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DIREITOS REAIS

AULA 30 (1ª parte)


 CRISTIANO CHAVES/NELSON ROSENVALD (melhor obra para reais, mas com a
ressalva de que em alguns pontos possuem posiçõ es peculiares);
 JOSÉ ASSIR LESSA JORDANI (obra bá sica sobre posse);
 TUMINANBÁ MIGUEL DE CASTRO (posse de forma mais aprofundada);
 MARCO AURELIO BEZERRA DE MELLO (para defensoria pú blica)

POSSE
1. ASPECTOS GERAIS DA POSSE
A definiçã o de posse varia de acordo com a teoria adotada. Existem duas teorias clássicas
a respeito da posse:

1) TEORIA SUBJETIVA (SAVIGNY): a posse se compõ e de:

“CORPUS” + “ANIMUS DOMINI”

2) TEORIA OBJETIVA (IHERING): a posse se compõ e de:

“CORPUS” + “AFFECTIO TENENDI”

Para a teoria subjetiva de SAVIGNY:

 “CORPUS” significa “poder físico”. É claro que nã o é todo contato material que dê
azo à posse, é preciso que esse contato material propicie ao possuidor exercer
influencia imediata sobre a coisa.

Exemplo: se o sujeito está amarrado em uma corda ele tem o contato com a corda, mas ele
nã o possui a corda, na verdade ela que o possui.

 “ANIMUS DOMINI”: O segundo elemento é o animo de domínio, ou seja, a intençã o


de ser proprietá rio.

OBS.: Não confundir ANIMUS DOMINI x OPINIO DOMINI  opinio domini significa
suposiçã o de ser proprietá rio; aquele que imagina ser proprietá rio; é o caso em algumas
hipó teses do art. 1.242 do CC – usucapiã o ordiná ria – em alguns casos o usucapiente no
art. 1242 tem opinio domini, porque o legislador exige justo título e boa-fé. Em muitas
situaçõ es, aquele que vem usucapir ordinariamente o bem supõ e ser o dono. Imaginem
que haja uma escritura pú blica averbada no registro ao meu favor; transferência de
propriedade. 12 anos depois aparece o real proprietá rio e comprova que o registro em
nome dele era falso; eu tinha opinio domini – em meu favor usucapiã o ordiná ria do art.
1242 do CC.

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Portanto, pela teoria subjetiva posse é o poder físico que se exerce sobre a coisa
com a intenção de ser proprietário.

As principais críticas à teoria subjetiva sã o duas:

a) Supervalorizaçã o do elemento subjetivo:

Que além da dificuldade probató ria, essa supervalorizaçã o vai contra a tendência do
direito civil contemporâ neo. Isso fica nítido se nos lembramos que a autonomia privada
nã o é mais um valor absoluto, ela tem que observar a funçã o social; cada vez mais a
responsabilidade subjetiva sede espaço à responsabilidade objetiva; que no direito de
família a questã o da culpa na soluçã o da sociedade conjugal é cada vez menos relevante.
Isto é, os elementos subjetivos cada vez mais perdem espaço no direito civil.

b) Outra crítica é de ordem prá tica:

Juridicamente o locatá rio/usufrutuá rio/depositá rio tem animus domini? Nã o, e, hoje,


qualificaríamos como hipó teses de posse direta, só que quem tem posse direta nã o tem
animus domini. Hoje, quem tem posse direta nã o tem POSSE AD USUCAPIONEM, porque
essa posse pressupõ e animus domini. Entã o, todas as figuras que hoje classificamos como
possuidores diretos, para teoria do Savigny eram meros detentores.

O SAVIGNY nã o admitia a figura do desdobramento possessó rio, porque quem tem posse,
para ele, tem animus domini. Entã o, na verdade, a teoria subjetiva acaba reduzindo
demasiadamente o â mbito de aplicaçã o da posse.

OBS.: Tem gente que diz que, para fins de usucapiã o, o direito brasileiro teria adotado a
teoria subjetiva, porque a POSSE AD USUCAPIONEM pressupõ e animus domini. Só que tem
um detalhe: para Savigny, “corpus” significa contato material, e nó s veremos que para o
Ihering nã o. A usucapiã o nã o pressupõ e contato material, é possível que o sujeito
usucapiente exerça a posse à distâ ncia, por exemplo, através de um detentor (caseiro).
Para o professor parece equivocado afirmar que foi adotada a teoria subjetiva para fins de
usucapiã o, quando, na verdade, foi adotado apenas um componente da teoria subjetiva, já
que nã o é premissa a usucapiã o que o usucapiente exerça a posse diretamente, ele pode
exercer o uso à distâ ncia. Mas é fato que um dos elementos da teoria subjetiva é requisito
a usucapiã o (animus domini).

Diante das críticas surge a teoria objetiva do IHERING:

 “CORPUS” aqui é uma expressã o comum à s duas teorias, mas a definiçã o é


diferente. Para IHERING “corpus” é poder de fato, ou seja, é a destinaçã o do bem à
sua funçã o econô mico-social.

Para essa teoria é possível que se exerça a posse a distancia (nã o se exige o contato
material), desde que o bem esteja destinado a sua funçã o econô mico-social.

Exemplo: o sujeito é um pescador e dia sim dia nã o ele usa uma rede de pesca para a sua
atividade; o dia que ele nã o vai ao mar, ele deixa a rede na areia da praia. Mesmo nesse
lapso temporal em que ele nã o tem contato com a rede, ele mantém a posse para a teoria
de Ihering.

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 “AFFECTIO TENENTI” significa utilizar-se do bem como se proprietá rio fosse, isto
é, destinar o bem à sua funçã o econô mico-social.

OBS.: Muitos autores (como CAIO MÁ RIO) afirmam que a affectio tenenti já estaria
embutida na definiçã o de corpus.

Portanto, no contexto da teoria do IHERING é possível o desmembramento


possessório e é mais fácil de provar.

“A posse é a visibilidade do domínio”  frase típica da teoria do Ihering, na medida em


que é possuidor aquele que atua como se proprietá rio fosse. O possuidor é como se fosse
um proprietá rio aparente.

Há uma característica da teoria objetiva do IHERING que, hoje, vem sendo refutada : A
teoria objetiva concebia uma relaçã o de hierarquia entre posse e propriedade, ou seja,
para ele a posse é menos que a propriedade.

Quando se perguntava para o SAGVINY qual era o fundamento da proteçã o possessó ria, ele
respondia que seria a paz social. Quando se perguntava ao IHERING qual era o fundamento
da proteçã o possessó ria ele respondia: a posse é protegida em razã o da propriedade. A
posse é um instrumento de proteçã o indireta da propriedade. Naquele contexto isso até
fazia sentido, mas, hoje, nã o mais! Isso era à época em que o sistema de registros era muito
falho, entã o, em algumas situaçõ es o sujeito nã o tinha como demonstrar que era dono; e a
posse servia como instrumento de proteçã o indireta da propriedade para comprovar a
propriedade.

Essa ideia, hoje, vem sendo repudiada por conta da TEORIA SOCIOLÓGICA DA POSSE:
em outras palavras, busca proteger a funçã o social da posse. Essa teoria defende que não
há hierarquia entre posse e propriedade, são institutos distintos, ou seja, a posse nã o
é protegida em razã o da propriedade, mas porque ela, por si só , tem uma funçã o social.

Essa 3ª teoria nã o desconstitui por completo a teoria do IHERING, ela apenas refuta a
teoria do IHERING no que tange a essa suposta relaçã o hierá rquica entre posse e
propriedade.

Manifestaçõ es constitucionais da teoria socioló gica da posse: artigo 6º (direito social à


moradia), art. 1º, III (dignidade da pessoa humana), art. 5º, XXIII (vejam que a exigência
constitucional de que a propriedade seja exercida de acordo com a funçã o social traz a
relativizaçã o do direito de propriedade, quer dizer, a propriedade merece ser protegida
sim, mas desde que em harmonia com a funçã o social, e a relativizaçã o do direito de
propriedade é premissa à teoria socioló gica da posse, porque em um contexto em que
fosse um direito absoluto, ela sempre sobrepujaria a posse) e art. 193 e 191 da CF.

Manifestaçõ es da teoria socioló gica no CC: art. 1.238, pará grafo ú nico; art. 1242, pará grafo
ú nico; 1228, §§ 4º e 5º; 1210, §2º, 1197, parte final. Rol exemplificativo. Art. 1238,
pará grafo ú nico: o caput trata da usucapiã o extraordiná ria, que é aquela que independe de
boa fé e de justo título. Essa modalidade pode beneficiar o possuidor de má fé e sem título.
O prazo do caput é de 15 anos. O legislador permite a reduçã o do prazo em razã o da
funçã o social da posse. Isso seria impensá vel em um contexto anterior.

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Resposta à pergunta da aluna: A propriedade é um direito real mais completo na medida
em que tem mais atributos, confere maiores prerrogativas de atuaçã o. Exemplo: o
proprietá rio tem tutela possessó ria se já teve posse e tem a tutela petitó ria, enquanto o
apenas possuído nã o possui essa ú ltima. Nã o há dú vidas que a propriedade possui mais
atributos, até por força do sistema registral, o maior formalismo faz com que a
propriedade tenha tutela erga omnes, por exemplo, mas isso nã o significa dizer, conforme
a teoria socioló gica, que a propriedade seja mais do que a posse para, por exemplo, em um
conflito entre os dois a propriedade sempre prevaleça. O que a teoria socioló gica afirma é
que entre posse e propriedade, esta ú ltima nem sempre prevalece.

Vale observar que a teoria socioló gica da posse nã o desconstitui por completo a teoria
objetiva de Ihering, ela repudia a teoria de Ihering apenas no aspecto de que há hierarquia
entre posse e propriedade, mas nã o derruba os aspectos estruturais (corpus + affectio
tenendi).

 TEORIA ADOTADA NO CÓDIGO CIVIL


Art. 1.196: Define quem é possuidor. Nã o foi adotada a teoria subjetiva, nã o há nenhuma
exigência de elemento subjetivo. Pelo contrá rio, é possuidor aquele que atua como se
proprietá rio fosse, que corresponde à TEORIA OBJETIVA DO IHERING. E, por outro lado,
apesar de adotar os elementos estruturais da teoria objetiva, vimos que o nosso CC
também adota a TEORIA SOCIOLÓ GICA DA POSSE. (nã o sã o teorias incompatíveis entre si,
discordando apenas, como vimos, em relaçã o à suposta hierarquia entre posse e
propriedade; logo, podem coexistir perfeitamente).

“alguns dos poderes inerentes à propriedade”  essas faculdades sã o aquelas do art.


1228, caput do CC. Remissã o para esse artigo – “usar, gozar e dispor da coisa”.

OBS.: TEPEDINO defende que a posse no direito brasileiro tem um aspecto


está tico/estrutural X um aspecto dinâmico.

O aspecto está tico da posse vem no art. 1.196 – TEORIA OBJETIVA DO IHERING.

O aspecto dinâmico da posse é a observâ ncia de interesses extraproprietá rios socialmente


relevantes que legitimam a proteçã o possessó ria. Exemplo: moradia, trabalho, proteçã o à
família e utilizaçã o racional do solo. Esse aspecto dinâ mico está associado à funçã o social
da posse, que, portanto, passa a integrar a pró pria estrutura do contexto possessó rio.

“todo aquele que tem de fato o exercício”  vejam o que o legislador exige o exercício
das faculdades jurídicas e nã o a titularidade dessas faculdades. Imaginem o proprietá rio
esbulhado; o proprietá rio esbulhado mantém a titularidade das faculdades jurídicas, mas
ele perdeu o exercício delas. Logo, ele perde a posse. Ló gico, que ele poderá recuperar sua
posse pelas vias judiciais e até extrajudiciais adequadas, como veremos, mas o fato é que o
proprietá rio esbulhado mantém a titularidade das faculdades, mas nã o possui o exercício
da posse. Por outro lado, o esbulhador que se investe no bem nã o tem a titularidade, mas
tem o exercício das faculdades jurídicas – ele tem posse injusta, mas tem posse.

PROVA ORAL: O art. 1196 diz “que tem de fato o exercício”  será que teríamos aqui
alguma crítica a isso?

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Existe uma crítica por parte de alguns autores, e, inclusive, o projeto 6960 (arquivado no
CN) muda a redaçã o desse artigo. Isso porque pela teoria objetiva para que se tenha posse
nã o se exige o contato material, é possível se exercer a posse a distancia. O sujeito tem
uma casa de praia, só aparece lá uma vez por mês e mesmo assim ele mantém a posse,
ainda que lá nã o esteja. Entã o, como é possível o exercício da posse a distancia, na
verdade, para ser possuidor nã o é necessá rio que o sujeito esteja no efetivo exercício das
faculdades jurídicas; é preciso que se tenha o exercício ou a possibilidade imediata de
exercício.

O projeto altera a redaçã o desse artigo dizendo o seguinte: “exercício ou possibilidade de


exercício” – percebam que pela teoria subjetiva seria necessá rio o efetivo exercício ao
menos do uso do bem, mas a luz da teoria objetiva nã o.

OBS.: O depositário (ou o credor pignoratício) tem posse pelo art. 1196?

O depositá rio presumidamente nã o tem uso do bem; para poder usar o bem o depositá rio
tem que ter licença expressa. Tem gozo do bem? Evidentemente que nã o. Tem disposiçã o,
reivindicaçã o? Também nã o! Entã o, aparentemente, o depositá rio nã o exerce qualquer das
faculdades jurídicas inerentes à propriedade.

Vamos supor que eu deixe a chave do automó vel com alguém para que alguém venha a
guardar e a conservar essa automó vel; o carro está situado no térreo. Se há uma inundaçã o
– tragédia natural – o depositá rio pode se utilizar do bem para colocá-lo em local seguro?
Deve! Então, o depositário faz jus a um uso restrito do bem. O uso é restrito a
necessidade de conservação da coisa.

E percebem que o art. 1196 diz: “que tem de fato o exercício, pleno ou não” – essa
expressã o, “pleno ou não” demonstra que o uso, ainda que restrito, ainda que limitado da
coisa, permite ao depositá rio atingir o status de possuidor. Entã o, hoje, nã o há nenhuma
dú vida de que o depositá rio e o credor pignoratício têm posse – sã o possuidores diretos.

2. DETENÇÃO
O detentor é aquele que exerce o poder de fato sobre o bem sem alcançar o status de
possuidor.

O detentor seria quase que como um possuidor aparente; ele atua como se possuidor
fosse, ele exerce o poder de fato sobre a coisa, mas por alguma razã o ele nã o alcança o
status de possuidor (nã o colocar isso numa prova).

A consequência prática é que, em regra, ao detentor não se aplicam os mecanismos


de proteção da posse. No contexto da teoria subjetiva todos aqueles desprovidos de
ANIMUS DOMINIS eram classificados como detentores. Para a teoria objetiva de IHERING,
que é a que nos interessa, a detençã o resulta do ordenamento jurídico. O obstá culo à posse
aqui é um obstá culo jurídico.

Muitos, erroneamente, limitam a detençã o à quela figura do caseiro. Mas nã o é o caso, já


que detençã o é gênero que comporta algumas espécies como veremos a seguir. Uma das
espécies de detençã o é o do caseiro (fâmulo da posse).

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 ESPÉCIES DE DETENÇÃO:

(i) FÂMULO OU SERVO DA POSSE (Art. 1.198):


É aquele que exerce o poder de fato sem autonomia, ou seja, de acordo com as ordens ou
instruçõ es de seu superior hierá rquico; com relaçã o de dependência ou subordinaçã o.
Segundo o art. 1198 quem é possuidor é o superior; aquele que exerce o poder de fato em
relaçã o de dependência é mero detentor. Vejam que essa relaçã o de dependência ou de
subordinaçã o se contrapõ e ao art. 1204 do CC: fala em “exercício em nome pró prio”,
enquanto o art. 1198 fala que o detentor conserva a posse em nome de outrem. Logo, os
artigos estã o em harmonia quando exigem que o possuidor exerça o poder de fato em
nome pró prio e nã o em nome de outrem.

Exemplo: caseiro, secretá ria, motorista, em relaçã o aos objetos do patrã o.

Alguns autores (isso é controvertido) colocam aqui no art. 1198 a questã o do filho que
reside com o pai. O filho que mora com o pai nã o teria posse, seria mero detentor, porque
o poder de fato que ele exerce se dá diante de uma relaçã o de dependência. Para o
professor isso parece hoje um pouco inapropriado devido à perspectiva contemporâ nea
do poder familiar.

Havia uma questão que não tinha previsão legal no CC/16, que agora está no
parágrafo único: que é a possibilidade de transmudação da detenção em posse.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como


prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se
detentor, até que prove o contrário.

O detentor pode se transformar em possuidor? Pode; só que nó s temos duas situaçõ es


diferentes:

a) Transmudaçã o da detençã o em posse por causa lícita – ex.: se o caseiro ganha na


loteria e compra a casa do patrã o, ele vai se transmudar de detentor em
possuidor/proprietá rio daquele bem por causa lícita, qual seja a compra e venda.

b) A dú vida é se seria possível essa transmudaçã o por uma conduta unilateral ilícita
do detentor. Será que conduta unilateral ilícita do detentor pode propiciar a
transmudaçã o da detençã o em posse?

Exemplo: tenho um caseiro na casa de praia e quando vou entrar na casa ele nã o deixa e eu
fico inerte. O que qualificava aquela detençã o era a relaçã o de subordinaçã o. Na medida
em que o caseiro rompe aquela subordinaçã o, aquela detençã o se transmuda em posse
(injusta). Ou seja, é possível que o comportamento unilateral do fâ mulo da posse
transmude a detençã o em posse. Se esse comportamento é ilícito, a detençã o vai se
transmudar em posse injusta, mas pode ser que a detençã o se transmude também em uma
posse justa (exemplo: o caseiro ganha na loteria e compra o imó vel do patrã o).

É possível que essa mudança comportamental se dê por uma mudança fá tica continuada.
Exemplo: tenho um sítio com um caseiro, há 30 anos nã o apareço no sítio; quem decide o

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que será plantado e colhido é o caseiro, ou seja, há 30 anos é o caseiro quem dá as ordens
no local. Há um rompimento gradativo da relaçã o de subordinaçã o; quem passa a dar as
cartas é na verdade o funcioná rio. Vejam que aquela situaçã o fá tica que se prolonga no
tempo também pode propiciar a transmudaçã o da detençã o em posse.

Expressã o “até que prove o contrário” do pará grafo ú nico permite a transmudaçã o da
detençã o em posse de acordo com o comportamento do detentor. Neste sentido,
enunciado 301 do CJF.

Isso tem importâ ncia prá tica porque a partir do momento em que a detençã o se
transmudar em posse passam a ser aplicados todos os mecanismos de proteçã o
possessó ria, inclusive o início do prazo para usucapiã o.

(ii) ATOS DE MERA PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA (art. 1.208, 1ª


parte):
Na permissã o há consentimento prévio. Exemplo: tenho um sítio e o meu vizinho todo
domingo passa a tarde lá pescando com o filho no meu açude; é um ato de mera tolerâ ncia.
A característica bá sica é a profunda precariedade.

É muito delicado à s vezes no caso concreto diferenciar ato de mera permissã o ou


tolerâ ncia com comodato verbal e vejam que essa discussã o tem efeitos prá ticos, porque
se há comodato verbal há posse direta, e quando é tolerâ ncia/permissã o é mera detençã o.
ATENÇÃO: Em tese, a diferença do comodato e da tolerância/permissão, é que este
último é dotado de mais precariedade; é revogável ad nutum.

Exemplo: meu carro enguiça e eu peço para passar a noite em determinada residência, e o
sujeito permite (ato de mera permissã o, nã o se trata de comodato verbal). No dia seguinte
instado a sair, o sujeito fala que nã o sai e o proprietá rio se mantém inerte. Há
transmudaçã o, mais uma vez, de mera detençã o em posse por uma situaçã o fá tica.

OBS.: CHAVES faz a seguinte afirmaçã o, que para o professor nã o é vá lida em todos os
casos, mas eles defendem que para que haja ato de mera tolerâ ncia, essa tolerância
pressupõe um prazo curto (curto lapso temporal). Isso porque se ela se projeta por um
lapso temporal maior, passa a ser aplicá vel a SUPRESSIO para justificar a transmudaçã o da
detençã o em posse, já que a SUPRESSIO está ligada a uma tolerâ ncia prolongada.

O professor nã o concorda em generalizar tal afirmativa, sendo necessá ria a avaliaçã o do


caso concreto, porque na SUPRESSIO é necessá rio que haja uma legítima expectativa da
outra parte, nã o basta inércia prolongada, é preciso que essa inércia prolongada desperte
em outro uma legítima expectativa em adquirir a posse sobre o imó vel.

(iii) ATOS VIOLENTOS OU CLANDESTINOS (art. 1.208, parte final):


Enquanto houver atos violentos ou clandestinos há mera detenção (entendimento
amplamente dominante na doutrina). Enquanto nã o cessada a violência ou a
clandestinidade nã o há posse, há mera detençã o.

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Exemplo: tenho um imó vel, vem um esbulhador e eu resisto ao esbulho, havendo prá tica
de atos violentos recíprocos; enquanto houver a violência recíproca, nã o há posse em
favor do esbulhador, há mera detençã o. Só vai se iniciar a posse em favor do esbulhador
quando eu desistir de reagir e cessarem os atos de violência (a partir daí ele terá posse,
porém injusta).

Da mesma forma a clandestinidade. Por exemplo: enquanto o esbulhador estiver nos


fundos do imó vel, nã o acender as luzes e nã o exercer o poder de fato à s claras, ele pratica
atos clandestinos, permanece como mero detentor; só será possuidor quando cessar a
clandestinidade.

Cessada a violência ou clandestinidade a detenção se transmuda em posse – posse


injusta, de acordo com o art. 1200, a contrá rio senso. Remissã o para o art. 1.200.

ATENÇÃO: O que é posse violenta? Quase todo mundo diz que é aquela exercida mediante
violência, mas isso está errado, porque enquanto há violência nã o há posse, mas mera
detençã o. A posse violenta é aquela que provém de atos violentos, mas ela pressupõ e a
cessaçã o dos atos violentos.

O que é posse clandestina? É a posse exercida clandestinamente. Está errado, enquanto o


poder de fato for exercido clandestinamente nã o há posse, mas mera detençã o. A posse
clandestina é aquela que pressupõ e que a clandestinidade tenha cessado. Enquanto o
poder de fato do esbulhador nã o é perceptível, em muitas situaçõ es o proprietá rio
esbulhado nã o tem sequer meio de se defender, nã o tinha como saber da existência do
esbulho.

Exemplo: tenho uma casa de praia, o sujeito invadiu minha casa, mas o sujeito nã o dá as
caras. Aquele prazo nã o é computado, inclusive, para fins de usucapiã o.

OBS.: Doutrina minoritária tem entendimento divergente aqui (BEVILAQUA, JOSÉ


ASSIR – posiçã o hoje superada): esses autores defendem que enquanto houver atos
violentos ou clandestinos nó s temos posse injusta. E cessada a violência ou a
clandestinidade a posse de injusta se transmuda para justa. É o que esses autores chamam
de CONVALESCIMENTO DA POSSE INJUSTA.

Percebam que nã o é isso o que diz o art. 1.208 do CC, mas a questã o aqui nã o gera efeitos
prá ticos. Vamos pensar na usucapiã o: pela visã o predominante, enquanto houver atos
violentos ou clandestinos, nã o há posse, há mera detençã o, portanto, aquele prazo nã o é
computado para fins de usucapiã o. O poder de fato só será computá vel para fins de
usucapiã o quando cessar a violência ou a clandestinidade – passa a ter posse injusta (art.
1200).

Para BEVILAQUA/JOSÉ ASSIR dá no mesmo, em termos prá ticos, porque eles partem da
premissa de que só é AD USUCAPIONEM a posse justa. Entã o, só com o convalescimento da
posse injusta para justa é que seria computá vel o prazo de usucapiã o. Isso é praticamente
superado.

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(iv) BENS CUJO MERO PODER CONSTITUI ILICITUDE:
Por exemplo: entorpecentes, armas proibidas, animais silvestres, cuja domesticaçã o é
vedada por lei. O simples poder de fato sobre tais bens gera ilicitude.

Não confundir: sujeito que furta um computador ou furta um reló gio, o meliante neste
caso tem posse; o simples poder de fato nã o gera ilicitude. Aqui temos posse injusta e nã o
detençã o.

Jamais colocar isso em uma prova de civil, mas dá para fazer um paralelo entre
contrabando e descaminho. Naquele, a importaçã o da mercadoria, por si só , gera ilicitude.
No descaminho é crime contra o fisco, isto é, o sujeito traz uma mercadoria lícita, mas viola
deveres fiscais.

(v) BENS PÚBLICOS:


A doutrina em geral afirma que nã o sã o suscetíveis de posse os bens pú blicos de uso
comum e uso especial, até porque tais bens sã o inapropriá veis. E, em geral, a doutrina
civilista afirma o cabimento de posse sobre bens dominicais.

O STJ adota uma postura ainda mais fazendá ria, que costuma dizer que nã o cabe posse
sobre bens pú blicos em geral, sem distinguir os dominicais e os de uso especial. Entã o,
quando um particular exerce um poder de fato sobre bens pú blicos o particular tem mera
detençã o.

O efeito prá tico mais aplicado pelo STJ é o seguinte: o particular está no bem pú blico e faz
benfeitorias. O poder pú blico obtém o bem de volta, reivindica a coisa e o particular invoca
o art. 1.219. O STJ diz que esse artigo nã o se aplica contra o Poder Pú blico, porque o art.
1.219 protege o possuidor de boa fé, portanto nã o se aplica em favor do particular, porque
este tem mera detençã o. Entã o, o particular nã o tem contra a AP o direito de exigir
reparaçã o pelas benfeitorias necessá rias e ú teis e nã o tem direito de retençã o, até porque
o direito de retençã o tem um aspecto aqui ainda mais eloquente, porque o direito de
retençã o nã o se presume, porque é resquício de autotutela. (ATENÇÃO) RESP 945.055;
RESP 841.905; RESP 788.057.

Agora, pensando como defensor pú blico, o que tem que ser argumentado é que, no
mínimo, em relaçã o à s benfeitorias necessá rias há enriquecimento sem causa. Alguns
podem dizer que nã o há previsã o legal. Mas é justamente quando nã o há previsã o legal
que ganha relevâ ncia a vedaçã o do enriquecimento sem causa, que tem aplicaçã o
subsidiá ria (art. 886). O STJ, naquele primeiro julgado, diz que na prá tica nã o há
enriquecimento sem causa para a AP, porque quase sempre na prá tica a AP tem que
destruir a benfeitoria.

OBS.: Muitos autores defendem a relativizaçã o da indenizaçã o por benfeitorias


necessá rias diante de uma análise econô mica, porque os clá ssicos sempre afirmam que as
benfeitorias necessá rias têm que ser sempre indenizados, e muitos autores hoje dizem que
nem sempre. Imagine que em um local extremamente nobre o possuidor faça uma
benfeitoria necessá ria extremamente rudimentar, que nitidamente nã o via atender à s
necessidades do proprietá rio. Muitos dizem que neste caso nã o terá que indenizar

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necessariamente, porque a indenizaçã o por benfeitorias necessá rias está associada ao
enriquecimento sem causa, e se ficar nítido que aquela benfeitoria nã o beneficiará o
proprietá rio haveria uma mitigaçã o da indenizaçã o por benfeitorias necessá rias dentro de
uma aná lise econô mica.

A questã o da aná lise econô mica do direito vem ganhando mais destaque em razã o da
funçã o social do contrato.

Há uma posição isolada do TEPEDINO sobre esse tema. Ele defende o cabimento de
posse sobre qualquer bem público. É uma tese que nã o interessa à fazenda pú blica.
Quase sempre quando se argumenta contra o cabimento de posse sobre bem pú blico se diz
que nã o cabe até porque nã o cabe usucapiã o de bem pú blico. A impossibilidade de
usucapiã o demonstraria a impossibilidade de posse sobre bem pú blico. O TEPEDINO
detecta que esse argumento é frá gil.

Há uma classificaçã o (essa classificaçã o é incontroversa) segundo a qual a posse pode ser
AD INTERDICTA ou AD USUCAPIONEM. A primeira é aquela que confere ao seu titular os
interditos possessó rios (nã o confundir interdito possessó rio com interdito proibitó rio,
aqueles representam genericamente os mecanismos de proteçã o da posse; enquanto este
ú ltimo é uma das açõ es possessó rias típicas, no caso de ameaça).

À exceçã o do CRG, todo mundo diz que toda posse é AD INTERDICTUM, até a injusta, mas
nem toda posse é AD USUCAPIONEM (a posse sem ANIMUS DOMINIS nã o é AD
USUCAPIONIM). Entã o, o fato de nã o caber usucapiã o nã o significa que nã o há posse. O
locatá rio, por exemplo, nã o tem posse ad usucapionem, mas tem posse ad interdictum.
Portanto, TEPEDINO diz que cabe sim posse sobre bem pú blico, só que é uma posse ad
interdictum, nã o é uma posse ad usucapionem, por força de vedaçã o constitucional e legal.

Em reforço à tese do TEPEDINO, que é minoritá ria, temos que atentar à MP 2.220/01, que
trata da CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FIM DE MORADIA, porque a MP chega a
falar em posse de bem pú blico. Também vale trazer à colaçã o o instituto da “legitimaçã o
de posse” constante da lei 11.977/09 (Lei do Projeto minha casa minha vida), que cabe
tanto sobre bem particular quanto bem pú blico.

O TEPEDINO diz “ainda que eu esteja vencido, ou seja, ainda que se entenda que nã o cabe
posse sobre bem pú blico” o TEPEDINO traz à colaçã o o art. 1.145 do Có digo Italiano, que
diz que nã o cabe posse sobre bem pú blico, mas esse detentor sobre bem pú blico tem
tutela possessó ria em face de terceiros (em regra nã o há tutela possessó ria para detentor,
mas esse caso é uma exceçã o). Portanto, esse sujeito é mero detentor, nã o terá tutela
possessó ria contra a AP, mas vai poder se valer de tutela possessó ria em detrimento de
terceiros, isto é, se terceiro pratica um esbulho contra o detentor, este poderá se valer da
reintegraçã o de posse.

Há um julgado do STJ que repudia essa tese, em muito explicar. RESP 998409, dizendo que
em se tratando de bem pú blico nã o cabe açã o possessó ria entre particulares, justamente
porque o particular que manejou a açã o possessó ria é mero detentor.

