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DIREITO CIVIL PARA CARREIRAS JURÍDICAS – MÓDULO V

Tema 3 – Posse
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TEMA 3 – POSSE

Para Maria Helena Diniz, definir “posse” não é algo simples, porque o vocábulo abre
ensejo para muitas interpretações e aplicações diversas. Por exemplo, no Direito Internacio-
nal, o termo “posse” já foi empregado para indicar domínio político de um país sobre outro.
Já foi empregado como exercício de um direito: no art. 1.547 do Código Civil, há a expressão
“posse do estado de casado”. Além disso, no Direito Administrativo, “posse” pode significar
o compromisso de um funcionário público de exercer com honra sua função. Os exemplos
mostram o quão complexo é seu emprego.
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Quanto à sua natureza jurídica, há quem argumente que posse é um direito e há quem
arguente que é um fato; há, ainda, um entendimento híbrido. Observa-se o seguinte trecho do
“Manual de Direito Civil”, de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, sobre sua natureza jurídica:

“No campo dos direitos reais, é possível, de forma geral, identificar a posse com um domínio fático
da pessoa sobre a coisa.
Existe secular controvérsia doutrinária, todavia, quanto à natureza jurídica da posse.
Na linha do pensamento de SAVIGNY, a posse tem uma natureza híbrida.
Seria, ao mesmo tempo, um fato e um direito. Considerada em si mesmo, a posse seria um fato,
mas quanto aos efeitos, seria um direito.
Por outro lado, IHERING apontava no sentido de que a posse era um direito, um interesse juridi-
camente tutelado”.

Desse modo, constata-se que não há uma uniformidade doutrinária.


Para Pablo Stolze, a posse é um fato protegido pelo Direito; é um fato do qual derivam
efeitos de imensa importância jurídica e social. Essa disposição está em harmonia com o
entendimento de Almachio Diniz, expresso na obra “Direito das Cousas”, de 1916. Segue
trecho da obra de Almachio Diniz:
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“A posse é um fato. A propriedade é um direito. Assim, conforme afirmou Von Ihering, o fato e o
Direito, tal é a antítese a que se reduz a distinção entre a posse e a propriedade: a posse é o poder
de fato, e a propriedade é o poder de direito sobre a cousa. Assim, por exemplo, um ladrão tem a
posse de uma coisa, mas não tem sua propriedade; e o homem roubado mantém a propriedade
da cousa, sem ter a sua posse.”

Ressalta-se a clareza da exemplificação de Almachio Diniz, sobre a qual se conclui que


a posse é um fato da vida protegido pelo Direito.
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Há muitas teorias em torno da posse. Para delimitar, há duas teorias que merecem des-
taque, tratadas como tradicionais: a teoria subjetiva de Savigny e a teoria objetiva de Ihering.
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Apesar de a teoria subjetiva de Savigny não ter prevalecido, não é adequado desconside-
rar sua importância. Para o autor, a posse seria composta de dois elementos: animus (inten-
ção de ter a coisa) e o corpus (o poder material sobre a coisa). Desse modo, posse seria a
soma de animus e corpus. Então, o possuidor seria aquele que, além de ter a intenção de se
assenhorar do bem, dispõe do poder material sobre ele.
Observa-se trecho da obra de Jacintho Ribeiro, “Da posse e das acções possessórias”,
de 1918, sobre Savigny e sua teoria:

“Teoria subjetiva para a qual da vontade de possuir para si é que se origina a possa. Para ser pos-
suidor, não basta ter a coisa – o exercício de direito –, é preciso detê-la, ter o contato sobre ela.”

Além disso, é pertinente destacar a disposição de Caio Mário da Silva Pereira, extraída
da obra “Instituições de Direito Civil: Direitos Reais”:

