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DA SUCESSÃO EM GERAL

A palavra “sucessão”, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa
assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens.

Numa compra e venda, por exemplo, o comprador sucede ao vendedor, adquirindo


todos os direitos que a este pertenciam.

A ideia de sucessão, que se revela na permanência de uma relação de direito que


perdura e subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares, não ocorre
somente no direito das obrigações, encontrando-se frequente no direito das
coisas, em que a tradição a opera, e no direito de família, quando os pais decaem
do poder familiar e são substituídos pelo tutor, nomeado pelo juiz, quanto ao
exercício dos deveres elencados nos arts. 1.740 e 1.741 do Código Civil.

Nas hipóteses mencionadas, ocorre a sucessão inter vivos


No direito das sucessões, entretanto, o vocábulo é empregado em sentido
estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, ou
seja, a sucessão causa mortis.

O referido ramo do direito disciplina a transmissão do patrimônio, ou seja, do


ativo e do passivo do de cujus ou autor da herança a seus sucessores.

O direito das sucessões trata da transmissão do patrimônio da pessoa física


em razão de sua morte. Aproxima-se, de um lado, do direito das coisas, por
versar sobre a propriedade dos bens deixados; de outro, do direito de
família, porque os sucessores são, normalmente, familiares do morto.

( Fábio Ulhoa Coelho)


A expressão latina de cujus é abreviatura da frase de cujus
sucessione (ou hereditatis) agitur, que significa “aquele de cuja
sucessão (ou herança) se trata”.

Herança é a universalidade ou totalidade dos direitos e obrigações


abstratamente considerados que integram o patrimônio deixado
pelo sucedido, em face da sua morte, suscetíveis de transmissão
aos seus respectivos herdeiros.
Direito das sucessões, segundo Binder, citado por Orlando Gomes, é:

“a parte especial do direito civil que regula a destinação do patrimônio


de uma pessoa depois de sua morte”.

Refere-se apenas às pessoas naturais. Não alcança as pessoas jurídicas,


uma vez que não têm a natureza de disposições de última vontade os
preceitos estatutários que regulam o destino do patrimônio social.

Clóvis Beviláqua, por sua vez, conceitua o direito das sucessões como:

“o complexo dos princípios segundo os quais se realiza a transmissão


do patrimônio de alguém que deixa de existir”
Evolução Histórica

O direito sucessório remonta à mais alta antiguidade, sempre ligado à


ideia de continuidade da religião e da família.

Em Roma, na Grécia e na Índia, a religião desempenha, com efeito, papel


de grande importância para a agregação familiar. Cabe ao herdeiro o
sacerdócio desse culto.

O conhecimento da evolução histórica do direito das sucessões torna-se


mais nítido a partir do direito romano.
A Lei das XII Tábuas concedia absoluta liberdade ao pater familias de dispor dos
seus bens para depois da morte. Mas, se falecesse sem testamento, a sucessão se
devolvia, seguidamente, a três classes de herdeiros: sui, agnati e gentiles.

1. Os heredi sui et necessarii eram os filhos sob o poder do pater e que se tornavam sui
iuris com sua morte: os filhos, os netos, incluindo-se também, nessa qualificação, a
esposa.

2. Os agnati eram os parentes mais próximos do falecido. Entende-se por agnado o


colateral de origem exclusivamente paterna, como o irmão consanguíneo, o tio que fosse
filho do avô paterno, e o sobrinho, filho desse mesmo tio. A herança não era deferida a
todos os agnados, mas ao mais próximo no momento da morte (agnatus proximus).

3. Na ausência de membros das classes mencionadas, seriam chamados à sucessão os


gentiles, ou membros da gens, que é o grupo familiar em sentido lato, era chamados à
sucessão na ausência de membros das classes mencionadas.
Somente no Código de Justiniano, todavia, a sucessão legítima passa a
fundar-se unicamente no parentesco natural, estabelecendo-se a seguinte
ordem de vocação hereditária:

a) os descendentes

b) os ascendentes, em concurso com os irmãos e irmãs bilaterais;

c) os irmãos e irmãs, consanguíneos ou uterinos;

d) outros parentes colaterais

Conheceram os romanos, ainda, a sucessão testamentária por diversas


formas e compreensiva de todo o patrimônio do testador. Tinham eles
verdadeiro horror pela morte sem testamento.
O direito germânico desconhecia, porém, a sucessão testamentária. Só os
herdeiros pelo vínculo de sangue eram considerados verdadeiros e únicos
herdeiros (heredes gignuntur, non scribuntur).

Com a Revolução Francesa, aboliu-se o direito de primogenitura e o


privilégio da masculinidade, de origem feudal.

Na França, desde o século XIII fixou-se o droit de saisine, instituição de origem


germânica, pelo qual a propriedade e a posse da herança passam aos
herdeiros, com a morte do hereditando — le mort saisit le vif.
O Código Civil francês, de 1804 — Code Napoléon —, diz, no art. 724, que os
herdeiros legítimos, os herdeiros naturais e o cônjuge sobrevivente recebem
de pleno direito (son saisis de plein droit) os bens, direitos e ações do defunto,
com a obrigação de cumprir todos os encargos da sucessão.

