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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS INSTITUTOS

Institutos 
Três institutos:
- família
- sucessões
- direito penal

Estamos situados em 1143 - fundação da nacionalidade (Portugal como reino independente).

Instituto​: conjunto de regras de direito que através de uma pluralidade de fontes vão reger/
disciplinar a família.

FAMÍLIA
A definição oscila em função das latitudes consideradas, temos de nos situar num
determinado espaço/tempo. Importa definir, é um conceito sociológico, para além de jurídico
e tem de ser enquadrado num determinado contexto histórico.

→ Émile Durkheim: ideia de ​clã (formado por um conjunto de elementos, não por terem entre
si um grau de parentesco; consideram-se família em virtude de provir de um antepassado
comum ou por se considerarem provenientes do mesmo deus). ​O clã agrupa a comunidade
de pessoas provenientes de um mesmo antepassado, resultando a sua identidade própria
de vínculos religiosos (divindades comuns), propriedade comum a trabalho coletivo.

→ Noção mais estrita: ​família patriarcal (família patriarcal romana: a pertença à família não
é ditada por laços de consanguinidade, deriva da subordinação à ​potestas do ​pater familias​; os
membros da família são-no porque estão todos à subordinação do ​pater potestas - poder
paternal → ​laços ​agantitio​). ​Não é tanto a existência de vínculos sanguíneos que aqui
releva, pois o parentesco uterino está excluído, mas a submissão ao poder do ​pater
familias que molda e define a situação familiar. ​Os romanos exprimiram esta ideia de
comunidade familiar através da contraposição entre o parentesco ​agnaticio ​(determinava-se
através da existência ou não de laços de submissão familiar) ​e ​cognaticio (caracterizava-se
pela existência de vínculos sanguíneos que formam os diversos tipos de relações familiares ou
de parentesco).

→ ​Família conjugal​/nuclear​: o que determina a pertença é os laços de consanguinidade


(hoje em dia); os membros da nossa família são aqueles que estão ligado a nós por laços de
parentesco; também a definição é mais ampla ou mais restrita em função das circunstâncias.
Em períodos de grande instabilidade política em que o poder público não garante
proteção e subsistência aos indivíduos, estas tendem a encontrar formas comunitárias
mais simples de organização, adquirindo o grupo parental maior coesão interna e
inclusivamente a relevância do parentesco entende-se a graus mais afastados.

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Como é que este instituto estava conformado/regulado?


1. esponsais​: promessa recíproca de casamento entre os futuros cônjuges ou entre os
quem possa legitimamente obrigar, caso eles sejam menores; direito romano: a
promessa recíproca de casamento não tinha consequências jurídicas (qualquer
consequência estabelecida ​a priori no contrato era nula); na época pós-clássica, por
influência de Constantino, os esponsais passam a ser o primeiro momento; direito
visigótico: forma tradicional de se casar - esponsais (​traditio - mulher passa da família
da mulher para a família do marido) - se tivessem 15 anos poderiam trocar a promessa
de casamento e, nos dois anos seguintes à promessa, a noiva passaria da sua família
para a do noivo e estaria consumado o casamento + entrega pelo noivo à noiva de um
determinado quantitativo em dinheiro ou em espécie: aquilo que ficou chamado como
dote ou ​arras (tem dois efeitos essenciais: ​assegurar que o casamento se realiza no
tempo próprio e ​garantir a situação da mulher caso o noivo morresse após os esponsais
ou eventualmente existisse um repúdio do noivo à noiva de forma injustificada -
assim, a noiva ficaria recompensada em termos patrimoniais; ​lei do beijo: entrega do
anel esponsalício, marco simbólico dos esponsais; Portugal assumiu os esponsais
como a primeira fase do casamento.
São o primeiro instituto familiar a considerar. Consistem numa recíproca promessa de
casamento a celebrar entre os futuros cônjuges ou entre quem os represente legalmente.
Também no ​direito germânico os esponsais constituem uma primeira fase do casamento, o
qual só se perfará através da ​traditio,​ série de atos materiais e solenidades, que têm na sua
base a ideia de transmissão da mulher, da sua família de origem, para o domínio familiar do
marido. ​No ​direito visigótico​, ramo do direito germânico, as coisas passam-se de forma
idêntica. Para assegurar a publicidade do ato, este dever-se-ia contrair por escrito ou perante
testemunhas. ​A idade para se obrigarem mutuamente os promitentes era de 15 anos​, sem
o que deveriam ser representados por seus pais ou irmãos, e o acordo ​obrigava à celebração
do casamento dentro dos dois anos seguintes​. Como penhor do cumprimento da promessa
era entregue o ​anel esponsalício e redigida a escritura dotal. Antigo costume ligado à
cerimónia esponsalícia: ​‘’lei do ósculo’’ (se o noivo falecesse depois da cerimónia do beijo
tinha direito a receber metade das arras). O ​Direito Canónico vai também considerar os
esponsais uma primeira fase do casamento, em que a expressão do consenso nupcial já era
patente.

