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DA POSSE

Teorias acerca da posse: o conceito de posse


Posse: sujeitos, objeto e natureza jurídica
Distinção entre posse, detenção e outros atos
Classificação da posse
DA POSSE
• O significado técnico da palavra “posse” recebeu a influência de três grandes escolas
doutrinárias:
a) para os glosadores, a posse consistia no contato físico com a coisa, ou seja, o poder físico
com a intenção de tê-la para si (para alguns) ou com a intenção de dono (para outros
glosadores);
b) para Savigny, a posse consistia na faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa
com intenção de dono e de defendê-la contra agressões de terceiros;
c) para Ihering, a posse se retratava no fato de alguém proceder, intencionalmente em
relação à coisa, como normalmente atua o proprietário, ou seja, a propriedade tem na posse
a sua imagem exterior, a sua posição de fato.
• Tradicionalmente, só pode haver posse onde haja propriedade privada. Entretanto, com
base na concepção social, a posse não pode mais ser compreendida como mera
visualização (ou aparência) de propriedade. A posse-moradia, a posse-trabalho, a
possecultivo, entre outras, representam situações jurídicas que permitem o acesso à
moradia, ao trabalho, à sobrevivência digna e, assim, decorrem da previsão
constitucional do princípio e valor objetivo da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°,
III), além de representarem concretizações dos direitos fundamentais no âmbito das
relações privadas (CF, arts. 5°, 6° e 7°).
POSSUIDOR X DETENTOR
• O ponto central das discussões teóricas sobre a posse é a distinção entre ser
possuidor e ser detentor, eis que, sob o ponto de vista exterior em termos
fenomênicos não é possível distinguir possuidor de detentor, muito menos a
qualidade da posse. A posse, em regra, exige que haja um assenhoreamento
(uma senhoria como poder físico) com relativa autonomia. A posse independe
de autorização legal e, por isso, é estranho à sua configuração o elemento da
legalidade. Contudo, há a necessidade de que o bem seja suscetível de
apropriação. Já em relação à situação do detentor, do chamado fâmulo da
posse, a doutrina aponta os seguintes pressupostos:
a) uma pessoa que conserva a posse;
b) uma outra pessoa titular do direito;
c) uma relação de dependência entre elas;
d)exercício da posse do dono pelo fâmulo em nome dele, de modo a cumprir
ordens ou instruções suas, e não um poder próprio em benefício do dono.
TEORIA SUBJETIVA
Teoria subjetiva - A posse se compõe de dois elementos:
a) o corpus, que consiste no elemento material representado pelo poder físico da
pessoa sobre a coisa, pressupondo a apreensão desta, ou seja, a existência de relação
exterior da pessoa com a coisa (um poder de dominação);
b) o animus. que se afigura no elemento intelectual (ou anímico) consistente na
intenção de dono, ou seja, na vontade de ter a coisa como sua, daí as expressões
animus domini ou animus rem sibi habendi. A posse resulta, assim, da conjunção dos
elementos corpus e animus. Caso falte algum dos dois elementos, não há posse, e sim
mera detenção, designada por Savigny como “posse natural”.
• Algumas severas críticas foram apresentadas à teoria subjetiva: o exagerado
subjetivismo, a não admissão do desdobramento da relação possessória, a
dificuldade de identificação do estado anímico para fins de ser precisado
concretamente, além das dificuldades de ordem prática. A exacerbação da
autonomia da vontade para configuração da posse, segundo a corrente subjetivista,
foi objeto de várias críticas, eis que refletiu o ideário liberal-individualista que
prevalecia na época da formulação teórica.
TEORIA OBJETIVA
• Parte da necessidade de se precisar a distinção entre as noções de posse e propriedade que,
coloquialmente, são confundidas. A posse passa a caracterizar-se como o poder de fato e a
propriedade como o poder de direito sobre a coisa. A teoria objetiva admite a separação dos
dois poderes em casos de subtração da coisa (posse injusta) e de transferência do poder de fato
sobre a coisa por iniciativa do proprietário (posse justa). Ihering sustentava que o ius possidendi
tem importância prática para o proprietário, de modo que seu exercício (a utilização econômica
da propriedade) consistia no uso da coisa por si mesmo (utilização imediata ou real), ou
cedendo-a a outrem (utilização mediata ou jurídica). Todos os atos de uso, gozo e consumação
da coisa têm a posse como condição, razão pela qual a privação da posse relativamente ao
proprietário significa a paralisação da realização econômica da propriedade. A noção de
propriedade acarreta, para os objetivistas, necessariamente o direito do proprietário à posse.