OBS.: (JOSÉ ASSIR) Vamos supor que o poder pú blico queira retirar os invasores do bem.
O poder pú blico ingressa com uma açã o possessó ria. Qual é a tese do JOSÉ ASSIR?
(isolada) para ele, quando o poder pú blico ingressa com açã o possessó ria, trata-se de

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causa de extinçã o do processo sem resoluçã o de mérito. Isso por falta de interesse
processual. Faltaria interesse processual à AP, porque os particulares ali sã o meros
detentores, eles nã o têm tutela possessó ria contra a administraçã o. Além disso,
autoexecutoriedade dos atos administrativos – a fazenda pú blica nã o precisaria da açã o
possessó ria para retirar os particulares, ela pode retirá -los independentemente da
autorizaçã o do poder judiciá rio para tal.

(vi) ESBULHADORES ENQUANTO O ESBULHADO NÃO TOMA


CIÊNCIA DO ESBULHO (Art. 1.224):
O entendimento amplamente dominante é no sentido de que o artigo traz uma hipó tese de
posse ficta, que acaba dando ensejo a mais uma espécie de detençã o.

Exemplo: tenho uma casa de praia sem caseiro e há duas semanas três pessoas invadiram
minha casa de praia. No plano fá tico, eu perdi a posse há duas semanas, só que o art.
1.224 traz uma POSSE FICTA em favor daquele que não tinha meios de se defender
por não ter presenciado o esbulho. Ou seja, enquanto ele nã o toma ciência do esbulho
ele permanece com status de possuidor. Entã o, a situaçã o jurídica dos esbulhadores neste
lapso temporal é de mera detençã o.

E aí o que alguns autores defendem (dentre eles TEPEDINO e CHAVES) é que aquela
histó ria do detentor que pode ter tutela possessó ria contra o terceiro (que vimos na
hipó tese de bem pú blico) também seria aplicá vel aqui. Quer dizer, aqueles esbulhadores,
enquanto o esbulhado nã o toma ciência do esbulho, os esbulhadores sã o meros
detentores, e, excepcionalmente, esses detentores teriam tutela possessó ria em face de
terceiros.

OBS.: Posiçã o isolada de MARCO AURÉ LIO BEZERRA DE MELLO: ele é um dos autores que
defende que esses detentores tem tutela possessó ria em face de terceiros. Só que isso
causou muita estranheza a esse doutrinador: como um detentor poderia ter tutela
possessó ria em face de terceiros?! Entã o, ele defende que os esbulhadores aqui nã o seriam
detentores; no caso do art. 1224 haveria um desmembramento fá tico da posse. Ou seja, os
esbulhadores teriam posse fá tica direta e o esbulhado, posse indireta. Porque na medida
em que se entende que os esbulhadores tem posse direta, fica nítido que eles teriam tutela
possessó ria em face de terceiros. Mas por que isso é isolado? Porque o art. 1197 prevê que
a posse direta resulta de direito pessoal ou real. Quando lembramos de posse direta,
lembramos de locatá rio, comodatá rio, usufrutuá rio. Entã o, o desmembramento
possessó rio resulta de relaçã o contratual ou de direito real e nã o de prá tica de ato ilícito.
Isso é uma exigência legislativa do art. 1197 do CC. Por isso, esse autor fala em
desmembramento fá tico da posse, como sendo uma exceçã o à regra geral do
desmembramento possessó rio. Porque a regra geral do desmembramento possessó rio é
de que o desmembramento resulte de ato ou negó cio jurídico e aqui para ele haveria um
desmembramento fá tico da posse. Isso é isolado!

Neste contexto, a autodefesa da posse (art. 1.210, §1º) pressupõ e que a reaçã o seja
imediata. Muitos autores sustentam que o art. 1224 poderia mitigar a reaçã o imediata ao
menos no plano fá tico, porque no plano jurídico a reaçã o é tida como imediata. Exemplo:
tenho uma casa de praia esbulhada há duas semanas, nã o tenho ciência do esbulho, no
plano jurídico ainda sou possuidor. No plano jurídico, se no exato momento em que sei do

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esbulho eu reajo, a minha reaçã o é imediata, porque no plano jurídico em mantinha o
status de possuidor até aquele instante. Isto nã o é unanime.

Contra essa possibilidade de aplicar o art. 1210, §1º combinado com o 1224 temos o
enunciado 495 do CJF, que é a posiçã o do Marco Aurélio de Mello, isto porque a regra trata
de autotutela, o que reclama uma interpretaçã o restritiva; autotutela nã o se presume.

Outra hipó tese de aplicaçã o do art. 1.224 é : (como veremos adiante a classificaçã o da
posse nova e velha) vejam que para computar se a posse é velha ou nova em relaçã o aos
esbulhadores, deve-se atentar ao art. 1224. Aquele lapso temporal enquanto o
proprietá rio nã o sabe do esbulho nã o é computado para fins de tempo de posse dos
esbulhadores, porque naquele lapso eles sã o meros detentores. Entã o, pode ser que
estejam a um ano e dia no bem, mas ficaram duas semanas sem conhecimento do
esbulhado do esbulho, a posse ainda é nova.

Dúvida do aluno: vamos imaginar que todo mundo saiba menos o esbulhado, porque ele
nã o aparece lá no imó vel há 20 anos. Hoje, todo doutrina afirma o seguinte: essa ausência
do art. 1224 tem que ser uma ausência fugaz.

Hoje também é possível afirmar que é pacífico o entendimento de que para a aplicaçã o do
art. 1.224, a ausência do esbulhado deve ser fugaz, ou seja, justificada. À luz da letra fria do
art. 1224, se o esbulhado nã o tomou ciência do esbulho ele permanece com status de
possuidor até ele tomar ciência. Imaginemos que todo mundo sabe do esbulho, menos o
esbulhado, que nã o aparece no bem há 30 anos. Quer dizer, a aplicaçã o literal do
dispositivo iria contra a teoria socioló gica da posse e funçã o social da propriedade. Logo,
em alguns casos nã o se exige uma efetiva ciência. Se ficar demonstrado que o sujeito nã o
sabia, mas deveria saber, nesse caso, deixa de ser aplicá vel o art. 1224.

Há uma posição isolada do TEPEDINO segundo a qual nã o teríamos neste dispositivo


mais uma espécie de proteçã o. Sustenta-se que neste artigo nã o haveria postergaçã o
quanto ao momento de aquisiçã o ou perda da posse, restringindo-se o dispositivo a nã o
considerar posse o uso por terceiro desautorizado se há a retomada do bem pelo legítimo
possuidor. Segundo esta posiçã o, no exato momento em que o esbulhador entra na coisa
ele tem posse, ainda que o esbulhado nã o saiba do esbulho, mas nesta hipó tese em que o
esbulhado nã o sabe do esbulho a proteçã o que o ordenamento fez foi a seguinte: se ao
tomar ciência do esbulho o esbulhado retoma o bem, aquela retomada pelo esbulhado
produz efeitos ex tunc, neutralizando e afastando todos os atos possessó rios praticados
pelo esbulhador. É como se aquele esbulhador jamais tivesse tido posse.

Perceba que se nã o houver a retomada do bem o esbulhador tem posse desde o primeiro
dia da invasã o, por essa posiçã o acaba afastando o art. 1224 como mais uma espécie de
detençã o. Sob essa perspectiva, ou acabamos reconhecendo a posse do esbulhador caso
nã o haja retomada do bem, ou a posse permanece ininterrupta e contínua pelo esbulhado
no caso de retomada do bem. Percebam a aplicaçã o disso para fins de usucapiã o: pode ser
que o esbulhado nã o seja o proprietá rio, mas o possuidor em vias de usucapir. Na medida
em que essa retomada produz efeitos ex tunc, a posse do usucapiente permaneceria sendo
contínua e ininterrupta.

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Pergunta de prova oral: Cabe posse em favor do incapaz? (pode o incapaz em nome
pró prio ser possuidor?)

1ª corrente (ORLANDO GOMES – posição isolada): nã o cabe posse em favor de incapaz.


Ele aplica aqui a teoria geral do direito civil. Incapaz que nã o está representado ou
assistido nã o titulariza posse, ele nã o posse praticar atos vá lidos, portanto, nã o pode ser
possuidor.

2ª corrente: Hoje, o entendimento consolidado vem no sentido oposto. Qual seria um


argumento em favor da posse do incapaz? A incapacidade restringe a manifestaçã o de
vontade, porque o incapaz nã o tem discernimento para manifestar validamente a sua
vontade e a posse é um ato de cará ter material; a posse nã o é um ato que resulta da
manifestaçã o de vontade, a posse é um ato de cará ter material. Entã o, a vedaçã o do regime
da incapacidade nã o seria incompatível com a prá tica de atos possessó rios, a posse resulta
de uma situaçã o fá tica, que independe da manifestaçã o de vontade.

Um segundo argumento: qual é o objetivo do regime da incapacidade? Proteçã o! A


incapacidade busca proteger. Se nó s privarmos o incapaz da posse, nó s nã o estaríamos
protegendo, nó s estaríamos punindo o incapaz. Entã o, a privaçã o da posse em relaçã o aos
incapazes iria contra o pró prio objetivo do regime de incapacidade. Entã o, nesse contexto,
o que se exige aqui ao exercício da posse nã o é a capacidade jurídica e sim a capacidade
natural. Capacidade natural representa a consciência mínima do exercício do poder de fato
e da possibilidade de defender-se em face de terceiros.

OBS.: IUS POSSIDENDI x IUS POSSESSIONIS  IUS POSSIDENDI é a posse embasada em


título jurídico – ex.: locató rio tem ius possidendi, sendo o título jurídico o contrato de
locaçã o; o proprietá rio tem ius possidendi que se embasa no direito de propriedade. É claro
que o esbulhador que ingressa no imó vel e passa a cultivar a terra nã o tem ius possidendi,
já que sua posse é desprovida de título jurídico. CRG chama o ius possidendi de POSSE
CAUSAL – é uma posse que tem como causa um título jurídico.

Percebam que com a usucapiã o, o usucapiente que nã o tinha ius possidendi passa a tê-lo. A
usucapiã o permite aqui ao possuidor passar a ser dotado de ius possidendi.

A definiçã o de IUS POSSESSIONIS é controvertida na doutrina. Há autores que afirmam que


o ius possessionis representa posse desprovida de título jurídico. A maioria diz que nã o, diz
que o ius possessionis diz respeito aos efeitos jurídicos da posse e os efeitos jurídicos da
posse se aplicam tanto à posse com título jurídico, quanto à posse sem título jurídico.
Entã o, o ius possessionis abrangeria na verdade tanto a posse com título, quanto a posse
sem título jurídico, pois mesmo a posse sem título jurídico traz efeitos jurídicos, traz
proteçã o possessó ria. Para CRG o ius possessionis é a POSSE ABSTRATA, NÃO
TITULADA.

3. CLASSIFICAÇÃO DA POSSE

3.1 POSSE DIRETA x POSSE INDIRETA


É a figura do desmembramento possessório – art. 1.197 do CC.

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Vamos supor que esse artigo nã o existisse. Ex.: locaçã o. O sujeito é proprietá rio de um
imó vel, mora no imó vel, mas num determinado momento decide alugar o bem e passa a
morar no bem o locatá rio e o locador deixa de exercer o poder de fato. Se nã o existisse o
art. 1197, nó s pensaríamos que o locatá rio passaria a ser o possuidor exclusivo e o locador
perderia a posse. Qual é o inconveniente disso? O locador que transferiu provisoriamente
o poder de fato a outrem deixaria de ter tutela possessó ria, inclusive, diante da atuaçã o de
terceiros.

Entã o, o art. 1197 para muitos é uma ficçã o jurídica, porque ele traz uma posse ficta em
favor do possuidor indireto. Assim, a posse direta é chamada de posse imediata; é aquela
que resulta do efetivo exercício do poder fato. E a posse indireta é chamada de posse
mediata, posse que se exerce a distancia.

Prova oral: IHERING chegava a falar que a posse indireta representava a espiritualizaçã o
da posse. Hoje, vá rios autores (TEPEDINO, CRG) criticam a afirmativa de que a posse
indireta é uma posse ficta. A posse indireta nã o seria ficta, porque para o IHERING a posse
nã o pressupõ e o efetivo poder de fato, o contato físico, o contato material. Para ele a posse
pode ser exercida a distancia. Logo, nã o haveria qualquer ficçã o jurídica em se conceber a
luz da teoria objetiva do IHERING a posse a distancia. Seria uma ficçã o jurídica se nó s
tivéssemos adotado a teoria subjetiva do SAVIGNY, já que para este a posse pressupõ e o
contato material. Mas na medida em que a definiçã o do IHERING é incorporada no direito
brasileiro e se admite o exercício da posse a distancia, nã o há posse ficta aqui quanto ao
possuidor indireto. Além disso, a transferência temporá ria do poder de fato é conduta
típica de dono.

1) POSSE DIRETA ou IMEDIATA

Tem duas singularidades:

 É necessariamente lícita: o art. 1.197 fala “em virtude de direito pessoal ou real”,
entã o a posse direta, necessariamente, se embasa em direito pessoal ou real. Nã o
há desmembramento possessó rio resultante de ato ilícito, só há desmembramento
possessó rio resultante de direito pessoal ou real.

Há uma tese do MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELLO que defende que é possível que
haja desmembramento possessó rio em decorrência de relaçã o jurídica putativa.
Imaginemos que alguém seja um suposto proprietá rio de um bem, que celebra uma
locaçã o com um locatá rio de boa fé. Houve uma “locaçã o a non domino”. Defende-se que há
desmembramento possessó rio, porque basta a boa fé do possuidor direto para que haja
desmembramento possessó rio. Portanto, ainda que o possuidor indireto nã o fosse o dono,
é possível desmembramento possessó rio. Efeito prá tico: possibilidade de se valer dos
mecanismos de proteçã o da posse.

Vejam que numa perspectiva tradicional isso jamais seria admissível, porque nã o há um
direito pessoal que embasa a posse naquele caso, porque a relaçã o de locaçã o da verdade é
apenas aparente, porque o sujeito nã o era o verdadeiro proprietá rio da coisa.

O possuidor indireto é o dono/proprietá rio, em regra. Tem exceçã o? Sim, é possível que
haja possuidor indireto sem ser dono, na chamada “VERTICALIZAÇÃO EM GRAUS DA
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POSSE”. Exemplo: sublocaçã o. Quando há sublocaçã o quem tem posse direta é o
sublocatá rio e sã o possuidores indiretos o locador e o sublocador.

 Temporária: sabendo-se que a posse direta é temporá ria, é possível afirmar que
quem tem posse direta tem sempre obrigaçã o de restituir.

O desmembramento possessório retira o bem do comércio? Nã o, o possuidor indireto,


que, em regra, é o proprietá rio, nã o perde a faculdade de disposiçã o. Só que vamos pensar
na sistemá tica de bens mó veis. A transferência de bens mó veis, em regra, se dá pela
tradiçã o. Entã o, percebam que se há desmembramento possessó rio de um bem mó vel o
possuidor indireto mantém a faculdade de disposiçã o, só que a via dele transferir a
propriedade é por meio da tradiçã o, mas percebam que, neste caso, nã o é possível ao
possuidor indireto entregar o bem a terceiro porque o bem se encontra com o possuidor
direto. Sensível a isso o legislador criou uma situaçã o de tradiçã o ficta no art. 1.267, p.u,
segunda parte (esse terceiro é o possuidor direto). Entã o, quando o possuidor indireto
transfere o direito de restituiçã o da coisa ele transfere a propriedade através da tradiçã o
ficta. Remissã o entre o art. 1197 c/c art. 1267, pará grafo ú nico, 2ª parte do CC.

Outra questão incluída na ideia de “temporariedade” é o desmembramento


possessório no compromisso de compra e venda. Quase sempre quando há
compromisso de compra e venda o promitente comprador fica com a posse direta e o
promitente vendedor com a posse indireta. A posiçã o predominante é que com quitaçã o
pelo promitente comprador cessa o desdobramento possessó rio. Uma das características
inerentes à posse indireta é que ela seja temporá ria. Se há um compromisso de compra e
venda sem clá usula de arrependimento, a condiçã o resolutiva da posse do promitente
comprador é o inadimplemento; se há quitaçã o a posse do promitente comprador deixa de
ser temporá ria, ela passa a ser definitiva, entã o cai o desmembramento possessó rio e a
partir da quitaçã o passa a exercer a posse exclusiva, independentemente de adjudicaçã o
compulsó ria. É possível afirmar o mesmo na hipó tese de adimplemento substancial,
quando nã o mais se permite a resoluçã o do contrato, entã o a posse do promitente
comprador também se torna definitiva.

Efeito prá tico: quem tem posse direta nã o tem ANIMUS DOMINI e, portanto, a posse direta
nã o é computá vel para fim de usucapiã o. Para que falar em usucapiã o em favor do
promitente comprador se ele tem à sua disposiçã o a adjudicaçã o compulsó ria? O tema
pode ter utilidade prá tica na hipó tese de compromisso de compra e venda a non domino.

Exemplo: sou o promitente comprador e quito hoje o compromisso de compra e venda; 15


anos depois aparece o verdadeiro proprietá rio e comprova que o promitente vendedor
nã o era o dono, entã o aquela promessa de compra e venda nã o teve o condã o de
posteriormente viabilizar a aquisiçã o da propriedade. O promitente comprador vai alegar
usucapiã o e o tempo vai computar somente a partir da quitaçã o, que é quando a posse
passa a ser dotada de animus domini. Apenas a partir da quitaçã o cessa o
desmembramento possessó rio (STJ, Moreira Alves).

Há uma posiçã o que vai além. JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JÚNIOR (ele é muito
importante no assunto de promessa de compra e venda) e ORLANDO GOMES defendem
que nã o podemos tratar da mesma maneira a posse do promitente comprador com a posse

15
do locatá rio/depositá rio, porque essas sã o posses que já nascem para ser temporá rias.
Desde a origem nascem com a característica de ser temporá ria; a posse do promitente
comprador, o que se espera, é que ela seja definitiva, especialmente se nã o há cláusula de
arrependimento. Quando alguém celebra um compromisso de compra e venda sem
clá usula de arrependimento a propriedade fica como instrumento de mera garantia em
favor do vendedor. Entã o, na verdade, eles defendem que a promessa de compra e venda
sem clá usula de arrependimento seria espécie de compra e venda sem clá usula de
arrependimento. Neste contexto, a posse do promitente comprador é definitiva desde a
origem, portanto desde a origem já seria computada para fins de usucapiã o.

PERGUNTA (para prova oral): na enfiteuse há posse direta em favor do enfiteuta?


Erroneamente poderia cair no erro de que sim, porque temos a figura do nu proprietá rio e
do enfiteuta, e haveria o desmembramento (essa é uma das posiçõ es). Há quem defenda,
no entanto, que nã o é, porque uma das características da enfiteuse é perpetuidade, que
seria incompatível com o desdobramento possessó rio, que pressupõ e a temporariedade.

O tema é controvertido! Há autores que defendem que há desmembramento possessó rio,


porque há causas extintivas da enfiteuse (ORLANDO GOMES, MOREIRA ALVES, PONTES
DE MIRANDA). Mas há uma 2ª corrente dizendo que na realidade as causas extintivas da
enfiteuse sã o supervenientes, já que a enfiteuse nasce para ser perpétua.

O CC atual assegura a existência das enfiteuses anteriores, mas veda a constituiçã o de


novas enfiteuses. Por exemplo, uma das causas de extinçã o das enfiteuses é o falecimento
do enfiteuta sem deixar herdeiros. Essa é uma causa superveniente de extinçã o da
enfiteuse que nasce para ser perpétua. Entã o, a 2ª corrente defende que a aná lise aqui da
temporariedade ou nã o se dá no surgimento do instituto e quando a enfiteuse surge ele
nasce para ser perpetua. Entã o, com base nisso, TUPINAMBÁ MIGUEL DE CASTRO, por
exemplo, defende que na enfiteuse nã o há desmembramento possessó rio; na verdade, o
titular do domínio ú til passa a ter posse exclusiva, porque a posse do titular do domínio
ú til nã o é temporá ria, mas sim definitiva.

O art. 1.197, em sua parte final, dispõe “podendo o possuidor direto defender a sua
posse contra o indireto”. Entenda-se como possuidor direto o que é nã o proprietá rio. Ou
seja, o CC está dizendo que o possuidor direto pode defender sua posse em face do
indireto, que em regra é o proprietá rio. Isso é uma manifestaçã o da teoria socioló gica. Ou
seja, nã o necessariamente a posse direta vai gerar sucumbência em face da posse indireta
em sede de tutela possessó ria (reivindicató ria vai). Enunciado 76 CJF, notadamente
quando o possuidor indireto violar a obrigaçã o de restituir. Exceçã o: no caso da locaçã o de
imó vel quando o locatá rio nã o restitui a via adequada é a açã o de despejo, porque é regra
especial.

AULA 31

2) POSSE INDIRETA ou MEDIATA

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É uma posse exercida à distâ ncia. Por isso, inclusive, para o professor (ele nunca ouviu
falarem a respeito), parece que o art. 1.224 que tutela o possuidor que nã o presenciou o
esbulho nã o se aplica ao possuidor indireto, porque o art. traz uma tutela diferenciada,
uma posse ficta, e, na verdade, é da essência da posse indireta que ela seja exercida à
distâ ncia. Parece injustificá vel a tutela diferenciada do possuidor indireto uma vez que é
da essência do desmembramento possessó rio que o possuidor indireto nã o tenha
presenciado o esbulho. Parece que só seria aplicá vel em favor do possuidor direto, mas a
lei nã o restringe, entã o é possível defender o contrá rio.

Muitos autores defendem que a posse indireta seria uma posse ficta, justamente pelo fato
de que o possuidor indireto nã o exerce o efetivo poder de fato, exercem o poder de fato à
distancia. Exemplo: locador, comodante, depositante e etc. Defendem que é posse ficta,
porque se nã o existisse o art. 1997 tenderíamos a afirmar que só o locatá rio seria o
possuidor, mas o artigo permite através do desmembramento possessó rio. Só que o a
doutrina de que a posse indireta é posse ficta é objeto de controvérsia. Para a teoria de
Ihering o possuidor é aquele que age como se proprietá rio fosse, e a possibilidade de
transferência temporá ria de parte das faculdades jurídicas, que é o que acontece no
desmembramento possessó rio, é conduta típica de dono, apenas o dono, por exemplo,
poderia dar em comodato; mas nã o nos esqueçamos que para a teoria objetiva o conteú do
de “corpus” nã o se restringe ao contato material, que é o que defende a teoria subjetiva (à
luz dessa teoria nã o haveria dú vida de que a posse indireta é uma posse ficta, porque seria
da essência da posse o contato físico); na medida em que na teoria de Ihering nã o se exige
o contato físico/material, seria plenamente possível a existência de uma posse nã o ficta
exercida à distâ ncia.

OBS.: Julgado recente que saiu em informativo a respeito da impossibilidade de


posse de bem público – INFORMATIVO 551/STJ – Ar no RESP 1.470.182.

3.2 POSSE JUSTA x POSSE INJUSTA (art. 1.200)

1) POSSE JUSTA

2) POSSE INJUSTA

Posse violenta, clandestina ou precária – violência, clandestinidade e precariedade sã o


chamados de vícios objetivos da posse. Isso porque os vícios subjetivos dizem respeito à
posse de má -fé ou de boa-fé.

Cessada a violência ou clandestinidade é que aquela detenção se transmuda em


posse injusta. A posse violenta é a que tem por origem atos de violência, mas ela
pressupõ e que tenha cessado os atos de violência.

Muitos autores fazem aqui uma analogia a crimes: a posse violenta estaria associada à
prá tica de roubo, ao passo que a posse clandestina seria a hipó tese de furto e a posse
precá ria apropriaçã o indébito.

Em relação à posse violenta, se admite tanto a VIS ABSOLUTA (violência física),


quanto a VIS COMPULSIVA (coação moral). Entã o, a violência aqui pode ser física ou

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moral. Nã o esquecer que a definiçã o de posse violenta tem que ser interpretada a luz do
art. 1208, parte final do CC – deixa claro que nã o há posse senã o deixar de cessar a
violência ou a clandestinidade. Entã o, enquanto houver atos violentos, nã o há posse, há
mera detençã o. Apenas com o termino dos atos violentos é que se inicia a posse injusta,
posse violenta.

OBS.: Essa classificação posse justa X posse injusta tem como efeito prático a
legitimidade passiva para as ações possessórias, então, quem tem posse injusta tem
legitimidade passiva para as ações possessórias. E aí imaginem que alguém seja
coagido a celebrar um contrato de comodato e por força do comodato o sujeito entrega um
determinado bem a outrem (comodato é contrato real). Será que o comodatá rio, nesse
caso, que coagiu o comodante a celebrar o contrato tem posse injusta? Será que o
comodante pode se valer de uma açã o de reintegraçã o de posse? Nã o, porque nesse caso
há um título que aparentemente dá suporte à posse do comodatá rio, qual seja o contrato
de comodato. Entã o, nã o pode o comodante, ainda que coagido para celebrar o contrato,
ingressar diretamente com uma açã o de reintegraçã o de posse. É preciso que ele
desconstitua o título.

Entã o, nesse caso, terá o comodante que ingressar com uma açã o de anulabilidade do
negó cio jurídico. Entã o, se por ventura há um contrato firmado mediante coaçã o e através
desse contrato é entrega a coisa, na verdade, a via adequada para a retomada do bem, nã o
é a tutela possessó ria em cará ter imediato, mas sim anulabilidade do negó cio jurídico
combinado com a reintegraçã o de posse. Mas vejam que nã o haverá a observâ ncia do rito
especial das açõ es possessó rias que veremos aula que vem.

Essa violência que caracteriza a posse injusta aqui é a violência à pessoa e não a
coisa. Se o sujeito derruba o muro ou quebra as janelas, isso por si só nã o caracteriza a
posse como sendo violenta. Aqui se impõ e que a violência seja dirigida à pessoa.

É plenamente aplicá vel aqui o art. 153 da parte geral, que diz que o mero temor referencial
nã o gera presunçã o de coaçã o. O temor referencial nã o gera presunçã o de posse violenta!

Quanto à posse clandestina: posse clandestina nã o é aquela exercida as escondidas,


porque enquanto for o poder de fato exercido à s escondidas haverá mera detençã o. Entã o,
a posse clandestina é aquela que provém de atos de clandestinidade, mas ela pressupõ e o
término da clandestinidade.

Num momento anterior, quando se falava em posse clandestina, se falava em posse


desconhecida por aquele que foi usurpado. A posse clandestina pressupunha apenas a
desconhecimento do legítimo possuidor que foi eventualmente esbulhado. Só que
imaginem que todo mundo saiba menos o sujeito esbulhado, porque ele lá nã o aparece há
30 anos. Entã o, a teoria socioló gica da posse deixa claro que a definiçã o aqui de posse
clandestina nã o fica a mercê do subjetivismo do esbulhado; para que se inicie a posse
clandestina, ou seja, para que cessem os atos de clandestinidade e a detençã o se
transmude em posse injusta, basta que o poder de fato seja perceptível a terceiros, nã o se
exige o efetivo conhecimento do possuidor esbulhado.

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O que chama mais atenção aqui é a posse precária, que é aquela que resulta da
violação a uma obrigação de restituir. Ou seja, a posse precária resulta da teoria do
abuso de confiança. A teoria do abuso de confiança inspira o crime de apropriaçã o
indébita, e é característica típica desse crime que o primeiro contato do agente com a coisa
seja lícita. Aqui é o mesmo: violaçã o ao dever de restituir, o que pressupõ e que a princípio
seja uma posse lícita. Como vimos quem tem obrigaçã o de restituir é o possuidor direto,
entã o, a posse precá ria é o caso típico em que o possuidor direto, que ao término do
contrato ou direito real viola a obrigaçã o de restituir. Exemplo: termina a locaçã o e o
locatá rio nã o restitui o bem e nã o continua pagando o aluguel, aquela posse que era lícita
passa a ser injusta e precá ria.

PERGUNTA: Cabe autodefesa/autotutela em face de posse precária? Art. 1210, § 1º -


prevê a autotutela, autodefesa da posse. E nã o há qualquer dú vida de que cabe autotutela
em face de posse violenta e clandestina. Mas será que cabe em relaçã o à posse precá ria?
Nã o! A posse precária tem uma singularidade em relação às outras espécies de posse
injusta, porque a posse precária, na origem, era lícita. De lícita ela se transmuda em
ilícita. Ela é uma posse anteriormente titulada. Percebam, na medida em que a posse
precá ria é uma posse anteriormente titulada, é premissa à retomada do bem que haja a
aná lise do título da posse.

Exemplo: imaginemos que tenha já acabado o contrato de locaçã o, e o locatá rio continua
no bem sem pagar o aluguel. Será que o locatá rio pode tirar o locador à força? Nã o, apesar
de o contrato já ter acabado, isso nã o necessariamente evidencia que aquela posse é
injusta, posto que temos institutos como o direito de retençã o, exceçã o de contrato nã o
cumprido e etc. que permitiriam o prolongamento da posse para além do período
contratual. Portanto, como há uma posse titulada é preciso que haja a aná lise do título a
fim de realizar a retomada da coisa. Por isso, a retomada do bem quando há posse
precária pressupõe a via judicial. Essa é uma singularidade em relação à posse
violenta e clandestina, porque nestas cabe autodefesa.

PROVA AGU: O ladrão tem tutela possessória contra outro ladrão? Tem, porque a
posse injusta é um vício relativo (o vício produz efeitos apenas interpartes). Ou seja, a
posse é injusta em relaçã o à vítima, porém é justa em relaçã o a terceiros.

Esse rol do art. 1.200 de posse injusta é taxativo ou exemplificativo? Todas as


modalidades de posse injusta estão no art. 1200?

CHAVES, de maneira isolada, defende que o rol é taxativo. O entendimento amplamente


dominante é no sentido de que o rol é exemplificativo. A importâ ncia prá tica de
qualificarmos uma posse como sendo injusta é a legitimidade passiva para as açõ es
possessó rias.

Exemplo: há alguém que à luz do dia, em uma á rea extremamente residencial, ingresse no
imó vel alheio, sem exercer nenhum tipo de violência, à s claras, e começa a cultivar ali a
terra. A posse aí nã o é violenta, precá ria e nem clandestina. Se entendermos que o rol é
taxativo, apesar de ter havido o esbulho, nã o caberia açã o possessó ria contra esse
esbulhador.

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Entã o, o entendimento predominante é no sentido de que é injusta a posse que provém da
violaçã o ao direito de propriedade. A contrá rio senso, justa é a posse que nã o decorre da
lesã o ao direito de propriedade.