2. casamento​: pode ser lido em duas dimensões: estado entre duas pessoas que aponta
para comunhão de vida que gera direitos e deveres de natureza pessoal e de natureza
patrimonial ou ​contrato que dá azo a essa comunhão de vida​; ​os casamentos devem
ser livres​, no momento da celebração do casamento =/ liberdade de escolha de com
quem se quer casar.
Na cúria de 1211, Afonso II dispõe que ​os casamentos devem ser livres​.

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3. relações patrimoniais entre cônjuges​: atualmente, existem três regimes de


casamento: ​separação total de bens​, ​comunhão total de bens​, ​comunhão de adquiridos​;
também o direito antigo português determinou a existência de regimes de bens:
- comunhão de garanças (não há diferenças entre marido ou mulher, o
que significa que ​ambos mantém a propriedade própria dos bens que
levam para o casamento e adquirem a titularidade em conjunto dos
bens adquiridos na constância do casamento​; ​os bens adquiridos na
constância do casamento eram comuns​); quanto à administração dos
bens, é diferente: ​ambos os cônjuges têm titularidade dos bens, mas
a administração dos bens é limitada no que respeita à mulher -
ainda que os bens sejam seus, a administração deles é feita pelo marido
no caso de bens móveis (se quiser contratar, não o pode fazer sem
consentimento do marido); ​no que toca a bens imóveis, há uma
exceção​: ​o homem também precisa do consentimento da mulher​; o
regime da comunhão de garanças (comunhão de adquiridos atualmente)
deve ser conciliado com o regime das arras ou dote - que é bem
próprio da mulher, mas deriva do património do noivo → ​qual é o seu
regime? ​as arras devem ser tratadas como bens próprios da mulher​, por
terem sido constituídos antes da constância do casamento, ​ainda que
sujeitos a administração do marido​, mas, em caso de morte da mulher,
que não deixe descendência, este património passaria para o marido e
não para os parentes da mulher (exceção à regra do direito sucessório);
- regime da carta de metade​: a partir de meados do século XII,
começou a ombrear o regime da comunhão de garanças com o regime
da carta de metade (atualmente, comunhão geral de bens): ​todos os
bens do marido e da mulher, quer adquiridos antes ou depois do
casamento, são bens comuns​.

A sociedade conjugal é a que se estabelece pela comunhão de vida que resulta para o
homem e para a mulher da união matrimonial. ​Pode concluir-se que os cônjuges matinham
a propriedade exclusiva dos bens que levavam para o casamento. Ainda que a
propriedade dos bens permanecesse diferenciada, já o mesmo não se pode dizer da sua
administração, atribuída ao marido​, que a exercia com amplos poderes, que chegariam
inclusivamente à possibilidade de alienar bens móveis, próprios da mulher, sem o seu
consentimento. A mulher via a sua capacidade de exercício de direitos bastante limitada, não
podendo nomeadamente contratar, afiançar, estar em juízo ativa ou passivamente, sem
consentimento do cônjuge, a não ser que fosse comerciante. De acordo com este regime, ​os
bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio passariam a ser comuns​.
Durante a constância do matrimónio, o regime jurídicos das arras deveria ser idêntico ao dos
restantes bens próprios da mulher, estando sujeitos à administração do marido, embora sem
poderes autónomos de disposição.

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Como é que o casamento pode ser celebrado?