• Deste modo, a posse, para Ihering, consiste no aspecto normal da relação do proprietário com a
coisa. De acordo com a doutrina objetiva, a posse é a expressão material da propriedade, o que
influenciou a redação do art. 1.196, do CC de 2002. Para a teoria objetiva, a tutela da posse
decorre da defesa imediata da propriedade, e não se fundamenta na necessidade de evitar a
violência.
• Deste modo, o corpus consiste no estado normal externo da coisa, sobre que se cumpre o
destino econômico de servir aos homens, e animus deve ser encarado sob o prisma da affectio
tenendi (a vontade de ter), ou seja, a vontade de se tornar visível como proprietário. Ihering
não exige, portanto, a presença do animus domini para configuração da posse.
CONSEQUÊNCIAS DA TEORIA OBJETIVA
a) reconhece-se a qualidade de possuir a várias pessoas que, na concepção
clássica, são considerados meros detentores, como o usufrutuário, o locatário,
o comodatário, o transportador, o administrador, o depositário e o mandatário,
entre outros;
b) admite-se o desdobramento da relação possessória como um processo
normal, decorrente da diversidade das formas de utilização econômica da
coisa, daí o reconhecimento da distinção entre posse direta e posse indireta;
c) admite-se a posse por outrem eis que não se exige a intenção de dono para
caracterizá-la;
d) reconhece-se a posse de direitos, inclusive no que tange à posse de direitos
pessoais.
• Por outro lado, a maior crítica feita à teoria objetiva diz respeito à orientação
consoante a qual a posse fica subordinada à propriedade e, portanto, não é
dotada de autonomia e independência, sendo compreendida como mera
exteriorização da propriedade.
POSIÇÃO PREVALECENTE
• Com o advento do CC de 2002, tem-se divulgado que foram expurgadas as “reminiscências da
teoria subjetiva de Savigny” do texto codificado, especialmente as referências quanto ao
modo de aquisição da posse por apreensão (CC 16, art. 493, I) e à perda da posse pelo
abandono (CC 16, art. 520, I) que eram consideradas normas que se enquadravam na noção
subjetiva da posse de Savigny. Manteve-se, com maior extensão, à filiação à teoria objetiva de
Ihering.
• Desta forma, se no sistema do Código de 1916 havia resquícios ou intromissões indevidas à
concepção subjetiva da posse, no sistema de 2002 houve acentuada aderência à concepção
objetiva. Há, no entanto, quem ainda sustente a reminiscência da teoria subjetiva no Código
de 2002, como se verifica na referência ao animus domini nos arts. 1.238 e 1.260, do texto
codificado, em matéria de usucapião de imóvel e de móvel, respectivamente.
• A teoria objetiva é aquela seguida na maior parte dos textos codificados no sistema do civil
law, em consonância com as influências que marcaram a elaboração do primeiro CC
brasileiro (em 1916).
• Atualmente, deve-se reconhecer a posse por si mesma, tutelada independentemente da
circunstância de ser uma aparência de propriedade. A sentença deve ser invertida, à luz da
funcionalização social: o proprietário deve atuar de modo semelhante ao atuar (agir) de um
possuidor e, eventualmente, em situação de confronto com o possuidor qualificado pela
funcionalização social da posse, deve preponderar o interesse daquele que efetivamente
cumpre a função social.
NATUREZA DA POSSE
• Para a teoria subjetiva (Savigny), a posse é, ao mesmo tempo, um fato e um direito.
Considerada em si mesma, a posse é um fato; considerada nos efeitos que produz
(usucapião e interditos, entre outros), é um direito. Isto porque, como fato, a posse
independe do ordenamento jurídico, tanto assim que pode se originar da violência, de
negócio nulo, por exemplo. No entanto, levando em consideração os efeitos que ela
produz, a posse é um direito.
