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Nota: O presente documento tenta retirar o mais importante dos recomendados pela
regência, pelo que, atenta à subjetividade empregue na seleção da matéria, a nosso
ver, relevante, é recomendada a consulta dos manuais da regência. É de notar que o
presente documento pode conter algumas gralhas.
CAPÍTULO I. REPRESENTAÇÃO
Representação – forma de cooperação entre os seres humanos, e que se traduz num
exercício, por parte de uma pessoa, em nome e por conta de outrem, sendo que os
efeitos deste exercício repercute-se na esfera jurídica deste último. É importantíssima a
invocação por parte do representante perante o terceiro dos poderes de representação
(contemplatio domini). Assim, sempre que o representante não o fizer, o negócio
celebrasse na sua própria esfera.
A representação não se limita à celebração de negócios e à emissão de declarações de
vontade, já que qualquer SJ exercitável pode cair na representação, nomeadamente:
aproveitamento de direitos, cumprimento de deveres, etc.
Classificação da Representação
É tradicional classificar a representação em:
▪ Legal – tem fonte na lei e abrange os casos de representação dos menores e,
quando a sentença de acompanhamento assim o dita, os maiores
acompanhados no âmbito do poder paternal (art.º 1878) e da tutela (art.º 1921),
respetivamente.
▪ Orgânica – apesar de podermos falar de uma representação orgânica no plano
interno da PC (no que respeita à vontade de um dado órgão da PC), comumente,
referimo-nos à representação orgânica a nível externo, isto é, àqueles que
representam a PC perante terceiros (sendo os representantes da PC no plano
externo, os responsáveis pela formação da sua vontade).
Note-se que, atendendo à natureza das PC, estas não podem ser representantes
de si mesmas, daí que, por isto e pelo facto dos seus representantes pertencerem
à pessoa representada, em rigor, e segundo MC, não há uma verdadeira
representação.
▪ Voluntária – tem na sua base a concessão de poderes de representação ao
representante pelo representado, sendo para tal usualmente utilizada a
procuração.
Mandato
Com base no art.º 1157, resulta que o mandato implica uma prestação de facto, em
nome próprio, mas por conta do mandante.
O mandato presume-se gratuito , a não ser que tenha por objeto atos que o mandatário
pratique por profissão, sendo neste caso oneroso (art.º 1158/1). Tratando-se de
mandato oneroso, a retribuição é remetida (artigo 1158º/2), sucessivamente, para:
▪ o acordo das partes;
▪ as tarifas profissionais;
▪ os usos;
▪ e os juízos de equidade.
A extensão do mandato consta do art.º 1159, no qual se distingue mandato geral (art.º
1159/1), de mandato especial (art.º 1159/2). A maior diferença em ambos, é a de que
existe, no mandato geral, uma atividade genérica, contrapondo-se à atividade específica
do mandato especial.
Contudo, segundo MC, conclui-se que ambos os mandatos incluem tarefas acessórias,
necessárias à execução do mandato: como a obtenção de registos, o pagamento de
impostos, etc.
Contudo, segundo este autor, mais claro quanto a este ponto ficou o mandato especial,
considerando-se que o art.º 1159/2 permite ao mandatário celebrar todos os atos
preparatórios: incluindo o contrato-promessa correspondente ao instrumento visado.
A pluralidade de mandatários dá lugar a tantos mandatos quantas as pessoas
designadas, contudo, assim não será quando o contrato exare que eles devam agir
conjuntamente (art.º 1160).
A Posição do Mandatário
O art.º 1161 enumera as obrigações do mandatário, as quais se podem agrupar do
seguinte modo:
▪ Deveres de atuação (art.º 1161/a))
O art.º 1161/a) especifica que devem ser observadas as instruções do mandante,
relativas aos negócios visados (ou, de outro modo, cairíamos numa situação de
subordinação jurídica, assumindo o mandato a natureza de um contrato de trabalho).
Pode-se falar, neste âmbito, em problemas relacionados com a integração (art.º 239) e
com a alteração das circunstâncias (art.º 437/1). Efetivamente, o surgimento de novas
circunstâncias, que não se possam equacionar perante a matéria contratual existente:
ou manifesta uma lacuna contratual, ou dá corpo a uma alteração de circunstâncias.
Em qualquer dos casos, caberá ao mandatário, mesmo sem lhe ser feito o
correspondente pedido, dar as informações relevantes.
A Posição do Mandante
A posição do mandante é, de certo modo, simétrica à do mandatário, sendo que é o
art.º 1167 quem nos permite perceber que o mandante fica adstrito a dois pontos:
▪ Fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato (art.º
1167/a)) (e.g. adiantamentos em dinheiro, quando pressupostos ou previstos no
contrato, ou a coisas móveis, podendo estar ainda em jogo documentos,
autorizações e informações).
O legislador entendeu reforçar esta obrigação (art.º 1168).
A Cessação do Mandato
O art.º 1170/1 proclama o princípio da livre revogabilidade do mandato por qualquer
das partes, salvo quando haja convenção em contrário ou renúncia ao direito de
revogação.
O art.º 1171 considera que no caso de uma revogação tácita, resultante da designação,
pelo mandante, de outra pessoa para a prática dos mesmos atos, a sua eficácia opera
depois de conhecida pelo mandatário.
A livre revogabilidade do mandato pode todavia, quando exercida, dar azo a um dever
de indemnizar a outra parte pela prejuízo que esta sofrer (art.º 1172). Contudo,
havendo justa causa, não se justifica a indemnização.
Havendo pluralidade de mandantes e tendo o mandato sido conferido “para assunto de
interesse comum”, a revogação só opera se realizada por todos (art.º 1173).
O art.º 1174 refere os casos em que o mandato cessa em razão da caducidade. O
mandato caduca, ainda, pelo decurso do prazo a que este esteja sujeito, pela obtenção
do resultado que vise e pela ocorrência de condição resolutiva.
O art.º 1175 tem uma delimitação da maior importância prática, no que toca à morte
ou acompanhamento do mandante.