CHAVES nã o segue essa linha dizendo que essa posiçã o parece ir de encontro, inclusive, à
teoria socioló gica da posse, porque subordina a legitimidade da posse ao direito de
propriedade, como se a posse fosse menos que a propriedade.

OBS.: POSSE PRECÁRIA x USUCAPIÃO: a posse precária pode gerar usucapião? A


posse precá ria é aquela que resulta da violaçã o a uma obrigaçã o de restituir. Quem tem
obrigaçã o de restituir nã o tem animus domini. A discussã o é: se a posse precá ria, uma vez
precá ria, sempre será precá ria ou nã o. É ou não admissível a chamada inversão ou
interversão da posse?

Sendo assim, a 1ª CORRENTE afirma que a posse precá ria jamais conduzirá à usucapiã o,
porque quem tem obrigaçã o de restituir nã o tem animus domini. Essa primeira corrente
parte do pressuposto de que a precariedade nã o convalesce, isto é, uma vez precá ria,
sempre precá ria será a posse. Há um argumento legislativo para isso, que é o artigo 1.208,
parte final: “senão depois de cessar a violência e a clandestinidade”, na medida em que o CC
só haveria visto a possibilidade de cessar a violência e a clandestinidade. O legislador aqui
nã o prevê a possibilidade de cessar a precariedade.

O efeito prá tico disso: terminou a locaçã o, o locatá rio continua no imó vel, mas para de
pagar o aluguel; ele pode ficar lá 100 anos que jamais vai usucapir. Essa primeira posiçã o
nã o é ultrapassada, há autores atuais que a defendem, como SILVIO VENOSO, SILVIO
RODRIGUES, ARNALDO RIZARDO e TUPINAMBÁ MIGUEL DE CASTRO.

2ª CORRENTE: Defende a “INVERSÃO ou INTERVERÇÃO DA POSSE”. A inversã o ou


interverçã o da posse representa genericamente a mudança no título da posse. No nosso
caso representaria a possibilidade de cessar a precariedade. Na medida em que for
possível cessar a precariedade, o efeito prá tico é o início do animus domini e o início do
prazo para usucapiã o – início da posse AD USUCAPIONEM.

Primeiro argumento em favor da inversã o da posse é a redaçã o do art. 1.203: “salvo prova
em contrário”, ou seja, é possível que haja mudança no título da posse. Enunciado 237 do
CJF que praticamente reproduz artigo do CC italiano. Afirma-se neste enunciado que é
possível a inversã o da posse, desde que preenchidos dois requisitos: Primeiro, que haja
oposiçã o clara e inequívoca do até entã o possuidor direto e, cumulativamente, a inércia do
até entã o possuidor indireto.

Exemplo: terminou o contrato de locaçã o e o locatá rio notifica o locador dizendo que nã o
vai sair do imó vel (oposiçã o) e o locador permanece inerte. A consequência aqui, de
acordo com o enunciado, a inércia do possuidor indireto faz com que aquela posse do
locatá rio se desprenda do contrato anterior, passa a ser exercida pela vontade autô noma
do até entã o locatá rio, nã o guarda mais relaçã o com o contrato de locaçã o. E, na verdade, o
que gera a obrigaçã o de restituir é o contrato de locaçã o, entã o na medida em que aquela
posse se desprende do contrato é possível que o até entã o locatá rio tenha animus domini.
Com a inversão da posse cai o desmembramento possessório.

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Houve um caso em que o STJ aplicou a inversão da posse, mas não diante dessa
oposição clara e inequívoca, mas diante de uma situação fática prolongada. O sujeito
era locatá rio, sempre cumpriu com as suas obrigaçõ es contratuais e em um determinado
momento o proprietá rio locatá rio falece e ao longo de 30 anos ninguém se apresentou ao
locador para receber os aluguéis. O STJ entendeu que houve inversã o da posse, ela deixou
de ser temporá ria, passou a ser definitiva dotada de animo domini. RESP 154.733.

Tem um argumento interessante em favor da intervençã o da posse: Como vimos, o p.u do


art. 1.198 estabelece que, na hipó tese em que o proprietá rio imbica o carro e o caseiro diz
que ali o proprietá rio nã o entra mais, que essa oposiçã o clara e inequívoca do detentor
gera o rompimento da relaçã o de subordinaçã o e com isso aquele detentor se transmuda
em possuidor, passa a ter posse injusta com animus domini. Entã o, o detentor que rompe
com a relaçã o contratual passa a ter posse com animus domini, computá vel para fins de
usucapiã o. Ora, sendo assim, se o detentor passa a ter, parece injustificado que o possuidor
que rompe com a relaçã o contratual também nã o passe a ter. O contrá rio confere maior
proteçã o jurídica ao detentor que ao possuidor.

Além disso, há o argumento da teoria socioló gica da posse, porque pela 1ª corrente o
proprietá rio pode permanecer inerte por 200 anos, resguardando a propriedade do dono
que manifestamente inobserva a funçã o social. Entã o a inversã o da posse parece vir em
harmonia com a teoria socioló gica.

3.3 POSSE DE BOA-FÉ x POSSE DE MÁ-FÉ (art. 1.201 e


1.202)

1) POSSE DE BOA FÉ

É boa-fé subjetiva, o possuidor deve desconhecer o vício ou ilicitude.

OBS.: (prova dissertativa) Há quem defenda que em relação à posse de boa-fé exista
a concepção ética e a concepção psicológica. Pela concepçã o ética, o sujeito para
invocar a posse de boa-fé tem que ser incorrido num erro escusá vel, o erro nã o pode ser
grosseiro; entã o, se o sujeito compra um imó vel de um menor com aparência infantil, sem
exigir representaçã o ou assistência, o sujeito nã o vai poder alegar aqui o mero
desconhecimento, porque seu erro teria sido grosseiro. Essa concepçã o ética está
relacionada à ideia de eticidade, a observâ ncia dos deveres anexos e o efeito prá tico dessa
concepçã o ética seria transmudar a boa-fé subjetiva em boa-fé objetiva. Porque pela boa-fé
subjetiva bastaria o sujeito dizer “eu nã o sabia”; pela boa-fé objetiva ele vai ter que dizer
“eu nã o sabia e nem deveria saber” – e é isso que preconiza a concepçã o ética.

Já a concepçã o psicoló gica está associada ao elemento subjetivo, basta nã o saber. É o que
aparentemente adota o art. 1201 do CC – esse dispositivo em nenhum momento exige a
observâ ncia de qualquer dever anexo de cuidado.

Mas há autores que defendem a concepçã o ética, em que pese de redaçã o do art. 1201 –
CHAVES, CRG defendem essa concepçã o ética, que, na prá tica, gera a transmudaçã o da
boa-fé subjetiva para boa-fé objetiva.

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A posição predominante é pela interpretação literal do art. 1201 – trata-se de boa-fé
subjetiva.

Os efeitos prá ticos dessa classificaçã o sã o variados. Exemplos:

a) Em relaçã o à percepçã o dos frutos;


b) Indenizaçã o por benfeitorias;
c) Em relaçã o à responsabilidade civil por perda ou deterioraçã o do bem;
d) Art. 1.255, pará grafo ú nico;
e) Usucapiã o ordiná ria (art. 1242): só cabe em favor de possuidor de boa fé.

No que tange aos efeitos da posse, o possuidor de boa fé goza de maior proteçã o em
comparaçã o com o possuidor de má fé.

OBS.: Será que o erro de direito pode justificar a posse como sendo de boa-fé? Muitos
diziam que nã o, por força da lei de introduçã o – diz que ninguém se escusa de cumprir a
norma invocando o seu desconhecimento. Só que, hoje, a tendência vem no sentido de se
admitir sim que o erro de direito dê azo a posse de boa-fé; a uma porque ao qualificar a
posse como sendo de boa-fé nã o se está invocando o descumprimento da norma, mas
apenas o regime jurídico aplicá vel aos possuidores de boa-fé, nã o há aqui qualquer
violaçã o a norma de direito positivo; e ainda nã o nos esqueçamos do art. 139, III – a
questã o do erro de direito como causa de anulabilidade no negó cio jurídico. Num contexto
em que o CC atual contempla o erro de direito como causa de anulabilidade, nada
justificaria que esse mesmo erro de direito nã o qualificasse a posse de boa-fé.

“se o possuidor ignora o vício”  vamos supor que uma determinada posse seja violenta e
haja cessã o da posse para um terceiro, que desconhece a origem violenta do poder de fato
do cedente. É claro que a posse do cessioná rio é uma posse de boa-fé, pois ele ignorava,
desconhecia o vício que norteava a sua posse.

“ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”  vamos supor que o possuidor
desconheça a necessidade de outorga do cô njuge pela outra parte; desconhece que a outra
pessoa é casada.

Um tema de extrema relevância prática é a TRANSMUDAÇÃO DA POSSE DE BOA-FÉ


PARA MÁ-FÉ.

Em tese, a transmudaçã o se dá a partir do momento em que o possuidor toma ciência do


vício. Só que dificilmente será fá cil detectar o preciso momento em que possuidor toma
ciência do vício, já que estamos falando de um elemento subjetivo. Sensível a isso, o art.
1.202 demonstra que essa transmudaçã o pode se dar à luz de parâ metros objetivos.

A doutrina e a jurisprudência criaram um critério objetivo  pressupostos para a


transmudação da posse boa para má-fé:

a) Que haja propositura de ação judicial, isto é, é preciso que um terceiro venha
a contestar a posse.

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É claro que nã o basta só isso, porque o direito de açã o é abstrato; se nã o fosse assim, por
exemplo, bastaria que um inimigo propusesse a açã o para descaracterizar a posse de boa
para má-fé. Entã o se exige ainda que...

b) Haja trânsito em julgado favorável ao demandante e esse trânsito em julgado


retroage à citação, que é quando o possuidor presumidamente passou a
saber do vício.

Será que nã o seria da propositura da açã o? Nã o, porque a partir da propositura da açã o o


que temos é o proprietá rio saindo da inércia, mas o possuidor ainda nã o tem nem ciência
da açã o. Nã o confundir com a hipó tese que veremos adiante de posse mansa e pacífica,
porque quando estamos falando de posse mansa e pacífica, estamos falando da inércia do
proprietá rio, entã o lá sim retroage à data da propositura. Art. 563 c/c art. 1214, caput por
analogia (antes da citaçã o o donatá rio é tido como possuidor de boa fé).

Quanto a esses standards, apesar de hoje serem quase pacíficos, ainda há autores que
criticam. PONTES DE MIRANDA, TUPINAMBÁ MIGUEL DE CASTRO defendem que nã o é
possível adotar critério para definir. A soluçã o há de ser necessariamente casuística.
Exemplo: imaginemos que o possuidor seja efetivamente de boa fé, desconheça o vício, a
sentença julga improcedente, entã o com a sentença o Judiciá rio está reafirmando a
convicçã o do possuidor de boa fé, o proprietá rio apela e o Tribunal confirma, a decisã o só
é reformada no STF. Pontes defende que nã o é justificado que este trâ nsito em julgado
retroaja à data da citaçã o sem que haja previsã o legislativa. O art. 219 do CPC traz os
efeitos da citaçã o e nã o traz esse. Para ele a analise deve ser casuística. Se houvesse um
parâmetro objetivo este deveria estar no art. 1.202, o artigo preferiu ser genérico porque a
analise deve ser casuística (tese isolada).

Como a boa fé aqui é subjetiva pode ser que haja dificuldade probató ria por se tratar de
elemento subjetivo, por isso temos o p.u do art. 1201 que diz que o possuidor com justo
título presume-se possuidor de boa fé. Cuidado com o seguinte: a expressão “justo
título” está neste artigo e também no art. 1.242, só que a definição é diferente. Este
ú ltimo artigo trata de usucapiã o ordiná ria. Entã o, para fins de usucapiã o ordiná ria, justo
título é o título há bil, em tese, para fins de aquisiçã o de propriedade como, por exemplo,
compra e venda, doaçã o, mandato em causa pró prio e etc. Já no art. 1208, pará grafo ú nico,
o justo título é o título há bil em tese à aquisiçã o de posse. Exemplo: comodato. O
comodatá rio é presumidamente possuidor de boa fé, porque é justo título para a aquisiçã o
de posse, mas é evidente que o comodato nã o é justo título para o fim de aquisiçã o de
propriedade. Assim como o depó sito, por exemplo. Enunciado 303 do CJF.

PERGUNTA: Possuidor direto é presumidamente possuidor de boa fé? Sim, porque,


como vimos, possuidor direto pressupõ e título jurídico, entã o, o possuidor direto por ter
justo título é presumidamente possuidor de boa fé.

2) POSSE DE MÁ FÉ

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3.4 POSSE NOVA x POSSE VELHA (ATUALIZAR DE ACORDO
COM O NCPC)

1) POSSE NOVA
2) POSSE VELHA

Posse nova: até ano e dia. Posse velha: após ano e dia.

A relevância da classificação é o rito aplicado – art. 924 do CPC – (CORRESPONDE AO


ART. 558 DO NCPC).

 Posse nova: rito especial;


 Posse velha: rito ordinário.

Muita gente afirmava que como a posse é nova seria rito especial e caberia liminar (art.
928 do CPC) e na posse velha seria rito ordiná rio e nã o caberia liminar. Até está certo, mas
há um ingrediente a mais que até pouco tempo nã o se cogitava. No caso de posse velha é
rito ordiná rio, nã o cabe liminar do art. 928, mas cabe antecipaçã o de tutela (art. 273 do
CPC). Enunciado 238 do CJF.

Percebam que a liminar no rito especial das açõ es possessó rias tem também cunho
satisfativo tal qual a antecipaçã o de tutela. Entã o, a concessã o da antecipaçã o de tutela
produz os mesmos efeitos da liminar no rito especial. Mas é claro que é mais fá cil
conseguir a liminar do rito especial do que a tutela antecipada, porque nesta o sujeito terá
que comprovar a urgência em uma posse que já tem mais de ano e dia, mas uma vez
conseguida a antecipaçã o de tutela os efeitos prá ticos sã o os mesmos da liminar no rito
especial.

PERGUNTA: Essa classificaçã o constava do CC/16 (art. 507 e 508). Essa classificaçã o foi
suprimida do CC atual (hoje, só consta do CPC). Entã o, alguns começaram a dizer que o CC
teria banido essa classificaçã o. Isso nã o está certo, porque essa classificaçã o tem cunho
processual, por isso nã o está no CC. À época do CC/16 a competência legislativa para
processo civil era dos Estados, entã o a estratégia do CLOVIS BEVILAQUA foi atrair o tema
para o CC para obter um tratamento uniforme em todo territó rio. Hoje, como a
competência é da Uniã o, nã o mais subsiste a necessidade de se prever no CC.

4. COMPOSSE (ART. 1.199)


Na composse nós temos duas ou mais pessoas exercendo em conjunto o poder de
fato sobre determinado bem.

A posiçã o predominante vem no sentido de que a composse pressupõ e um estado de


indivisã o no exercício do poder de fato. Ex.: A, B, C exercem poder de fato sobre todo o
bem.

Existe uma classificação trazida por alguns autores, segundo a qual a composse
pode ser:

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 PRO INDIVISO  é justamente a composse da posiçã o predominante, em que duas
ou mais pessoas exercem em conjunto o poder de fato num estado de indivisã o.
Para a maioria da doutrina só há composse na composse PRO INDIVISO.

 PRO DIVISO  para os autores que mencionam essa classificaçã o, na composse


PRO DIVISO há divisã o fá tica no exercício do poder de fato, acordada entre os
possuidores para viabilizar a utilizaçã o pacífica do bem. Vamos imaginar que A, B,
C sejam condô minos – coproprietá rios desse imó vel. E se a gente for olhar o
registro nó s presumiríamos que além de condô minos eles seriam compossuidores,
porque todos exercem em conjunto a propriedade e a posse sobre o bem. Só que
há um acordo aqui afirmado entre eles, segundo o qual o A vai exercer posse sobre
determinada á rea, B sobre outra parcela e o C sobre a parcela restante. Aqui nó s
teríamos composse pro diviso, porque aqui nã o há um estado de indivisã o.

E aí o CRG diz o seguinte: mesmo na composse pro diviso, em relaçã o a terceiros,


legitimidade concorrente de A, B e C para tutela possessó ria. Mas se a composse pro diviso
dura mais de ano e dia passa a caber tutela possessó ria entre os compossuidores (posiçã o
isolada do CRG). Para o professor nã o há nenhuma explicaçã o para adoçã o dessa posiçã o.

Ressaltando que para a maioria da doutrina a composse PRO DIVISO sequer


composse é, porque a composse pressupõe estado de indivisão no exercício do
poder de fato.

Tem outra classificação  COMPOSSE SIMPLES x COMPOSSE DE MÃO COMUM:

 COMPOSSE SIMPLES: os atos possessó rios de cada compossuidores


independem dos demais.

 COMPOSSE DE MÃO COMUM: o compossuidor depende dos demais para a


prá tica de atos possessó rios.

Ex.: locatá rios de um cofre de banco com senha comum; nã o no sentido de que a senha é
ú nica, mas no sentido de que para a abertura do cofre é necessá rio que todos os locatá rios,
todos os seus compossuidores emitam ali suas respectivas senhas. Nesse caso, a composse
seria de mã o comum, porque um deles nã o pode sozinha retirar o objeto que se encontra
inserido no cofre.

Principal diferença entre COMPOSSE x DESMEMBRAMENTO POSSESSÓRIO:

Tanto na composse como no desmembramento possessó rio nó s temos pluralidade de


possuidores, porque no desmembramento possessó rio nó s temos no mínimo dois
possuidores – possuidor direto e possuidor indireto – e a composse também pressupõ e
pluralidade de possuidores.

Qual seria a principal diferença? Está no conteú do do poder de fato. No desmembramento


possessó rio o conteú do do poder de fato é o mesmo do possuidor direto e do possuidor
indireto? Evidente que nã o! No desmembramento possessó rio o conteú do do poder de
fato é diferente. Nó s vimos inclusive que o possuidor indireto exerce a posse a distancia,

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diversamente do que ocorre com o possuidor direto. Já na composse o conteú do do poder
de fato é o mesmo.

Alias, percebam que sã o classificaçõ es diferentes e que podem ser inclusive aplicadas
concomitantemente. Vamos supor que tenhamos dois locatá rios – marido e mulher –
teríamos nesse caso compossuidores diretos. Se os locadores proprietá rios também sã o
marido e mulher nó s teríamos composse indireta.

Logo, trata-se de classificaçõ es diversas e que nã o se confundem.

Composse não se confunde com condomínio.

No condomínio nó s temos dois ou mais proprietá rios em conjunto. Na composse há dois


ou mais possuidores. Entã o, percebam que se os três condô minos sã o esbulhados do bem,
eles permanecem com o status de condô minos, mas nã o tem o status de compossuidores,
pois eles perderam a posse por meio do esbulho. E por outro lado se nó s temos três
esbulhadores que passam a exercer em conjunto o poder de fato sobre o bem, eles têm
composse sem que sejam condô minos. Entã o, a composse nã o se confunde com o
condomínio. É evidente que em muitos casos a composse resultado do condomínio, mas
sã o institutos que nã o necessariamente caminham lado a lado.

No que tange às relações externas, há legitimidade concorrente dos compossuidores


para tutela possessória. Quer dizer, qualquer deles pode exercer a tutela possessó ria em
face da atuaçã o de terceiros. E nas relações internas é inequívoco que cabe tutela
possessória entre compossuidores. Na composse, como há um estado de indivisã o no
exercício do poder de fato, nenhum deles pode praticar atos de exclusividade – art. 1.199,
parte final do CC. Entã o, se o A solta um animal feroz no bem, ele está turbando o exercício
de atos possessó rios por parte de B e C. O efeito prá tico é o cabimento de tutela
possessó ria entre compossuidores diante da prá tica de atos de exclusividade.

MARCO AURÉ LIO BEZERRA DE MELLO: vamos supor que um dos compossuidores, ao
arrepio dos demais, explora economicamente o bem. Para ele, em favor dos demais
compossuidores preteridos aplicá veis os art. 884 e 886 do CC. Eles vã o poder entrar com
uma açã o pessoal com base no enriquecimento sem causa para poder partilhar os lucros
obtidos por aquele compossuidor que explora sozinho o bem (posiçã o minoritá ria). Entã o,
se por um lado cabe a tutela possessó ria, por outro também cabe uma açã o pessoal de
cobrança em relaçã o ao lucro liquido obtido por aquele compossuidor que explora
economicamente o bem.

Outra posiçã o peculiar do MARCO AURÉ LIO: o CPC só disciplina a açã o de extinçã o do
condomínio; para ele a mesma ló gica vale para a extinçã o da composse. Pela teoria
socioló gica da posse também seria admissível açã o de extinçã o da composse nos mesmos
moldes em que se admite a açã o de extinçã o do condomínio. Ele defende ainda que
também se aplica aqui em favor do compossuidor por analogia o art. 504 do CC – contratos
em espécie – prevê o direito de preferência do condô mino para a aquisiçã o da cota ideal
dos demais. Entã o, essa mesma ló gica também valeria em relaçã o à composse. No caso de
cessã o de posse, os demais compossuidores teriam direito de preferência para aquisiçã o

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da cota ideal dos compossuidores. Essa aplicaçã o por analogia se justificaria pela teoria
socioló gica da posse.

Art. 10, § 2º do CPC  no contexto das açõ es possessó rias a rigor nã o se exige a
participaçã o do cô njuge e uma das exceçõ es envolve a composse.

Em relação aos vícios possessórios na composse: vamos distinguir os vícios objetivos


dos vícios subjetivos.

Dentro dos vícios objetivos – violência, clandestinidade e precariedade (posse injusta) –


existem duas situaçõ es diferentes:

a) Vício objetivo na formaçã o da composse : o vício objetivo por um dos


compossuidores contamina a composse por inteiro. Entã o, se um dos
compossuidores se investe no bem por violência, a violência por um dos
compossuidores contamina a composse por inteiro, ainda que a violência tenha
sido praticada apenas por A, a composse por inteiro será tida como injusta.

b) Vício objetivo no decorrer da composse : vamos imaginar que A e B sã o


compossuidores do bem. A, além de compossuidor é também coproprietá rio. O B
nã o; é compossuidor direto, é, por exemplo, um comodatá rio. Entã o, o verdadeiro
proprietá rio da cota ideal da posse do B é o C (comodante). Ambos têm posse lícita.
Vamos supor que esse contrato de comodato venha a se extinguir e o B nã o restitui
a posse ao C. A posse do B passa a ser precá ria – posse injusta. A injustiça da posse
do B contamina a posse do A? Evidente que nã o! Entã o, no decorrer da composse a
eventual injustiça da posse por um dos compossuidores nã o contamina a
composse por inteiro, cada um vai ser tratado de acordo com a sua situaçã o
particular.

Em relaçã o aos vícios subjetivos, a doutrina em geral afirma que eles nã o se comunicam
entre os compossuidores; trata-se de elemento subjetivo, personalíssimo. Entã o, cada
compossuidor é tratado de acordo com a sua situaçã o particular. Pode ser que um deles
seja compossuidor de má-fé e os demais tenham posse de boa-fé – cada um será tratado de
acordo com a sua respectiva situaçã o particular. A má-fé de um dos compossuidores nã o
contamina os demais.

5. SUCESSÃO ou ADIÇÃO NA POSSE (ART. 1.207)


É premissa à sucessão na posse que as posses sejam ininterruptas. E ainda que o
título da posse do sucessor provenha do antecessor. A sucessã o na posse pressupõ e
aquisiçã o derivada de posse. Entã o, uma cessã o de posse acordada contratual, vai gerar
sucessã o na posse; direito sucessó rio pelo falecimento também vai gerar sucessã o na
posse; o esbulho possessó rio nã o! No esbulho possessó rio nó s nã o temos sucessã o de
posse, porque o esbulhador tem aquisiçã o originá ria da posse. Entã o, o esbulhador nã o é
sucessor na posse, logo, inaplicá vel em relaçã o a ele o art. 1.207 do CC.

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Agora, se o esbulhador, desde que consumado o esbulho, faz uma cessã o de posse em favor
de um terceiro; aí sim nó s temos sucessã o na posse entre o esbulhador (cedente) e o
cessioná rio. Mas na aquisiçã o originá ria de posse nã o há sucessã o na posse.

A sucessã o pressupõ e a subsistência da mesma relaçã o jurídica. Entã o, quando há uma


aquisiçã o originá ria, o rompimento da relaçã o anterior, é como se a relaçã o anterior se
extinguisse e se iniciasse uma nova relaçã o em â mbito possessó rio.

Para a disciplina da sucessão da posse, o legislador no art. 1.207 distingue a


sucessão universal da sucessão singular. Qual é a diferença doutriná ria aqui entre
sucessã o universal e sucessã o singular? Na sucessã o universal, nã o há a pré-definiçã o dos
bens que serã o destinados a cada um dos respectivos sucessores. Na sucessã o singular,
por sua vez, há a pré-definiçã o dos bens que serã o destinados a cada um dos sucessores.

Entã o, se o sujeito deixa três imó veis e tem três herdeiros e ele nã o faz testamento, a
sucessã o é universal, porque no momento da abertura da sucessã o nã o se sabe qual dos
imó veis será destinado a cada um dos respectivos sucessores. Agora, se ele faz testamento
e diz: o imó vel A vai para X e o imó vel B para Y, aí nó s teremos sucessã o singular. Quase
sempre a sucessã o intervivos é singular na prá tica, porque quando se faz uma compra e
venda já há pré-definiçã o do bem que será destinado ao respectivo sucessor. A sucessã o
mortis causae é que pode ser universal ou singular.

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu


antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do
antecessor, para os efeitos legais.

Quando há sucessã o universal, o sucessor, por força de lei, continua a posse do antecessor.
Qual é a importância prática disso? É o somatório do tempo da posse do antecessor
para fins de usucapião. Então, o sucessor universal é um mero continuador da posse
do antecessor, por determinação legal.

No caso da sucessão singular, o sucessor tem a faculdade de escolher entre ser ou


não continuador da posse. Ele não é o continuador por determinação legal.

Mas pode nã o interessar ao sucessor singular ser o continuador da posse? Pode! Quando o
art. 1207 diz que o sucessor universal continua de direito a posse do antecessor, essa
continuaçã o da posse do antecessor abrange nã o apenas o prisma quantitativo, mas
também qualitativo. O prisma quantitativo é somar o tempo de posse; o prisma qualitativo
significa que as características da posse do antecessor se projetam automaticamente para
o sucessor. Entã o, se o antecessor, por exemplo, tivesse posse precá ria, o sucessor também
terá posse precá ria e quem tem posse precá ria nã o tem animus domini. Vejam que pode
interessar ao sucessor singular se desprender da posse do antecessor. Aquele tempo
anterior nã o vai ser considerado para fins de usucapiã o, mas em contrapartida a posse do
sucessor nã o será precá ria e a partir dali se inicia a contagem do prazo para fins de
usucapiã o.

28
Aprofundando um pouco o tema: o que justifica essa diversidade de tratamento?
Porque o sucessor universal é continuador de direito e o sucessor singular nã o
necessariamente?

1ª posição (ORLANDO GOMES, TUPINAMBÁ MIGUEL DE CASTRO): tenta explicar essa


diversidade de tratamento com base na teoria da saisine. Isso porque quando há sucessã o
universal, pela teoria da saisine o falecimento gera imediata transferência da propriedade
e da posse. E por via de consequência, essa ficçã o jurídica da teoria da saisine faria com
que o sucessor fosse de direito continuador da posse do antecessor. Só que em relaçã o à
sucessã o singular mortis causae nó s temos uma regra especial – art. 1.923, §1º do CC –
exclui a teoria da saisine em relaçã o à aquisiçã o da posse no caso de sucessã o singular. Na
medida em que nã o se aplica a saisine em relaçã o à posse do sucessor singular mortis
causae, nó s nã o temos a ficçã o jurídica aqui que impõ e a continuaçã o imediata da posse e
com isso se abre a oportunidade ao sucessor singular em manifestar a seu deseja de ser ou
nã o continuador da posse do antecessor. Entã o, a aplicaçã o ou nã o da saisine é que
justificaria essa faculdade de escolha. Essa justificativa, entretanto, nã o é unanime.

2ª posição (CARVALHO DOS SANTOS, BEVILÁQUA): art. 1206 do CC – legatá rio é


justamente o sucessor singular mortis causae. E o art. 1206 que seria norma especial em
relaçã o ao art. 1207 diz que no caso de sucessã o singular mortis causae, a posse transmite-
se ao sucessor singular mortis causae com os mesmos caracteres. Entã o, diante dessa
regra especial, quando o art.1207 diz que o sucessor singular pode optar ou nã o por somar
o tempo de posse do antecessor, o art. 1207 se restringiria o sucessor singular intervivos,
porque na sucessã o singular mortis causae, essa sucessã o se operaria por força de lei, com
base no art. 1206 do CC. Cai por terra toda a justificativa da 1ª posiçã o.

Tese de CAIO MÁRIO: na sucessã o universal o sucessor é continuador da posse do


antecessor por força de lei. Entã o, todas as características da posse do antecessor se
projetam para o sucessor universal, inclusive, os elementos subjetivos. Entã o, se a posse
do antecessor era de má-fé, a do sucessor também será de má-fé no caso da sucessã o
universal. CAIO MÁ RIO diz o seguinte: imaginemos que o sucessor universal tenha má -fé,
ele sabe do vício, mas o antecessor nã o sabia, tinha posse de boa-fé. Nã o pode o sucessor
de má-fé invocar a boa-fé do antecessor para qualificar a sua pró pria posse, porque
ninguém pode se beneficiar da pró pria torpeza. Entã o, seria uma mitigaçã o dessa sucessã o
por força de lei, o vício subjetivo quando o sucessor tem má-fé e o antecessor boa-fé. Nã o
pode o sucessor invocar a boa-fé do antecessor para qualificar a sua posse.

OBS.: Todas essas questões relativas à sucessão da posse não se aplicam para fins de
usucapião especial rural e urbana. Por quê? Na usucapiã o especial rural qual é um dos
requisitos exigidos? Que o possuidor torne a terra produtiva por seu trabalho ou de sua
família. Esse requisito nã o é personalíssimo? Será que seria razoá vel que o possuidor atual
se beneficiasse do trabalho da família anterior? Nã o. Entã o, os requisitos exigidos para a
usucapiã o especial rural e urbana sã o requisitos personalíssimos e, portanto, nã o cabe
sucessã o na posse para fins de usucapiã o especial rural e urbana. Nó s veremos que há uma
exceçã o, mas a princípio nã o se aplica.

29
6. EFEITOS DA POSSE

6.1 PERCEPÇÃO DOS FRUTOS


Art. 1214 a 1216 do CC.