• Já, de acordo com a teoria objetiva (Ihering), a posse é um direito (jus possidendi), assim
entendido como o interesse juridicamente protegido, pois nela reúnem-se os dois
elementos de um direito subjetivo, a saber, o elemento substancial (interesse) e o
elemento formal (a proteção jurídica).
• Na realidade, a posse surge como um fato e, para a doutrina majoritária, sua proteção
decorre da necessidade que o núcleo social tem de impedir o exercício arbitrário das
próprias razões. Logo, a posse, em si mesma, não é um direito, mas em suas
conseqüências o é.

• Sujeitos da posse – tanto pessoas naturais (ou físicas) quanto pessoas jurídicas, sejam
de direito público ou de direito privado.
OBJETO DA POSSE
• A posse tem por objeto coisas (bens corpóreos), havendo polêmica quanto à admissibilidade da posse
sobre direitos reais e, com mais intensidade, sobre direitos pessoais. A coisa, desde que não
considerada fora do comércio jurídico, é objeto de posse, eis que viável sua utilização econômica seja
direta ou indiretamente e, a esse respeito, não há discussão.

• Contudo, algumas polêmicas surgem:


a) discute-se acerca da possibilidade de serem objeto de posse em separado os bens acessórios. Em se
tratando de parte integrante e constitutiva da coisa principal de maneira que não possam ser destacados
sem alteração e prejuízo da substância da coisa, entende-se que não é admissível a posse sobre o bem
acessório;

b) há ainda, o tema dos “novos bens” e o objeto da posse. A questão remonta aos direitos autorais (Lei n°
9.610/98), à propriedade intelectual dos programas de computador (Lei n° 9.609/98). A esse respeito, o
Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n° 228, com o seguinte teor: “É inadmissível o interdito
proibitório para a proteção do direito autoral”.
No que concerne à questão do fornecimento/corte de energia, em regra, tem-se entendido que há
obrigação de fazer no fornecimento de energia e, por isso, o regime a ser aplicado é o do Direito das
Obrigações, mas há julgado que admitiu ação possessória para obstar o desligamento da linha telefônica
ou a retirada do aparelho pela concessionária telefônica. O certo é que a realidade dos “novos bens” não
se confunde com o objeto material dos Direitos Reais e, portanto, não podem ser considerados coisas
propriamente ditas. Desse modo, a princípio, não se revela possível considerá-los como objeto de posse;
POSSE DOS DIREITOS PESSOAIS
• A admissibilidade da posse dos direitos pessoais é considerada conseqüência lógica da noção de que
a posse é o exercício de um direito, como postulado da teoria objetiva de Ihering. Para Savigny, não
é possível tal admissão, eis que a posse corresponde ao poder físico sobre a coisa.
• Deste modo, a despeito de corrente mais liberal admitir a posse de direitos pessoais patrimoniais
(ou direitos obrigacionais, de crédito), há posição predominante no sentido contrário. Rechaça-se,
pois, a possibilidade da posse dos direitos pessoais de conteúdo extrapatrimonial, somente
admitindo a posse dos direitos pessoais de conteúdo patrimonial, cujo exercício esteja ligado ao
exercício de poderes sobre uma coisa corpórea, como nos exemplos do locatário, mandatário,
depositário, entre outros.
• O interesse relacionado ao tema, em termos práticos, consiste na possibilidade de extensão dos
interditos possessórios à defesa de direitos pessoais atinentes ao exercício da função pública e à
tutela possessória dos interesses individuais em face da Administração Pública, daí a construção
teórica da denominada posse dos direitos pessoais. Sucede que, na atualidade, outros remédios e
instrumentos processuais têm sido utilizados e servidos com maior precisão técnica para tal fim,
como o mandado de segurança que é contemplado com previsão constitucional e
infraconstitucional.
• No texto do CC de 1916, o art. 490, ao tratar da posse de boa-fé, considerava que a posse poderia
incidir sobre a coisa ou o “direito possuído”, o que mereceu a interpretação no sentido da
admissibilidade da posse de direito pessoal, em consonância com a teoria objetiva. No entanto, o CC
de 2002, no art. 1.201, retirou a referência à expressão “do direito possuído” que constava do art.
