas ao conteúdo do direito de propriedade. Tem por
objetivo instituir um conceito dinâmico da propriedade, em substituição ao conceito
estático.
Explica que a função social é muito mais evidente na posse do que na propriedade, visto
que a propriedade, mesmo sem o uso, pode se manter como propriedade. Por outro lado,
o fundamento da função social da posse revela “uma expressão natural da necessidade”
(p. 20). Isso porque a posse tem um sentido distinto da propriedade, sendo uma forma
atributiva da utilização das coisas ligadas às necessidades comuns de todos os seres
vivos (p. 21). Enquanto a propriedade é dado criado e dotado de abstração, a posse é
dado dotado de realidade e de concreção A posse então assume uma perspectiva que não
se reduz a mero efeito, nem a ser encarnação da riqueza ou poder: é uma concessão à
necessidade (p. 21). É nesse panorama que entende o autor ser a posse uma legitimação
ao uso.
Ihering e Savigny
Usucapião
“Surge outro problema quanto aos direitos reais ou até mesmo quanto aos ônus reais
instituídos pelo usucapido, então proprietário, antes ou durante a posse para usucapião.
O que se pode ter como razoável é que tais gravames, ainda que exteriorizados mediante
inscrição imobiliária, não se transmitem ao usucapiente”. (p. 39)
“Há quem elenque a usucapião como um dos modos de perda da propriedade, ao lado da
desapropriação, da alienação, da renúncia, do abandono e do perecimento do objeto. Tal
posicionamento, em verdade, é consequente do entendimento de que a usucapião não é
modo originário de aquisição da propriedade, e, sendo então modalidade derivada,
pressupõe a vinculação do novo titular do direito real com o antigo titular usucapido.
Para este, com a aquisição do direito real por aquele, ocorre a sua correlata perda. A
usucapião se consuma com a posse continuada e esse fato, aliado aos demais
pressupostos legais, acabam por constituir um direito real novo. Esse é o fulcro da
questão: a aquisição do direito real. Se eventualmente sobre tal direito repousava antigo
titular, a perda do seu direito é consequência da aquisição pelo prescribente. Logo, é
efeito da usucapião e não a usucapião em si.” (p. 40)
“Na usucapião, o fato principal é a posse, suficiente para originalmente se adquirir; não
para se adquirir de alguém. É bem possível que o novo direito se tenha começado a
formar antes que o velho se extinguisse. Chega momento em que não dá mais para
subsistir, suplantado por aquele. Dá-se, então, impossibilidade de coexistência, e não
sucessão, ou nascer um do outro. Nenhum ponto entre os dois marca a continuidade.
Nenhuma relação, tão-pouco, entre o perdente do direito de propriedade e o
usucapiente”. (p. 41).