Caraterização do Mandato
Características gerais do mandato, o mandato é:
▪ um contrato consensual, já que a lei não o sujeita a nenhuma forma solene.
▪ um contrato sinalagmático imperfeito, pelo menos quando gratuito: as
prestações a que o mandante se encontre adstrito não equivalem às adstrições
do mandatário.
▪ um contrato supletivamente gratuito, sendo oneroso quando exercido no
âmbito da profissão do mandatário.
O mandato apresenta-se como um contrato típico de prestação de serviços, sendo que
a relação básica subjacente a qualquer situação de representação está sempre mais
ou menos próxima do mandato.
Figuras Semelhantes
→ Recurso a Núncio – o núncio limita-se a transmitir uma mensagem; ao contrário
do representante, o núncio não é investido em poderes de representação e,
Procuração Expressa
O declarante declara, de forma expressa (art.º 217), constituir seu procurador alguém
que identifica e a quem declara conferir poderes de representação, para, em seu nome,
praticar certos atos ou celebrar certos negócios.
Procuração Tácita
▪ Procuração tolerada – quando alguém admite, repetidamente, que um terceiro
se assuma seu representante. Apesar de MC não admitir que, por esta via, se dê
uma verdadeira procuração, parte da doutrina discorda.
▪ Procuração aparente – Quando alguém se assume representante de outrem sem
o seu conhecimento, contudo esta representação poderia ter sido evitada se o
representado aparente tivesse utilizado do cuidado exigível.
Em qualquer dos casos teria de se exigir boa-fé por parte do terceiro protegido: a tutela
não opera quando ele conhecesse ou devesse conhecer a falta de procuração.
A Cessação da Procuração
O art.º 265/1 e 2 prevê três formas de extinção da procuração:
▪ A renúncia do procurador.
▪ A cessação do negócio-base (extinto o mandato, extinta a procuração).
▪ A revogação pelo representado.
▪ Quando conferida por tempo determinado, a caducidade.
A Tutela de Terceiros
A procuração não pode ser tratada como uma relação exclusiva entre o representante
e o representado, já que terceiros também são envolvidos. Contudo, no que respeita à
procuração, estes não intervêm. Daí que o Direito dispense uma tutela de terceiros.
O Abuso de Representação
O art.º 269 reporta-se ao abuso da representação, determinando que, nessa
eventualidade, seja aplicado o regime da representação sem poderes, “se a outra parte
conhecia ou deveria conhecer o abuso”.
O abuso de representação supõe a existência de poderes representativos, sendo esses
poderes que justificam que o negócio celebrado pelo representante seja eficaz, a não
ser no caso explicitado no art.º 269.
Sendo o representante empossado de poderes, o abuso de representação poderá residir,
segundo JAV:
SUBCAPÍTULO I. PRESCRIÇÃO
Natureza imperativa e fundamento
A imperatividade da prescrição não é um dado evidente, nem pacífico, daí a necessidade
de apresentação dos fundamentos da prescrição:
▪ Fundamentos atinentes ao devedor
À medida que o tempo passe, o devedor irá ter uma crescente dificuldade em
fazer prova do pagamento que tenha efetuado. A não haver prescrição, qualquer
pessoa poderia, a todo o tempo, sere demandada novamente por quase tudo o
que pagou ao longo da vida.
Além disso, sem prescrição, o devedor iria comprometer as suas hipóteses de
regresso (de que lhe seja devolvido o que pagou), sempre que estivessem em
causa situações subjetivamente complexas. Teria de se precaver com novas
garantias ou, quiçá, de constituir reservas.
Em suma, o devedor nunca ficaria seguro de ter deixado de o ser, ficando numa
posição permanentemente fragilizada, argumentando-se, por isso, com a
segurança jurídica.
Especifica o art.º 302/2 que a renúncia pode ser tácita. O preceito, embora decorrente
já do art.º 217/1, tem a sua utilidade, sendo que a jurisprudência esclarece alguns
pontos:
▪ Renuncia tacitamente a prescrição quem, depois de decorrido o prazo
prescricional, reconheça a dívida exequenda, obrigando-se a pagá-la.
▪ Há renúncia tácita quando se admita que a dívida de capital e juros subsiste,
apesar de decorrido o prazo.
▪ Há igualmente renúncia tácita quando o devedor de uma obrigação prescrita
proponha ao credor formas de pagamento.
▪ Há, ainda, renúncia tácita quando o devedor declara, após a prescrição, que
pagará quando receber determinadas indemnizações.
Foi muito discutida, nos nossos tribunais, a questão de saber se, havendo renúncia à
prescrição, se iniciaria, daí para o futuro, nova contagem de prazo.
Sendo que a lei estipula que não pode haver negócios que dificultem, para o futuro, a
prescrição (art.º 300), a renúncia é possível, mas apenas após o decurso do respetivo
prazo (art.º 302/1): nela, o devedor despoja-se do direito de invocar uma certa
prescrição já consumada, não de futuras prescrições. Assim, verificada a renúncia, pode
iniciar-se nova prescrição, se o direito continuar a não ser exercido.
i. Beneficiários e invocação
O art.º 301 determina que a invocação aproveita a todos os que dela possam tirar
benefício, sem exceção dos incapazes.
A prescrição é uma posição privada concedida no interesse do devedor: este, poderá
usá-la ou não. A hipótese de um devedor, beneficiado pela prescrição, não a querer usar,
nada tem de anormal, atendendo a que poderão prevalecer aspetos morais ou até
mesmo patrimoniais e pragmáticos.
O art.º 303 é claro: o tribunal não pode suprir a prescrição oficiosamente. Em rigor, o
simples decurso do prazo dá lugar ao aparecimento de um direito potestativo, o de
invocar a prescrição.
A prescrição pode ser invocada por terceiros, desde que tenham interesse legítimo na
sua declaração (art.º 305/1). Trata-se de uma manifestação de legitimidade que é dada
aos credores para exercer certos direitos relativos ao devedor e que tem a sua sede mais
geral nos art.º 605 ss..