490, revogado e, conseqüentemente, não contempla mais a possibilidade de um direito ser objeto
da posse.
DETENÇÃO
• A detenção se caracteriza pela presença de dois elementos:
a) a presença de um vínculo de subordinação entre o detentor e o titular da posse;
b) o detentor conserva a coisa em seu poder, em nome do titular da posse e sob as suas instruções. Daí
o detentor ser também denominado servidor da posse. O conceito que é traduzido no art. 1.198, do CC,
é o do fâmulo da posse em relação ao dono, ou seja, uma pessoa que, devido à dependência
(compreendida sob o ponto de vista econômico) relacionada a outro indivíduo, exerce sobre a coisa não
um poder próprio, mas sim o poder de fato por ordem do último.
• Deve-se ainda ressaltar que não se consideram possuidores, e sim equiparados a meros detentores,
aqueles que têm mera permissão (deve ser expressa) ou recebem a tolerância do possuidor para
manterem contato com a coisa, bem como não autorizam a aquisição da posse os atos violentos,
clandestinos ou precários (CC, art. 1.208).
• Finalmente, também pode ser considerada mera detenção a situação fática relacionada à pessoa no
bem público de uso comum do povo ou de uso especial (CC, art. 100).
• Tratando-se de bens que apresentam finalidade pública, nos termos do ordenamento jurídico
brasileiro se situam fora do comércio jurídico e, conseqüentemente, são insuscetíveis de apropriação
privada.
• Não se pode, ainda, confundir posse com mera permissão (exemplo: solicitação de uso do bem, com
permissão do proprietário ou mero possuidor) e com a tolerância (caso em que outra pessoa utiliza a
coisa, o que é presenciado pelo possuidor ou proprietário que, no entanto, não interfere para proibir
o uso).
ESPÉCIES DE POSSE
• Há duas grandes classificações a respeito da posse em consonância com os critérios do modo de
aquisição e da subjetividade:
a) acerca do modo de aquisição no que pertine ao reconhecimento (ou não) de vícios objetivos, a
posse se divide em posse justa e posse injusta;
b) no plano da subjetividade pode-se distinguir a posse de boa fé da posse de má fé. A presença (ou
ausência) de qualquer dos vícios objetivos influi na qualificação da posse (justa ou injusta), podendo o
possuidor ter (ou não) convicção de que seu poder é legítimo ou ilegítimo (posse de boa fé ou de má
fé).
• Há, no entanto, vários outros critérios de classificação da posse, inclusive sob a perspectiva da
funcionalização da posse. Contudo, deve haver especial cuidado na análise da doutrina e legislação
estrangeiras a respeito da posse, eis que não existe uniformidade nos conceitos e terminologia.

• Posse direta e indireta - A divisão da posse em direta e indireta atende a uma necessidade prática, a
saber, a determinação acerca das pessoas que merecem proteção possessória, identificando as
conseqüências jurídicas que se relacionam à posse na sua plenitude. Lembre-se que o
desdobramento da posse somente é possível na concepção de Ihering no âmbito da teoria objetiva
da posse. Assim, podem coexistir duas posses sobre a mesma coisa, ou seja posses paralelas que não
se excluem. A distinção entre posse direta e posse indireta se verifica quando os poderes inerentes à
propriedade possuem distintas titularidades e passou a ser importante para o fim de conferir
proteção possessória às pessoas que detêm algum tipo de poder inerente à propriedade.
DESDOBRAMENTO DA POSSE
• A teoria subjetiva da posse não admitia, por exemplo, a posse do
locatário, do comodatário, e considerava que o credor pignoratício e o
depositário somente tinham posse derivada porque a lei expressamente o
autorizou. A teoria objetiva da posse, ao contrário, passou a admitir o
desdobramento da posse e, desse modo, reconheceu e legitimou a posse
em favor das pessoas acima referidas na condição de possuidores diretos.
• O CC de 2002, no art. 1.197, encampou a possibilidade do
desdobramento da relação possessória, referindo-se claramente à posse
direta que pode coexistir com a posse indireta. Em razão da mediação
que se estabelece entre posse direta e posse indireta, costuma-se
designar o fenômeno como “desmembramento vertical da posse”,
distinguindo-o do “desmembramento horizontal da posse”, este
reconhecido em relação à composse.