→ Alexandre Herculano, século XIX: aquando da elaboração do primeiro Código Civil
(1887), concluiu que não havia uma única fórmula de celebração do casamento, ainda que a
Igreja apontasse para uma única:
- casamento de benção​: ​celebra-se no tempo, o pároco ministra o sacramento e
convoca a presença de testemunhas
Alexandre Herculano desenhou mais duas:
- casamento de juras​: ​realiza-se perante testemunhas, mas em que não há o
ministrar do sacramento​; há celebração do contrato na ausência do ministrar do
sacramento, mas com testemunhas
- casamento pública fama/clandestino​: existe ​comunhão de vida sem qualquer
celebração especial

Não há diferenças ao nível dos direitos e deveres que decorrem destes casamentos.
Mas a ​forma considerada preferível​, sob pena de sanções espirituais aos cônjuges, era
o ​casamento de benção​, já que, na Idade Média, ​a Igreja tinha alguma superioridade​. Tem
reflexo na legislação dos monarcas:
1311 - Lei de D. Dinis (se um homem e uma mulher viverem na mesma casa durante
7 anos, tomando refeições em conjunto, fazendo compras juntos, conhecidos na vizinhança,
são considerados casados sem possibilidade de prova em contrário) → ​presunção legal

Os casamentos estavam sujeitos a obrigatoriedade de registo?


1352 - Lei de Afonso IV (dirigida a membros da Igreja: os bispos deviam ordenar que
todos os clérigos que fossem casados com leigos se dirigissem ao prior da Igreja a que
pertencem para tomar os seus cônjuges por palavras de presente). Esta lei pretendia através
desta formalização (Paulo Merêa) que se pudesse operar um registo dos casamentos.
O primeiro registo é do século XVI.

O casamento também gera relações pessoais. Um dos institutos com este cunho
pessoal marcante era o ​poder paternal​: herança da matriz germânico-visigótica.
- subordinação à autoridade do ​pater familias
- direito visigótico​: o poder paternal está entregue ao pai, mas a mãe já tem
determinados direitos com relevância grande da sua função; espécie de direito de
correção que os pais têm relativamente aos filhos; deveres de educação, proteção dos
filhos e direção dos filhos; ​se o filho menor pretendesse casar, estava sujeito à
autorização do pai e da mãe​; ​se o filho adquirisse património, este era
propriedade paterna, sendo trazido à coação no caso de morte do chefe de família
- pai​; mas há determinados bens que os filhos podem manter como seus
(nomeadamente os que advém de herança da mãe)
- direito português​: ​o poder paternal não pertence nem ao pai, nem à mãe, mas ​a
ambos​; se um deles morre, o sobrevivo não permanece com o poder paternal: ele

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passa a ser um mero poder de tutela que passa a ser sujeito a fiscalização de parentes;
mas ​o homem tem posição de supremacia na família, porque é chefe de família​; ​o
poder paternal cessa quando o filho casa e constitui a sua própria família
- adoção​: prevista no direito romano justinianeu; o direito romano previu 2 formas -
adoptio (um filho adotivo deve ser configurado como se um filho biológico se
tratasse) e ​adrogatio​ (sujeição de um ​pater familias​ a outro ​pater familias)​
- perfilactio (não é adoção, mas é um processo que se destina a evitar que as regras
sucessórias sejam aplicadas e a legitimar filhos nascidos fora do casamento)

DIREITO SUCESSÓRIO
Sucessão​: modificação subjetiva da relação/situação jurídica.
Pode ocorrer intervivos - entre sujeitos vivos e atuantes na ordem jurídica - ou pode
ser ​mortis causa​ (por causa da morte).

Encontra-se hoje genericamente assente a ideia de que ​é possível alguém


substituir-se a outrem na posição jurídica que anteriormente ocupava​. Distingue-se o
fenómeno sucessório enquanto ​intervivos (entre sujeitos atuantes na ordem jurídica) e ​mortis
causa (se se atender especialmente ao facto determinante de certo tipo de sucessão,
encontrando-o na morte daquele em cuja posição jurídica outros vão ingressar).