Havendo renúncia já consumada, os credores não podem invocar a prescrição como se
nada tivesse ocorrido: terão de impugnar essa renúncia ou, pelo menos, de invocar a
prescrição dentro do condicionalismo requerido para a impugnação em causa: ou da
ação pauliana (art.º 305/2 e 610).
A inoponibilidade no caso julgado aos credores do devedor, predisposta no art.º 305/3,
é um novo afloramento de uma regra geral. O caso julgado, em si, é eficaz entre quem
tenha sido parte do processo que o originou.
Início do prazo
Enquanto que o sistema objetivo (o prazo começa a correr assim que o direito possa ser
exercido e independentemente do conhecimento que, disso, tenha ou possa ter o
respetivo credor) dá primazia à segurança, o sistema subjetivo (o início só se dá quando
o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito) à
justiça, a junção dos 2 será a melhor solução de iure condendo.
O art.º 306/1, 1.ª parte, adotou o esquema objetivo: dispensa qualquer conhecimento,
por parte do credor, contudo, a expressão “começa a correr quando o direito puder ser
exercido”, deve ser corrigido em função dos art.º 296 e 279, já que o próprio dia não é
contado.
Segundo MC, a injustiça a que este sistema possa dar lugar (já que, para o direito atual,
é indiferente a boa ou má-fé do credor) é temperada pelas regras atinentes à suspensão
da prescrição.
Fala o art.º 307 em “outras prestações análogas”, como exemplos: a renda fixada como
indemnização (art.º 567), o legado de prestações periódicas (art.º 2273) e os juros
(art.º 561).
Cumpre ainda sublinhar que, nalguns casos de prescrição a lei portuguesa estabelece
sistemas subjetivos. É o que sucede no enriquecimento sem causa e na responsabilidade
civil (art.º 482 e 498/1), casos em que se prevê uma prescrição de 3 anos cujo início
depende do conhecimento que o credor tenha dos seus direitos.
Accessio temporis
Iniciada a prescrição de determinado direito, ela prossegue independentemente de:
▪ O crédito se transmitir para um devedor diverso do inicial.
▪ O débito transmitir para o novo devedor
Segundo a accessio temporis o novo credor pode ser invocado, contra ele, o tempo de
prescrição já decorrido contra o seu antecessor e o novo devedor pode somar o seu
ao tempo já processado, a favor do seu antecessor.
Os efeitos
Na determinação dos efeitos da prescrição, cumpre distinguir a prescrição em si e a sua
invocação.
Expirado o prazo, o devedor tem o direito de invocar a prescrição (art.º 303). Essa
invocação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente e de modo expresso ou de modo
tácito (art.º 304/1 concatenado com o art.º 303).
Enquanto a prestação prescrita, mas cuja prescrição não tenha sido invocada, pode ser
judicialmente exigida, com a inelutável condenação do devedor, havendo tal invocação,
já não há exigência judicial possível, sendo que se espontaneamente paga, não há
repetição.
A invocação da prescrição tem a consequência de fazer passar o débito prescrito à
categoria de obrigação natural (art.º 403/1). Nada disto se confunde com a renúncia,
que traduz um lado autónomo de disposição do poder de invocar a prescrição.
Prescrição ordinária
Segundo o art.º 309, o prazo ordinário da prescrição é de 20 anos. Trata-se de um prazo
único, sempre aplicável quando a lei não fixa hipóteses especiais e independentemente
de boa ou da má-fé do devedor.
Segundo MC, uma prescrição de 20 anos é irrealista, já que se trata de um período muito
longo que retira sentido ao instituto.
A prescrição do art.º 311 reporta-se a situações que têm em comum: um direito de base
dotado de certo porte e prestações periódicas que dele se desprendem.
O legislador entende que a não cobrança, durante 5 anos, de uma dessas prestações
deve ser sancionada. Normalmente torna-se difícil, para o devedor, fazer prova do seu
pagamento, após um período já tão dilatado.
A cláusula geral do art.º 311/g) mostra que a situação nada tem de excecional, daí que,
quando outra regra não exista, devem ser lhes reconduzidas.
Prescrições presuntivas
São presuntivas as prescrições cujo prazo é inferior a cinco anos e que se sujeitam a um
regime diferenciado.
Suspensão da Prescrição
Apesar da prescrição estar ontologicamente ligada ao decurso dos prazos, os quais,
por definição, são impessoais (não dependem das particularidades do caso concreto),
este instituto é temperado com algumas regras que permitem respeitar valores que
o Direito não pode ignorar. Aqui se insere a interrupção da prescrição.
O art.º 320 contempla uma outra causa subjetiva de suspensão: a relativa a menores e
maiores acompanhados. Podemos ainda incluir na história das causas de suspensão
subjetivas a previsão do art.º 322.
O art.º 321 contém, por fim, as causas objetivas de suspensão: a suspensão nos últimos
3 meses do prazo, enquanto o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por
motivo de força maior (o que designa impossibilidade) e na hipótese de dolo do
obrigado, que o impeça de tal exercício.
A hipótese do dolo do obrigado (art.º 321/2) destina-se a evitar que este possa tirar
partido do ilícito próprio, invocando a prescrição que provocou.
Segundo MC, a suspensão da prescrição faz deter o prazo em curso, mas não inutiliza o
prazo já decorrido, assim, cessando a suspensão, o prazo anteriormente decorrido
aproveita-se, somando-se ao que decorra depois.
Em rigor, cumpre distinguir:
▪ Suspensão inicial (art.º 318, 319 e 320/1) – verificada a causa de suspensão
antes ou aquando da consubstanciação dos requisitos que marca o início da
prescrição, esta não começa; a figura distingue-se do não-início porque, ao
contrário deste, pressupõe os diversos requisitos, mas com a causa suspensiva.
▪ Suspensão intercalar (art.º 318, 319 e 320/1) – a prescrição já se tinha iniciado
quando ocorre a causa suspensiva; o prazo para, aproveitando-se contudo
quando recomece a correr.
▪ Suspensão final (art.º 320/1, 321/1 e 322) – o facto suspensivo, além de
paralisar o decurso do tempo, garante um mínimo de tempo final para o
exercício do direito.