DISTINÇÃO DE POSSE
• A posse direta (também denominada de posse subordinada) é aquela reconhecida ao não
proprietário a quem cabe o exercício de uma das faculdades da propriedade, por força de obrigação
ou de direito real sobre coisa alheia. A posse direta envolve o exercício de contato físico imediato
(direto) sobre o bem, permitindo que o possuidor administre o bem. É a posse pertencente à pessoa
que tem a coisa sob seu poder físico e imediato, em razão de um direito real ou obrigacional.
• A posse direta é temporária, eis que entre o possuidor direto e o possuidor indireto existe uma
relação jurídica de natureza transitória que tende a se extinguir, quando então todos os poderes se
concentram na pessoa do titular da propriedade. Além disso, a posse direta é sempre derivada,
sendo limitada no tempo. Entretanto, isto não obsta que o possuidor direto defenda sua posse por
iniciativa própria, independentemente da assistência ou intervenção do possuidor indireto.
Reconhece-se, inclusive, a possibilidade de o possuidor direto defender sua posse contra o
possuidor indireto, e vice-versa.
• A posse indireta, por sua vez, é aquela que o proprietário conserva para si quando se demite,
temporariamente, de um dos poderes elementares da propriedade, cedendo-o seu exercício a outra
pessoa. Neste caso, o proprietário permanece como titular do ius possidendi, transferindo o ius
possessionis ou parte do ius possidendi a alguém.
• Pressupostos da posse indireta:
a) que a coisa se encontre na posse direta de outra pessoa;
b) que entre os dois possuidores – direto e indireto – haja relação jurídica de que derive o
desdobramento da posse, seja por vínculo originário dos Direitos Reais, Direito das Obrigações, Direito
das Sucessões ou Direito de Família.
POSSE JUSTA E INJUSTA
• A classificação que distingue a posse justa da posse injusta leva em conta o
reconhecimento da existência (ou ausência) de vícios objetivos quando da
aquisição da posse.
• A posse justa é aquela cuja aquisição não repugna ao Direito, ou seja, é a
posse isenta dos vícios da violência, clandestinidade ou precariedade no
momento da sua aquisição pelo possuidor (CC, art. 1.200).
• Ao revés, a posse injusta é aquela cuja aquisição repugna ao Direito,
cuidando-se da posse adquirida por modo proibido, apresentando vício
objetivo na sua aquisição (violência, clandestinidade ou precariedade); é a
posse ilícita no momento da sua aquisição. Os vícios da posse são a
violência (vi), a clandestinidade (clam) e a precariedade, daí a
subclassificação da posse injusta em posse violenta, posse clandestina e
posse precária.
• É importante mencionar a possibilidade da posse justa se transformar em
posse injusta e vice-versa. A mudança do título da posse (justa e injusta)
ocorre pela superveniência de uma causa exterior adversa à manutenção
da mesma espécie de posse.
POSSE DE BOA FÉ E DE MÁ FÉ – (1.201 CC)
• A posse de boa fé é aquela em que o possuidor ignora o vício original, ou o obstáculo que lhe
impede a aquisição da coisa. A boa fé é concebida de modo negativo, como ignorância, e não
como convicção. Aspectos essenciais da posse de boa fé:
a) existência de um vício obstativo da aquisição da posse, ou seja, uma mácula, mancha ou senão que
restringe a aquisição da posse ao campo dos meros fatos;
b) ou a presença de um obstáculo impeditivo da aquisição da posse, a saber, um empeço, um estorvo,
um óbice à constituição da situação jurídica titularizada;
c) e a ignorância, por parte do possuidor, da ocorrência do elemento material que impede a regular
aquisição da coisa. Os tribunais brasileiros presumem a boa fé do possuidor.
• A posse de boa fé, por sua vez, se subdivide em posse de boa fé real e posse de boa fé presumida.
A primeira ocorre quando a convicção do possuidor se fundamenta em elementos objetivos
evidentes, não suscitando dúvida quanto à legitimidade da aquisição. A segunda consiste na posse
de boa fé em que o possuidor tem justo título, gerando presunção iuris tantum.