Frutos x produtos: ambos sã o utilidades que se extraem da coisa; ambos tem natureza
acessó ria. A principal diferença é que os frutos sã o renová veis; sã o utilidades que o bem
periodicamente produz; logo, a percepçã o dos frutos nã o atinge a substancia do bem; ex.:
frutos de um pomar, produçã o de uma fá brica, aluguéis, etc. Já os produtos nã o sã o
renová veis e, portanto, a percepçã o dos produtos atinge a substancia do bem. Ex.:
petró leo, pedras de uma pedreira; minerais de uma mina, etc.

Os frutos podem ser pendentes ou percebidos. Os frutos pendentes sã o aqueles ainda


vinculados ao bem, enquanto os frutos percebidos sã o aqueles que já foram destacados da
coisa. Isso demonstra que em relaçã o aos frutos pendentes há uma relaçã o de
acessoriedade, ou seja, tem natureza acessó ria e, em assim sendo, é aplicá vel o princípio
da gravitaçã o jurídica (acessó rio segue o principal), o que nã o se aplica aos frutos
percebidos (já foram destacados da coisa, nã o havendo mais relaçã o de acessoriedade e,
portanto, é inaplicá vel o princípio da gravitaçã o jurídica).

Neste sentido, na medida em que o possuidor de boa-fé tem que entregar o bem ao
proprietário, terá que entregar junto os frutos pendentes. E, a contrário senso, como
destinatário de uma proteção especial, tem direito a ficar com os frutos percebidos,
porque, em relação a estes, inaplicável o princípio da gravitação jurídica. Art. 1214
do CC – permite ao possuidor de boa-fé ficar com os frutos percebidos.

Parágrafo único do art. 1214: A deduçã o das despesas vem em consonâ ncia com o
princípio da vedaçã o do enriquecimento sem causa (remissã o aos art. 884 a 886 do CC).

O possuidor aqui poderia colher antecipadamente os frutos com o objetivo de alegar que
os frutos já eram percebidos quando, na verdade, poderiam ser pendentes. O legislador
anteviu essa hipó tese no final do pará grafo ú nico. Todo mundo diz que essa parte final traz
uma presunçã o de má -fé do possuidor.

Orlando Gomes e Tupinambá Miguel de Castro (posiçã o minoritá ria) defendem que essa
presunçã o de má fé é relativa. Imaginemos que, por exemplo, ocorre a percepçã o
antecipada dos frutos em decorrência de um evento natural, como uma ventania,
inaplicá vel a parte final do pará grafo ú nico.

Art. 1215 do CC: no exato momento em que os frutos naturais ou industriais sã o


destacados fisicamente do principal, eles já sã o considerados percebidos. Mas os frutos
civis nã o, ficçã o jurídica aqui: os frutos civis reputam-se percebidos dia por dia. Os frutos
civis sã o os rendimentos (ex.: aluguéis e juros). A percepçã o dos frutos civis independe do
efetivo recebimento físico, porque eles sã o considerados percebidos dia por dia – ficçã o
jurídica.

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O art. 1.214 diz que ele tem direito aos frutos percebidos. Questiona-se: É possível
aplicar o dispositivo por analogia ao caso de produtos?

1ª corrente (sutilmente predominante): Há vá rios autores que defendem que sim,


como CHAVES, HERNANE FIDELIS e DARCY PERSONE, tendo em vista a necessidade de
tutela diferenciada do possuidor de boa fé.

2ª corrente: No entanto, CRG defende a inaplicabilidade por analogia. Nã o há dú vida de


que frutos e produtos tem em comum a natureza acessó ria; ambos sã o utilidades que se
extraem da coisa. Mas há uma diferença fundamental, que efetivamente parece afastar a
aplicaçã o: os frutos sã o renová veis, sã o utilidades que o bem periodicamente produz.
Exemplo: frutos de uma á rvore, produçã o de uma indú stria, aluguéis, juros; sendo assim, a
percepçã o dos frutos nã o atinge a substancia do bem. Diversamente, os produtos nã o sã o
renová veis, entã o nã o sã o periodicamente produzidos pela coisa. Exemplo: petró leo,
pedras de uma pedreira.

Sendo assim, a percepçã o dos produtos atinge a substancia da coisa, consequentemente, se


o possuidor puder perceber os produtos haverá violaçã o do direito de propriedade, posto
que atinge a substâ ncia do bem. Além disso, temos o art. 1.232: o legislador só permite que
frutos e produtos nã o fiquem com o proprietá rio em caso de preceito jurídico especial;
essa exigência parece afastar o cabimento de analogia.

Art. 1216: em relação ao possuidor de má-fé  nã o tem direito a quase nada; ele só
tem direito à s despesas de produçã o e custeio. Até porque a indenizaçã o por essas
despesas está associada à vedaçã o ao enriquecimento sem causa, matéria de ordem
pú blica.

“bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber”  sã o os chamados FRUTOS
PERCIPIENDOS. Entã o, o possuidor de má -fé responde pelos frutos percipiendos.

Ex.: eu suponho ser o proprietá rio, aluguei o bem e estou recebendo 03 mil reais por mês
de aluguel. Aí o verdadeiro proprietá rio aparece para demonstrar que aquele que
transmitiu a propriedade para mim, na verdade, nã o era o dono e eu sou citado no dia 15.
Lá na frente transito em julgado em favor do demandante. Até o dia 15 eu sou possuidor
de boa-fé e a partir da citaçã o, de má-fé. Vamos imaginar que no momento em que eu sou
citado eu verifico toda a documentaçã o exposta pelo verdadeiro proprietá rio e chego a
conclusã o de que nã o sou realmente o proprietá rio; eu entã o abandono o imó vel e deixo
de receber os alugueis dali para frente. Eu vou responder pelos frutos percipiendos,
porque por minha culpa eu deixei de receber aqueles frutos a partir do momento em que
eu me constituí de má-fé.

6.2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR PERDA OU


DETERIORAÇÃO
Art. 1217 (possuidor de boa-fé) e art. 1218 (possuidor de má-fé).

O art. 1217 ao tratar do possuidor de boa fé contempla a responsabilidade civil


subjetiva – só responde por dolo ou culpa. O professor critica porque o CC fala “a que

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nã o der causa”, o CC nã o está falando em culpa, mas em nexo causal. Nã o parece ser
responsabilidade subjetiva, em que pese a doutrina majoritá ria defender isso.

Quanto ao possuidor de má fé, a responsabilidade é objetiva; o artigo prevê “ainda


que acidentais”, isto é, mesmo que no caso de caso fortuito ou força maior.

É pacífico o entendimento de que essa expressã o “reivindicante” é lato senso, isto é, a regra
é aplicá vel nã o apenas na tutela reivindicató ria (petitó ria), mas também na tutela
possessó ria.

Artigo 1218: remissã o para o art. 399, que é a hipó tese do devedor em mora; as regras sã o
muito parecidas. Em muitas situaçõ es as duas regras serã o aplicadas em conjunto, ainda
mais se pensarmos em desmembramento possessó rio. Exemplo: durante o
desmembramento possessó rio o comodatá rio tem posse lícita, termina o comodato sem
restituiçã o o comodatá rio se constitui em mora e ao mesmo tempo passa a ser possuidor
de má fé; uma no campo obrigacional e outra no campo real.

CHAVES defende que a regra do art. 1218 adota a teoria do risco integral, porque o CC fala
em “ainda que acidentais”, ou seja, ainda que por caso fortuito ou força maior, que excluem
o nexo causal; e a há responsabilidade civil independente de nexo causal quando o risco é
integral. Só que isso é isolado, porque o pró prio dispositivo prevê excludentes (“salvo se
provar”), entã o, nã o seria hipó tese de risco integral.

AULA 32

6.3 INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS


As benfeitorias podem ser necessá rias, ú teis ou voluptuá rias – art. 96 do CC. Nó s vimos
que a sistemá tica das benfeitorias guarda intima correlaçã o com o chamado paradigma
da essencialidade – a maior ou menor proteçã o do Estado nas relaçõ es privadas varia de
acordo com a essencialidade dos bens jurídicos em jogo. Nó s vimos isso quando
estudamos a funçã o social do contrato. É evidente que a funçã o social do contrato se aplica
com muito mais força em contratos que envolvam saú de, educaçã o, moradia, porque a
essencialidade dos bens jurídicos envolvidos impõ e uma maior influência, uma maior
intervençã o do Estado nas relaçõ es privadas. E a sistemá tica das benfeitorias é um
exemplo eloquente disso, porque o pró prio CC elenca três espécies e nã o há duvida de que
as benfeitorias necessá rias gozam de maior proteçã o em relaçã o à s ú teis e as ú teis de
maior proteçã o em comparaçã o com as voluptuá rias.

As benfeitorias necessá rias estã o associadas à ideia de conservaçã o; e no contexto


contemporâneo a ideia de conservação se subdivide em conservação estática e
dinâmica.

A conservaçã o está tica é a conservaçã o que sempre se disse e está associada à ideia de
preservaçã o do bem: evitar a ruína, a deterioraçã o do bem. Nó s chegamos até a ver na
parte geral que alguns autores defendem que a conservaçã o está tica pode ser física ou
jurídica. Física: o prédio está na eminência da ruína e eu faço obras estruturais no edifício;

32
jurídica: quando se adota uma postura em que se evita a perda judicial do bem, como o
pagamento de IPTU.

Conservaçã o dinâ mica: nó s teríamos benfeitoria necessá ria sempre que se realiza
melhoramento ou despesa no sentido de viabilizar a normal exploraçã o econô mica do
bem. Ex.: piscina na escola de nataçã o; aquisiçã o de equipamento indispensá vel ao
desenvolvimento da atividade fim de uma pessoa jurídica.

Vejam que o fato de nó s passarmos a ter a conservaçã o dinâ mica traz como efeito prá tico
uma proteçã o mais incisiva, uma tutela diferenciada dessas despesas realizadas no sentido
de viabilizar o desenvolvimento da atividade econô mica. Essa perspectiva da
conservação dinâmica está associada ao princípio da função social da posse e da
propriedade. A funçã o social da posse e da propriedade é o interesse constitucionalmente
tutelado que justifica essa tutela diferenciada.

Em relação ao possuidor de boa fé temos o art. 1.219. Diz que o possuidor de boa-fé
tem direito a indenizaçã o pelas benfeitorias necessá rias e ú teis com direito de retençã o. E
o legislador diz ainda que em relaçã o à s voluptuá rias, o possuidor de boa-fé pode levantá -
las (retirá -las), desde que nã o haja prejuízo a substancia do bem.

Vale a pena ressaltar em que momento deve o possuidor arguir o direito de


retenção. Em que momento deve ser arguido o direito de retenção pelo possuidor
de boa-fé?

1ª CORRENTE: Embargos de retençã o por benfeitorias. Essa é uma posiçã o hoje


praticamente superada por conta da redaçã o dos artigos 621 e 745, IV, CPC, que revelam
que os embargos de retençã o por benfeitorias só se aplicam no caso de execuçã o por título
extrajudicial.

2ª CORRENTE: Diante da impossibilidade de aplicaçã o dos embargos de retençã o no caso,


aplicá vel a regra geral do art. 303 do CPC, isto é, pelo princípio da
eventualidade/concentraçã o, deve ser arguido na contestaçã o. RESP 764.529 (em relaçã o
ao momento para arguir este é o da contestaçã o; o que há de peculiar é que demonstra que
nã o merece o mesmo tratamento que o direito de retençã o a arguiçã o de indenizaçã o por
benfeitorias necessá rias, que podem ser arguidas em momento posterior, porque a nã o
arguiçã o poderia acarretar o enriquecimento sem causa da outra parte, que é matéria de
ordem pú blica – art. 884 a 886).

RESP 1.278.094 (informativo 502, STJ)  o STJ aqui afirmou que a obrigatoriedade de
arguir direito de retençã o na contestaçã o se aplica nas açõ es cuja sentença tenha de
imediato acentuada carga executiva. Ex.: açã o possessó ria; açã o de despejo; resoluçã o
contratual c/c reintegraçã o de posse; porque nesses casos a sentença por si só tem carga
executiva. Mas, por exemplo, disse o STJ que essa obrigatoriedade de arguir direito de
retençã o na contestaçã o nã o seria aplicá vel numa açã o meramente declarató ria, que é
desprovida de carga executiva.

33
O possuidor de boa fé tem direito de retenção, mas e se aquele a quem compete
indenizar não tiver recursos?

1ª CORRENTE (ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA): enquanto nã o for indenizado


possuidor exercerá o direito de retençã o. Essa posiçã o é minoritá ria, porque percebam se
aquele a quem compete indenizar nã o tiver recursos, a primeira corrente pode gerar
direito de retençã o ad eternum e enriquecimento sem causa quando, por exemplo, o
sujeito gastou 5.000 com a benfeitoria e continua no imó vel pelo direito de retençã o, só
que o aluguel do imó vel é de 2.000 e ele permanece lá por muito tempo.

2ª CORRENTE: o direito de retençã o deve perdurar pelo tempo necessá rio à compensaçã o
das benfeitorias realizadas. Exemplo: gastou 6000 com as benfeitorias e o aluguel do
imó vel é de 2000; justifica-se o direito de retençã o por 03 meses. RESP 613.387.

PERGUNTA: Qual a natureza jurídica do poder de fato do retentor?

O retentor exerce posse direta em qualidade aná loga à de depositá rio. Isso é muito
importante, primeiro porque isso demonstra que o retentor tem tutela possessó ria em
face de terceiros, e também revela a aplicaçã o do art. 640, que diz que o depositá rio
presumidamente nã o pode usar o bem, só se tiver licença expressa do depositante. Entã o,
percebam que o retentor nã o pode usar o bem (morar, por exemplo), só pode reter para
constranger a pagar a benfeitoria. Teve um caso no STJ em que o retentor permaneceu no
bem, entã o, percebeu um benefício injustificado que compensou a benfeitoria (RESP
613.387).

Benfeitoria não se confunde com construção. A construçã o é espécie de acessã o. Art.


1.248, V, CC.

Benfeitorias x acessões:

a) As acessõ es representam meio de aquisiçã o da propriedade imó vel, as benfeitorias


nã o;
b) As acessõ es podem ser naturais ou físicas; as naturais estã o no art. 1248, I a IV e as
físicas no inciso V. As naturais resultam de eventos naturais, enquanto as físicas
resultam da atuaçã o humana. Já as benfeitorias, art. 97, decorrem necessariamente
da intervençã o humana, e o art. 97 fala em intervençã o do proprietá rio, possuidor
e detentor – isso gera até certa discussã o; pelo art. 97 só é melhoria se decorre de
um deles.

Suponhamos que sou possuidor do imó vel e meu pai decide realizar uma benfeitoria que é
objeto de minha posse. Na verdade, pela interpretaçã o literal isso nã o é benfeitoria,
porque foi o pai do possuidor, como consequência prá tica nã o seria passível de
indenizaçã o em face do proprietá rio. Muitos criticam, porque neste caso o pai visou
beneficiar o filho e nã o proprietá rio. Entã o, ainda que nã o se encaixe, seria justificá vel a
indenizaçã o com base na aplicaçã o subsidiá ria da vedaçã o ao enriquecimento sem causa.

Em relaçã o à s construçõ es essas diferenças nã o sã o tã o nítidas, porque as construçõ es


também resultam da intervençã o humana. A doutrina já construiu a ideia de que as
construçõ es representam a edificaçã o de algo novo, ao passo em que as benfeitorias

34
representam melhoramento ou acréscimo sobre algo pré-existente. Exemplo: tenho um
terreno cru e levanto 05 suítes é construçã o; se tenho uma casa com 04 quartos e faço
mais um é benfeitoria. Para PABLO STOLZE, isoladamente, há construçã o sempre que há
aumento de volume; benfeitoria seria mais reforma.

Em relaçã o à construçã o temos regra específica (art. 1255, caput), entã o a rigor nã o
aplicaríamos o art. 1219 que trata de benfeitorias. Naquele artigo o legislador consagra o
direito de indenizaçã o para o possuidor de boa fé, mas nã o prevê o direito de retençã o
para a construçã o. A questã o é delicada porque direito de retençã o nã o se presume,
porque é resquício de autotutela. Mas vejam que teríamos aqui uma contradição
insuperável: se o possuidor de boa fé faz um banheiro ele teria direito de retenção;
se faz uma casa inteira não teria. É uma situaçã o que chama atençã o porque é a ú nica
hipó tese em que o STJ admite direito de retençã o por analogia em homenagem à harmonia
do sistema. Admite-se, por analogia, a aplicaçã o do direito de retençã o do art. 1219 ao art.
1255. Enunciado 81. É pacífico, já caiu até em mú ltipla escolha.

E se a benfeitoria ou acessão realizada pelo possuidor foi realizada sem a necessária


licença do município?

Tem uma lei antiga – art. 34, pará grafo ú nico da lei 6766/79 – esse artigo diz basicamente
que nã o serã o indenizadas benfeitorias feitas em desconformidade com o contrato ou a lei.
É pacífico que essa regra se estende à s acessõ es por analogia. E aí o STJ foi instado a se
pronunciar sobre a aplicaçã o dessa norma, porque a parte vindicou essa aplicaçã o,
dizendo que nã o iria indenizar, porque a construçã o carecia da licença municipal e o
sujeito nã o contava com essa licença municipal.

E aí o STJ disse o seguinte: é preciso interpretar o dispositivo a luz do caso concreto; é


preciso diferenciar duas situaçõ es:

 Se a irregularidade é saná vel: se a irregularidade praticada pelo possuidor for


saná vel, se for possível uma autorizaçã o superveniente, se for possível regularizar
posteriormente aquela construçã o realizada, disse o STJ que nesse caso o
possuidor tem direito a ser indenizado.

 Agora, no caso de irregularidade insaná vel, em que a consequência natural é,


inclusive, a derrubada da acessã o pelo município, nesse caso, nã o há indenizaçã o.

O STJ disse que a lei nã o pode ser aplicada as cegas, porque, na verdade, esse dispositivo
legal guarda correlaçã o com a pró pria ló gica do enriquecimento sem causa. RESP
1.191.862.

Há quem defenda que a indenizaçã o pelas benfeitorias necessá rias e ú teis nã o é absoluta.
É necessá rio se aferir no caso concreto o efetivo aproveitamento pelo proprietá rio.
Imaginem que num local extremamente rico e valorizado o possuidor de boa-fé tenha feito
uma construçã o muito pequena e extremamente rú stica e incompatível com a localidade. E
fica claro e evidente que o proprietá rio nã o irá se beneficiar daquela benfeitoria. Há quem
defenda que nesses casos nã o é cabível a indenizaçã o, pois nã o haveria enriquecimento
sem causa.

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No mesmo art. 1219, em relação às benfeitorias voluptuárias, o legislador diz que se
elas nã o forem indenizadas ele pode levantá -las. Entã o, a princípio, o CC nã o prevê meio de
o possuidor constranger a ser indenizado (a lei nã o impõ e ao proprietá rio a obrigaçã o de
indenizar).

Há uma posiçã o do RENAN FALCÃ O DE AZEVEDO, defendendo a exigibilidade de


indenizaçã o por benfeitorias voluptuá rias no seguinte caso (sã o requisitos cumulativos):
haja impossibilidade de levantamento + que a benfeitoria cause valorizaçã o considerá vel +
benfeitoria anterior à reivindicaçã o. Preenchidos esses requisitos, para aquele autor,
defendendo contra legem, o possuidor poderia exigir indenizaçã o pela vedaçã o ao
enriquecimento sem causa.

O CC diz que o possuidor de boa-fé nã o pode levantar se esse levantamento atinge a


substâ ncia do bem. TEPEDINO diz que, na realidade, pode desde que o possuidor se
comprometa a reparar os danos causados pelo levantamento.

Qual é a natureza jurídica do direito de retenção?

Posição dominante: direito real. Vejam que o direito de retençã o recai sobre a coisa e
mais, é oponível erga omnes. Vejam que se alguém compra um bem que vem sendo objeto
de retençã o o comprador sucumbe diante do direito de retençã o. O retentor poderá se
valer de tutela possessó ria, inclusive, em face de adquirentes do bem.

Mas seria direito real sem registro aqui? Porque o direito de retençã o nã o é passível de
registro. Muitos criticam essa corrente dizendo que nã o tem registro. Entã o, como é que
vai se dar a oponibilidade erga omnes sem a publicidade necessá ria? Aqui nó s
aplicaríamos a parte final do art. 1.227 do CC. É possível que tenhamos direitos reais sobre
imó veis independentemente de registro. É uma exceçã o, mas é possível!

2ª corrente (CHAVES): posiçã o minoritá ria, no sentido de que estamos aqui diante de um
direito obrigacional sui generis. Sui generis, porque o direito de retençã o recai sobre a
coisa, tem oponibilidade erga omnes, mas seria direito obrigacional, porque o direito de
retençã o nã o está elencado no art. 1.225 do CC – traz o rol dos direitos reais e esse rol
seria taxativo.

Em relação ao possuidor de má-fé temos o art. 1.220, que diz que só tem direito a ser
indenizado por benfeitorias necessá rias, e mesmo assim sem direito de retençã o. O
dispositivo diz, ainda, que o possuidor de má fé nã o pode levantar as benfeitorias
voluptuá rias.

Uma questão que o artigo não enfrenta é se pode o possuidor de má fé levantar as


benfeitorias úteis? (a indenizaçã o nitidamente nã o cabe).

1ª CORRENTE defende a possibilidade de levantamento em vedaçã o ao enriquecimento


sem causa, notadamente se nã o atinge a substancia do bem – art. 886 do CC (aplicaçã o
subsidiá ria da vedaçã o ao enriquecimento sem causa).

2ª CORRENTE (TEPEDINO): nã o pode levantar, a uma porque o art. 1220 define os


direitos do possuidor de má fé, e o rol é taxativo; a duas, a alegaçã o de enriquecimento

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sem causa nem sempre é vá lida porque nem sempre aquelas benfeitorias ú teis serã o
aproveitadas pelo proprietá rio ou possuidor.

Há uma posiçã o do CAIO MÁ RIO de que só se justifica essa impossibilidade de


levantamento das benfeitorias voluptuá rias se houver prejuízo à substâ ncia do bem. É
nítido que o objetivo da regra é punir o possuidor de má-fé. Só que nessa de punir o
possuidor de má-fé, a aplicaçã o cega do dispositivo pode gerar enriquecimento sem causa
do proprietá rio (posiçã o minoritá ria).

Art. 1222 do CC: esse artigo aparentemente confere uma proteçã o ao possuidor de boa-fé.
O CC aqui prevê dois parâmetros: o “valor atual” e o “custo”. Tem duas correntes para
interpretar essas expressõ es:

1ª corrente: quando a lei fala em “valor atual” significa o custo atual, ou seja, quanto o
sujeito gastaria para fazer a benfeitoria hoje. E a expressã o “custo” seria o custo histó rico
com correçã o monetá ria (quanto o sujeito gastou lá trá s com correçã o monetá ria).

2ª corrente: o “valor atual” representa o reflexo da valorizaçã o ou desvalorizaçã o do bem


decorrente da benfeitoria. E o “custo” seria o custo atual para se realizar a benfeitoria.

Consequência prá tica da adoçã o da 2ª corrente: a regra estaria punindo o possuidor de


boa-fé, porque o reflexo da valorizaçã o aqui é inferior ao “custo” da benfeitoria realizada.

Essas regras que estamos vendo são regras gerais e como toda regra geral, cedem
diante de regras especiais. O que mais chama atenção aqui é o art. 35 da Lei
8.245/91 (lei de locação). As benfeitorias ú teis só sã o indenizá veis se tiverem sido
anteriormente autorizadas. O legislador foi mais rigoroso, já que o locatá rio sabe que tem
a obrigaçã o de restituir, ele sabe que está fazendo benfeitoria em um bem que nã o lhe
pertence. É muito diferente da sistemá tica do possuidor de boa fé, que ignora o vício, isto
é, faz benfeitoria em um imó vel que supõ e que te pertence. Essa sistemá tica do art. 35 se
parece muito com a sistemá tica da retrovenda do art. 505, CC (no pacto de retrovenda
aquele que vende tem o direito potestativo de readquirir o bem, entã o aquele que adquire
o bem com direito de retrovenda tem propriedade resolú vel; o art. 505 diz que ele só tem
direito a ser indenizado por benfeitorias ú teis se teve autorizaçã o).

Vale a pena enfrentar o seguinte. O art. 35 da lei de locaçõ es começa dizendo “salvo
expressa disposição contratual em contrário”, ou seja, a regra é dispositiva. Com base nisto
foi editada a sú mula 335 do STJ. Será que isso vale para benfeitoria necessá ria?

É discutível; muitos afirmam que nã o por conta do enriquecimento sem causa. A sú mula
nã o seria aplicá vel no caso de benfeitoria necessá ria. Outra discussã o é se a sú mula se
aplica em contrato de adesã o, por força do art. 424, CC. Há quem refute a aplicaçã o do art.
424 neste caso dizendo que a sistemá tica da locaçã o se submete à legislaçã o específica, até
mesmo pelo que diz o art. 2.036. Esse argumento de que o art. 424 nã o se aplica à lei de
locaçõ es por ser lei especial nã o é um argumento insuperá vel, é discutível. Pelo dialogo de
fontes podemos projetar o que há da regra geral para especial e vice versa. Tepedino e
Anderson costumam dizer que esse diálogo nã o fica à mercê da criatividade do interprete
para mitigar a ló gica da especialidade. O que justifica o diá logo é a existência de um valor

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constitucionalmente tutelado, isto é, se uma determinada regra está imbuída de um valor
constitucionalmente tutelado, ela mercê ser aplicada em outras situaçõ es que nã o apenas
aquelas que ali contempladas.

Exemplo: o que inspira a redaçã o do art. 424 (tutela diferenciada do aderente) é a


isonomia material, nesta medida, o sistema hierá rquico prevalece sobre o sistema da
especialidade (conflito de normas o sistema cronoló gico sucumbe diante da especialidade
e esse sucumbe diante da hierarquia). Ora, se há uma norma imbuída de interesse
constitucionalmente tutelado, o sistema hierá rquico vai se sobrepujar ao sistema da
especialidade. Na medida em que o sistema hierá rquico se sobrepõ e ao sistema da
especialidade, o dialogo de fontes representa nada mais do que a constitucionalizaçã o do
direito civil. Enunciado 433. O enunciado repudia a aplicaçã o da sú mula se o contrato se
refere a renuncia à benfeitoria necessá ria e direito de retençã o no caso de contrato de
adesã o.

6.4 AUTODEFESA DA POSSE ou DESFORÇO POSSESSÓRIO


ou DESFORÇO IMEDIATO
A hipó tese está prevista no art. 1.210, §1º. É uma hipótese típica de autotutela.

PERGUNTA (típica de prova oral): Legítima defesa da posse é sinônimo de desforço


possessório?

Muitos defendem que sim, outros que nã o, com base na interpretaçã o literal. “manter-se”
combina com “turbando” e “restituir-se” com esbulho. “Desforço” combina com “restituir-
se”. Muitos defendem que a legítima defesa da posse se aplica no caso de turbaçã o e
desforço possessó rio no caso de esbulho. Ou seja, legítima defesa da posse nã o seria
sinô nimo de desforço possessó rio dentro de uma interpretaçã o literal.

A reação tem que ser imediata (“contanto que o faça logo”). A doutrina traz duas
exceções:

a) (CARVALHO SANTOS, CAIO MÁ RIO, TEPEDINO): Imaginemos que esteja no imó vel
sozinho, e tem 40 pessoas esbulhando. Nã o é exigível que eu faça o desforço
imediato. É tolerá vel o transcurso do tempo mínimo necessá rio a fim de que o
possuidor possa reunir condiçõ es para o exercício da autodefesa;

b) Art. 1.224: hipó tese em que tem uma casa de praia sem caseiro e há uma semana
invadiram minha casa de praia, mas nã o sei nada. Enquanto nã o sei do esbulho nã o
perco a posse. Se me avisam uma semana depois, ainda posso usar a autodefesa
(vida aula acerca de detençã o).

Contra essas duas exceçõ es temos o enunciado 495 do CJF, dizendo que essa expressã o
“contanto que o faça logo” deve ser interpretada restritivamente, porque a norma trata de
autotutela. De acordo com o enunciado nó s nã o teríamos exceçõ es, a reaçã o tem que ser
efetivamente imediata.

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Não há dúvida de que tem legitimidade para o exercício da autodefesa tanto o
possuidor direto, quanto o indireto – legitimidade concorrente. É possível aqui
inclusive invocar por analogia o art. 932 do CPC – tratando do interdito proibitó rio,
expressamente confere legitimidade ao possuidor direto e ao indireto. No caso de
composse, legitimidade concorrente de todos os compossuidores.

PERGUNTA: E o detentor? O detentor pode exercer autodefesa?

1ª CORRENTE (já superada, que era defendida pelo TITO FULGÊ NCIO): o detentor nã o
poderia exercer autodefesa, porque a regra do art. 1.210, § 1º, só contempla o possuidor
(nã o se refere ao detentor) e essa regra merece interpretaçã o estritiva, porque se trata de
autotutela.

2ª CORRENTE: Hoje, já está superada essa 1ª corrente, até porque uma das funçõ es
essenciais do detentor é proteger o bem. Entã o, privar o detentor do exercício da
autodefesa seria quase como retirar uma de suas funçõ es essenciais. Ele exerce
autodefesa em favor do possuidor, e não em nome próprio. Enunciado 493. O detentor
tem legitimidade para autodefesa, o fazendo nã o para a defesa de um direito pró prio, mas
sim de um direito do possuidor.

É claro que na hipótese de composse qualquer um dos compossuidores pode


exercer a autodefesa, há legitimidade concorrente.

TEPEDINO: Será que aquele que tem posse injusta pode se valer da autodefesa em
face daquele que tem posse justa (da vítima)? Só há dú vida em relaçã o à vitima, porque
nó s vimos que a posse injusta é um vício relativo. Logo, aquele que tem posse injusta pode
sem dú vida se valer da autodefesa em face de terceiros. A dú vida é se aquele que tem
posse injusta pode se valer da autodefesa em face da vítima. E aí o TEPEDINO diz que sim
na excepcional hipó tese em que a vítima incorre no exercício arbitrá rio das pró prias
razõ es.

Vamos imaginar que 07 meses depois de perdida a coisa e já consumado o esbulho a


vítima vem a querer tirar na marra o possuidor injusto; ele poderá se valer da autodefesa
da posse, porque na verdade restaria aqui à vítima se valer das açõ es possessó rias.
Eventual reaçã o aqui por parte daquele que tem posse injusta nã o seria considerada ilícita
pelo ordenamento jurídico brasileiro.