Poderíamos pensar que a regra geral é a da caducidade, contudo tal ideia não frutifica.
O princípio mais básico é o da prescrição, ao qual estão sujeitos todos os direitos
disponíveis que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298/1). Contudo, a
presença de uma norma que imponha um prazo é, ela sim, um plus regulativo que apela
à caducidade. Assim, salvo a prescrição, as posições jurídicas ativas não estão sujeitas,
por regra, a nenhum prazo, podendo os seus titulares exercê-las quando entenderem.
Início e suspensão
O prazo de caducidade, salvo se a lei fixar outra data, começa a correr no momento em
que o direito puder ser legalmente exercido (art.º 329). A norma distingue-se quanto à
prescrição por prever que a lei possa fixar outra data e por não associar o início do
decurso do prazo à exigibilidade.
Quando a caducidade se refira ao direito de propor certa ação em juízo e esta for
tempestivamente proposta, põe-se o problema da sua articulação com a absolvição da
instância ou eventualidades similares.
Nessa eventualidade, o art.º 332/1 remete para o art.º 327/3, assim, não se considera
completada a caducidade antes de decorrerem 2 meses sobre o trânsito em julgado da
decisão. Sendo a instância interrompida, não se conta, para efeitos de caducidade, o
prazo decorrido entre a proposição da ação e a interrupção da instância (art.º 332/2).
O conhecimento oficioso
A caducidade é de conhecimento oficioso. O tribunal conhece da caducidade por sua
própria iniciativa, ainda que nenhuma das partes a tenha invocado, ao contrário da
prescrição, em que não o pode fazer se não invocada pela parte que dela beneficia.
Enquanto que com a caducidade o direito extingue-se, na prescrição o direito não se
extingue, surge, pois, o direito potestativo de não cumprir a prestação por decurso do
prazo prescricional.
Ao conhecer a caducidade, o tribunal verifica que o direito, ou o poder em questão, já
caducou, por não ter sido exercido dentro do respetivo prazo, e que se extinguiu, não
subsistindo já.
A prescrição é imune à vontade das partes (art.º 300), enquanto que a caducidade pode
ser modelada pela autonomia privada: seja prevendo novas hipóteses, seja fixando
regras distintas das legais (art.º 330/1). Contudo, note-se que esta intervenção da
autonomia privada comporta limites:
▪ o de tratar de situações indisponíveis – de um modo geral, as de natureza
pessoal ou familiar, de ordem pública, como as integrantes de regras públicas ou
processuais, e as que venham bulir com direitos de terceiros.
▪ o de defraudar o regime da prescrição (art.º 300/1) – quando a caducidade
concorre com regras prescricionais, por exemplo, fixar prazos de caducidade
mais curtos do que a prescrição prevista para a defesa dos consumidores.
Limites
Os limites impostos pela boa-fé tem em vista a boa-fé objetiva (e.g. art.º 227/1, 239,
437/1 e 762/2). Assim, teríamos um apelo ao:
Quanto aos limites impostos pelos bons costumes, estes remetem-nos para as regras
da moral social, impondo condutas de cariz sexual e familiar, bem como determinados
códigos deontológicos.
Por fim, os limites impostos pelo fim social ou económico do direito, remetem-nos para
a perspetiva funcional de Ihering, quando este define direito subjetivo como um interesse
juridicamente protegido, implicando que estes direitos sejam concedidos visando
determinadas funções. Assim, apresentam-se como funções do direito subjetivo:
▪ Função pessoal – utilidade da SJ para o respetivo titular, sendo, por conseguinte,
abusivos os atos emulativos e os exercícios danosos inúteis.
▪ Função social ou económica – o conteúdo do direito subjetivo tem subjacente
um programa de exercício em prol da sociedade e da economia; caso contrário,
o exercício é abusivo.
Para Diogo Costa Gonçalves, a boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico do
direito, são locuções normativas que representam a aproximação a uma ideia, a ideia de
justiça material. Assim, há abuso de direito quando o exercício de um direito, por parte
do seu titular legitimado, age de forma materialmente injusta, de modo que o art.º
334 se apresenta como uma válvula de escape do sistema, permitindo a correção de
situações materialmente injustas, ainda que formalmente corretas.
O factum proprium tem de ser suficientemente credível para convencer uma pessoa
normal, colocada na pessoa do confiante razoável, tendo em conta o esforço realizado
pelo mesmo confiante na obtenção do fator a que se entrega. Este é o elemento
objetivo; contudo, requer-se um elemento subjetivo: que o confiante adira ao facto
gerador de confiança.
v. Tu quoque
A fórmula tu quoque exprime a regra geral pela qual uma pessoa que viole uma norma
jurídica não possa depois, sem abuso:
▪ Prevalecer-se da situação daí decorrente.
▪ Exercer a posição violada pelo próprio.
▪ Ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.
Apesar de, por vezes, se pensar que a titularidade do direito nos permite exercê-lo de
qualquer modo, causando quaisquer danos a outrem de modo lícito, já que causados no
exercício do direito, constitui um grave erro, pois, o exercício de um direito deve ser
feito de modo a causar o mínimo dano a outrem, seguindo o Princípio do Mínimo Dano.
Assim, quem exerce um direito deve, ao fazê-lo, usar da cautela e do cuidado
necessários para que não ofenda direitos alheios ou cause danos a terceiros.
NEGÓCIO JURÍDICO
CAPÍTULO I. OS FUNDAMENTOS DA DOUTRINA
DO NEGÓCIO
Autonomia, Teoria da Ação e Sistema
1. A autonomia privada
A autonomia privada exprime a permissão genérica de constituir e de conformar SJ
privadas, de acordo com a livre vontade do sujeito, sem necessidade de fundamentar
ou de explicitar as suas opções. Embora possa ser induzido a partir de vários preceitos
constitucionais, ele está ausente do próprio texto constitucional.
A autonomia abre as portas à liberdade da ação humana. O direito privado surge, por
definição, como uma zona de liberdade, onde as pessoas são convidadas a agir.
3. Transmissão e sucessão
Ainda que discutida, cabe apurar uma distinção entre transmissão e sucessão:
▪ Transmissão – passagem de uma SJ da esfera de uma pessoa, para a de outra.