• A posse de má fé, ao contrário, é aquela em que o possuidor tem consciência de que há obstáculo,
ou sabe da existência do vício que impede a aquisição da coisa. É a posse em que o possuidor tem
conhecimento do vício, sabe da ilegitimidade de sua posse e, apesar de tal conhecimento,
mantém-se possuidor. Não basta a alegação da ausência de ciência da ilicitude como atitude
passiva do indivíduo para caracterizar a posse de boa fé; há um aspecto dinâmico na questão da
ciência de boa fé no sentido da investigação acerca da existência de proprietário ou de outro
possuidor com melhor posse. Devem ser empregados todos os meios necessários para certificação
da legitimidade de sua posse.
MUDANÇA DA BOA FÉ
• A posse originalmente de boa fé pode, no curso da
situação possessória, pode transformar-se em posse
de má fé. Há dificuldade em se determinar o
momento em que a posse de boa fé perde esse
caráter. Em tese, a boa fé desaparece quando as
circunstâncias façam presumir que o possuidor não
ignora que possui indevidamente, deslocando-se
para dados objetivos (CC, art. 1.202). Há parcela da
doutrina que defende que, neste caso, o momento
da cessação da boa fé seria o momento da citação.
POSSE COM OU SEM JUSTO TÍTULO
• Tal classificação é especialmente importante para o efeito da usucapião ordinária
com a diminuição dos prazos para fins de reconhecimento do fenômeno da
aquisição da propriedade através da usucapião, entre outros efeitos.
• Além disso, trata-se de classificação que se relaciona à classificação anterior na
distinção entre posse de boa fé e posse de má fé.
• O justo título é a situação jurídica, o fato jurígeno que, formalmente, é hábil para
transmitir um direito, mas que possui um defeito intrínseco, normalmente não
conhecido pelo adquirente, daí a posse com justo título ser normalmente
considerada como posse de boa fé (presumida). O título é considerado a causa
eficiente da posse, a qualidade com que a pessoa figura na situação possessória, e
não o instrumento comprobatório de negócio ou ato jurídico. O justo título
configura estado de aparência que enseja a conclusão de que o indivíduo tem boa
posse.
• A presunção de boa fé em favor do possuidor com justo título, no entanto, não é
absoluta (iuris et de iure), admitindo seu afastamento diante da certeza provocada
pela prova em contrário ou decorrente de mandamento legal expresso proibitivo da
presunção.
POSSE NOVA E POSSE VELHA
• O CC de 2002 não reproduziu os antigos preceitos contidos
nos arts. 507 e 508, do CC de 1916, que disciplinavam as
denominadas posse nova e posse velha.
• A posse nova é aquela reconhecida com período temporal
inferior a ano e dia.
• Já a posse velha é aquela reconhecida com período
temporal superior a ano e dia.
• Tais preceitos, no entanto, prosseguem previstos no CPC,
que atribui o direito de reintegração ou manutenção de
posse liminarmente quando o esbulho ou a turbação datar
de menos de ano e dia.
POSSE AD INTERDICTA E AD USUCAPIONEM
• A classificação que divide a posse ad interdicta e a posse ad usucapionem leva em conta os
efeitos jurídicos da posse.
• A posse ad interdicta é aquela considerada em si mesma, correspondendo ao ius possessionis
já que independe da existência de direito do possuidor sobre a coisa. É a posse apenas
considerada como poder de fato sobre a coisa e, assim, merece proteção dos interditos
possessórios. Posse ad interdicta é aquela apta a receber os benefícios da proteção
possessória via os interditos (ações de reintegração e manutenção, e ação proibitória). Toda
situação de fato caracterizada como posse, em regra, é tutelada via os interditos
possessórios, inclusive o possuidor injusto e o possuidor de má fé quando sofrer ameaça ou
agressão de terceiro.
• A posse ad usucapionem é aquela que apenas é reconhecida em favor da pessoa que possui a
coisa como sua, ou seja, com a presença do animus rem sibi habendi (ou animus domini) de
Savigny. Cuida-se da posse que enseja a usucapião como modo de aquisição da propriedade,
ou em outras palavras, é o elemento de suporte fático da usucapião, a posse qualificada pelo
animus domini. Não há usucapião sem posse, daí a posse ad usucapionem como modalidade
de posse cujo titular é o possuidor que possui a coisa como lhe pertencendo. Não é
necessário que o possuidor da coisa se julgue proprietário – opinio domini -, sendo suficiente
que tenha vontade de possuir a coisa como se ela lhe pertencesse.