6.5 AÇÕES POSSESSÓRIAS


Vale lembrar que essas açõ es possessó rias têm rito especial (art. 920 a 933 do CPC c/c
art. 1210, caput do CC).

Nestes artigos temos três ações possessórias típicas:

1) REINTEGRAÇÃO DE POSSE no caso de esbulho;

Aqui a ideia de esbulho se aplica tanto no caso de violência, clandestinidade e de violaçã o à


obrigaçã o de restituir; entã o, se aquele que tem posse direta e, portanto, posse temporá ria,
viola a obrigaçã o de restituir, resta ao possuidor indireto se valer da reintegraçã o de

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posse. Tem uma exceção aqui que é a locaçã o de imó vel urbano, porque lá tem regra
especial: despejo – lá a via adequada será a açã o de despejo. Mas nas demais hipó teses de
violaçã o à obrigaçã o de restituir a açã o adequada será a reintegraçã o de posse.

2) MANUTENÇÃO DE POSSE no caso de turbação;

3) INTERDITO PROIBITÓRIO no caso de ameaça.

Essas sã o as açõ es possessó rias típicas. Só que alguns processualistas defendem que
teríamos ainda ações possessórias atípicas. Seriam atípicas já que nã o estã o elencadas
no rol das açõ es possessó rias do CPC. E, além disso, a singularidade dessas açõ es
possessó rias atípicas resulta do fato de que nelas apenas indiretamente/reflexamente há
proteçã o possessó ria. Quer dizer, o objeto primordial dessas ações não é a proteção
da posse, mas indiretamente protegem a posse. Seriam elas:

 Nunciação de obra nova


 Embargos de terceiro e
 Imissão de posse

Em relaçã o a esta ú ltima o STJ já concretizou o entendimento de que não tem natureza
possessória e sim petitória. Na imissã o de posse o sujeito tem direito à posse, sem nunca
tê-la exercido antes.

Exemplo: compra e venda, por exemplo, o vendedor assume a obrigaçã o de entregar o


bem em 30 dias – regra geral, o comprador tem direito ao bem, mas nã o tem tutela
possessó ria porque nunca teve a posse - tem natureza petitó ria, porque invoca o direito à
posse com base no título, porque nunca teve a posse. RESP 1.126.065. O sujeito está
invocando a posse com base no título, até porque ele nunca exerceu a posse antes. Entã o,
já decidiu o STJ que a imissã o de posse tem natureza petitó ria e nã o possessó ria.

Tudo muda de figura se tivermos a CLÁUSULA CONSTITUTO POSSESSORIO: veremos


adiante, porque neste caso há desmembramento possessó rio e o comprador passa a ter
tutela possessó ria.

 SINGULARIDADES/CARACTERÍSTICAS DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS


TÍPICAS:

A) FUNGIBILIDADE (Art. 920, CPC):

Representa uma exceçã o ao princípio da congruência (princípio da correlaçã o entre o


pedido e a sentença), porque por este princípio, se a parte pede manutençã o o juiz nã o
poderia conceder reintegraçã o, mas pela fungibilidade pode, porque as açõ es sã o fungíveis
entre si. Essa fungibilidade é importante na prá tica, porque quando ingressou com açã o
poderia ser apenas turbaçã o e depois virar esbulho, ai o juiz pode dar reintegraçã o.

Cuidado: a fungibilidade se aplica apenas às ações possessórias, não tem


fungibilidade entre ações possessórias e petitórias.

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B) NATUREZA DÚPLICE (Art. 922):

É o pedido contraposto. Cuidado! Natureza dú plice limitada. A natureza dú plice abrange


tutela possessó ria e a indenizaçã o, assim, por exemplo, se o réu quiser a pleitear a
derrubada de eventual benfeitoria realizada, nã o poderá fazer o pedido contraposto,
porque nã o está previsto no art. 922, terá que fazer reconvençã o. A natureza dú plice
abrange apenas as matérias delineadas no art. 922, fora dessas matérias é reconvençã o;

C) POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS (art. 921, CPC)

D) (importante para PGE/PGM) LIMINAR NO CASO DE POSSE NOVA (art. 924 e


928):

Interessa-nos demais, porque nesta questã o da liminar temos uma regra específica para PJ
de direito pú blico no pará grafo ú nico do art.928. O juiz nã o pode conceder essa liminar
contra o município sem a prévia oitiva do PGM. Essa redaçã o se inspira na presunçã o de
legalidade e legitimidade dos atos da administraçã o.

Exemplo: o Município praticou o esbulho, a vítima do esbulho entra com açã o possessó ria
contra o Município, pede liminar e o juiz manda ouvir a PGM. Este diz que o município
esbulhou mesmo, mas na localidade já está sendo construída uma creche, um hospital. A
consequência dessa alegaçã o para a tutela possessó ria é a improcedência, porque na
medida em que há a afetaçã o, a questã o desá gua em desapropriaçã o indireta (pretensã o
indenizató ria). Ainda que reconhecido o esbulho, a afetaçã o afasta o êxito da tutela
possessó ria. O que o STJ admite, por razõ es de economia processual, é que essa açã o de
reintegraçã o de posse venha a ser convertida em desapropriaçã o indireta. RESP
1.060.924.

Esse rito especial só é aplicável diante de posse nova (que data até ano e dia) – art.
924 do CPC. Sendo a posse velha, aplicável o rito ordinário, e, nesse caso, não caberá
a liminar do parágrafo único do art. 928 do CPC, mas vai caber antecipação de
tutela. E aí é evidente que quem for fazer prova para a advocacia pú blica terá que se
lembrar de que no caso de antecipaçã o de tutela, por força da aplicaçã o do rito ordiná rio, é
aplicá vel por analogia o pará grafo ú nico do art. 928 do CPC.

REGRAS IMPORTANTES NO CC:

Regra muito importante é o art. 1.212 do CC. A contrario senso, o possuidor nã o pode
intentar açã o de esbulho contra o terceiro que recebeu a coisa esbulhada sem saber que o
era, ou seja, não cabe tutela possessória contra o terceiro adquirente de boa fé.
Enunciado 80 do CJF. Não tem tutela possessória, mas tem tutela petitória. Assim,
nã o cabe tutela possessó ria contra o terceiro adquirente de boa-fé. Em face do esbulhador
cabe tutela possessó ria sempre, mas em face do terceiro adquirente da coisa, é preciso que
o terceiro saiba do esbulho para que contra ele caiba tutela possessó ria; se o terceiro é de
boa-fé, nã o sabe do esbulho, nã o cabe tutela possessó ria contra ele. O esbulhado, todavia,
embora nã o tenha tutela possessó ria contra o terceiro adquirente de boa-fé, nesse caso,
terá tutela petitó ria.

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ATENÇÃO: Imagine a hipó tese em que o esbulhado é o usucapiente que já preencheu os
requisitos legais, mas ainda nã o moveu a açã o de usucapiã o. A sentença de usucapiã o tem
natureza meramente declarató ria, entã o, uma vez preenchidos os requisitos legais o
usucapiente já é o proprietá rio. Imaginemos que eu sou o usucapiente que já preenchi os
requisitos legais, ela pratica o esbulho e transfere para terceiro de boa fé. Nã o tenho tutela
possessó ria contra ele e também nã o tenho a tutela petitó ria, porque essa pressupõ e
título. Como solucionar? Os poucos doutrinadores que tratam do tema trazem a AÇÃO
PUBLICIANA do direito romano, que nada mais representava que uma tutela
reivindicató ria em favor do proprietá rio sem título. Nã o há previsã o legislativa no direito
atual.

ATENÇÃO! Eu não tenho tutela possessória contra o terceiro de boa fé, mas tenho
tutela petitória. Na medida em que tenho êxito na tutela petitó ria contra o terceiro de
boa-fé, este tem como invocar evicçã o em face do alienante para exercer a pretensã o
ressarcitó ria.

Cuidado com uma exceçã o aqui envolvendo o art. 1.268, 2ª parte (falamos neste art.
quando estudamos evicçã o), que é específico para bem mó vel. Entã o, se esse terceiro
adquire de boa fé um bem mó vel do esbulhador em leilã o ou estabelecimento comercial,
esse terceiro nã o perde a coisa, o proprietá rio nã o terá êxito na tutela petitó ria, porque
aquela alienaçã o a non domino teve o condã o de transferir a propriedade. Sobra apenas a
tutela ressarcitó ria contra o esbulhador.

Art. 1.210, §2º: A alegação de propriedade não interfere na tutela possessória. Sã o


institutos diferentes, posse e propriedade. Se cair isso em uma questã o dissertativa, é
indispensá vel fazer uma comparaçã o entre o CC/02 e o CC/16, até porque há uma sú mula
sobre o tema. Esta hipó tese estava no art. 505 do CC/16. A primeira parte deste artigo
reproduzia o CC/02, mas havia uma segunda parte que dizia que “não se concederá a posse
a quem evidentemente não tiver o domínio”. A regra era contraditó ria. Para dirimir essa
contradiçã o, à época do CC/16, foi editada a sú mula 487 do STF, que formalmente ainda
está em vigor.

SÚMULA 487: “SERÁ DEFERIDA A POSSE A QUEM, EVIDENTEMENTE,


TIVER O DOMÍNIO, SE COM BASE NESTE FOR ELA DISPUTADA”.

A sú mula diz que se eu alego posse com base na propriedade, isto é, se minha tese é “sou
possuidora porque sou proprietá ria” e a outra parte também alega o mesmo, só se concede
a posse a quem tiver o domínio, mas apenas neste caso, em que a tutela possessó ria gira
em torno da propriedade. Assim, se ambas as partes alegam posse com base na
propriedade, dizia a sú mula que se concederá a posse a quem tiver o domínio.

Só que aquela 2ª parte do CC/16 foi suprimida do CC/02. A consequência disso para os
civilistas foi de que não mais se admite exceção de domínio – EXCEPTIO
PROPRIETATIS – em sede de tutela possessória . Enunciado 78 e 79. Essa nã o
admissibilidade de exceçã o de domínio em sede de tutela possessó ria traz uma absoluta
separaçã o entre juízos possessó rios e petitó rios – essa separaçã o absoluta seria uma
manifestaçã o flagrante da teoria socioló gica da posse. Antes seria possível alguém alcançar
a posse com base na mera alegaçã o de propriedade, como se a propriedade fosse mais do

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que a posse. Hoje, o que o CC diz é: quer discutir propriedade? Tutela reivindicató ria; que
discutir posse? Tutela possessó ria. Não mais se admite discutir propriedade em sede
de tutela possessória, pois propriedade nã o é mais do que a posse, sã o institutos
diferentes. Sã o ambitos diferentes de discussã o. O enunciado está dizendo que se alguém
discute posse com base em propriedade a hipó tese é de improcedência (o professor acha
que melhor se encaixaria em falta de interesse).

Dentro deste contexto cai por terra a súmula (não é unanime isso). A sú mula e o
enunciado sã o opostos. Alguns autores, como TEPEDINO, ponderam em até que ponto vale
a pena destituir a sú mula por uma razã o de ordem prá tica. Realmente, a absoluta
separaçã o entre os juízos possessó rios e petitó rios vem em consonâ ncia com a teoria
socioló gica e a ausência de hierarquia entre posse e propriedade; mas há um problema de
ordem prá tica, porque se tiver que propor uma nova açã o, porque o pedido foi
inadequado, teremos um problema de econô mica processual, aí alguns defendem que seria
melhor manter a sú mula. É discutível.

OBS.: O que será dito agora os processualistas nã o gostam. Para a prova de civil,
vejamos o art. 923 do CPC, que estabelece que na pendência da tutela possessória
não cabe tutela reivindicatória. Alguns processualistas invocam aqui que se a gente
interpretar o art. 923 em sua literalidade, afirmaríamos que durante toda e qualquer
tutela possessó ria o proprietá rio ficaria privado de reivindicar a propriedade, o que viola
o direito de propriedade, já que a reivindicaçã o é um dos elementos inerentes à
propriedade. O que justificaria o art. 923 é evitar decisõ es conflitantes.

Em tese, o art. 923 do CPC deveria ser aplicado quando, no contexto da tutela possessó ria,
as partes estiverem discutindo propriedade. Imaginem que na tutela possessó ria o juiz
diga que cabe a posse a fulano porque fulano é o dono e depois na tutela reivindicató ria
diz que o dono é o Ciclano. Assim, só se aplicaria o art. 923 do CPC quando no contexto da
tutela possessó ria as partes estiverem alegando o domínio. Pra quem entende que nã o
mais se admite alegaçã o de domínio em tutela possessó ria, o CC atual revogou tacitamente
o art. 923 do CPC, porque nã o haveria mais risco de decisõ es conflitantes.

PERGUNTA: A súmula 237 do STF – “A usucapião pode ser arguida em defesa” – pode
ser aplicada em ação possessória? A dúvida é se: Pode ser arguida usucapião em
defesa em sede de ação possessória?

Em um primeiro momento podemos pensar que nã o, porque quando alega usucapiã o


estará alegando aquisiçã o de propriedade. Nã o é esse o entendimento hoje dominante,
porque a parte invoca uma propriedade que pressupõ e a demonstraçã o de posse, porque é
um meio de aquisiçã o de propriedade que pressupõ e a posse, entã o parece aplicá vel a
sú mula. Da mesma forma §§4º e 5º do art. 1.228 (veremos na pró xima aula).

Informativo 543 do STJ (RESP 1.203.144): Seria possível o reconhecimento do


direito real de habitação do companheiro sobrevivente em ação possessória?

Vamos supor que haja uma uniã o está vel, um dos companheiros falece e aí um dos
herdeiros pratica o esbulho possessó rio em face do companheiro sobrevivente. Será que
esse companheiro sobrevivente pode alegar o direito real de habilitaçã o numa açã o de

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reintegraçã o de posse em face do outro herdeiro esbulhador? O STJ disse que sim! Em
regra, o direito real sobre bem imó vel pressupõ e registro. Só que uma das exceçõ es é o
direito real de habitaçã o, oriundo do direito possessó rio. O direito real de habitaçã o
decorrente do direito sucessó rio é ex vi legis, independe de registro. Entã o, a ausência de
registro aqui nã o é ó bice à aplicaçã o do instituto.

E aí surge uma questã o de ordem prá tica: será que no contexto do rito especial das açõ es
possessó rias em que a dilaçã o probató ria se restringe à discussã o possessó ria, será que é
possível o juiz aferir e determinar que há direito real de habilitaçã o do companheiro?
Porque a dilaçã o probató ria do rito especial das açõ es possessó rias nã o comporta esse
tipo de discussã o. Ninguém vai poder num contexto do rito especial das açõ es
possessó rias discutir se era ou nã o companheiro. Esses aspectos nã o cabem dentro do
contexto das açõ es possessó rias típicas.

Só que o STJ disse que esse direito real de habitaçã o do companheiro pode ser arguido
para fins exclusivamente possessó rios. E aí a sentença possessó ria vai declarar a uniã o
está vel na fundamentaçã o da sentença. Aí a questã o é processual: por que vai estar na
fundamentaçã o e nã o no dispositivo? Porque aí nã o faz coisa julgada! Quer dizer, essa
sentença possessó ria que reconhece esse direito real de habitaçã o em favor do
companheiro sobrevivente nã o faz coisa julgada no sentido de que os herdeiros depois
poderã o discutir sobre a efetiva existência ou nã o do direito real de habitaçã o. O
dispositivo da sentença vai apenas conferir a tutela possessó ria, ela nã o vai dirimir,
resolver a questã o atinente à existência ou nã o da uniã o está vel e do direito real de
habitaçã o em si.

E o que isso tem a ver com o art. 1210, § 2º do CC? O STJ disse que em relaçã o aos
herdeiros proprietá rios se aplica o art. 1210, § 2º, porque eles poderiam dizer que o
companheiro sobrevivente nã o tem direito à proteçã o possessó ria, porque nó s herdeiros
somos proprietá rios. Seria uma alegaçã o de propriedade no contexto da tutela
possessó ria, o que nã o seria admissível por força do art. 1210, § 2º.

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DIREITO DE PROPRIEDADE
Art. 1.228: A definiçã o bá sica de direito de propriedade que se extrai deste artigo é que: É
O DIREITO REAL QUE CONFERE AO SEU TITULAR AS FACULDADES JURÍDICAS DE
USO, GOZO, DISPOSIÇÃO E REIVINDICAÇÃO.

Vários autores contemporâneos afirmam que essa definição clássica se tornou


insuficiente, porque essa definiçã o parece sugerir que o proprietá rio tem apenas
prerrogativas, quando, hoje, o proprietá rio tem inú meros deveres. A insuficiência dessa
definição clássica resulta da função social da propriedade.

Vá rios autores (TEPEDINO, CHAVES), dentro desta perspectiva civil-constitucional,


sustentam que já havia muito antes da funçã o social da propriedade outras limitaçõ es da
propriedade como, por exemplo, o direito de vizinhança, que já existe desde o direito
romano, assim como algumas formas de intervençã o do Estado na propriedade. Só que
essas limitaçõ es, anteriores à funçã o social, eram as limitaçõ es extrínsecas, que vem de
fora, precisavam de expressa previsã o legislativa e impunham quase sempre obrigaçõ es
negativas, de nã o fazer; um dever de abstençã o apenas.

A diferença é que a função social estabelece limitação intrínseca ao direito de


propriedade, isto é, limitação que está dentro do próprio direito de propriedade; a
função social integra, hoje, a própria estrutura do direito de propriedade. Por
exemplo, o uso e o gozo devem ser exercidos em harmonia com a funçã o social,
independente de previsã o legal. Impõ em nã o apenas obrigaçõ es negativas, mas também
positivas, como, por exemplo, o proprietá rio de um terreno nã o pode deixar o mato
crescer de modo que atinja 02 metros, que atraia mosquitos e etc.

Dentro desse cenário, TEPEDINO defende que o direito de propriedade hoje se


subdivide em:

(i) Estrutura econômica: que abrange a faculdade de uso, gozo e disposiçã o;


seria o nú cleo interno do direito de propriedade;

(ii) Estrutura jurídica: faculdade de reivindicaçã o, que seria o nú cleo externo,


porque através da reivindicaçã o o direito de propriedade se projeta em face
de terceiros, é uma manifestaçã o da sequela do direito de propriedade;

(iii) Aspecto funcional: associado a uma concepçã o dinâ mica do direito de


propriedade, estaria associada à legitimidade do exercício do direito de
propriedade, isto é, o aspecto funcional está associado à funçã o social da
propriedade, integrando, portanto, a pró pria estrutura do direito de
propriedade.

Percebam que se antes as limitaçõ es extrínsecas limitavam a propriedade apenas para a


proteçã o de proprietá rios vizinhos ou para a proteçã o dos interesses da administraçã o
pú blica; hoje, a funçã o social traz limites à propriedade em homenagem a interesses
extraproprietá rios socialmente relevantes. Ex.: meio ambiente; livre concorrência; tutela

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do patrimô nio histó rico, artístico e cultural, dentre outros. E percebam que essas
limitaçõ es intrínsecas impõ em muitas vezes obrigaçõ es positivas, obrigaçõ es de fazer.

CHAVES afirma que o direito de propriedade, hoje, gera uma relaçã o jurídica complexa; a
relaçã o jurídica se dá entre o proprietá rio e a coletividade; e ela é complexa, porque ela
gera um feixe de direitos e obrigaçõ es recíprocos. Antes nã o, antes havia em uma ú nica
mã o: era só a tutela da propriedade em face da coletividade. Hoje, é uma via mã o dupla, já
que o proprietá rio também tem deveres perante a coletividade.

Função social na CF/88: art. 5º, XXIII, art. 170, 183, 184 e 186. Lei 10.257/01 (Estatuto
da Cidade), especialmente artigos 5º ao 8º. Funçã o social no CC: art. 1.228, §1º.

OBS.: É um discurso interessante para nossa banca se cair função social: direito de
vizinhança no direito romano tinha como ratio proteger os interesses dos proprietá rios
vizinhos. A grande singularidade da funçã o social é que ela restringe o direito de
propriedade em homenagem a interesses extraproprietá rios socialmente relevantes como,
por exemplo, meio ambiente, livre concorrência, podem restringir o exercício do direito de
propriedade.

AULA 33
Art. 1228, §2º: ABUSO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. Muitos autores festejam esse
dispositivo dizendo que finalmente o CC previu o abuso de direito de propriedade. No
entanto, a crítica que se faz ao dispositivo é que ele diz "que sejam animados pela intenção”,
ou seja, em sua literalidade o dispositivo adota a teoria dos atos emulativos, segundo a
qual só há abuso de direito quando há a intençã o de prejudicar outrem. Essa é uma teoria
ultrapassada, porque subordina a aplicaçã o do abuso de direito a critérios subjetivos, quer
dizer, ela como que amesquinha a funçã o dos princípios no ordenamento jurídico
brasileiro. Além disso, o art. 187 do CC nã o adota essa teoria. Em sua literalidade, esse
dispositivo contemplaria a teoria dos atos emulativos em sede de abuso de direito de
propriedade.

Hoje, essa interpretação literal é superada, não se exige que haja intenção do
proprietário de prejudicar outrem. Muito cuidado aqui, porque a grande maioria dos
manuais diz que nã o se aplica a teoria dos atos emulativos com base no art. 187, mas esse
argumento é falho, porque se só ficá ssemos no art. 187, diríamos que este é regra geral e o
art. 1228 é especial, e nã o poderia ser invocado diante da regra especial. Parece que o
principal argumento para superar a interpretaçã o literal é a funçã o social da propriedade
como interesse constitucionalmente tutelado, porque se só pudermos aplicar o abuso de
direito de propriedade diante de elemento subjetivo, estaríamos interpretando a CF
conforme o CC e nã o o contrá rio. Enunciado 49 (restritivamente mesmo, a lei disse mais
do que deveria).

1. FACULDADES JURÍDICAS DO PROPRIETÁRIO:

1.1. DE USO

46
Confere ao seu titular a possibilidade de usar e servir-se do bem. E nã o há nenhuma
dú vida de que esse uso pode ser direto ou indireto. Uso direto é quando o pró prio
proprietá rio se utiliza da coisa e uso indireto pode se dar, por exemplo, através do
detentor, locaçã o, comodato, etc. Estamos falando na titularidade da faculdade jurídica de
uso e nã o apenas no exercício. O locatá rio, por exemplo, tem o exercício da faculdade
jurídica de uso, mas ele nã o tem a titularidade, até porque a titularidade das faculdades
jurídicas só se transfere através de direito real.

Prova oral: Compare a situação do usufrutuário com a do locatário: o usufrutuá rio


titulariza as faculdades jurídicas de uso e gozo; ele nã o tem apenas o exercício, ele tem a
titularidade, por força de um direito real menor incidente sobre a coisa. Já o locatá rio nã o,
a relaçã o é puramente obrigacional, ele tem apenas o exercício e nã o a titularidade das
faculdades jurídicas de uso e de gozo. E para que se mantenha a titularidade da faculdade
jurídica de uso o proprietá rio pode usá -lo direta ou indiretamente; o exercício pode se dar
de forma direta ou indireta; ele nã o perde a titularidade da faculdade jurídica de uso se o
exercício dessa faculdade se dá de forma indireta, pela detençã o, locaçã o, comodato.

E mais, a titularidade da faculdade jurídica de uso pelo proprietá rio abrange a


possibilidade de exercício ou nã o da faculdade jurídica, ou seja, ele pode usar ou nã o usar.
A titularidade da faculdade jurídica de uso pelo proprietá rio abrange a possibilidade de
uso ou nã o uso, o simples inexercício da faculdade jurídica de uso pelo proprietá rio nã o
gera a extinçã o da propriedade. O que pode propiciar a extinçã o da propriedade é eventual
usucapiã o a favor de outrem. Mas o nã o uso pelo proprietá rio, por si só , nã o gera a
extinçã o do direito de propriedade.

O usufruto, por exemplo, pode ser extinto pelo não uso. A servidão também pode se
extinguir pelo não uso – art. 1389, III do CC; art. 1410, VIII. Isso nã o acontece com o
direito de propriedade. O proprietá rio pode usar ou nã o usar o bem.

1.2. DE GOZO OU FRUIÇÃO


Possibilidade de perceber os frutos ou produtos da coisa. Lembrando que os frutos
sã o renová veis e os produtos nã o sã o renová veis.

Art. 1.232  “Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao
seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem.”  o CC está
dizendo que ainda que separados da coisa os frutos e produtos pertencem ao proprietá rio,
salvo preceito jurídico especial.

Exemplos de preceitos jurídicos especiais (que afastam a regra geral):

 Art. 1284 (direito de vizinhança)


 Art. 1.394 (os frutos caberã o ao usufrutuá rio – OBS.: como veremos, a princípio, o
usufrutuá rio só poderia perceber os frutos e nã o os produtos);
 Art. 1.214 (o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos percebidos)

47
1.3. DE DISPOSIÇÃO
A disposição pode ser material ou jurídica. A disposiçã o material está associada à ideia
de destruiçã o, de abandono. E a disposiçã o jurídica pode ser total ou parcial. A disposiçã o
jurídica total é quando há efetiva transferência do direito de propriedade. E a disposiçã o
jurídica parcial ocorre quando há transferência da titularidade de parte das faculdades
jurídicas inerentes à propriedade. Ex.: usufruto, servidã o, etc.

Nã o nos esquecemos da diferença entre transferência da titularidade das faculdades


jurídicas com a mera transferência do exercício das faculdades jurídicas. A transferência
de titularidade das faculdades jurídicas se dá apenas através de direito real; ao
passo que para a transferência do mero exercício basta relação obrigacional.

Isso é muito importante, pois quando se fala, por exemplo, em propriedade restrita ou
limitada, a propriedade restrita é aquela em que o proprietá rio nã o titulariza todas as
faculdades jurídicas. Entã o, numa relaçã o locatícia o locador tem propriedade plena, ele
nã o tem propriedade restrita ou limitada. O nu-proprietá rio no usufruto sim, tem
propriedade restrita ou limitada.

Qual é a característica do direito de propriedade que propicia essa alienação


jurídica parcial? Que permite essa transferência de parte das faculdades jurídicas?

É a chamada ELASTICIDADE ou FRAGMENTARIEDADE. É aquela que permite a


transferência de parte das faculdades jurídicas, sem que haja a perda do direito de
propriedade. E aí tem um princípio que na verdade evidencia que essa elasticidade é
temporária – é o chamado PRINCÍPIO DA CONSOLIDAÇÃO. Vide o usufruto – o limite
do usufruto é a vida do usufrutuá rio. Nó s perceberemos ainda que existem vá rias
disposiçõ es normativas do CC que vem em consonâ ncia com esse princípio da
consolidaçã o.

OBS.: Cláusula de inalienabilidade  com essa clá usula o proprietá rio nã o tem a
faculdade jurídica de disposiçã o. A gente tem, hoje, em relaçã o ao tema o art. 1848 do CC,
que agora exige justa causa para a inserçã o de clá usula de inalienabilidade, por via
testamentaria. Porque a clá usula de inalienabilidade gera um embaraço a livre circulaçã o
dos bens e consequentemente atinge a funçã o social da propriedade indiretamente. Entã o,
na verdade, o que os autores em geral afirmam é que essa exigência de justificativa
prevista no art. 1848 seria um desdobramento da funçã o social da propriedade.

STJ: entende que a clá usula de inalienabilidade tem natureza pessoal. Em tese, o objetivo
da clá usula é de proteçã o do donatá rio. Com isso, o STJ entende que essa cláusula se
extingue por força de lei com a morte do beneficiá rio. Tem natureza pessoal. RESP
1.101.702.

Art. 1911, caput – diz que a clá usula de inalienabilidade implica na impenhorabilidade e na
incomunicabilidade; sã o desdobramentos.

O pará grafo ú nico prevê a possibilidade de mitigar a clausula de inalienabilidade se


houver conveniência econô mica do donatá rio ou do herdeiro. Como seria essa mitigaçã o?

48
Através da sub-rogaçã o real. Pela sub-rogaçã o real a cláusula que incidia sobre um
determinado bem vai se transferir para outro, nã o se confunde com pagamento por sub-
rogaçã o.

Só que o pará grafo ú nico fala apenas em conveniência econô mica e é pacífico na doutrina e
na jurisprudência que essa sub-rogaçã o real se justifica nã o só por conveniência
econô mica, mas também em homenagem à tutela da dignidade da pessoa humana. Ex.:
necessidade de tratar uma doença do beneficiá rio. RESP 1.158.679.

NÓS TEMOS AINDA FACULDADE JURÍDICA DE REIVINDICAÇÃO!

1.4. REIVINDICAÇÃO
Busca na verdade a tutela do direito de propriedade.

Em alguns casos o proprietário tem a sua disposição tanto a tutela reivindicatória


quanto a tutela possessória. O fato de caber tutela possessó ria em favor do proprietá rio
nã o afasta o cabimento de tutela reivindicató ria. Mas em alguns casos o proprietá rio nã o
tem a tutela possessó ria. Imaginem o proprietá rio que nunca teve posse. O proprietá rio
que nunca teve posse nã o tem a sua disposiçã o a tutela possessó ria, mas ele tem a sua
disposiçã o a tutela reivindicató ria.

Por isso que é comum que se diga que a tutela reivindicató ria se aplica em favor do
proprietá rio nã o possuidor em face do possuidor nã o proprietá rio. O professor
pessoalmente nã o gosta dessa afirmaçã o, pois o fato do proprietá rio ser possuidor nã o lhe
retira o cabimento da tutela reivindicató ria. Na prá tica, se o proprietá rio tem a sua
disposiçã o a tutela possessó ria, o rito especial acaba sendo um rito mais célere, mais á gil
para a soluçã o do conflito. Mas o fato do proprietá rio ser possuidor nã o lhe retira
evidentemente a tutela petitó ria.

As faculdades inerentes ao domínio sã o aquelas do art. 1228, caput. Em relaçã o à


reivindicaçã o, há um ponto a ser abordado: A pretensão reivindicatória se sujeita à
prescrição extintiva?

Há uma primeira corrente, predominante (STJ), no sentido de que a pretensão


reivindicatória não se sujeita à prescrição extintiva. Na verdade, por essa posiçã o, o
que pode obstar a pretensã o reivindicató ria nã o é a prescriçã o extintiva, e sim a
prescriçã o aquisitiva (usucapiã o) em favor de outrem.

De tempos para cá surge uma segunda corrente, e dentre os adeptos temos CHAVES
e TEPEDINO, no sentido de que a pretensão reivindicatória se sujeita ao prazo
ordinário de prescrição, que é de 10 anos, vide artigo 205.