▪ Sucessão – ocorre a substituição de uma pessoa por outra, mantendo-se estática
a SJ, a qual, estando inicialmente na esfera de uma pessoa, surge, depois da
troca, na de outra.
Aparentemente idênticas nos seus resultados, a transmissão e sucessão implicam,
todavia, eficácias diferentes: na transmissão, a SJ transferida pode sofrer certas
alterações de elementos circundantes, enquanto que na sucessão, ela mantém-se
totalmente idêntica.
Segundo MC, pode ser retomada a solução apresentada por Paulo Cunha: no negócio a
liberdade de celebração e de estipulação, enquanto que no ato stricto sensu apenas
ocorre a liberdade de celebração. A presença de liberdade de estipulação faculta um
arrimo útil, de evidente relevo dogmático: as regras aplicáveis ao negócio e ao ato
jurídico são diferentes, uma vez que a liberdade de estipulação, rica no conteúdo e,
sobretudo, nas consequências, conduz à aplicação de múltiplas normas e princípios
jurídicos.
Mas a relevância do NJ transcende os aspetos técnicos, já que este representam a
expressão acabada da autonomia privada, reunindo em si, os vetores mais significantes
do Direito Civil.
O negócio mortis causa não tem preocupações de equilíbrio, uma vez que surge com a
liberalidade e assenta no valor fundamental da vontade do cuiús (falecido). Na mesma
linha, implica regras próprias de interpretação e de aplicação, estranhas à generalidade
dos negócios (art.º 237 e 2187).
Apesar da existência de negócios reais quoad constitutionem não há, na entrega de uma
coisa, qualquer manifestação de vontade negocial minimamente identificável como
correspondendo ao tipo de penhor, comodato, mútuo ou depósito: por isso, ela deve
ser considerada como uma simples formalidade (a acrescentar à forma propriamente
dita, que poderá ou não ser exigida para as declarações relativas a negócios formais).
Não obstante, o penhor (art.º 666) coloca-se numa posição diferente: trata-se de um
negócio real também quoad effectum, do qual resulta um determinado direito real. Por
força do princípio da tipicidade, o penhor deve assumir uma determinada configuração,
indicada na lei, não podendo as partes estipular em plena liberdade.
A configuração típica do penhor exige sempre certa publicidade, que se consegue, no
caso vertente, através da posse, transferida, em princípio, para o titular do direito de
penhor. Sem essa publicidade, não é possível constituir a competente situação de
penhor.
Importa não confundir os negócios abstratos dos negócios presuntivos de causa (art.º
458/1). Assim, perante uma promessa de cumprimento ou um reconhecimento de
dívida, não é necessário mostrar a causa do débito, mas, nem por isso se pode falar de
uma situação abstrata: a questão torna-se causal desde o momento em que se prova o
contrário do que resulta da declaração de cumprimento ou de reconhecimento.
Além dos tipos legais, podemos contar com tipos sociais. Desta feita, trata-se de
negócios jurídicos que, embora não previstos na lei, são de tal forma solicitados pela
prática que adotam um figurino comum, por todos conhecido. Desse modo, bastará uma
simples referência ao tipo social para, de imediato, as partes se reportarem a todo um
conjunto de regras bem conhecidas, na prática jurídico-social (e.g. o contrato de
concessão ou o contrato de abertura de conta bancária são ambos contratos
socialmente típicos).
O negócio típico é, em princípio, nominado: a lei designou pelo seu nome (e.g. a compra
e venda, a doação e a sociedade são negócios típicos e nominados). Porém, pode
assistir-se a uma dissociação entre as duas características: um negócio que tenha
regulação supletiva legal, mas não seja apelidado senão pela doutrina, será típico e
inominado (e.g. contrato de associação, reportando-se ao ato de Constituição da
associação previsto no art.º 167); ou então o negócio que merecer referência legal pelo
seu nome, mas que não surja regulado, sendo este nominado e atípico (e.g. contratos
de transporte e ao hospedagem, referidos no art.º 755/a) e b), mas sem tratamento
explícito no CC).
Finalmente, o princípio geral do art.º 295 pode ser aplicado a atuações humanas que,
por serem devidas ou puramente funcionais, não possam considerar-se atos, marcados
pela liberdade de celebração. Tal será o caso de uma sentença judicial: por via do art.º
295, esta deverá ser interpretada à luz do art.º 236.
Esta estruturação tem sobre ela, segundo MC, a particular vantagem de evitar a
categoria híbrida dos elementos essenciais, desdobrando-a, em termos
substancialmente corretos.
Uma alternativa foi a figurada por Galvão Telles a propósito do contrato, podendo ser,
contudo, generalizado ao negócio:
▪ Elementos
▪ Acordo (formação)
▪ Acordo (conteúdo)
▪ Causa ou motivo
▪ Requisitos de validade
▪ Requisitos de eficácia
2. Solução preconizada
A distinção tradicional entre elementos essenciais, naturais e acidentais, na medida em
que mescle realidades diferentes, deve ser abandonada.
Segundo MC, e retomando uma contraposição já efetuada por Paulo Cunha, há que
atentar no alcance da noção de elementos do negócio jurídico, sendo que:
▪ em sentido amplo, retratam um conjunto de realidades necessárias para que
exista uma outra.
▪ em sentido estrito, exprimem os fatores que, no momento estaticamente
considerado, componham um quid.
Com esta posição, verifica-se que os pressupostos do NJ só podem ser considerados com
os seus elementos se, destes se perfizer uso em sentido amplo. Mas com isso chega-se
a uma heterogeneidade não conveniente.
Os pressupostos do negócio jurídico implicam regras relativas às pessoas, aos bens, ou
às relações que, entre ambos, se estabeleçam. Os elementos, pelo contrário, têm a ver
com normas e princípios ligados, desde logo, à temática negocial, devendo assim ser
considerados.