• O locatário, por exemplo, somente tem posse ad interdicta eis que não apresenta o ânimo de
ter a coisa para si.
POSSE SIMPLES E POSSE FUNCIONALIZADA
• Na realidade, a tessitura da função social, seja na propriedade, seja na posse, se localiza
na atividade desempenhada pelo titular da relação sobre a coisa à sua disposição. Se a
função social da propriedade se exerce pela função social que a posse-conteúdo tem, ou
seja, se é pela posse que a função da propriedade se cumpre, é correta a afirmação de
que é a posse que tem uma função social saliente, e não a propriedade em si.
• A função social da posse gera a distinção entre a posse qualificada (ou posse social) e a
posse simples. Atitudes como cercar, murar o terreno, construir um cômodo nos fundos,
de modo a atrair, a tentar exteriorizar poder sobre a coisa, impedindo que outras pessoas
se apossem da coisa imóvel, caracterizam a posse simples, ou seja, atos de gestor de
negócios de modo a atender presumivelmente à vontade do dono da coisa.
• A posse funcionalizada permite a proteção do “ser” nas exigências mínimas da vida em
sociedade, como um lugar para morar (posse-moradia), um lugar para plantar
(possetrabalho), um lugar para exercer as atividades econômicas e sociais relevantes, ou
seja, seu exercício permite o atendimento aos direitos fundamentais de segunda geração.
• A posse com função social permite que o imóvel (urbano ou rural) atenda aos direitos
fundamentais de segunda geração e, por isso, é mister reconhecer-se a necessidade de
proteção especial à posse funcionalizada.
OUTRAS CLASSIFICAÇÕES
• Além dos critérios de classificação da posse mais conhecidos, há outros que se
revelam importantes para certos fins e efeitos, além de haver classificação
mais atual e contemporânea à luz da função social.

• Posse natural e civil - A posse natural é a posse considerada como poder físico
sobre a coisa ou a possibilidade de utilização da coisa; posse que se exterioriza;
exige-se o contato físico do possuidor em relação à coisa. A posse civil é a que
decorre da lei sem que o possuidor pratique qualquer comportamento ou
adote qualquer conduta para tanto, como no exemplo do direito de saisine no
âmbito do Direito das Sucessões (CC, art. 1.784; CC 1916, art. 1.572).
• Ius possessionis e ius possidendi - Trata-se de critério de classificação da posse
que leva em consideração a figura do possuidor relativamente à coisa, daí a
distinção entre ius possessionis e ius possidendi. O ius possessionis é a posse
que decorre do poder físico, do assenhoreamento da coisa. O ius possidendi é a
posse que existe por força de um direito, como no exemplo do proprietário
que, em razão do direito real de propriedade, tem posse baseada no ius
possidendi.
POSSE EXCLUSIVA E COMPOSSE
• A posse exclusiva é o que comumente ocorre. A título excepcional, no entanto, admite-se a
pluralidade de possuidores sobre a mesma coisa. Daí a regra do art. 1.199, do CC, que reconhece a
composse, ou seja, a posse em comum da mesma coisa, no mesmo grau, de mais de uma pessoa. A
composse é a posse de duas ou mais pessoas sobre coisa indivisa, desde que os atos possessórios
de qualquer deles não excluam os demais. A composse é a comunhão da situação fática da posse,
ao passo que o condomínio é a comunhão da propriedade.
• Os requisitos para configuração da composse são:
a) a posse de duas ou mais pessoas; b)a coisa indivisa como objeto da composse.
• A composse é situação verificável nos casos de em que várias pessoas exercem simultaneamente
ingerência fática sobre a mesma coisa, sem que as partes sejam localizadas, contando cada
compossuidor com uma fração ideal sobre a posse. É alvissareiro salientar que cada compossuidor:
a) é considerado possuidor do todo em relação a terceiro e, assim, poderá exercer todos os direitos que
lhe competem, invocando a proteção possessória para a defesa da coisa comum no seu todo, e não
apenas na sua parte ideal;
b) deverá agir de modo harmônico e civilizado para não suprimir os direitos dos outros
compossuidores, na relação interna.