Um primeiro argumento é aquele segundo o qual onde a lei nã o distingue nã o cabe ao


intérprete distinguir. O art. 205 nã o faz qualquer distinçã o entre direitos reais e
obrigacionais (o CC/16 fazia distinçã o, e muitos dizem que pelo fato do CC/02 nã o fazer
mais distinçã o, o CC teria definido como imprescritível as pretensõ es reais; a outra
corrente diz que nã o, o CC teria apenas unificado).

49
Além disso, o objetivo da prescriçã o é a paz social, isto é, evitar a eternizaçã o dos conflitos,
sendo assim, a ló gica da imprescritibilidade seria resquício da era em que a propriedade
era valor absoluto. Dado o interesse pú blico na paz social, afastar a prescriçã o na demanda
reivindicató ria fazia sentido em um contexto em que o direito de propriedade era
absoluto; hoje, em um contexto em que esse direito é relativizado, nada justificaria a
imprescritibilidade.

Para o professor, dá para argumentar hoje em favor da segunda corrente que o que hoje é
imprescritível é a dignidade da pessoa humana, entã o hoje entender como imprescritível o
direito reivindicató rio seria como equiparar o direito de propriedade à tutela da pessoa
humana, e nada justificaria essa equiparaçã o.

Chaves usa também a figura da supressio, quer dizer, a inércia prolongada do proprietá rio
acabaria coma tutela jurídica correspondente (para o professor nã o seria necessá rio
invocar a supressio, porque nã o é a legítima expectativa que está em jogo, mas sim a
funçã o social da propriedade).

Essa segunda corrente ainda é minoritá ria, vejamos o porquê : Imaginemos que em
determinada situaçã o fá tica só seja aplicá vel a usucapiã o extraordiná ria do caput do art.
1238, que é de 15 anos. O proprietá rio está inerte há 11 anos. Depois de 11 anos ingressa
em juízo; se adotarmos a primeira corrente nã o há problema, o proprietá rio terá direito à
coisa, mas pela segunda corrente a pretensã o reivindicató ria nã o será acolhida. Entã o,
teremos um provimento jurisdicional que afastará a pretensã o reivindicató ria, manterá o
possuidor do bem, mas sem nenhum título jurídico. O contra-argumento da segunda
corrente é o de que a inobservâ ncia da funçã o social por si só nã o gera perda da
propriedade, porém, propicia a perda dos mecanismos de sua proteçã o. A propriedade
continua sendo daquele que perdeu a reivindicató ria, e o domínio estaria em favor do
eminente usucapiente. Teríamos um título jurídico que de antemã o já garante a usucapiã o
futura, a nã o ser que o sujeito largue o imó vel ou terceiro esbulhe (olhe que o terceiro que
esbulha afasta a usucapiã o, enquanto a reivindicató ria do proprietá rio nã o; as
consequências parecem iló gicas). Quer dizer, o direito de propriedade em sua concepçã o
formal permanece intacto, mas pode esvaziar o conteú do desse direito. Isso ainda causa
perplexidade, pois teríamos um direito de propriedade formal sem nenhuma completude
prá tica.

Chaves (isolado) defende que existe diferença entre domínio e propriedade: a propriedade
tem o aspecto formal, já o domínio estaria ao aspecto fá tico da propriedade, isto é, ao
efetivo exercício da faculdade jurídica. Entã o, neste caso, o proprietá rio seria aquele que
consta no registro e o dono do domínio seria o que está usucapindo. Ele defende,
isoladamente, que o mero preenchimento dos requisitos da usucapiã o nã o transfere a
propriedade, só o domínio. A propriedade só seria adquirida com o registro. [as duas
correntes nã o divergem na questã o de que a consumaçã o da aquisitiva obsta a pretensã o
reivindicató ria, a controvérsia é quando nã o há ].

A segunda corrente fala em propriedade esvaziada em seu conteú do. Isso nã o tem anda a
ver com propriedade fiduciá ria. Esta é aquela que existe com mero escopo de garantia, o
objetivo nã o é a efetiva transferência do exercício das faculdades jurídicas. Assim, a
propriedade fiduciá ria nã o deixa de ser relativamente esvaziada em seu conteú do prá tico,

50
só que ela nã o é uma propriedade totalmente vazia, porque tem por escopo a garantia. Por
exemplo, aquele veículo alienado fiduciariamente nã o responde na vigência da
propriedade fiduciá ria por dívidas do devedor fiduciante porque ele é de propriedade do
credor fiduciá rio. No entanto, ele também nã o responde por dívidas do credor, porque
aquela propriedade fiduciá ria tem por escopo a mera garantia, ou seja, é exemplo típico de
patrimô nio de afetaçã o. Outra consequência prá tica: obrigaçã o propter rem o credor nã o
responde (é uma obrigaçã o propter rem pela qual o proprietá rio nã o responde). É
relativamente esvaziado, mas porque tem a funçã o de garantia. No caso da segunda
corrente a propriedade se esvazia por completo, nã o tem nenhuma funçã o, é propriedade
apenas no aspecto formal. Nã o confundir.

Resposta à pergunta da aluna: O credor hipotecá rio, como em regra nunca teve posse,
terá que entrar com uma interpelaçã o qualquer ou com uma açã o ordiná ria pela qual
ressalta que o ú nico objetivo da açã o nã o é a retomada da posse, mas sim a interrupçã o da
prescriçã o.

OBS.: Há uma modificação em relação ao CC/16 do art. 1228 caput, parte final:
“possua ou detenha”. Entã o, em tese, o detentor possuiria legitimidade passiva para a
reivindicató ria. A controvérsia que surgiu aqui foi que: uma das hipó teses de nomeaçã o à
autoria é a hipó tese em que o detentor é citado e a nomeaçã o à autoria busca basicamente
a retificaçã o do polo passivo; está associada à ilegitimidade do polo passivo.

1ª CORRENTE (Câmara, Marco Aurélio Bezerra de Melo): O dispositivo na parte “ou


detenha” seria inconstitucional. Suponhamos que o proprietá rio ingresse com a
reivindicató ria exclusivamente contra o caseiro do esbulhador (detentor ao invés do
possuidor) e esse desprovimento jurisdicional desfavorá vel ao caseiro irá repercutir
diretamente na esfera do esbulhador (possuidor). Entã o essa possibilidade de manejar a
açã o em face exclusivamente do detentor (porque o CC fala em “ou”) violaria a ampla
defesa, devido processo legal e contraditó rio. Haveria violaçã o aos limites subjetivos da
coisa julgada.

2ª CORRENTE: Houve quem defendesse (já está superado) que o CPC prevê nomeaçã o à
autoria, que pressupõ e ilegitimidade passiva. Na medida em que o CC conferiu
legitimidade passiva ao detentor, teria havido a revogaçã o tácita da nomeaçã o à autoria
neste caso. O art. 1228, parte final revogou tacitamente o art. 62 do CPC. Passaria a ser
aplicada a denunciaçã o da lide.

3ª CORRENTE (predominante): é preciso distinguir a detenção autônoma da


detenção dependente. A detençã o dependente ocorre quando o detentor tem situaçã o de
dependência para com o possuidor. Exemplo de detençã o dependente: art. 1.198 (caseiro;
fâmulo da posse). É uma detençã o que se exerce diante de uma relaçã o de subordinaçã o,
isto é, é uma detençã o que deriva do possuidor; art. 1208, primeira parte (ato de mera
permissã o ou tolerâ ncia). Pra essas hipó teses de detençã o dependente nã o seria aplicá vel
o art. 1228 caput parte final; o detentor nã o teria legitimidade passiva, porque a decisã o
em face do detentor, na realidade, repercutiria na esfera jurídica do seu superior,
possuidor no caso.

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O dispositivo só se aplicaria para a detençã o autô noma, de que é exemplo o art. 1208,
parte final (atos violentos ou clandestinos), isto é, aqui a detençã o nã o é exercida sob
dependência, ao contrá rio, a detençã o é exercida ao arrepio do proprietá rio. Nestes casos
em que há violência recíproca, por exemplo, o proprietá rio já poderia desde logo requerer
a tutela em face do detentor.

2. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA X AQUISIÇÃO DERIVADA DE


PROPRIEDADE
Há uma posição isolada do CAIO MÁRIO de que só há aquisição originária quando a
pessoa é a primeira titular do bem; primeiro dono da coisa. Ou seja, ele associa à
perspectiva de originalidade de aquisiçã o do domínio. Nesse sentido, a usucapiã o seria
modo de aquisiçã o derivada. Tese superada!

Hoje o entendimento amplamente dominante é no sentido de que a aquisição é


originária quando não há a transferência da propriedade do antigo para o novo
dono. Ou seja, quando a propriedade nã o se encaixa em um ato de transmissã o, a
aquisiçã o é originá ria. Exemplo: na usucapiã o nã o há um ato de transmissã o, por isso é
aquisiçã o originá ria, porque o usucapiente adquire a propriedade por preencher os
requisitos legais. O STJ também já decidiu no sentido de que a hasta pú blica é aquisiçã o
originá ria – nã o há um ato de transferência do antigo dono para o arrematante; ela se dá
por determinaçã o judicial. Seria aquisiçã o derivada: compra e venda, doaçã o, etc. – há
transferência da propriedade.

EFEITOS PRÁTICOS:

(i) Em se tratando de aquisição originária não há incidência de imposto de


transmissão, porque não há o fato gerador.

Entã o, como se justifica o art. 945 do CPC? (está dentro do rito especial da usucapiã o) Este
artigo subordina o registro à s obrigaçõ es fiscais. Sã o as obrigaçõ es fiscais que nã o
abrangem o imposto de transmissã o, mas apenas as de natureza PROPTER REM (exemplo:
IPTU);

(ii) Diante de aquisição originária caem eventuais direitos reais


anteriormente incidentes sobre o bem.

Na usucapiã o de imó vel hipotecado, por exemplo, cai a hipoteca, usufruto, servidã o, direito
do promitente comprador. A sequela ou ambulatoriedade dos direitos reais só se aplica
diante de aquisiçã o derivada. (quem diverge disso de maneira isolada é o professor
Guilherme Calmon). Entã o, eventuais direitos reais anteriormente incidentes sobre a coisa
se desconstituem, porque da aquisiçã o originá ria surge um direito novo, desvinculado das
características anteriores.

O credor hipotecá rio pode fazer o que? O credor hipotecá rio nã o tem que assistir tudo de
camarote nã o, até porque quando cai a hipoteca ele vira credor quirografá rio. O art. 203
diz que a prescriçã o pode ser interrompida por qualquer interessado e, por outro lado, o
art. 1.244 diz que as regras sobre impedimento, suspensã o e interrupçã o da prescriçã o se

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aplicam à usucapiã o, entã o, à luz desses artigos podemos afirmar que qualquer
interessado (como o credor hipotecá rio) pode interromper o prazo de usucapiã o, como
qualquer titular de direito real anteriormente incidente sobre o bem, inclusive o credor
hipotecá rio. Entã o, a usucapiã o, nesse caso, vai depender da inercia nã o apenas do
proprietá rio, também do credor hipotecá rio ou qualquer outro titular de direito real.

Teve um julgado no STJ (RESP 941.464) que tratava da hipótese de credor


hipotecário. O STJ entendeu no sentido de que a mera execuçã o hipotecá ria pelo credor
nã o interrompe o prazo de usucapiã o (foi por maioria de votos). Quer dizer, o fato do
credor hipotecá rio exercer a açã o executiva, por si só , nã o descaracterizaria a inércia do
credor hipotecá rio em relaçã o à usucapiã o, porque entendeu o STJ que é preciso que o
credor hipotecá rio se insurja em face da posse do usucapiente, e pela execuçã o há apenas
o exercício de um direito de crédito. O tema é controvertido porque, de certa maneira, o
credor hipotecá rio que entra com a açã o executiva sai da inércia na verdade.

Os direitos reais caem, mas as obrigações PROPTER REM sobrevivem à aquisição


originária (confirma isso o art. 945, CPC). Entã o, se há uma servidã o de passagem, ela cai,
mas se há uma passagem forçada, ela subsiste, porque tem natureza jurídica de obrigaçã o
propter rem. Em relaçã o à s quotas condominiais, que tem natureza de obrigaçã o propter
rem, o STJ entende que neste caso, mas precisamente na hipó tese de hasta pú blica (é
aquisiçã o originá ria RESP 807.455), o STJ entendeu que o arrematante responde pelas
cotas condominiais pretéritas e, se for o caso, ele que exerça o direito de regresso. O art.
1.345 parece dar suporte a essa soluçã o.

OBS.: O STJ adotou uma posição diferente : no edital de praça não constava a
existência de débitos condominiais pretéritos, sendo assim, o arrematante tinha
uma legitima expectativa de não pagar cotas condominiais pretéritas, só que havia
cotas pretéritas. O STJ, em homenagem à legítima expectativa, aplicou por analogia o art.
130, pará grafo ú nico do CTN (diz que os débitos tributá rios se sub-rogam no preço da
arremataçã o), e com isso o STJ nã o atribuiu ao arrematante aquela cota condominial
pretérita. Veja que essa hipó tese é diferente de quando o condomínio dá uma certidã o de
quitaçã o e depois vem cobrar, porque neste caso é venire. (Informativo 479/STJ)

Em julgado recente, todavia, o STJ decidiu no sentido de que no caso de adjudicaçã o, o


adjudicante responde por débitos condominiais pretéritos, ainda que nã o constantes do
edital de praça. Informativo 559/STJ

OBS.: TJRJ: acabamos de falar que em se tratando de aquisiçã o originá ria, eventuais
direitos reais anteriores caem. Na prova da magistratura havia uma servidã o de passagem
exercida de um imó vel em favor do outro. Um terceiro usucapiu o prédio serviente. A
princípio, a consequência ló gica seria que cairia a servidã o de passagem, mas a questã o
deixou claro que o usucapiente no decorrer de sua posse sempre respeitou a servidã o de
passagem. Tantum prescriptum quantum possessum: a usucapião se consuma de acordo
com a maneira que a posse é exercida. Entã o, neste caso, excepcionalmente, a servidã o
de passagem permanece intacta mesmo diante da aquisiçã o originá ria.

Questão: a tutela reivindicatória se sujeita à prescrição extintiva?

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A posição dominante e adotada pelo STJ é no sentido de que a tutela reivindicató ria nã o
se sujeita à prescriçã o extintiva. Pode ser exercida pelo proprietá rio a qualquer tempo. O
que pode obstaculizar a pretensã o reivindicató ria pelo proprietá rio é a prescriçã o
aquisitiva em favor de outrem, ou seja, usucapiã o. Enquanto, nã o consumado o usucapiã o
em favor de outrem, o proprietá rio pode sempre se valer da pretensã o reivindicató ria.

2a corrente (CHAVES – posição minoritária): entende que se sujeita sim a prescriçã o


extintiva – prazo ordiná rio de 10 anos – art. 205 do CC. A imprescritibilidade da pretensã o
reivindicató ria seria um resquício da era em que o direito de propriedade era um valor
absoluto. Num contexto em que a propriedade é funcionalizada, ou seja, tem que ser
exercida em harmonia com a funçã o social, a relativizaçã o do direito de propriedade
impõ e a existência da prescriçã o extintiva, que teria o prazo ordiná rio de 10 anos. CHAVES
chega a falar em supressio para justificar a incidência da prescriçã o extintiva.

Qual é o problema dessa tese? Vamos pensar que num determinado caso concreto só seja
aplicá vel o prazo de usucapiã o extraordiná ria de 15 anos – art. 1238, caput – o
proprietá rio ingressa em juízo com uma pretensã o reivindicató ria em face daquele
possuidor em vias de usucapir o bem (já está lá há 11 anos). Pela 2 a corrente, qual é a
consequência? Prescriçã o da pretensã o reivindicató ria, ainda que nã o consumada a
usucapiã o em favor dos esbulhador. Entã o, nó s teríamos uma sentença que repudia a
pretensã o reivindicató ria com base na prescriçã o extintiva e que como consequência
garante ao possuidor permanecer no bem, sem qualquer título. Isso gera muita
perplexidade na doutrina e por isso nã o é aceito pelo STJ.

A 2a corrente alega que a inobservâ ncia da funçã o social da propriedade por si só nã o gera
a perda do direito de propriedade. Mas pode propiciar o esvaziamento dos mecanismos de
proteçã o do direito de propriedade.

A propriedade é presumidamente perpétua. Qual é a exceção que sempre chama


atenção em relação à perpetuidade da propriedade? É a chamada propriedade
resolúvel.

3. PROPRIEDADE RESOLÚVEL
Uma das características gerais da propriedade é a perpetuidade. A exceção a essa
característica geral se dá através da propriedade resolúvel. O tema está no CC no art.
1359 e 1360. Só que na verdade os temas aqui sã o diferentes, a despeito de
topograficamente parecer a mesma coisa.

O art. 1359 trata da propriedade resolú vel estrito senso. Então, temos a propriedade
resolúvel lato senso que se divide em:

(o que há comum é que ambas representam uma limitaçã o temporal ao direito de


propriedade)

1) PROPRIEDADE RESOLÚVEL ESTRITO SENSO (art. 1.359):


A limitação temporal aqui resulta de condição resolutiva ou termo final. A condiçã o
resolutiva ou termo final sã o elementos acidentais do negó cio jurídico anteriores à

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aquisiçã o do domínio. O sujeito já adquire a propriedade com a condiçã o resolutiva ou
termo final, ou seja, esse elemento acidental é pré-conhecido pelo adquirente.

Entã o, temos o proprietá rio resolú vel e o proprietá rio diferido (aquele que vai adquirir a
propriedade com o implemento da condiçã o ou do termo).

Ex.: doaçã o com cláusula de reversã o – art. 547 do CC – regra geral, se o donatá rio falece
depois de já adquirida a propriedade, aqueles bens para o sucessor do donatá rio. Com a
clá usula de reversã o, o que as partes pactuam? Se o donatá rio falecer antes do doador, os
bens nã o vã o para os sucessores do donatá rio, os bens voltam para o patrimô nio do
doador. E percebam que o pré-falecimento do donatá rio em relaçã o ao doador é condiçã o
resolutiva. Esse donatá rio tem faculdade jurídica de disposiçã o? Ele pode vender ou doar
esse bem para um terceiro, mesmo diante dessa condiçã o resolutiva?

Quem tem propriedade resolúvel tem ou não faculdade jurídica de disposição?

Quem tem a propriedade resolú vel pode praticar atos de disposiçã o (art. 1359). Só que
ninguém pode transferir mais direitos do que tem, entã o, quem tem propriedade resolú vel
transfere propriedade resolú vel. Entã o, o adquirente do bem vai se sujeitar à mesma
condiçã o resolutiva ou ao mesmo termo final. A condiçã o resolutiva ou termo final vã o
produzir efeitos ex tunc e erga omnes, porque atingem eventuais adquirentes da coisa.
Exemplo: doaçã o com clá usula de reversã o (Art. 547); por essa clá usula, que nã o se
presume, se o donatá rio falece antes do doador, os bens voltam para o doador. O donatá rio
pode praticar atos de disposiçã o, vender, por exemplo, para um terceiro, mas esse adquire
o bem dentro das mesmas circunstancias.

Perceba que o terceiro também vai adquirir propriedade resolú vel, mas para que o
terceiro tenha sua legítima expectativa preservada, é premissa à aplicaçã o do art. 1359
que a condiçã o ou termo estejam averbados no registro; ou em relaçã o à bem mó vel que o
terceiro saiba ou devesse saber. Se nã o for bem sujeito a registro, neste caso nã o se aplica
o art. 1359 em detrimento de terceiros de boa fé.

Art. 1499, III (hipoteca resolú vel; fazer remissã o). O proprietá rio resolú vel pode dar o bem
em hipoteca, mas a hipoteca também será resolú vel.

Fazer remissã o: o art. 1359. A condiçã o resolutiva ou termo final produzem efeitos ex tunc
e é exatamente o que diz o art. 128. Todos os direitos incompatíveis com aquela resoluçã o
se apagam.

Usucapião de propriedade resolúvel: a gente acabou de ver a usucapiã o é aquisiçã o


originá ria e em sendo aquisiçã o originá ria surge um direito novo, por isso inclusive que
eventuais direitos reais anteriormente incidentes sobre a coisa se desconstituem. Entã o,
num primeiro olhar, o que aparentemente nó s afirmaríamos? Se houver a usucapiã o sobre
a propriedade resolú vel, nó s tenderíamos a afirmar que o usucapiente adquire a
propriedade sem a condiçã o resolutiva ou termo final, porque a usucapiã o é aquisiçã o
originá ria; diferente da compra e venda, porque aqui é claro que o adquirente se
subordina à mesma condiçã o resolutiva ou termo final.

55
Só que nã o é bem assim! Em que pese a usucapiã o ser aquisiçã o originá ria, a posiçã o
amplamente dominante é no sentido de que o usucapiente também se subordina à
condiçã o resolutiva ou termo final.

Ex.: fideicomisso – grosso modo, temos o fideicomitente (testador); que transfere para o
fiduciá rio (que tem propriedade resolú vel) e com a implementaçã o da condiçã o resolutiva
ou termo final, aquela propriedade do fiduciá rio vai para o fideicomissá rio (proprietá rio
diferido – é aquele que será contemplado com o implemento da condiçã o resolutiva ou
termo final). Qual seria a circunstâ ncia fá tica aqui? O fideicomitente faleceu e o bem se
encontra sob a propriedade resolú vel do fiduciá rio; só que o fiduciá rio sumiu e um
terceiro preencheu os requisitos legais da usucapiã o, antes do implemento da condiçã o
resolutiva ou termo final. Vamos imaginar que o prazo da propriedade do fiduciá rio fosse
de 50 anos. E 20 anos depois o terceiro preenche os requisitos legais da usucapiã o.

Pela ló gica geral, o que nó s tenderíamos a afirmar? Que o terceiro adquiriria a


propriedade, sem o termo final ou condiçã o resolutiva. Mas na verdade nã o é bem assim.
Art. 1244 do CC c/c art. 199, I e II  percebam que aquela propriedade resolú vel do
fiduciá rio se subordina a condiçã o ou termo; o fideicomissá rio (proprietá rio diferido)
ainda nã o adquiriu a propriedade, porque há pendência de condiçã o ou o prazo nã o se
venceu. Se nã o corre prescriçã o contra o fideicomissá rio, também nã o corre prazo de
usucapiã o. Entã o, aquele que vem a usucapir propriedade resolú vel, vem a adquirir
propriedade resolú vel, em que pese a usucapiã o ser aquisiçã o originá ria de propriedade.

Exemplos de propriedade resolú vel: no fideicomisso o fiduciá rio tem propriedade


resolú vel; pacto de retrovenda – art. 505 a 508; art. 504 do CC; compra e venda com
reserva de domínio – art. 521; propriedade fiduciá ria do art. 1369 (é uma espécie de
propriedade resolú vel; nã o sã o sinô nimos, na propriedade fiduciá ria tem escopo a mera
garantia, enquanto nas outras espécies de propriedade resolú vel geralmente o
proprietá rio resolú vel tem todos os poderes da propriedade); propriedade superficiá ria.

2) PROPRIEDADE REVOGÁVEL OU AD TEMPUS (art. 1.360)


A limitação temporal ao direito de propriedade resulta de causa superveniente. Na
(1), aquele que adquire a propriedade já adquire desde a origem sujeita à condiçã o
resolutiva ou termo final; aqui nã o (2), a limitaçã o é superveniente. Desse modo, nã o
necessariamente essa causa é pré-conhecida por eventual terceiro adquirente. Em
homenagem à tutela da legítima expectativa desse terceiro adquirente de boa-fé, a
propriedade AD TEMPUS produz efeitos ex nunc, nã o atinge terceiros de boa fé.

Então, a grande diferença do art. 1360 x art. 1359 é que o art. 1360 resulta de causa
superveniente e por decorrer de causa superveniente, esta causa superveniente
produz efeitos ex nunc, não atinge terceiros adquirente de boa-fé.

Exemplo: faço uma doaçã o para ela e ela transfere aquele bem doado para ele e depois de
transferido aquele bem eu consigo revogar a doaçã o por ingratidã o, mas por ser causa
superveniente nã o atinge o terceiro de boa fé. Está tanto no art. 1360 quanto no art. 563.

Exemplo 2: exclusã o da sucessã o por indignidade. Imaginem um sucessor que tivesse feito
cessã o da herança e depois é excluído da sucessã o, nã o afetará o cessioná rio de boa fé.

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Enunciado 509 do CJF.

PERGUNTA: E a revogação da doação por inexecução do encargo? Imaginemos que o


donatá rio já tenha transferido o bem para um terceiro de boa-fé e depois dessa
transferência ocorre a revogaçã o da doaçã o por inexecuçã o do encargo. Qual seria a regra
jurídica aplicá vel?

A maioria da doutrina (STOLZE, CHAVES) defende que é aplicável por analogia a


sistemática da revogação por ingratidão, ou seja, art. 563 cc 1360 por analogia. A
inexecuçã o do encargo seria uma causa superveniente.

TEPEDINO discorda; para ele o ponto nodal é: o encargo é causa pré-existente ou


superveniente? É preexistente, porque o sujeito adquire o imó vel com o encargo já
previsto, em assim sendo aplica-se o art. 1359.

A questã o é delicada porque uma coisa é o encargo, outra coisa é a inexecuçã o do encargo.
O que gera revogaçã o nã o é o encargo, é a inexecuçã o do encargo. Se seguirmos essa linha
do TEPEDINO, passa a ser dever anexo do comprador fiscalizar se o encargo foi ou nã o
cumprido, porque o encargo é preexistente e a inexecuçã o é superveniente. Entã o, o
comprador, quando percebe que há o encargo averbado, tem que exigir do alienante a
comprovaçã o de que o encargo foi cumprido; a inobservâ ncia desse dever de diligencia
seria inobservâ ncia do dever anexo de cuidado. O tema é controvertido, porque dá pra
defender que como o encargo é pré-existente e a inexecuçã o superveniente, seria possível
aplicar o art. 1359 por analogia.

4. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL


O meio, por excelência, de aquisição da propriedade móvel é a tradição. A tradição
pode ser real ou ficta.

ESPÉCIES DE TRADIÇÃO:

1) TRADIÇÃO REAL: Efetiva entrega da coisa.

2) TRADIÇÃO FICTA: Sã o hipó teses em que o ordenamento jurídico presume a


entrega, há uma ficçã o jurídica. Modalidades:

a) Tradição ficta simbólica: Consiste na entrega das chaves e a intençã o de


transferir a propriedade, porque se nã o há a intençã o há apenas a
transferência da posse. Exemplo: locaçã o.

Mesmo em relaçã o a imó veis a tradiçã o produz efeitos jurídicos, porque através da
tradiçã o ocorre a transferência da posse em relaçã o a imó veis. Entã o, a tradiçã o nã o gera
transferência da propriedade, mas ela gera transferência da posse sobre bens imó veis.

Exemplo: um mineiro vê um anú ncio na internet de casa de veraneio em cabo frio. Ele vem
até o rio e recebe as chaves. No exato momento em que ele recebe as chaves há
desmembramento possessó rio. Ele passa a ter a posse direta ficta, mesmo sem nunca ter
ido ao bem. Entã o, a tradiçã o ficta simbó lica é exceçã o à sistemá tica geral. Quando falamos
em desmembramento possessó rio pressupomos que a posse direta tenha como base o

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efetivo poder de fato; posse direta é sinô nimo de posse imediata e nesse caso nó s teríamos
posse direta ficta em virtude da tradiçã o ficta simbó lica.

b) Tradição ficta LONGA MANU: Nela o bem é entregue a um terceiro de


acordo com as ordens ou instruçõ es do adquirente.

Exemplo: vou comprar determinada mercadoria que será entregue em 30 dias e digo ao
alienante para entregar a fulano no endereço x. Esse terceiro vai atuar como longa manu
do adquirente. Entã o, no exato momento em que o bem é entregue ao terceiro, gera
imediata transferência de posse a mim. Se estivermos falando de imó vel há entrega da
posse e da propriedade. Se quando a coisa está com esse terceiro há perda sem culpa do
bem, os riscos correm para o dono, já passam a ser suportados pelo adquirente, ainda que
jamais tenha tido contato com a coisa.

Atenção! Imaginemos que eu compro uma mercadoria que será entregue daqui a 30 dias.
O alienante me procura na data acordada, eu nã o estou na residência e um vizinho se
oferece para receber. Isso nã o é tradiçã o ficta longa manu, na verdade, neste caso, é
aplicá vel a sistemá tica da gestã o de negó cios (art. 861 a 875). A gestã o de negó cios se
parece com o mandato, porque o gestor também atua em nome e em favor de outrem. A
diferença é que o gestor atua em nome e em favor de outrem sem outorga de poderes, isto
é, sem que tenha recebido poderes para isso. Em regra, a conduta do gestor só vincula o
dono do negó cio se houver ratificaçã o. É claro que se for comprovado que a conduta do
gestor foi ú til e proveitosa, há ratificaçã o tácita (art. 869, nã o precisa falar em abuso do
direito porque há previsã o expressa), em consonâ ncia com a boa fé objetiva. Mas fato é
que no caso da gestã o de negó cios nã o há tradiçã o imediata, tem que haver a ratificaçã o,
seja ela expressa ou tácita. A princípio, se o bem falece antes da ratificaçã o (que produz
efeito ex tunc, mas é preciso que haja ratificaçã o) o bem perece para o alienante. Daria
para discutir se seria possível mitigar essa ló gica se a iminente ratificaçã o fosse a
ratificaçã o tácita.

Natureza jurídica da gestã o de negó cios: o legislador no CC/16 tratava do mandato e em


seguida vinha a gestã o de negó cios. Toda doutrina criticava muito, porque o contrato
pressupõ e prévio acordo de vontades e na gestã o nã o. Toda a doutrina criticava a natureza
contratual, entã o o CC/02 tirou da parte dos contratos e hoje nã o há nenhuma dú vida que
nã o tem natureza contratual, e sim de ato jurídico unilateral.

Ainda, a doutrina afirma que o gestor nã o pode praticar atos de disposiçã o, mas apenas
atos de administraçã o. O Pontes de Miranda e o Tepedino, dizem que excepcionalmente o
gestor pode praticar atos de disposiçã o no caso de necessidade e urgência. Exemplo:
suponhamos que eu tenha um imó vel e o vizinho, que tem determinada plantaçã o, está
viajando por muito tempo, fica claro que se nã o houver a comercializaçã o desses produtos,
o perecimento é iminente. Neste caso a gestã o de negó cios, é possível que eu pratique atos
de disposiçã o em nome e em favor do vizinho sem que eu tenha recebido poderes para
isso.

c) Tradição ficta BREVE MANU:

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Art. 1.267, p.u, parte final. Aqui o adquirente já exercia anteriormente o poder de fato
sobre a coisa. Entã o, no momento de aquisiçã o da propriedade nã o há efetiva entrega do
bem.