Um estudo estático dos elementos negociais mal esconde uma opção concetual. Tendo
presente que todo o motor da fenomenologia em estudo reside na eficácia, há que
ponderar, segundo MC, e em termos preferenciais, o desenvolvimento dinâmico do
negócio. Tanto basta para justificar a sequência de: formação do negócio, conteúdo do
negócio, vícios da vontade e da declaração e ineficácia do negócio.
2. Elementos da natureza
A declaração de vontade, segundo MC, comporta pela sua própria designação 2
elementos: a vontade humana e a declaração. Segundo Savigny temos a vontade, a
declaração e a relação de concordância que se estabelece entre ambas.
A vontade, por seu turno, pode ser decomposta em 3 planos:
▪ vontade do comportamento – permite constatar a presença de uma efetiva
atuação humana.
▪ vontade (ou consciência) da declaração – implica a consciência dessas razões
sociológicas ou normativas: o sujeito age voluntariamente, conhecendo a
dimensão jurídica da atuação.
▪ vontade do negócio – equivale ao desejo de desencadear os efeitos o conteúdo
do negócio em causa.
▪ a teoria da confiança.
Antes de mais, uma declaração surge como uma ação humana: pressupõe uma atuação
ou uma omissão controladas ou controláveis pela vontade, mas como relevante matriz
sociocultural da ideia de declaração mantém-se, em princípio e em primeiro plano, uma
ação voluntária. Os eventos que, embora ligados à pessoa humana, não se possam
considerar ações (e.g. afirmações feitas durante o sono, em estado de transe, sob
hipnose ou na influência de psicotrópicos) são, em rigor, simples factos.
A declaração é ainda um ato de comunicação (uma ação que releva por dela de se
depreender uma opção interior do declarante, opção essa que se vai exteriorizar).
Por fim, a declaração é um ato de validade: ao fazê-la o declarante, não emite uma
comunicação de ciência ou uma informação opinativa, manifestando, pois, uma
adstrição da própria vontade a um padrão de comportamento determinado, para
indicado por ela própria.
Manuel de Andrade e Mota Pinto entende dar noções mais objetivadas, no sentido de
menos ligadas à vontade do declarante, de onde resulta que o direito atende,
preferencialmente, à declaração e não à vontade.
No campo negocial, segundo MC, não se trata apenas de dar expressão à vontade do
declarante, há também que tutelar a confiança das pessoas em certas exteriorizações,
mesmo quando apenas na aparência se mostrem negociais.
Mas então, temos vontade ou tutela da confiança? Segundo MC, ambas, também em
contínuo, pois não parece possível separá-las, uma vez que a própria vontade se vai
formando ao ritmo da confiança que o agente vá inspirando.
Tipos de Declarações
1. Declarações expressas e tácitas
Segundo o art.º 217/1, a declaração negocial é expressa quando seja feita por palavras,
por escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação de vontade, sendo tácita
quando se deduza de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.
A diferença entre declarações expressas e tácitas está sobretudo no grau de certeza
que temos na manifestação de vontade, assim, enquanto que numa declaração tácita
temos 100% de certeza na vontade exteriorizada do seu autor, atendendo a que esta
foi manifestada de modo direto, numa declaração tácita temos apenas uma grande
probabilidade de certeza sobre a vontade exteriorizada do autor desta mesma
declaração, atendendo ao facto a que a sua manifestação foi indireta, recorrendo a
outros fatores (comportamentos concludentes). Assim, para a determinação de uma
declaração tácita, há que atender aos usos e ao ambiente social onde ocorram os
factos.
O Ac. do STJ de 05-nov.-1997, veio explicitar de que “os comportamentos requeridos
pela declaração tácita terão de ser significantes, positivos e inequívocos”.
Por vezes, a lei exige que determinada vontade conste de cláusula expressa. Essa ideia
é muitas vezes minimizada sob a invocação de que a tal cláusula expressa pode ser
tacitamente manifestada. Caso a caso haverá que interpretar o objetivo da lei, ao exigir
a vontade expressa.
Todavia, em geral, a exigência de uma assunção expressa destina-se a consciencializar o
declarante, visando a sua proteção. Nessa eventualidade haverá que, no mínimo,
verificar-se, em concreto, o objetivo legal que se mostra assegurado. Na dúvida,
segundo MC, a exigência legal deve ser tomada em sentido técnico: o de afastar
declarações tácitas.
2. O silêncio
Silêncio – total ausência de comunicação por parte do sujeito considerado.
O silêncio caracteriza-se não apenas pela falta de palavras, de gestos ou descritos: ele
requer que, da ambiência existente, não se possa retirar qualquer mensagem. O silêncio
jurídico é nullum, i.e., não possui qualquer valor declarativo.
Em termos sistemáticos, cumpre ter presente que o CC não conferiu relevo aos usos nos
domínios da interpretação e da integração negociais (art.º 236 ss.).
O silêncio valerá como declaração negocial quando um uso, devidamente juspositivado
por uma lei, o determine. Evidentemente tratando-se de um contrato, este passará a
constar do que diga a proposta, incidindo, sobre ela, a atividade de interpretação.
Por fim, podem as partes, por convenção, atribuir ao silêncio o significado que lhes
aprouver e, entre outros, um sentido negocial. Digamos que facultaria uma declaração
concludente, distinguindo-se da pura declaração tácita, por não resultar de nenhum
elemento exterior.
Um efeito similar seria possível quando, no silêncio, se viesse a alicerçar uma situação
de confiança razoável e legítima: nessa eventualidade, o sujeito silencioso ficaria ligado
à necessidade de respeitar a confiança que fez surgir.
As pessoas têm o direito ao silêncio, até como meio de defesa contra a envolvente e
invasiva sociedade dos nossos meios, e desse silêncio, nada pode ser inferido, salvo
muito poderosos elementos em contrário, elementos esses dos quais o sujeito possa,
sem esforço, libertar-se.
Coloca-se ainda a questão das declarações de vontade que cheguem ao seu destino, mas
não possam ser conhecidas pelos destinatários, por não dominarem a língua em que
estejam exaradas. Na falta de lei expressa, recomenda-se um tempero com recurso à
boa-fé.