No Código Civil alemão — BGB, arts. 1.922 e 1.942, seguindo o direito


medieval, afirma-se, igualmente, que o patrimônio do de cujus passa ipso jure,
isto é, por efeito direto da lei, ao herdeiro.
Com a promulgação do Código Napoleão, mantêm-se a unidade sucessória e
a igualdade de herdeiros do mesmo grau, estabelecendo-se, entretanto, uma
distinção entre herdeiros (parentes do morto) e sucessíveis.

Assim, na França, a linha de vocação hereditária inicia-se com:

1. Os herdeiros (filhos e descendentes; ascendentes e colaterais privilegiados


— pai, mãe, irmãos, irmãs e os descendentes destes —, demais
ascendentes e seus colaterais — a princípio até o 12º grau, posteriormente
até o 4º grau apenas), e,

2. Na falta destes, completa-se a vocação com os sucessíveis (filhos então


tidos como naturais, o cônjuge sobrevivo e o Estado)
O princípio da saisine foi introduzido no direito português pelo Alvará de 9
de novembro de 1754, reafirmado pelo Assento de 16 de fevereiro de 1786.

A influência da codificação francesa do início do século XIX fez-se sentir,


com efeito, em nossa legislação, mesmo antes do diploma de 1916.

A legislação pré-codificada previa linha de vocação hereditária formada


pelos descendentes, ascendentes, colaterais até o 10º grau, e só
posteriormente o cônjuge supérstite e, por fim, o fisco.

A Lei n. 1.839, de 1907, inverteu a posição do cônjuge sobrevivente com os


colaterais, limitando o direito destes ao 6º grau — limite mantido no Código
de 1916. Em razão de alteração posterior, determinada pelo Decreto-Lei n.
9.461, de 15 de julho de 1946, reduziu-se a vocação dos colaterais ao 4º
grau, limite mantido no Código Civil de 2002 (art. 1.829, IV, c/c o art. 1.839).
A Constituição Federal trouxe duas importantes disposições atinentes ao
direito sucessório: a do art. 5º, XXX, que inclui entre as garantias
fundamentais o direito de herança; e a do art. 227, § 6º, que assegura a
paridade de direitos, inclusive sucessórios, entre todos os filhos, havidos ou
não da relação do casamento, assim como por adoção.

Por fim, a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, instituiu o vigente Código


Civil, apresentando, como mencionado, inúmeras inovações, destacando-se
a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário e concorrente com
descendentes e ascendentes.
Fundamento do direito das sucessões

O fundamento da transmissão sucessória apresenta variações conforme o


momento histórico que se esteja a analisar e a corrente de pensamento a que se
queira filiar.

1. O primeiro fundamento da sucessão foi de ordem religiosa.

2. Quando, todavia, a propriedade passa a ser individual, o fundamento da


sucessão desloca-se para a necessidade de conservar o patrimônio
dentro de um mesmo grupo, como forma de manter poderosa a família,
impedindo a divisão de sua fortuna entre os vários filhos.

3. Para alguns autores, como Cimbali, D’Aguano e Carlos Maximiliano, o


fundamento do direito das sucessões repousa na continuidade da vida
humana, através das várias gerações.
Para Orlando Gomes não é preciso recorrer, porém, à construção artificial
para justificar o direito hereditário. A sucessão mortis causa encontra sua
justificação “nos mesmos princípios que explicam e justificam o direito de
propriedade individual, do qual é a expressão mais enérgica e a extrema,
direta e lógica consequência. Esse, o seu fundamento racional.”

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka apresenta como fundamento


pertinente para o Direito das Sucessões a necessidade de alinhar o
Direito de Família ao direito de propriedade, eis que “o fundamento da
transmissão causa mortis estaria não apenas na continuidade pa-
trimonial, ou seja, na manutenção pura e simples dos bens na família
como forma de acumulação de capital que estimularia a poupança, o
trabalho e a economia, mais ainda e principalmente no ‘fator de pro-
teção, coesão e de perpetuidade da família.”
DEBATE

O direito sucessório tem sofrido, todavia, numerosas impugnações,


especialmente dos jusnaturalistas e escritores da escola de Montesquieu e
Rousseau, ao argumento de que a sucessão, como a propriedade, constitui
pura criação do direito positivo, que este pode consequentemente eliminar,
logo que isso interesse às conveniências sociais.

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Em posição oposta situam-se os que defendem a transmissão hereditária,
assentando a riqueza da nação sobre a riqueza individual, ou defendendo a
transmissibilidade dos bens como meio de desenvolver a poupança e de
assegurar na descendência a continuação dos valores acumulados,
estimulando o trabalho e a economia.
Conteúdo do direito das sucessões

A Constituição Federal assegura, em seu art. 5º, XXX, o direito de herança.

E o Código Civil disciplina o direito das sucessões em quatro títulos, que


tratam, respectivamente, da sucessão em geral, da sucessão legítima, da
sucessão testamentária e do inventário e partilha
“A herança dos sábios tem sempre maior extensão
e perpetuidade que a dos ricos: compreende o
gênero humano, e alcança a mais remota
posteridade.”

(Marquês de Maricá)

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