● sucessão ​mortis causa​: ​substituição do sujeito da situação jurídica


determinada pela morte entendida em sentido fático
No seu âmbito, distingue-se entre:
- sucessão universal​: o novo sujeito substitui o anterior sujeito na
totalidade das relações jurídicas pertencentes ao primeiro - ​de cujus - e
o que lhe sucede designa-se de ​herdeiro
- sucessão singular​: sucede-se na titularidade de certos e determinados
direitos; o que recebe bem determinado recebe um legado por parte de
um ​legatário
Designa-se ​herança a totalidade dos bens do ​de cujus,​ entendidos como universalidade, nela
sucedendo o herdeiro. Designa-se ​legado o bem certo no qual sucede o legatário, portanto a
título singular.

Se alguém morre, é preciso saber o que acontece à titularidade dos seus bens.

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Pode reconduzir-se a vocação ou chamamento a duas origens, fontes na terminologia


jurídica. ​As duas fontes através das quais opera a sucessão são:
→ ​vontad​e​: fazer privilegiar a vontade do autor da sucessão - do ​decujus
→ ​ordenamento jurídico​: o direito intervém para dizer como é que o património do morto
será destinado
Se a vontade define o sucessor, pode o direito coibir-se de o impor. Se a vontade o não
fez, supletivamente vai o ordenamento indicá-lo.

Princípios que regem o fenómeno sucessório neste período, no direito antigo


português:
→ ​regra da igualdade dos sexos​: a mulher não tem qualquer limitação em termos
sucessórios; os direitos sucessórios da mulher não sofriam qualquer limitação.
→ ​princípio da proximidade de grau​: se houver um parente mais próximo, ele sucederá em
preferência àqueles que são mais afastados.

Como é que a sucessão vai operar?


● sucessão legal
Pode dividir-se em dois tipos: ou a lei intervém porque o autor da sucessão, podendo
disciplinar através de um testamento o destino a dar ao seu património, não o fez através de
um ato de vontade; o direito intervém para decidir o destino a dar aos bens do autor (s​ucessão
supletiva legal - ​sucessão legítima​)​. A lei também intervém quando há a disciplina da
vontade - fez-se testamento - para proteger determinadas categorias de herdeiros (imperativa,
limitadora - ​sucessão legitimária​).

- sucessão legítima​: ​não há testamento e, portanto, não há ato de vontade a


determinar quem são os sucessores; então, o direito intervém para
determinar quem são, estabelecendo um elemento de classes sucessórias para
definir quem fica com o património do ​decujus;​ já o código visigótico o fazia:
primeiro descendentes, depois ascendentes, a seguir colaterais, por fim
cônjuge);
→ ​exceção ao princípio de proximidade de grau que só existe na sucessão de
descendentes​: ​direito de representação (permite-se que os netos do ​decujus ocupem o lugar
do seu pai que tenha morrido antes do seu avô)

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→ ​exceção à sucessão de ascendentes​: direito de troncalidade (os bens que advieram ao


decujus por herança paterna devem reverter para esse lado da família - os bens devem
manter-se do mesmo lado da família)

De acordo com o direito visigótico contido no Código, eram quatro as classes


sucessórias: ​descendentes, ascendentes, colaterais e cônjuge sobrevivo​. Vigorando o princípio
geral da igualdade de sexos, ​a sucessão diferia-se dentro de cada uma das três primeiras
classes, segundo o ​princípio da proximidade de grau​.

● sucessão voluntária
Integra-se a sucessão testamentária, isto é, a vontade opera através de um​ ​testamento​.
O autor da sucessão disciplinou, por morte, o destino a dar aos seus bens.
Só a partir do séc. XIII, sob a influência do renascimento justinianeu, se pode voltar a
falar do testamento como forma de dispor ​post mortem​, não revelando ainda o direito
municipal quaisquer preceitos atinentes às formalidades testamentárias.

→ direito visigótico​: ​total e absoluta impossibilidade de testar​, de dispor por morte o


destino a dar aos bens comuns, ao património; mas, por influência do direito romano,
começou a admitir-se uma ​quota de livre disposição dos bens​, ainda que de ⅕ da herança (⅘
permaneciam indisponíveis)
→ a partir do século XIII já se encontra consagrada no direito português a figura do
testamento; lei de maio de 1349 (diz quais são as formas pelas quais os testamentos podem
ser realizados: 1. ​por escrito particular na presença de testemunhas, mas sem exigência do
tabelião​; 2. ​verbal, sendo imperiosa a presença de testemunhas​; 3. ​testamento prescindia de
testemunhas, desde que tivesse presença de um tabelião​.