“Para Savigny, adquire-se a posse quando ao elemento material (corpus = poder físico sobre a
coisa) se adita o elemento intelectual (animus = intenção de tê-la como sua). Reversamente: não
se adquire a posse somente pela apreensão física, nem somente com a intenção de dono: Adipis-
cimur possessionem corpore et animo; nem per se corpore nec per se animo. Destarte, quem tem
a coisa em seu poder, mas em nome de outrem, não lhe tem a posse civil: é apenas detentor, tem a
sua detenção (que ele chama de posse natural – naturalis possessio), despida de efeitos jurídicos,
e não protegida pelas ações possessórias ou interditos”.
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Ou seja, para Savigny, o detentor não é possuidor, porque o detentor atua em nome de
outrem; o possuidor deve ter a intenção de ter a coisa como sua (animus) e deve ter o contato
com a coisa (o poder material, corpus).
Essa teoria exige que sejam identificados o animus e o corpus. Contudo, nem sempre é
fácil a identificação. Toma-se de exemplo uma fazenda: ao observar uma fazenda sem algum
ser humano, é difícil identificar o poder material; é difícil visualizar o contato material.
A teoria subjetiva de Savigny e a teoria objetiva da Ihering têm pontos em comum, mas
apresentam diferença fundamental. A teoria subjetiva exige o animus mais o corpus para a
configuração da posse, mas é falha ao explicar certas situações, como a situação em que
um apartamento é alugado para um terceiro, em que o contato direto é exercido pela pessoa
que o alugou.
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Para suprir essas explicações, Ihering elaborou a teoria objetiva. Para o autor, a posse
deveria ser compreendida de forma objetiva: possuidor é a pessoa que se comporta como
proprietário; possuidor é a pessoa que exerce poderes de propriedade, ainda que não seja o
dono. Desse modo, a pessoa que ocupa um imóvel de forma ostensiva é o possuidor, porque
se comporta como proprietário.
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Em termos mais específicos, segundo Ihering, possuidor seria aquele que, mesmo sem
dispor do poder material sobre o bem, comporta-se como se fosse o proprietário, imprimin-
do-lhe destinação econômica. Isto é, ao observar uma fazenda fechada, claramente em fun-
cionamento, ainda que não seja visível nenhum ser humano, sabe-se que há uma posse ali
configurada, porque há alguém exercendo poderes inerentes à propriedade, ainda que não
esteja visível o poder material sobre o bem.
Para Ihering, possuidor é a pessoa que exerce de fato poderes de proprietário: usar,
gozar, fruir, dispor etc. Então, ainda que ela não seja dona de um imóvel, se ela constrói,
mora ou imprime destinação econômica, ela é a possuidora.
Convém observar que, nessa perspectiva, se alguém invade uma fazenda e durante dois
anos exerce plantação e mora nessa fazenda, a pessoa é considerada possuidora, porque
está exercendo poderes de proprietário, ainda que a posse em questão seja injusta. Essa
constatação encontra fundamento na disposição de que a posse é um fato da vida.
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Deve-se ter em mente que, depois de Savigny e de Ihering, foi desenvolvida a teoria
sociológica da posse.
O princípio da função social também se projetou no campo das doutrinas em torno da
posse, de maneira que surgiu uma vertente no sentido de que ela (a posse) somente poderia
ser compreendida em uma perspectiva socializante (posse-social).
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Quanto à teoria adotada pelo Código, deve-se observar alguns pontos.
Clóvis Beviláqua, na obra “Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”, de 1975, referente
ao Código de 1916, dispõe o seguinte:

“O Código Brasileiro afastou a construção de Savigny por não corresponder à realidade dos fatos
nem à lógica do Direito e adotou a doutrina de Ihering.”

Quanto ao Código atual, seu texto imprime a noção de que a teoria que adota é a de Ihe-
ring. Essa constatação fica evidente no art. 1.196:
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Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de al-
gum dos poderes inerentes à propriedade.

Apesar da noção, soa inadequado constatar que o Código Civil adotou tão somente a
teoria de Ihering. Mais adequado seria dispor que o Código Civil adotou a teoria de Ihering
na perspectiva do princípio da função social. Essa disposição indica harmonia com o Direito
Civil Constitucional.
Observa-se disposição de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, na obra “Manual de Direito Civil”:

“Em nosso sentir, é correto afirmar que o Código Civil brasileiro adotou a Teoria Objetiva de Ihering,
na perspectiva do princípio constitucional da função social.
Ora, ao dispor, em seu art. 1.196, que possuidor seria ‘todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade’, o legislador aproximou-se inequivo-
camente do pensamento de Ihering, como vimos acima.
Mesmo que o sujeito não seja o proprietário, mas, se se comporta como tal — por ex., plantando,
construindo, morando —, poderá ser considerado possuidor.
Sucede que a interpretação desta norma, por óbvio, não poderá ser feita fora do âmbito de incidên-
cia do superior princípio da função social.
Vale dizer, o exercício, pleno ou não, dos poderes inerentes à propriedade (usar, gozar/fruir, dispor,
reivindicar) somente justifica a tutela e a legitimidade da posse se observada a sua função social.”
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Embora a teoria subjetiva de Savigny não tenha sido adotada pelo Código, observa-se
sua influência em certos pontos do texto. Por exemplo, para que fique configurado usucapião
da propriedade, deve haver posse com animus domini, disposição que encontra sua influên-
cia no entendimento de Savigny (animus mais corpus).

�Este material foi elaborado pela equipe pedagógica do Gran Cursos Online, de acordo com a aula
preparada e ministrada pelo professor Pablo Stolze.
A presente degravação tem como objetivo auxiliar no acompanhamento e na revisão do conteúdo
ministrado na videoaula. Não recomendamos a substituição do estudo em vídeo pela leitura exclu-
siva deste material.
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