Exemplo: leasing se o arrendatá rio exerce a opçã o de compra. Remissã o deste artigo ao
art. 445, caput, parte final. Esse artigo trata da contagem do prazo para propositura das
açõ es edilícias. A princípio esse prazo flui a partir da entrega efetiva, porque só a partir
dela o adquirente pode perceber o vício. Mas esse artigo traz uma exceçã o na parte final
(“se já estava na posse” = tradiçã o ficta BREVE MANU).

d) CONSTITUTO POSSESSÓRIO: (É O QUE MAIS CAI!):

Regra geral, contrato de compra e venda e o A se obriga a entregar o bem para B


comprador no prazo de 30 dias. A descumpre a obrigaçã o de dar, em regra, o B, como
nunca teve posse, nã o tem tutela possessó ria contra o A. O que o B pode fazer é entrar com
açã o de imissã o de posse, que como é invocada no título, e nã o com base em posse pré-
existente, tem natureza petitó ria. Agora, se essa compra e venda tem a chamada
CLÁUSULA CONSTITUTE, que é o CONSTITUTO POSSESSÓRIO, a mera celebração do
contrato, por si só, gera a tradição ficta. Se for bem imó vel, a mera celebraçã o do
contrato vai transferir a posse; se for mó vel, a tradiçã o gera imediata transferência da
posse e da propriedade. Efeito prá tico: se o B tem posse desde que o contrato foi
celebrado, se A nã o entrega o bem o B tem tutela possessó ria contra o A. STJ: RESP
1158992 e enunciado 77. Tem previsã o legal no art. 1267, pará grafo ú nico, primeira parte.

Essa cláusula não se presume; tem que ter expressa previsão contratual.

PROVA: Havia uma compra e venda com clá usula CONSTITUTE e o enunciado deixava
claro que o vendedor quando celebrou o contrato nã o tinha posse, ele tinha sido
esbulhado. Como ninguém pode transferir mais direitos do que tem, entã o se o vendedor
nã o tem a posse no momento da celebraçã o do contrato, nã o há transferência da posse
para o comprador. O CONSTITUITE só transmite imediatamente a posse se o vendedor
tem a posse. Mas é claro que se depois o vendedor readquire a posse depois de celebrado
o contrato, essa retomada superveniente gera efeito ex tunc.

OBS.: Outra consequência disso é em relaçã o à teoria dos riscos. A questã o ganha
relevâ ncia se for bem mó vel. Se essa compra e venda envolve bem mó vel, se há a cláusula,
o B adquire imediatamente a posse e a propriedade. Entã o, se houver perda sem culpa do
bem, os riscos já sã o imediatamente suportá veis pelo B, ainda que se encontrem com o A
(isso dentro do prazo de 30 dias). Agora, ultrapassado o prazo de 30 dias, o A descumpre a
obrigaçã o de dar, na medida em que ele se constitui em mora passa a ser aplicado o art.
399, entã o, os riscos passam a ser suportados pelo alienante.

No CONSTITUTO POSSESSÓRIO o bem permanece com o alienante. A que título o


alienante fica com o poder de fato? Qual é a natureza jurídica do poder de fato do
alienante?

1ª CORRENTE (TUPINAMBÁ, JOSÉ ASSIR, MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELLO):


Alienante fica como mero detentor. Posse exclusiva em favor do comprador e detençã o em
favor do vendedor.

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2ª CORRENTE: no CONSTITUTO POSSESSÓ RIO há desdobramento possessó rio, isto é, o A
fica com a posse direta, enquanto o B fica com a posse indireta. Essa segunda corrente
parece vir em harmonia com a redaçã o do art. 1267, pará grafo ú nico (posse direta é
temporá ria e lícita).

OBS.: Sobre essa questão há uma tese isolada do TEPEDINO. Para ele, CONSTITUTO
POSSESSÓ RIO nã o se confunde com CLÁUSULA CONSTITUTE (para o resto da doutrina sã o
sinô nimos). Naquele, o alienante fica como mero detentor; já neste há desmembramento
possessó rio. Para que haja desmembramento possessó rio o TEPEDINO diz que é preciso
que haja duas manifestaçõ es de vontade: constitituto possessó rio (transferência da posse
exclusiva para o comprador) + locaçã o ou comodato (através deste o B transferiria a
posse). O Tepedino defende que a utilidade prá tica é que se for constituto possessó rio o A
só tem detençã o, nã o pode usar o bem. Se for cláusula constitute o A pode usar o bem.

Para o professor nã o parece que essa ló gica de poder ou nã o usar o bem é secundá rio. Para
o professor, seria possível sustentar que há desmembramento possessó rio, e o A fica na
posse direta do bem na qualidade aná loga de depositá rio, que presumidamente nã o pode
usar o bem. O fato de haver posse direta nã o é pressuposto para poder usar o bem.

OBS.: Vamos pensar na alienação fiduciária em garantia. O devedor fiduciante


transfere a propriedade para o credor fiduciá rio, mas quem fica com o bem é o devedor
fiduciante. Isso parece com o constituto possessó rio. Quando ele quita o mú tuo, o que
acontece é que o devedor fiduciante vai adquirir a propriedade, sendo que já exercia
anteriormente o poder de fato sobre a coisa, neste momento, entã o, haverá tradiçã o ficta
breve manu. Sendo assim, na alienação fiduciária temos as duas modalidades de
tradição ficta: o constituto possessório na ida e a tradição ficta breve manus na
volta. A doutrina traz o seguinte jogo de palavras: no constituto possessó rio, o sujeito que
exercia a posse em nome pró prio passa a exercer em nome alheio; já na tradiçã o ficta
breve manus ocorre o contrá rio: aquele que exercia em nome alheio passa a exercer em
nome pró prio.

AULA 34
OBS.: Art. 1228, §§ 4º e 5º: Trata-se de um meio de aquisição da propriedade imóvel.
Qual é a natureza jurídica?

1ª CORRENTE: usucapião coletiva. A grande crítica que recai aqui é a exigência de


pagamento de justa indenizaçã o do §5º, que seria incompatível com o instituto da
usucapiã o.

2ª CORRENTE: Trata-se de desapropriação. A grande crítica aqui é que quem paga a


indenizaçã o da desapropriaçã o e quem adquire a propriedade é o Poder Pú blico e em
nenhum momento o CC dá qualquer indício de que a indenizaçã o deverá ser suportada
pelo Poder Pú blico. O enunciado 84 do CJF, inclusive, assevera que a indenizaçã o tem que
ser paga pelos possuidores. Fato é que essa posiçã o do enunciado 84 foi parcialmente
revisto no enunciado 308 (fala do art. 1228; “nã o sendo os possuidores de baixa renda”)
(tese boa para DP e nã o para PGE), e os autores que defendem isso invocam o direito
social à moradia. Claro que dá para contra argumentar com a reserva do possível.

60
3ª CORRENTE (predominante): trata-se de um novo meio de aquisição de
propriedade que nã o se encaixa nas categorias jurídicas até entã o existentes. Enunciado
308 chama de “DESAPROPRIAÇÃO JUDICIAL” (não parte do poder executivo, mas do
provimento jurisdicional); há quem use a expressã o “desapropriação judicial
indireta”, porque o instituto parte de uma situaçã o de esbulho; há quem use a expressã o
“expropriação privada”.

4ª CORRENTE (minoritária – PABLO RENTERIA): trata-se de “acessão invertida


social”. As acessõ es representam meio de aquisiçã o da propriedade imó vel. Dentre as
espécies de acessã o as construçõ es sã o as que chamam mais atençã o. O que acontece
quando alguém constró i ou planta em solo alheio?

A acessã o invertida está prevista no art. 1255, pará grafo ú nico. A regra geral, que vem
desde o direito romano, é a de que SUPERFICIES SOLO CEDIT (art. 1255, caput), isto é,
aquele que constró i ou planta em solo alheio perde a titularidade sobre as construçõ es ou
plantaçõ es em favor do proprietá rio do solo – é uma consequência do principio da
gravitaçã o jurídica. Ou seja, o proprietá rio do solo adquire a propriedade sobre todas as
plantaçõ es/construçõ es realizadas em seu imó vel, até mesmo pelo princípio da gravitaçã o
jurídica (mesmo que o construtor esteja de boa-fé – nesse caso, será apenas indenizado).
Só que o nosso CC trouxe duas exceçõ es a essa regra geral, e uma delas é a acessã o
invertida (a outra é o direito de superfície, que veremos adiante). O que justifica a
acessão invertida do parágrafo único é a boa fé e o fato de que a construção tem um
valor consideravelmente maior que o valor do solo.

O que justifica, por sua vez, a aquisição no art. 1228 §4º é a função social da posse. A
acessão invertida aqui não se dá à luz de critérios econômicos, como no art. 1255,
mas em razão da função social da posse, por isso fala-se em acessão invertida social.
A posiçã o é boa, mas topograficamente o CC nã o estaria tratando do instituto como espécie
de acessã o, mas claro que esse nã o é um argumento infalível.

O §4º exige posse de boa fé.

Isso gera muita perplexidade, porque posse de boa fé (art. 1.201) é aquela em que o
possuidor ignora o vício (boa-fé subjetiva). Só que aqui é pressuposto ao §4º que nó s
tenhamos um nú mero considerá vel de pessoas exercendo a posse. Imaginem 50 pessoas
em posse de um imó vel tendo que ignorar o vício. Na prá tica, o dispositivo nã o seria
aplicá vel. Tem uma ponderaçã o do TEPEDINO dizendo que na verdade essa boa fé neste
caso pode ser interpretada de acordo com as circunstancias culturais dos possuidores.
Parece que essa expressã o estaria associada a uma ideia de erro de direito, isto é, admitir
que pessoas menos instruídas possam incorrer em desconhecimento da norma. Nã o
parece ao professor que isso seja suficiente, especialmente se nos lembrarmos que o
dispositivo exige o pagamento de justa indenizaçã o. A ideia de hipossuficiência cultural
seria incompatível com a exigência de pagamento de indenizaçã o pelos possuidores. Quer
dizer, a aquisiçã o aqui nã o é gratuita, é onerosa. O que vá rios autores afirmam é que a boa
fé do §4º nã o corresponde à boa fé do art. 1201 (enunciado 309). Os autores afirmam,
acrescentando ao enunciado, é que essa boa fé está relacionada diretamente à
função social da posse; a observância da função social da posse já preenche o
requisito de posse de boa-fé. Na realidade errou o legislador, pois nã o há razã o para se
exigir boa-fé na hipó tese do § 4o.

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§ 4o fala ainda em “imóvel reivindicado“  na literalidade do dispositivo seria o
seguinte: o proprietá rio ingressa com açã o reivindicató ria e os possuidores vã o alegar
esse institutos como matéria de defesa. É o que diz o enunciado 84/CJF.

Posteriormente, foi editado o enunciado 310/CJF dizendo que a expressã o “imó vel
reivindicado“ aqui tem que ser interpretada extensivamente, abrangendo os juízos
petitó rio e possessó rio. Se o proprietá rio ingressa com uma açã o possessó ria podem os
possuidores alegam o institutos como matéria de defesa em açã o possessó ria.

Mas isso nã o violaria o art. 1210, § 2 o do CC? Esse artigo estabelece uma absoluta
separaçã o entre os juízos possessó rio e petitó rio. Ninguém pode discutir propriedade em
sede de tutela possessó ria. Nã o haveria, entã o, violaçã o a esse artigo? Os autores afirmam
que nã o há violaçã o, porque através desse instituto se invoca propriedade através da
comprovaçã o da posse.

Posteriormente a isso saiu um outro enunciado 496/CJF permitindo aos possuidores


invocarem o instituto através de açã o autô noma. Entã o, o instituto pode ser alegado em
matéria de defesa, mas ele também pode ser provocado pelos possuidores através de açã o
autô noma.

Nelson Nery Junior traz mais uma possibilidade: nada impede que o proprietá rio se
depare com aquela situaçã o fá tica e perceba que já houve o preenchimento dos requisitos,
entã o nada impede ele ingresse em juízo somente com açã o indenizató ria, a discussã o será
sobre o quantum.

A aquisição é originária ou derivada?

1ª CORRENTE (minoritária – Marco Aurélio Bezerra de Mello): seria aquisiçã o


derivada, por conta do pagamento da justa indenizaçã o.

2ª CORRENTE: Aquisição originária (posição amplamente majoritária). O pagamento


de justa indenizaçã o é um requisito legal. A desapropriaçã o também pressupõ e o
pagamento de justa indenizaçã o e ninguém duvida que é aquisiçã o originá ria.

Nos manuais a pergunta geralmente é a seguinte: e se o imóvel se valoriza em


decorrência da atuação dos possuidores, será que ela é levada em conta da justa
indenização?

Nã o, pois haveria enriquecimento sem causa do proprietá rio. Parece que na prá tica vai
acontecer sempre o contrá rio, isto é, pode haver desvalorizaçã o do imó vel por ocupaçã o
irregular, entã o, a ló gica é a mesma – nesse caso, também nã o se leva em conta eventual
desvalorizaçã o. O Có digo Português trata do tema e diz que a indenizaçã o nã o deve levar
em conta a desvalorizaçã o ou valorizaçã o em decorrência da atuaçã o dos possuidores. No
direito brasileiro há o enunciado 240 – pode ser utilizado por analogia (porque nã o
necessariamente se leva em conta a valorizaçã o ou desvalorizaçã o do imó vel).

PGM/RJ: Seria esse instituto aplicável em face de bem público?

Originariamente o enunciado 83 dizia que nã o, porque o instituto seria incompatível com a


tutela diferenciada dos bens pú blicos. Esse entendimento foi parcialmente revisto pelo
enunciado 304, que prevê o cabimento do instituto em se tratando de bens pú blicos
62
dominicais. Até porque a premissa à aplicaçã o do instituto é que haja posse e, como visto,
o entendimento dominante é de que nã o cabe posse sobre bens pú blicos de uso comum e
especial, mas cabe em dominicais. Vale lembrar da medida provisó ria 2.020 que trata da
concessã o de uso especial para fins de moradia, que chega a falar em posse de bem pú blico
(ler depois a MP, porque é um ato vinculado da AP, preenchidos os requisitos; se a AP nã o
concede, cabe a via judicial. Os Estados e Municípios sustentam que a MP viola o pacto
federativo, porque nã o poderia uma MP impor atos vinculados em relaçã o a bens
municipais e estaduais. Para enfraquecer essa tese elencaram o uso especial para fins de
moradia no rol dos direitos reais do art. 1.225, CC. A matéria passa a ser de direito civil, aí
a competência é privativa da Uniã o. Nã o há perda da propriedade, mas a perda da posse.

5. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL


O meio por excelência de aquisição da propriedade imóvel é o registro.

Quando falando em sistema registral, existem três modelos de sistema registral:

1) Sistema registral brasileiro


2) Sistema registral francês
3) Sistema registral alemão

O sistema registral francês, assim como em Portugal, os contratos, por si só , transferem


a propriedade. Neste contexto, o registro tem natureza meramente declaratória.

Por outro lado, a singularidade do sistema registral alemão é a presunçã o absoluta de


veracidade do registro – é o chamado sistema da abstração da causa. Isso na Alemanha
faz sentido porque o registro lá tem natureza judicial; passa pelo crivo do contraditó rio e
da ampla defesa. O registro no direito brasileiro é abstrato? Regra geral nã o, mas no
direito alemã o sim, essa regra de presunçã o absoluta chama de abstraçã o da causa. Torna-
se imune a qualquer tipo de questionamento. Assim, ainda que se demonstre que houve
alienaçã o a non domino, aquela transferência nã o pode ser desfeita. O registro lá tem
cunho judicial, tem contraditó rio, ampla defesa. No direito alemã o, além da escritura de
compra e venda, as partes ainda tem que celebrar um contrato real autorizando o registro.

Esses dois modelos sã o sempre lembrados porque trazem peculiaridades em relaçã o ao


sistema brasileiro em que o registro tem natureza constitutiva. Exceções:

 Usucapiã o;
 Regime de bens (ex.: ele e ela sã o casados sob regime de comunhã o universal, mas
compram um imó vel que só é registrado no nome dele; no entanto, ambos sã o
proprietá rios);
 Desapropriaçã o (a AP adquire quando paga a indenizaçã o);
 Aluviã o e avulsã o (art. 1250 e 1251);
 Direito sucessó rio – herança (saisine).

Por outro lado, no direito brasileiro o registro goza de presunção relativa de veracidade
(Art. 1247, caput). Exceção: Registro TORRENS (goza de presunçã o absoluta),
disciplinado nos artigos 277 a 288 da Lei 6.015/73. Nesse sentido, enunciado 503.

5.1. USUCAPIÃO:
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Art. 1238 a 1244 do CC, sem prejuízo de outras disposiçõ es, inclusive constitucionais.

Usucapião é aquisição originária, com todas as consequências que já vimos – por


exemplo, não há incidência de ITBI. O art. 945 do CPC – se refere as obrigaçõ es fiscais
de natureza propter rem.

Por se tratar de aquisição originária caem/se desconstituem direitos reais


anteriormente incidentes sobre o bem.

Não cabe usucapião sobre bens públicos – CF, art. 183, § 3º e art. 191, pará grafo ú nico
c/c art. 102 do CC.

Essa impossibilidade, a princípio, não abrange empresas publicas e sociedades de


economia mista, porque são pessoas jurídicas de direito privado. Exceção: O que nã o
podemos perder de vista aqui é a sistemá tica dos bens públicos por afetação. Pode um
bem que pertença à empresa pú blica ou sociedade de economia mista ser tratado como se
pú blico fosse em virtude da afetaçã o. Entã o, em se tratando de bem pú blico por afetaçã o é
descabida a usucapiã o. Enunciado 287 e RE 200906 e RESP. 242073.

Terras não registradas:

Em geral, os publicistas afirmam que os imó veis nã o registrados sã o presumidamente


pú blicos, porque na origem todos os bens eram pú blicos e a ausência de registro geraria
presunçã o de que tais terras continuariam pú blica. A consequência seria a impossibilidade
de usucapiã o. (a verdade é que a maioria dos publicistas sã o advogados pú blicos) – nã o é
essa a tendência do STJ.

O STJ entende que na ausência de registro opera-se presunçã o relativa em favor do


particular, cabendo ao poder pú blico demonstrar a sua titularidade. RESP 964.223.

PERGUNTA: Cabe usucapião sobre bem gravado com cláusula de inalienabilidade?

Antes da CF/88 quem enfrentava o tema em ultima instancia era o STF. E ele entendia no
sentido da impossibilidade. A mudança na titularidade do bem pela usucapiã o seria
incompatível com a clá usula. Pó s CF/88 o STJ pacificou o entendimento no sentido
contrá rio, pelo cabimento de usucapiã o. A clá usula proíbe a aquisiçã o derivada, o que nã o
é incompatível com a usucapiã o por se tratar de aquisiçã o originá ria. Só nã o caberá, neste
caso, usucapiã o ordiná ria (Art. 1242), porque a clá usula impede a configuraçã o do justo
título. O art. 1393 prevê que o usufruto é inaliená vel e, por outro lado, o art. 1391 prevê
usucapiã o de usufruto, ou seja, a inalienabilidade não impede a usucapião (esse parece
ser um argumento legislativo, diz o professor).

A sentença de usucapião tem natureza meramente declaratória – art. 1.238 e 1241.


De maneira ainda mais nítida, art. 167, I, item 28 da Lei 6.015/63 (o legislador aqui fala de
sentença declarató ria de usucapiã o) e súmula 237 do STF (ATENÇÃ O! o STJ já se
posicionou no sentido de que nã o se aplica a essa sú mula o artigo 193 do CC, este artigo
excepciona o princípio da eventualidade. O STJ afirmou que esse artigo só se aplica a
prescriçã o extintiva e nã o à aquisitiva. RESP 761911. Entã o, se quiser arguir usucapiã o em
defesa tem que ser na contestaçã o).

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Em se sabendo que a sentença tem natureza meramente declaratória, é sabido que
ela vai produzir efeitos EX TUNC, mas retroage até que momento?

1ª CORRENTE: Até pouquíssimo tempo atrá s era pacífico que retroagia até o momento em
que todos os requisitos legais foram preenchidos (quase todo mundo diz que o
usucapiente adquire a propriedade a partir do momento em que preencheu os requisitos).

2ª CORRENTE: Só que de uns tempos para cá surgiu uma segunda corrente (LENINE
NEQUETE, MARCO AURÉ LIO E CHAVES), no sentido de que a sentença retroage ao
primeiro dia da posse. Há um julgado do STJ que adotou essa 2 a posiçã o AgRg no AI
1319516.

Efeitos práticos:

1) Possuidor de má fé nã o tem direito aos frutos percebidos. Entã o, imaginemos que


antes de consumado o prazo de usucapiã o, o usucapiente que era possuidor de má fé
havia percebido frutos. Se ficarmos com a primeira corrente, aquele usucapiente
possuidor de má fé terá que indenizar todos os frutos percebidos até o
preenchimento; se adotarmos a segunda corrente, o usucapiente, ainda que possuidor
de má fé, se exoneraria de indenizar quaisquer frutos, ainda que anteriores à
consumaçã o do prazo.

2) Vamos imaginar que o usucapiente, antes de consumado o prazo, tivesse concedido


direito reais a terceiros. Se entendermos pela 1ª corrente, seriam direitos reais
concedidos a non domino; adotando a segunda, todos os direitos reais foram
legitimamente concedidos. Portanto, essa tese pode ser ú til nã o só para o usucapiente
como também para a tutela de terceiros. Essa 2 a corrente vem ganhando destaque
porque vem em consonâ ncia com a teoria da aparência, que tutela a legítima
expectativa de terceiros.

PERGUNTA: Súmula 263 do STF. Que possuidor é esse? O possuidor não é o autor da
ação, como vai ser citado? A ló gica da sú mula é a seguinte: na açã o de usucapiã o há
citaçã o por edital (toda sociedade integra o polo passivo), mas os confinantes (vizinhos)
tem que ser citados pessoalmente. Para mover a açã o de usucapiã o é pressuposto que o
usucapiente esteja exercendo a posse no momento da propositura? Nã o, o que se discute
na açã o de usucapiã o é se o usucapiente já preencheu ou nã o os requisitos. Entã o, esse
possuidor a que se refere a sú mula nã o é o possuidor usucapiente, e sim eventual terceiro
que esteja exercendo a posse sobre o bem no momento da propositura da açã o. Ou seja, se
o confinante tem que ser citado pessoalmente, com mais razã o o eventual terceiro que
esteja exercendo a posse no momento da propositura da açã o.

PERGUNTA: É aplicável a teoria da saisine no caso de herança jacente?

Temos um proprietá rio e um sujeito em vias de consumar a usucapiã o. O proprietá rio


falece um dia antes de consumado o prazo, sem deixar herdeiros e sem ter feito
testamento. Anos depois a herança será declara jacente e lá na frente o bem vai para o
Município. Vejam que se aplicarmos o princípio da saisine no caso de herança jacente, se o
proprietá rio faleceu um dia antes de consumado o prazo, nã o vai ter usucapiã o, porque
aquele bem passou a ser pú blico um dia antes de consumado o prazo. Nã o é esse o

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entendimento do STJ. O STJ entende pela inaplicabilidade da saisine, neste caso. Vejam que
em nã o se aplicando a teoria da saisine aquele bem passa a ser passível de usucapiã o.
Argumentos: a teoria da saisine beneficia os herdeiros e no caso de herança jacente o
Poder Pú blico nã o é herdeiro, e sim sucessor obrigató rio (se o Município é contemplado
no testamento se aplica a teoria da saisine, ou seja, nã o é o fato de ser o poder Pú blico, mas
de ser herança jacente) e a redaçã o do art. 1.222: “passarã o” (parece repudiar a teoria da
saisina). STJ RESP 253.719.

Art. 1244  fala que as regras sobre impedimento, suspensão e interrupção da


prescrição se aplicam à usucapião. Vimos a aplicaçã o prá tica desse artigo em relaçã o ao
art. 203. Outro exemplo que cai muito: imaginemos que temos um proprietá rio e um
usucapiendi. Na iminência da consumaçã o do prazo de usucapiã o o proprietá rio falece e
pela teoria da saisine a propriedade é imediatamente transferida para H1 H2 H3.
Imaginemos que H1 tenha 10 anos de idade. Sabemos que nã o corre prescriçã o contra
absolutamente incapaz, entã o nã o corre usucapiã o contra ele. A duvida é se essa causa
suspensiva do prazo também beneficia H2 e H3. Sim, por aplicaçã o por analogia do artigo
201, parte final. A herança é indivisível, entã o essa causa beneficia. O prazo voltaria a fluir
aos 16 anos, porque nã o corre prescriçã o contra absolutamente, contra relativamente
incapaz corre; ou volta a fluir se houver partilha definindo a divisã o entre H1, H2 e H3. A
utilidade prá tica aqui: vamos imaginar que antes dos 16 anos aquele bem vá para o H2, se
entendermos que aquela causa suspensiva beneficia H1 e H3, o H2 vai ter dois dias para
interromper o prazo; se entendêssemos que nã o beneficiaria H1 e H3 a usucapiã o já
estaria consumada. Entã o eles se beneficiam no sentido de que o prazo continua suspenso
em favor deles, entã o eles terã o oportunidade de se insurgir contra a usucapiã o caso
inclusive o bem venha a ser partilhado para ele.

Ver informativo 569 – RESP 1.106.809  o STJ deixou claro que aquela regra segundo a
qual a prescriçã o extintiva deve ser decretada de ofício nã o se estende à usucapiã o.

Art. 1243: ACESSIO POSSESSIONES/ACESSIO PRAESCRIPTIONES

A possibilidade de somar o tempo de posse do antecessor para fins de usucapião. O


pró prio art. 1.243 faz remissã o para o art. 1207, porque este artigo disciplina
genericamente a sucessã o na posse. Enunciado 317 (ler! Importante para prova mú ltipla
escolha): Inaplicabilidade da ACESSIO POSSESSIONES na usucapião rural e urbana .
Isso porque os requisitos dessas usucapião são de ordem personalíssima.

Para prova dissertativa há uma exceção ao enunciado: art. 9º, §3º da Lei 10.257/01
(quando a sucessã o na posse se opera dentro do pró prio nú cleo familiar). É claro que o
estatuto da cidade se dirige, a princípio, a usucapiã o urbana, mas é aplicá vel por analogia à
usucapiã o rural.

USUCAPIÃO PARCIAL

Imaginemos que tenhamos uma hipó tese de composse. A, B e C sã o compossuidores (nã o


sã o coproprietá rios) em via de usucapir. Vamos imaginar que o prazo seja de 10 anos, e
eles estejam há sete anos exercendo o poder de fato em conjunto. O A expulsa o C e
expulsa o B e passa a partir daquele momento a exercer a posse em cará ter de

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exclusividade. Esse período anterior de composse será computado em favor de A para
fins de usucapião da totalidade do bem? Seria possível aplicar aqui a tese da sucessão
na posse? Porque pela sucessã o na posse o “A” somaria o tempo de posse do B e do C para
fins de usucapiã o (art. 1207). Nã o dá pra aplicar, porque só há sucessã o na posse no caso
de sucessã o derivada de posse; nã o há sucessã o no caso de esbulho, de aquisiçã o
originá ria. Mas dá para pensar no seguinte (José Salles): mesmo antes quando havia
composse, qual a essência da composse? Todos exercem em conjunto o poder de fato
sobre toda a coisa. Entã o A, desde a origem, já exercia o poder de fato sobre todo bem (nã o
em cará ter de exclusividade, mas já exercia). Entã o, a partir do momento em que ele
esbulha o que muda é que ele passa a exercer sozinho, mas ele já exercia em cará ter de
indivisã o, entã o é possível pela teoria da composse.

[observaçã o: o exemplo mais nítido de usucapiã o parcial é a do usucapiã o conjugal].

DIREITO INTERTEMPORAL (tema novo que ainda não caiu)

Art. 2.028. Enunciado 50 do CJF.

O art. 2028 é regra geral, e aí as pessoas diziam que o art. se aplicava nã o somente à
prescriçã o em geral, mas também a prazos de usucapiã o, porque a lei nã o restringiu. [O
que se dizia antes é que seria duvidosa a aplicaçã o do 2028 à prazo decadencial, isso
porque a decadência gera perda do direito, isto é, o direito potestativo nasce com um
prazo dentro do qual o direito deve ser exercido, entã o o prazo integra a pró pria estrutura
do direito potestativo neste caso, entã o nã o poderia uma lei superveniente reduzir um
prazo de decadência, sob pena de violaçã o ao direito adquirido, porque o titular daquele
direito tem direito adquirido em exercer naquele tempo]. Salvo as hipó teses do art. 2029,
que trata de duas hipó teses específicas do usucapiã o. Só que vem o enunciado 564 da
ú ltima jornada do CJF. Parece discutível. Isso porque o prazo de CC/16 diminuiu no CC02.
Aí fica a seguinte perplexidade: caiu de 20 para 15. Como fica o proprietá rio que antes
tinha 20 anos e agora só tem 15? Diz o enunciado que ele vai ter que se insurgir no
período de vacatio legis. É discutível, porque a vacatio é justamente para que as pessoas se
preparem para a tutela dos seus direitos. Parece violar a segurança jurídica. E mais. O
caput destes artigos nã o está associada à teoria socioló gica da posse, entã o nem serve a
justificar o tratamento diferenciado.

 Usucapião extraordinária (art. 1238)


Art. 1.238  O primeiro requisito é posse ininterrupta ou contínua. Imaginemos que
sou um possuidor em via de usucapir e alguém pratica um esbulho possessó rio. A
principio a posse deixaria de ser ininterrupta ou contínua, mas se eu consigo reaver o bem
prontamente por autodefesa (art. 1210), a retomada do bem pelo usucapiente através da
autodefesa nã o descaracteriza a posse como ininterrupta ou contínua.

Art. 1224: pode exercer a autodefesa uma semana depois e ainda assim a posse ser
considerada ininterrupta e contínua.

É claro que se é possível manter esse cará ter pela autodefesa, por mais razã o pela liminar
prontamente. Se obtém prontamente a liminar também é possível aplicar a mesma ló gica.
Nã o é qualquer liminar. Uma liminar 06 meses depois nã o é possível aplicar essa ló gica; a

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autodefesa pressupõ e que seja prontamente, entã o a liminar também tem que ser
imediata. Se a liminar nã o for imediata também dá para aplicar a supressio.

Outro requisito é a posse mansa e pacífica.

Como se afasta a mansidão e pacificidade da posse?