→ ​influência germânica nas limitações à vontade do testador​: relevadas no direito:


sucessão legal legitimária
Os três institutos que corporizam estas limitações são:
1. laudatio parento - limitação: todos os atos de disposição patrimonial de imóveis, quer
em vida, quer em morte, estavam sujeitos a aprovação dos parentes; se se tivesse um
imóvel e quisesse expor dele, em vida ou ​post mortem, era preciso autorização dos
parentes)
2. reserva hereditária - limitar o direito de dispor apenas relativamente aos bens
próprios (aqueles que provêm de origem familiar, por sucessão ou doação dos

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familiares); limita o testamento; não se aplica a todos os imóveis, aplica-se aos bens
que advêm de proveniência familiar, separando os bens adquiridos; estabelece-se
quota objetiva da parcela de que se pode dispor; beneficiaria qualquer parente
3. sucessão legitimária ou necessária​: só beneficiaria descendentes ou ascendentes;
aplica-se a todo o património do ​decujus,​ sendo irrelevante se estamos perante bens
próprios ou bens adquiridos; vai consagrar-se a fação de ⅓ como quantitativo
livremente disponível ao autor da sucessão

DIREITO PENAL
O Sistema penal é essencialmente pluralista: não está estritamente nas mãos do
Estado, nas mãos do rei.
- retroatividade
- arbitrariedade
- cláusulas gerais (não há precisão da regra)
- penas infamantes (fundamentam vergonha ou dor psicológica)
- penas variáveis conforme a condição das pessoas
- penas transmissíveis (se o agente do crime fosse um, poderia a pena ser aplicada não
apenas a esse, mas aos membros da respetiva família)

Regime de auto-tutela
A reparação dos crimes tende a ser deixada à auto-defesa do próprio ofendido ou
do grupo familiar em que este se integra​, sem recurso aos esquemas de justica pública. As
comunidades locais, voltadas para si mesmas, fizeram renascer formas privadas de proteção
social, socorrendo-se dos esquemas primitivos da justiça pessoal e familiar próximos da lei da
Talião.

Vingança privada
Se o rei está preocupado com outros afazeres, não pode estar no monopólio coercitivo
- não legisla.
O primeiro passo está, então, entregue à comunidade, que estabelece regras através
das quais a punição é aplicada. ​Não é um processo que não esteja vinculado por regras. A
própria comunidade começa a estabelecer as condições em que a vingança privada pode
ser exercida.

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O segundo passo é a vingança, que vai ser praticada e que deve ser proporcional
àquela que se sofreu (proporcionalidade entre a ofensa e a sua reparação). ​Olho por olho,
dente por dente.​
O terceiro momento é a autoridade comunitária passar a propor e a exigir que a
vingança não se realize em virtude de ser possível compor o crime (​composição​: forma de
pôr fim à vingança​).
O quarto patamar é a criação de um árbitro. Inicialmente, este juiz é uma entidade
privada e a sua intervenção é facultativa; num segundo momento, embora seja privado, a sua
arbitragem passa a ser obrigatória; finalmente, além de obrigatória a arbitragem, esse decisor
dos crimes passa a ser público. ​Cai-se no monopólio estatal da coerção​.

Esquema de vingança privada:


● perda de paz relativa​: Aplica-se aos crimes graves (homicídio, violação,
ofensas corporais graves). O esquema de reparação e punição do crime é a
perda de paz relativa - sujeito a regras que são determinadas pela comunidade.
A vingança não era um processo desvinculado, estava sujeito a normas impostas por
autoridades locais: era necessário que o ofendido ou os seus familiares viessem
previamente fazer um desafio formal ao agressor perante a autoridade local (Assembleia
do Concelho). Depois de desafiar, o autor do delito (o acusado) gozava de um período de
tréguas, durante o qual (9 dias) beneficiava de um seguro - a vingança não poderia ser
perpetrada sobre ele. Passados esses 9 dias, ​havia a declaração solene de inimizade​. Desde
que pagasse o ​fredo (que revertia parte para os familiares e parte para o concelho), ​o
ofendido podia adiar a vingança por 8 dias​.