Ao lado do protesto surge ainda a reserva: trata-se de uma contra declaração usada por
quem declare aderir a uma posição comum, mas não in totum. Ela ocorre no domínio
dos tratados e convenções internacionais.
5. Declarações não-negociais
De acordo com Paulo Cunha, consideramos não-negociais as declarações que
comportem liberdade de estipulação, i.e., o declarante é livre de as efetuar, mas não
conhecia os seus efeitos, os quais estão prefixados pelo Direito.
As declarações não-negociais são, em regra, declarações unilaterais subsequentes:
existe já um NJ no qual a lei permite que, em certas circunstâncias, a eficácia lhe seja
alterada ou suprimida, por declarações de um dos intervenientes. Mas apenas com o
preciso alcance da lei: daí a natureza não negocial. Exemplos:
▪ a ratificação: declaração unilateral que estabelece, a posteriori, um vínculo de
representação (art.º 268).
▪ a aprovação: declaração própria do dono do negócio, perante uma situação de
gestão de negócios (art.º 469).
▪ a confirmação: declaração do titular do direito de anular o negócio anulável, de
que prescinde desse direito, convalidando o negócio (art.º 288).
▪ a validação: declaração pela qual, perante o negócio anulável por erro, o
interessado evita a anulação aceitando o negócio tal como declarante, incurso
no erro, o pretendia (art.º 248).
▪ a reductio ad equitatem (redução do património) é uma validação especialmente
adaptada aos negócios usurários (art.º 283).
▪ a rejeição ou a adesão, do terceiro beneficiário, a um contrato a favor de terceiro
(art.º 447): a primeira põe cobro a promessa e a segunda torna-a irrevogável.
▪ a convalidação de negócios nulos: declaração que impede o seu autor, nas
nulidades relativas, de as invocar (art.º 968): é uma figura excecional, explicável
pelos valores em presença.
▪ a convalescença: é uma modalidade de convalidação, aplicável a certas vendas
anuláveis (art.º 906/1), constituindo um dever do devedor (art.º 907/1).
▪ o perdão: é a declaração pela qual o devedor releva o donatário ingrato da sua
falta, pondo termo à revogabilidade da doação por ingratidão (art.º 975/c)).
▪ a anulação: traduz uma declaração de exercício do direito potestativo de
impugnar os negócios anuláveis (art.º 287/1).
▪ a invocação da nulidade e a declaração, feita por qualquer interessado, de pôr
cobro a negócios nulos (art.º 286).
3. Técnica de contratação
A captação do NJ, na sua dimensão dinâmica, permite, de resto, surpreender o
fenómeno da formação negocial, atribuindo, às diversas figuras, o papel que, de facto,
lhes compete.
No que diz respeito à escolha das melhores opções técnicas, a doutrina elenca:
▪ caminho mais seguro: cabe eleger as vias que gerem menos riscos de
responsabilidade.
▪ caminho menos dispendioso: jogam os custos fiscais e, ainda, os custos de
transação e os da sua execução (e.g. ponderar, em vez de transmissão direta de
imóveis, a das partes sociais da sociedade que os detenha).
▪ caminho mais praticável: de acordo com a natureza do caso, há que evitar
remeter para o futuro aspetos que se saiba, de antemão, suscitarem dúvidas ou
que possam pôr em jogo, pela indeterminação, a própria validade do contrato.
▪ caminho mais flexível: perante uma realidade mutável ou de evolução insegura,
há que enxertar cláusulas adequadas de proteção.
▪ celebração de contratos preparatórios convenientes.
escopos opostos (e.g., o futuro inquilino pretende um sistema que lhe dê segurança
perpétua, enquanto o futuro senhorio procura, a todo o tempo, poder dispor do local
arrendado, desembaraçado). Uma boa contratação procurará solucionar tais conflitos
(e.g., no exemplo apresentado, as partes podem ser aproximadas através de prazos de
pré-aviso ou de compensações).
As negociações contratuais é a fase em que as partes têm, sobre a mesa, os diversos
aspetos sobre os quais deverão firmar um acordo. Neste ponto, será ainda importante
verificar-se se se está perante alguma forma restritiva de contratação e maxime perante
ccg.
Finalmente, será elaborado o texto do contrato, ao qual as partes irão dar o seu acordo.
Deve usar-se terminologia técnica: mais segura e precisa. Em regra, as partes apelam
para a língua correspondente ao direito aplicável, contudo, independentemente disso,
na contratação internacional, adota-se, muitas das vezes, o inglês. Em face de textos
bilingues, há que prever qual das versões prevalece, perante dissemelhanças. Também
é habitual fixar-se o modo de notificação das partes, o seu domicílio contratual ou os
seus representantes.
A Forma da Declaração
1. Evolução geral; forma e formalidades
Forma da declaração/do negócio – modo utilizado para exteriorizar a vontade, desde
que seja minimamente solene, i.e.¸ acompanhada de sinais exteriores sensíveis pelas
pessoas que presenciem a declaração ou que, posteriormente, dela tenham
conhecimento.
Aos negócios formais, contrapõem-se os negócios consensuais (aqueles que produzem
efeito por mero consenso das partes, independentemente do modo por que surja).
Atente-se no facto de a forma da declaração ser uma abstração artificial, ou seja, a
declaração é a sua forma, e esta, equivale a certa declaração.
Note-se que ainda há que distinguir a forma (a qual dá corpo a uma certa exteriorização
da vontade) das formalidades (as quais se analisam em determinados desempenhos
que, embora não revelando em si qualquer vontade, são exigidos para o surgimento
válido certos negócios jurídicos).
Ainda que estas sejam as razões justificativas tradicionais, estas justificações são
duvidosas, pelo que a doutrina tem vindo a realizar um esforço, no sentido de apreender
e aprofundar as razões justificativas da forma. Segundo MC, podemos apontar as
seguintes:
▪ Prova – na presença de um documento, torna-se mais fácil demonstrar a
existência de um negócio.
▪ Autenticidade – a forma mais solene permite fixar, com fidedignidade, o efetivo
conteúdo de um negócio.