Requisitos: que haja propositura de açã o judicial (é preciso que um terceiro proponha
açã o judicial questionando a posse) e, além disso, (vale lembrar que o direito de açã o é
abstrato, nã o é suficiente só a propositura) transito em julgado favorá vel ao demandante.
Esse trâ nsito em julgado retroage a qual momento? Quando falamos em posse mansa e
pacífica estamos falando na inércia do proprietá rio, e o proprietá rio sai da inércia quando
propõ e a açã o, entã o retroage à data da propositura da açã o.

Embargos no RESP 54388. Pouco antes de consumar o prazo de usucapiã o o proprietá rio
ingressou com uma açã o em juízo, só que esse processo foi extinto sem resoluçã o de
mérito e logo apó s o proprietá rio entrou com outra açã o, só que quando fez isso o prazo
para usucapiã o já havia consumado, quando do ingresso da segunda demanda. O STJ disse
que esse trâ nsito em julgado retroage a data da propositura da primeira açã o, porque na
realidade o que está em jogo aqui é a inércia ou nã o do proprietá rio. Informativo 298.

Há uma tese do Tupinambá Miguel de Castro que traz uma exceção a essa
sistemática. Imaginemos que um proprietá rio ingresse em juízo antes de consumado o
prazo de usucapiã o e haja transito em julgado com a improcedência da pretensã o do
proprietá rio, mas a improcedência resulta do fato de que o proprietá rio ingressou com
açã o possessó ria sem nunca ter tido posse (via inadequada, teria que ter movido açã o
petitó ria). Ele defende que neste caso em que fica claro que foi improcedência resulta
apenas do fato de que o proprietá rio se valeu de via inadequada, o proprietá rio saiu do
estado de inércia, e mesmo essa sentença de improcedência teria o condã o de afastar a
usucapiã o. Seria uma exceçã o à sistemá tica da regra geral.

Chaves defende que a interpelaçã o judicial também interrompe o prazo. O professor acha
que essa posiçã o tem que ser bem compreendida. A interpelaçã o judicial por si só nã o
parece interromper o prazo, porque a interpelaçã o nã o tem nenhum cunho decisó rio.
Parece que o certo é se o proprietá rio interpela e depois entra com uma açã o, a demanda
superveniente em que haja o reconhecimento do direito do autor, retroagirá à data da
interpelaçã o.

Outro requisito é o “ANIMUS DOMINI” – quem tem posse direta nã o tem animus domini.
Nã o esquecer do tema inversã o/interversã o da posse, que vimos acima, enunciado 237 do
CJF; discussã o se a posse precá ria pode ou nã o levar à usucapiã o – ex.: o sujeito é locatá rio
e terminou o contrato de locaçã o e ele notifica ao proprietá rio do imó vel que mesmo findo
o contrato nã o sairá do bem. O proprietá rio fica inerte. A dú vida é se 30 anos depois esse
ex-locatá rio pode alegar usucapiã o.

Ler RESP 1.501.272.

Outro requisito é que a posse seja prolongada. No caso da usucapiã o extraordiná ria:

 O prazo do caput é de 15 anos

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 O pará grafo ú nico prevê uma redução desse prazo de 15 para 10 anos em
homenagem à teoria socioló gica da posse.

Os manuais trazem como requisito que tenhamos bem hábil. Isto é, de nada adianta o
preenchimento dos requisitos anteriores se estamos diante de bens pú blicos ou coisas
inapropriá veis, por exemplo.

Lembrando que a usucapião extraordinária não pressupõe boa-fé nem justo título.
Logo, poderá usucapir nessa modalidade o possuidor de má-fé e sem justo título
(inclusive no caso de redução do prazo do paragrafo único).

 Usucapião ordinária (art. 1242)


Requisitos gerais:

 Posse ininterrupta e contínua


 Mansa e pacífica
 ANIMUS DOMINI
 Prazo de 10 anos (podendo ser reduzido para 05 anos)

O que há de peculiar é a exigência de justo título e boa fé.

A posse de boa fé consta do art. 1201, isto é, é aquela que o possuidor ignora o vício (boa-
fé subjetiva).

Atenção: Locatá rio, por exemplo, que está no exercício da posse dentro do prazo
contratual e obedecendo aos termos do contratos. Tem posse de boa-fé ou de má-fé? Nesse
caso, essa classificaçã o nã o é aplicá vel! Se a posse preenche todos os requisitos legais essa
classificaçã o é inaplicá vel, porque há posse de boa-fé quando o possuidor ignora o vício; se
nã o há vício, inaplicá vel a classificaçã o. O que podemos fazer em alguns casos é aplicar por
analogia a proteçã o do possuidor de boa-fé.

O justo título é o título há bil em tese à aquisiçã o de propriedade. “em tese” porque se
tivesse efetivamente transferido a propriedade nã o estaríamos discutindo a usucapiã o.
Exemplo: compra e venda; doaçã o; legado; arremataçã o; adjudicaçã o; mandato em causa
pró pria (art. 685) (tem por escopo a transferência de propriedade, e nã o a transferência
dos poderes de administraçã o).

Manifestações de justo titulo:

a) Alienação a non domino:

Se eu celebro uma compra e venda, sou o suposto comprador e ela a suposta vendedora, o
nome dela está averbado junto ao registro. Fazemos uma escritura pú blica e a princípio
temos uma compra e venda que teria o condã o de transferir a propriedade. Se 11 anos
depois aparece o proprietá rio e comprova que ela nã o era dona, minha tese defensiva vai
ser a usucapiã o ordiná ria. Isto é, o justo título vai ser a compra e venda feita por escritura
pú blica averbada junto ao registro. [em relaçã o à alienaçã o a non domino no direito
brasileiro, no que se refere a bens mó veis temos uma regra excepcionalíssima, que é o art.
1268, caput. É específico para bem mó vel. O que inspira esse art. é a teoria da aparência,

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princípio da boa fé objetiva. Percebam que em relaçã o a imó veis a sistemá tica continua
sendo a de antes. Art. 1.247, p.u: independentemente da boa fé. Alienaçã o a non domino
jamais terá o condã o de transferir a propriedade. Tepedino observa que o legislador foi
progressista em relaçã o a mó veis, mas conservador em relaçã o a imó veis, mas houve
alguma progressã o em relaçã o a imó veis no pu do art. 1242. Se por um lado nã o há
transferência de propriedade na alienaçã o a non domino de bens imó veis, por outro o
legislador permitiu a reduçã o do prazo da usucapiã o ordiná ria no art. 1242, pu no caso de
alienaçã o a non domino onerosa, desde que cumprida a funçã o social da posse. O prazo em
geral é de 10 anos, o pu abaixa para 05 anos.

Em relaçã o ao pu do art. 1242, temos o enunciado 569 do CJF, da ú ltima jornada. Em regra,
o que acontece na maioria dos casos, o usucapiende já adquiriu a propriedade pelo
preenchimento dos requisitos mas no registro nã o consta o usucapiende como dono, mas
sim o proprietá rio. Para alterar o registro se exige que o usucapiende ingresse com
usucapiã o em juízo. A mera arguiçã o da usucapiã o em defesa (veremos melhor adiante),
em princípio, nã o propicia a mudança no sistema registral, só que neste caso do art. 1242
pu a situaçã o é diferente porque quem consta como dono junto ao registro já é o
usucapiende.

b) Invalidade do ato de transferência:

Imaginemos que a compra e venda ou doaçã o é considerada de modo superveniente


invá lida. Neste caso, desde que preenchidos os requisitos legais, aquele que adquiriu o
bem através desse ato de transferência invá lida poderá adquirir o bem por usucapiã o,
desde que desconhecesse o vício, porque se é ele pró prio que dá causa à invalidade fica
descaracterizada a boa fé, premissa da usucapiã o ordiná ria.

c) Erro no modo de aquisição (tese do Orlando Gomes):

Hipó tese de vicio de forma associado ao erro de direito. Imaginemos que haja uma cessã o
de herança por instrumento particular e o cessioná rio, por desconhecimento, por falta de
cultura e etc. realmente acredita que aquela cessã o lhe transferiu os direitos sucessó rios.
Se sustenta que o erro no modo de aquisiçã o, especialmente no caso de vício de forma em
que haja boa fé, propiciaria a alegaçã o de justo título e consequentemente a usucapiã o
ordiná ria. É uma interpretaçã o elá stica porque o justo título é o título há bil em tese à
aquisiçã o da propriedade e uma cessã o de herança por instrumento particular nã o seria,
mas há uma mitigaçã o aqui.

 Usucapião especial rural ou pro labore


Art. 1.239 do CC; art. 191, CF/88 e Lei 6969/81.

 Prazo de 05 anos
 Não ser o usucapiente proprietário de qualquer outro imóvel (urbano ou
rural).

Vale lembrar que o que se exige é que o usucapiende nã o seja proprietá rio de qualquer
outro imó vel dentro do período aquisitivo de 05 anos. Passados esses 05 anos se o
usucapiende vem a adquirir outro imó vel isso nã o desnatura a usucapiã o porque a

70
sentença tem natureza meramente declarató ria. Esse dispositivo parece ser um resquício
do sistema feudal, porque o sujeito nã o pode ter um imó vel de 30 mil, mas pode ter
300000 na conta.

 Área não superior a 50 hectares.

Vamos imaginar que o usucapiende venha exercendo a posse de uma á rea de 150 hectares.
Passado o tempo ele requer a usucapiã o de 50 hectares. Cabe? 1ª CORRENTE (Marco
Aurélio Viana): defende o cabimento, eis que respeitado o limite exigido pela CF e pelo CC.
2ª CORRENTE (majoritá ria): enunciado 313 CJF. Argumentos: intepretaçã o literal (“possua
como sua”: o pró prio CC exige que a posse recaia sobre á rea inferior a 50 hectares) e
interpretaçã o teleoló gica (por que que a usucapiã o especial rural está na CF/88? O
objetivo é mitigar as desigualdades sociais. Muitos chegam a afirmar que seria um
instrumento de fomento à reforma agrá ria, entã o na verdade busca beneficiar pequenos
possuidores, sendo assim, nã o se prestaria a beneficiar quem possui mais que 50
hectares).

Há uma discussã o super delicada que nã o tem definiçã o. Imaginemos que o INCRA tenha
fixado um mó dulo rural mínimo em 30 hectares. Essa atribuiçã o do INCRA de fixar mó dulo
rural está no art. 65 da Lei 4.504/64. Há matéria de ordem pú blica aqui, por razã o de
ordem pú blica o INCRA pode dizer que em determinada á rea nã o se admite propriedade
inferior a X hectares. Imaginemos que em determinada á rea há um imó vel com 25
hectares. Cabe usucapiã o dessa á rea que obedece o teto constitucional, mas desobedece ao
mó dulo rural? 1ª CORRENTE: Cabe, eis que respeitadas as exigências constitucionais,
entã o nã o poderia a legislaçã o infraconstitucional afastar a usucapiã o quando a pró pria
CF/88 elenca requisitos e esses sã o obedecidos. 2ª CORRENTE: Descabe. Essa atribuiçã o
de fixar o mó dulo rural do INCRA está associado à funçã o social da propriedade. A
inobservâ ncia do mó dulo rural permite a desapropriaçã o do imó vel. Nã o faria nenhum
sentido permitir a usucapiã o de um imó vel que possa ser desapropriado e de um imó vel
que nã o observa a funçã o social, que é exigida pela pró pria CF. Enunciado 12. Quem
defende essa tese costuma sustentar a aplicaçã o por analogia do artigo 1º, pu da Lei
6969/81 (esse artigo já contemplava a usucapiã o especial rural antes da CF/88 e antes
dela o limite era de 25 e a CF ampliou; entã o é claro que quando o art. 1º restringe a á rea
até 25 ele foi revogado pela CF. Só que o §1º estabelece que o imó vel que ainda que maior
que esses 25, se obedecer o mó dulo rural vai caber usucapiã o, porque respeitada a funçã o
social da propriedade. A melhor interpretaçã o desse pu agora é: se a matéria está na CF, é
evidente que o imó vel a ser usucapido nã o pode ser superior a 50 hectares, porque a
matéria agora é de índole constitucional; mas como o dispositivo demonstra que a matéria
é de observâ ncia do mó dulo rural é matéria de ordem pú blica, a contrario sensu, o imó vel
nã o pode ser inferior ao mó dulo rural).

 Tornar a propriedade produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo


nela sua moradia

Enunciado 317 do CJF: Inaplicabilidade da ASSESSIO POSSESIONES, ou seja, art. 1243, à


usucapiã o especial rural e urbana. Isso porque os requisitos sã o personalíssimos. Esse
enunciado pode ser mitigado na hipó tese do art. 9º, §3º da Lei 10.257/01. Estatuto da
Cidade. Vimos lá em cima.

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 Usucapião especial urbana:
Art. 1240, CC e art. 9º da Lei 10257/01 e art. 183, CF.

É muito parecida com a usucapião especial rural.

 Prazo de 05 anos
 Que não seja proprietário de qualquer outro imóvel (urbano ou rural)
 Utilização para sua moradia ou de sua família

Pergunta: O sujeito preencheu todos os requisitos legais da usucapiã o especial urbana


hoje. E aí 03 meses depois ele vem a adquirir um imó vel por herança. Isso nã o
descaracteriza a usucapiã o, já que esta tem natureza meramente declarató ria. Entã o, o
importante é que o sujeito nã o seja proprietá rio de outro imó vel dentro do período
aquisitivo de 05 anos.

O que há de peculiar é: o legislador diz que a área urbana tem que ser de até 250 m 2.
Isso está tanto na CF quanto no CC.

Temos questões importantes com relação a isso:

Vamos dizer que o sujeito esteja exercendo a posse sobre uma área de 500 m 2. Aí no
5o ano, ele preencheu todos os demais requisitos, exceto pelo limite má ximo de extensã o
de 250 m2. Só que ele alega que só quer usucapir 250m2. Ou seja, a posse recai sobre uma
á rea maior, mas ele quer usucapir apenas o limite de extensã o previsto na CF e no CC.
Cabe usucapião especial urbana nesse caso?

1a corrente: (MARCO AURELIO VIANA) defende que sim, desde que respeitado o limite de
extensã o exigido (250m2).

2a corrente: (é a tendência – enunciado 313/CJF) nã o, por duas razõ es: porque a usucapiã o
especial rural e urbana estã o na CF? Porque ambas sã o instrumentos de mitigaçã o das
desigualdades sociais. Ou seja, busca proteger pequenos possuidores. Entã o, a regra nã o se
prestaria a proteger alguém que exerce posse sobre uma á rea de 500m2. Isso iria contra a
ratio legis. Além disso, podemos falar em uma intepretaçã o literal; a letra fria da lei requer
que a posse recaia sobre á rea de até 250m2.

Outra questão que surge é se esse limite se aplicaria ao apartamento, uma vez que
um apartamento de 250 m2 é muito além do que se precisa para o mínimo
existencial.

Marco Aurélio Viana defende a inaplicaçã o do instituto, porque iria de encontro à ratio do
dispositivo.

O entendimento vencedor é pela aplicabilidade. Enunciado 85 do CJF. A uma porque onde


a lei nã o restringe, nã o cabe ao intérprete restringir. Só que, além disso, tem o argumento
legislativo, o art. 9º do Estatuto da Cidade. Esse artigo fala em “á rea ou edificaçã o urbana”.
Esse enunciado, inclusive, que se restringe à á rea interna, nã o comporta a á rea externa.
Para o professor talvez fosse interessante trazer um limite má ximo para uma á rea
edificada e outro para nã o edificado.

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E se tivermos uma casa/área edificada dentro de um terreno? Como se computa?

1ª CORRENTE (Marco Aurélio Bezerra de Melo): Somató rio da metragem do terreno com a
á rea construída.

2ª CORRENTE (Chaves): só computa a metragem do terreno.

3ª CORRENTE (CRG): Deve ser levado em conta a metragem do terreno e da á rea


construída, sem somató rio. Quer dizer, o terreno tem que ser de até 250 m2 e a á rea
construída também.

Toda a discussão que vimos sobre o módulo rural também vale para a questão do
módulo urbano fixado pela legislação urbanística. Pode ser que a legislaçã o
urbanística estipule um mó dulo inferior a 250m2 em determinada regiã o. RE 422.349. Na
usucapiã o especial rural também temos o limite má ximo de 50 hectares. Qual é a
discussã o que existe lá , mas que também se projeta aqui? O INCRA tem atribuiçã o para
fixar o mó dulo rural mínimo, que busca evitar o minifú ndio improdutivo. Vejam que isso
também se aplica para usucapiã o urbana porque o município também pode fixar um
modulo urbana mínimo em sua lei orgâ nica por razoes de interesse social. A CF e o CC
dizem que a á rea nã o pode ser superior a 50 hectares e vamos dizer que o modulo mínimo
fixado pelo INCRA seja de 30 hectares. Cabe usucapiã o sobre á rea de 20 hectares? Ou seja,
á rea que respeito o limite de 50 hectares fixados pela CF e pelo CC, mas que inobserva o
modulo rural mínimo de 30 hectares.

Há uma corrente que entende que nã o caberia usucapiã o especial nesse caso ,por conta de
funçã o social da propriedade. O imó vel que nã o observa o modulo rural mínimo, inobserva
a funçã o social da propriedade. E inclusive imó veis que inobervam o modulo rural mínimo
sã o passíveis de desapropriaçã o. Nã o seria possível a aplicaçã o de uma modalidade
especialíssima de usucapiã o em favor daquele que inobserva a funçã o social. Enunciado
312 do CJF.

Só que recentemente o STJ decidiu que cabe sim usucapião nesse caso – o que
importa é a observância do teto constitucional. RESP 1.040.296.

E se na pendencia da aquisição do bem o usucapiende adquire uma propriedade


resolúvel? Em uma interpretaçã o literal diríamos que nã o cabe. Em uma interpretaçã o
teleoló gica é possível sustentar o cabimento especialmente se a propriedade resolú vel
resulta de termo final, porque o termo final é evento futuro e certo.

Questão super importante aqui é a seguinte: imaginemos que o proprietá rio ingresse
com uma açã o reivindicató ria em face do usucapiende. A sú mula 237 permite que o
usucapiende argua a usucapiã o como matéria de defesa.

[observaçã o: o STJ já decidiu que em relaçã o a esta sú mula nã o se aplica o art. 193 do CC,
porque esse artigo só se aplica a prescriçã o extintiva, nã o se aplica à aquisitiva RESP
761911. Entã o aqui se aplica a regra geral do artigo 303 do CPC, princípio da
eventualidade, tem que alegar na contestaçã o].

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O juiz julga improcedente a reivindicatória com base na usucapião alegada em
defesa. Essa sentença pode ser levada a registro em favor do usucapiende,
considerando que o usucapiende apenas arguiu o instituto como matéria de defesa?

Vale consignar que o artigo 7º da Lei 6969/81 e art. 13 da lei 10.257/01 explicitamente
permitem. Esses artigos tratam de usucapiã o especial rural e urbana.

Nó s temos vá rios autores, em regra os processualistas, que defendem que esses


dispositivos sã o incompatíveis com a CF/88 por violarem o devido processo legal,
contraditó rio e ampla defesa. Isso porque a açã o de usucapiã o tem rito especial e mais,
uma das características do rito especial é o litisconsó rcio passivo necessá rio. Toda
coletividade está no polo passivo da açã o de usucapiã o. Há citaçã o por edital, inclusive,
com intervençã o do MP. Isso porque uma vez registrada a sentença de usucapiã o no
registro essa sentença produz efeitos erga omnes, entã o toda a coletividade tem que estar
no polo passivo em homenagem aos limites subjetivos da coisa julgada. E vejam que
naquele caso teremos uma sentença que vai produzir efeitos sobre toda coletividade sem
que ela tenha integrado o polo passivo. Tem burla aos limites subjetivos da coisa julgada.

Os civilistas, por outro lado, em resposta a isso, têm como posiçã o predominante o
enunciado 315 do CJF. Efeito prá tico, toda aquela discussã o que gerava em torno da
usucapiã o especial rural e urbana, agora abrange todas as modalidades, porque este artigo
é regra geral. O enunciado para nã o ter problemas com os limites subjetivos da coisa
julgada ressalva os interesses daqueles que nã o participaram da relaçã o judicial. Diz que
cabe sim, mas o registro nã o vincula terceiros. Mas a utilidade do registro é exatamente a
oponibilidade erga omnes, e nesse caso teremos um registro sem oponibilidade erga
omnes.

Essa discussão não se aplica se a usucapião é alegada como matéria de defesa em


ação de usucapião movida por terceiro. Assim, Tupinambá Miguel de Castro e José
Carlos de Morais Salles defendem que nada disso se aplica se a usucapiã o for alegada em
matéria de defesa em açã o de usucapiã o movida por terceiro, porque neste caso foram
respeitados os limites subjetivos da coisa julgada e respeitado o rito especial da açã o de
usucapiã o. Imaginemos que ele tenha ingressado com uma açã o de usucapiã o sobre
determinado imó vel e eu ingresso no polo passivo dessa açã o alegando que na verdade o
usucapiende nã o é ele, sou eu, ele nunca exerceu a posse, quem exerceu fui eu. Veja que
nada disso se aplica aqui, porque se o juiz julga improcedente com base na minha arguiçã o
em defesa, todo o rito da açã o de usucapiã o especial foi observado.

Nova modalidade de usucapião especial urbana no art. 1240-A, CC – USUCAPIÃO


ESPECIAL URBANA POR ABANDONO DE LAR (nã o muito importante para PGE, mas é
para defensoria e magistratura). É hipó tese de USUCAPIÃO ENTRE EX CÔNJUGES. Ler
enunciados 498 a 502 do CJF. É uma usucapiã o entre condô minos oriundos do direito de
família. O imó vel pertencia aos dois; um deles abandona o lar de maneira injustificada. O
cô njuge ou companheiro que permanece no bem fica com a posse exclusiva. O CC prevê
que esse cô njuge ou companheiro que permanece no imó vel pode usucapir a parte do
outro. É um espécie de usucapiã o entre condô minos do direito de família.

Nã o há limitaçã o de á rea prevista no dispositivo. Vimos que com a usucapiã o cai eventual
hipoteca. Mas esse caso é peculiar, porque temos um imó vel que é necessariamente de co-

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titularidade dos cô njuges. Imaginemos que aquele imó vel esteja hipotecado, mas para ter
hipoteca sobre aquele imó vel ou o pró prio usucapiende concedeu a hipoteca ou autorizou.
Parece ao professor que neste caso se usucapiende argui que cai a hipoteca que ele
pró prio concedeu ou anuiu seria venire, entã o a hipoteca permanece. O prazo aqui é curto
por abandono do lar. Quando toda a sistemá tica do direito de família contemporâ neo
aponta para cada vez menos importâ ncia da culpa, a família nã o é mais absoluta. A culpa
passa a ser cada vez menos relevante no direito de família, e aqui há uma espécie de
sançã o à quele que abandona o lar, parece ir na contramã o.

 Usucapião coletiva
Art. 10, Estatuto da Cidade.

O legislador exige que:

 Área urbana seja superior a 250m2,


 Ocupada por população de baixa renda,
 Para fins de moradia,
 Há pelo menos 05 anos.
 Os usucapientes não podem ser proprietários de qualquer outro imóvel.

Pergunta típica de prova oral: no art. 10 está dito “onde nã o for possível identificar os
terrenos ocupados por cada possuidor” = composse. Qual a modalidade de usucapião
que necessariamente gera condomínio? Usucapião coletiva, porque é sua premissa a
composse. Esse condomínio gerado pela usucapião coletiva tem um regime
diferenciado no §4º, art. 10. Condomínio especial indivisível. Regra geral, é direito
potestativo de qualquer condô mino exigir a extinçã o parcial do condomínio e aqui o art.
diz que é indivisível, salvo deliberaçã o de 2/3.

O art. 10 que trata da usucapiã o coletiva está dentro da sessã o que trata da aquisiçã o
especial de imó vel urbano. É uma modalidade de usucapiã o especial urbana, mas na CF só
cabe usucapiã o especial urbana para imó vel até 250 m2, mas o art. diz o oposto. Houve
quem sustentasse a inconstitucionalidade do dispositivo, mas essa tese já foi superada. A
uma porque o art. 182 da CF prevê que a funçã o social da propriedade terá suas diretrizes
gerais fixadas por lei (a usucapiã o coletiva está em sintonia com a funçã o social). Na
usucapiã o coletiva surgirã o fraçõ es ideais em favor dos condô minos, o que se sustenta é
que a á rea total do imó vel tem que ser maior que 250 m2, mas a á rea ideal, em uma
interpretaçã o conforme a CF, nã o pode ser superior a 250m2. É uma interpretaçã o
conforme a CF e também em sintonia com o art. 2º, §3º da MP 2.020/01.

 Usucapião administrativa:
Art. 60 da lei 11.977/09. Lei que trata do Projeto Minha Casa Minha Vida
(legitimação de posse). Esse artigo diz que depois de 05 anos de registro da legitimaçã o
de posse, se transforma em usucapiã o por via administrativa. Ou seja, o oficial do registro
está autorizado a reconhecer a usucapiã o, ou seja, o oficial do registro vai transferir a
propriedade, independentemente de decisã o judicial.

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É importante destacar que a legitimação de posse pode recair sobre bens públicos
ou particulares. O entendimento amplamente dominante é de que essa usucapiã o
administrativa só pode recair no caso de legitimaçã o de posse de bens particulares; se a
legitimação de posse recair sobre bens públicos não há usucapião administrativa
por força de óbice constitucional – veda usucapião de bens públicos.

A defensoria defende que a hipó tese nã o seria de usucapiã o, mas um novo meio de
aquisiçã o da propriedade se aplicando em bens pú blicos também, mas essa tese nã o vinga.

 Usucapião sobre outros direitos reais


Vimos a usucapiã o até aqui sempre recaindo sobre direito de propriedade, mas é
unanime que se admite usucapião sobre outros direitos reais, que não a
propriedade.

 Usucapião do domínio útil na enfiteuse:

Na enfiteuse nó s temos o titular do domínio ú til e temos o nu-proprietá rio. O titular do


domínio ú til na prá tica é como se fosse o dono. Quais são as restrições suportadas pelo
titular do domínio útil? Foro anual e laudêmio. (o nu-proprietá rio tem direito de
preferencia para a aquisiçã o do domínio ú til; se o titular quer transferir o domínio ú til a
um terceiro e o nu-proprietá rio nã o exerce o direito de preferencia o laudêmio é uma
contrapartida pelo nã o exercício do domínio ú til ao nu-proprietá rio)

Muitas vezes o nu-proprietá rio é o poder publico. Temos vá rios imó veis pú blicos que sã o
objetos de enfiteuse. Ex.: Imaginemos que o titular do domínio ú til (um particular
qualquer) desaparece e um terceiro preenche todos os requisitos legais para usucapiã o.

Cabe usucapião do domínio útil do enfiteuta considerando que o bem é público


(poder publico como nu-proprietário)?

Miguel Reale, posiçã o já superada, defende que nã o cabe por força da vedaçã o
constitucional. Hoje o entendimento amplamente dominante é pelo cabimento da
usucapiã o do domínio ú til, porque vejam que essa usucapiã o nã o recairá contra o Poder
Pú blico, mas sim em face do particular. Sob um prisma prá tico é bom para a AP, porque ela
vai receber o foro anual e no caso de eventual alienaçã o receberá o laudêmio. RE 218324 e
RESP 575572.

 Usucapião de servidão aparente

Art. 1379. A servidão aparente é aquela que se manifesta por obras exteriores, ou
seja, é perceptível a olho nu. Uma servidã o de aqueduto, por exemplo, é uma servidã o
aparente; já a servidã o paisagística é nã o aparente (passa a titularizar o direito real de que
aquele vizinho nã o vai edificar aquela paisagem); servidã o de transito pode ser aparente
(passarela) ou nã o aparente (exerce a passagem em um caminho nã o existente; sú mula
415 do STF). Exemplo: Concessã o a non domino de servidã o aparente. Ela concede para
mim, imó vel vizinho, uma servidã o de passagem, construo uma passarela, e aí 12 anos
depois o verdadeiro proprietá rio aparece e comprova que ela nã o era dona. Minha tese
defensiva é usucapiã o da servidã o de passagem, porque até entã o eu vinha exercendo a
posse do direito de passagem.

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O pu do art. 1379 diz que a se a usucapiã o for extraordiná ria o prazo é de 20 anos. Tem
alguma coisa errada aí, nã o? À época do prazo de CC/16 o prazo má ximo era de 20; hoje é
de 15. Nã o faz sentido ser de 20 do direito real. Enunciado 251. O legislador esqueceu, há
que se fazer uma interpretaçã o sistemá tica com o art. 1238 caput.

 Usucapião de usufruto

Art. 1391. Como alguém vai usucapir só o direito de usufruto sem usucapir a propriedade?
É a hipó tese típica da hipó tese de concessã o a non domino de usufruto. Exemplo: o
suposto proprietá rio me concede usufruto de sua propriedade. 15 anos depois o
verdadeiro proprietá rio aparece. Alego usucapiã o de usufruto. Meu animo nã o era de
proprietá rio, mas de usufrutuá rio.

 Cabe usucapião de passagem forçada? Art. 1285

A passagem forçada pressupõe o encravamento do imóvel. Se o imó vel nã o tem acesso


à via pú blica o juiz vai lá e impõ e. Imaginemos que em um determinado momento cessa o
encravamento, mas continua com a passagem forçada. Será que ele pode requerer a
usucapião da passagem forçada diante da inércia? Não, porque a passagem forçada tem
natureza jurídica de obrigação propter rem, direito de vizinhança e só cabe
usucapião de direito real. Como consequência, se alguém vem a usucapir um imó vel
sobre o qual tem passagem forçada, a passagem forçada subsiste, porque é obrigaçã o
propter rem. E faz sentido porque a passagem forçada pressupõ e necessidade.

Se lermos o art. 1285 afirmaríamos que o CC exige o encravamento absoluto para a


passagem forçada. Os clá ssicos diziam que sim, mas hoje há uma nova perspectiva para o
instituto. Imaginemos que haja um acesos a via pú blica, mas ele é extremamente penoso e
perigoso. Nã o há necessidade ai? Sem dú vida, em homenagem à tutela da dignidade da
pessoa humana. Por outro lado, se esse acesso nã o permite o atingimento da funçã o social
da posse e da propriedade, nã o permite a exploraçã o econô mica do bem, também há
necessidade, à luz da funçã o social da posse e da propriedade. Enunciado 88 do CJF. Nã o é
que nã o mais se exige a necessidade, se exige sim, mas ela deve ser interpretada à luz da
dignidade da pessoa humana e da funçã o social.

FIM

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