Declaração de inimizade:
1. ​fredo​ - paga-se para se adiar a vingança por mais 8 dias, mas não se afasta
2. ​desterro - o agressor era obrigado a abandonar o seu lugar e não poderia a ele
regressar durante determinado período de tempo
3. ​faida/ vingança propriamente dita - o autor poderia ser legitimamente perseguido
pelo ofendido ou pelos seus familiares.
Poderia terminar com a ​composição (forma de pôr fim à vingança, repondo a amizade
entre os contendentes). Há vários tipos: ​composição pecuniária (através de quantitativo em
dinheiro que o agressor pagava, que revertia para o ofendido ou para os familiares, e era
considerado bastante para o crime ser composto e não haver vingança), ​composição corporal
(pôr fim à vingança nas circunstâncias em que o criminosos não tivesse bens - por exemplo, o

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criminoso recebia publicamente um conjunto de varadas dadas em público), ​composição por


missas (o agressor mandava rezar um determinado número de missas em honra do ofendido)
e ​composição por prisão ​(forma de encarceramento privado).
Com o ​beijo da paz​, a amizade estaria reposta, a justiça estaria saudada, não
prosseguia inimizade.

● perda de paz absoluta​: A contenda não se trava apenas entre o


ofendido/familiares e o criminoso, mas o criminoso pode ser legitimamente
ouvido por todos - sociedade. Era preciso que se estivesse perante um crime
extraordinariamente grave (crimes perpetrados com particular censurabilidade
por significarem oleosidade ou traição, homicídio em espaços como a Igreja ou
a Assembleia do Conselho, crime praticado por um inferior hierárquico a um
superior, entre familiares, crimes praticados contra a figura do rei). ​Todos na
comunidade poderiam exercer vingança - poderiam matar (não admite
composição).

Direito Foraleiro
Direito Antigo
Pena de morte​ - prevista para crimes considerados graves1
Como devia ser aplicada?
A mais frequente era o enforcamento. Mas os forais também revelam formas mais
cruéis, como enterrar vivo debaixo do corpo da sua própria vítima, afogamento, lapidação,
fogueira.
Penas pecuniárias ​- para quem tivesse património
Penas subsidiárias​ - para o caso de não haver lugar para outro tipo de penalidades.
Anuviado - obrigação a recair sobre o criminoso de pagar 9 vezes o valor do objeto
furtado.
Penas corporais​: penas subsidiárias das penas pecuniárias, para aqueles que não
tivessem bens (corte da mão - deveria ficar presa à porta do lesado, tirar de olhos, açoites)
Penas privativas da liberdade​: servidão, quando não havia lugar ao pagamento de
penas pecuniárias, para se assegurar o seu pagamento
Penas infamantes​: não se destinam a infligir dor física, mas tremor psicológico/
vergonha (flagelação pública do réu, exposição do reu em pelourinhos e gaiolas, procissão do

1
​ladrão reincidente; assassínio; ofensas corporais contra partes do corpo humano
consideradas sensíveis; violação - ‘’forçar mulher casada ou honesta’’.

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réu de pé descalço pelas ruas com um baraço ao pescoço, corte da barba nos homens, corte do
cabelo na mulher)

Legislação dos reis


Afonso II, 1211​: produz conjunto de leis com particular relevância para o sistema
penal; ​proíbe realização da vingança privada dentro da casa do inimigo​; proíbe destruição
dos bens imóveis do inimigo; impede que vingança seja recaída sobre os homens que
estivessem ao serviço do inimigo, exceto se tivessem tomado parte da ofensa.
- se houver morte de um homem de cada um dos lados, a vingança está concluída sem
necessidade de haver lugar a mais atos
- se não houvesse lugar à morte, a discórdia/conflito deveria ser julgado pelos juízes do
rei (começa a impor-se um árbitro)

Afonso IV, 1325​ - ilicitude da vingança em determinados casos


1355 - ​lei dos crimes públicos (​crime público​: se necessário investigar mesmo que
não haja queixa do ofendido). Difere dos crimes semipúblicos e dos crimes particulares e vem
tipificar um conjunto de crimes relativamente aos quais era obrigatória a investigação do juiz:
crimes contra o rei; homicídio qualificado; ofensas corporais graves; crimes religiosos -
heresia, blasfêmia, sacrilégio; crimes sexuais - incesto, violação, adultério, alcovitaria;
feitiçaria; furto; dano.

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