• A composse pode terminar pela:
a) divisão consensual ou judicial da coisa comum devido ao desaparecimento da coisa comum;
b) posse comum de um dos compossuidores que isole uma parte da coisa comum, sem oposição dos
demais, passando a praticar atos possessórios com exclusividade, acarretando uma divisão de fato.
CONVALESCIMENTO (INTERVERSÃO) DA POSSE
• De acordo com o Direito brasileiro, considera-se que a posse mantém o
mesmo caráter em que foi adquirida, preservando suas características e
particularidades, salvo prova em contrário (CC, art. 1.203). A regra é,
portanto, a de que não há possibilidade de alguém, unilateralmente,
modificar a qualificação da posse, convalescendo os vícios objetivos e
subjetivos quanto à aquisição da posse.
• Contudo, duas exceções têm sido indicadas à imodificabilidade do caráter da
posse:
a)fato de natureza jurídica, que consiste na constituição de relação jurídica de
direito real ou de direito obrigacional, convertendo-se a posse injusta em posse
justa com base na interversão da posse que se caracteriza pela bilateralidade;
b) fato de natureza material, que se verifica quando da manifestação da
inequívoca intenção do possuidor de privar o proprietário do poder de
disposição sobre a coisa, mediante a prática de atos prolongados neste sentido,
sem a oposição da pessoa que deveria reverter a situação. O Enunciado n° 237,
da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, encampou tal
orientação.
FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE
• Tal como ocorre em relação à propriedade, a posse não pode ser dissociada da noção
de função social. No sistema jurídico brasileiro, fundado na solidariedade política,
econômica e social e na busca do pleno desenvolvimento da pessoa humana, o
conteúdo da função social assume a idéia e o papel do tipo promocional na direção de
que a disciplina das formas e espécies de posse e suas interpretações devem ser
atuadas para garantir e promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento.
• Ainda que se saiba que a noção conceitual de função social seja imprecisa, vaga,
abstrata, com certa margem de indeterminação, tal aspecto se mostra coerente com a
idéia de maior adequação ao caso concreto, de cláusula aberta que deve ser
concretizada e efetivada à luz da realidade subjacente.
• Há, inicialmente, o reconhecimento de que há prioridade histórica da posse sobre a
propriedade, eis que cronologicamente a propriedade começou pela posse,
geralmente posse geradora da propriedade como na posse qualificada para fins de
usucapião. Além disso, a noção da função social se vincula necessariamente à idéia do
uso da coisa e, por isso, modifica significativamente conceitos e categorias do regime
tradicional das situações proprietárias e possessórias. A função social é a essência
dinâmica da estrutura jurídica, e não é mais considerada mero limite (externo) à
situação jurídica.
FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE
• Atualmente, cogita-se de um direito de posse autônomo, representativo de uma
situação jurídica e fática definida que se afasta do direito de propriedade. Isto posto,
pode-se identificar a posse em três situações distintas:
a) posse como conteúdo de certos direitos;
b) posse como requisito para aquisição de certos direitos reais;
c) posse por si mesma.
• Na última situação, inexiste vinculação entre a posse e a existência de qualquer
direito, já que a posse se origina de fato independente e isolável, ou pode surgir do
desligamento da função, de conteúdo de um direito cedido a outrem ou exercido por
outrem, como no fenômeno da interversão da posse (CC, arts. 1.198, parágrafo único,
e 1.203). A posse por si mesma é importante para a sociedade, eis que por meio dela
a pessoa tem possibilidade de atender às necessidades vitais, como a moradia e o
cultivo, daí as denominadas posse-moradia e posse-trabalho.
• A função social da posse é, pois, estabelecida pela necessidade social, pela
necessidade da terra para o trabalho, para a moradia, ou seja, para atendimento às
necessidades básicas que pressupõem a dignidade da pessoa humana. Trata-se da
exteriorização do conteúdo imanente da posse, a caracterizar sua utilidade social e
sua autonomia, inclusive quanto ao direito de propriedade.

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