▪ Identificação – pode haver dúvidas sobre quem celebra um contrato,
particularmente se houve questões de representação, orgânica ou voluntária,
ajudando, deste modo, a forma.
▪ Comunicação – contratar é comunicar, ora, a observância de uma forma torna
qualquer contrato mais sólido e efetivo.
▪ Informação material – a leitura de um documento permite conhecer melhor,
quanto ao fundo, o que se vai realizar.
▪ Indício material – o objeto do negócio fica demarcado, prevenindo-se equívocos
e, até, desacordos.
▪ Delimitação e finalização – a sequência formativa, na qual tenham sido
produzidos sucessivos documentos, possibilita apurar, através da adoção de uma
forma, o contrato a que se haja chegado.
▪ Oficialização e publicidade – ambas estas dimensões, de evidente relevância
sócio-jurídica, são espoletadas perante formas mais solenes.
▪ Sobreaviso e proteção, perante a precipitação – as partes envolvidas têm
possibilidades reforçadas de se aperceberem da dimensão do que, de facto,
assumem.
▪ Consciencialização – é fácil dizer que sim perante uma proposta, todavia, a
circunstância de se apor uma assinatura num documento ou de se fazer a
declaração perante um notário, aumenta a ideia de auto-vinculação ao que foi
declarado.
Os escopos justificativos da forma apontados, não são exaustivos, todavia, eles deixam
entender que as razões da forma são bem mais amplas do que o tradicionalmente
considerado. As contra-argumentações assentes nas exigências do tráfego são
facilmente reversíveis, sendo que, em certas áreas, como a da banca, são justamente
razões de celeridade que justificam o recurso a formas padronizadas.
As razões apontadas para a justificação das exigências de forma não podem, todavia, ser
sempre entendidas em termos efetivos e racionais, antes, tão-só, em termos histórico-
tendenciais.
No domínio patrimonial, o relevo dos diversos negócios não pode deixar de se conectar
com o valor económico dos bens neles em jogo. Ora, as exigências atuais de forma, que
atingem sobretudo os bens imóveis (art.º 875) estão desligadas dos valores em causa:
negócios muito valiosos operam, de modo válido, pelo simples consenso, enquanto que
outros, sem significado, continuam a exigir forma máxima. A desarticulação existente
entre o valor dos negócios e a forma pela qual eles devam ser celebrados pode, segundo
MC, bloquear, em concreto, a possibilidade de lhe fazer corresponder agravadas
necessidades de publicidade, de reflexão ou de prova, bem como os numerosos escopos
apontados.
Cumpre ter presente que a assinatura tem um triplo papel: permite imputar o texto
da declaração escrita ao seu autor; facilita a demonstração de autoria, dado que cada
assinatura humana é própria, diferenciando-se das outras; e consciencializa o
assinante, já que assinar é sempre sentido como um ato de responsabilidade.
O documento particular cuja autoria seja reconhecida, faz prova plena quanto às
declarações atribuídas ao seu autor (art.º 376/1).
Quanto aos factos contidos na declaração, consideram-se provados na medida em que
se apresentem contrários aos interesses do declarante; a declaração é, contudo,
indivisível, em termos aplicáveis à confissão (art.º 376/2). Ficará ao julgador o apreciar
em que medida o valor probatório do documento é afetado por notas, entrelinhas ou
outros vícios externos (art.º 376/3).
O negócio que não observe as regras de forma que se apliquem é nulo, segundo o art.º
220. A nulidade, por seu turno, é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e
pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal, nos termos do art.º 286. Nestas
condições, não bastaria impedir o causador de uma nulidade formal de a alegar, haveria
que tomar idêntica posição no tocante a quaisquer terceiros interessados, ainda que
estranhos ao vício, assim como, do mesmo modo, seria necessário bloquear o poder do
Tribunal de, ex officio, declarar a nulidade.
Assim não ser, bastaria, ao causador da nulidade, dá-la a conhecer a qualquer
interessado ou ao próprio tribunal para, para essa via, conseguir o mesmo resultado.
Ora a nulidade serve evidentes valores de tutela da confiança e de segurança jurídica,
de modo que, MC, não vê como substituí-la, ad nutum, por uma invalidade informe.
esquema de redução teleológica possa ter aqui aplicação, já que, segundo este autor,
parece ser este o caso de uma norma plena (não tendo objetivos exteriores claramente
definíveis), a qual não admite este tipo de interpretação.
De resto, o valor das normas relativas à forma das declarações reside na sua própria
existência. Desde o momento em que tais normas pudessem ser afastadas, pela redução
teleológica, a segurança e as facilidades que dela decorrem perder-se-iam.
2. A inalegabilidades formais
Inalegabilidade formal – situação em que a nulidade, derivada da inobservância da
forma prescrita para um determinado NJ, não possa ser alegada sob pena de se verificar
um abuso de direito, por contrariedade à boa-fé.
Segundo MC, à partida, deve ser ponderado um fator de regime, mas com a maior
importância dogmática: as nulidades, além de arguíveis pelas partes ou por
interessados, são, ex officio, cognoscíveis pelo Tribunal (art.º 286). As leituras que, na
inalegabilidade, vem apenas uma concretização da inadmissibilidade de um exercício
contrário à boa-fé, ficam comprometidas: de nada valeria ao beneficiário bloquear a
alegação da nulidade pela contraparte quando, afinal, o próprio juiz teria, por dever, a
função de a declarar.
▪ Forma legal – forma que, por lei, seja exigida para determinada declaração
negocial.
▪ Forma voluntária – forma que não sendo embora exigida pela lei ou por
convenção, venha, no entanto, a ser adotada, livremente, pelo declarante.
▪ Forma convencional – forma que as partes tenham convencionado adotar.
Enquanto na forma legal se trata, fundamentalmente, de apurar o âmbito de aplicação
das competentes normas, nas restantes formas procura-se saber se as partes
pretendem, ou não, atuar na sua autonomia privada, quando se manifestem de modo
não-formal.
As regras que prescrevam uma forma legal devem ser interpretadas em termos diretos,
encostados à letra da lei: a segurança e a delimitação da generalidades a tanto nos
conduzem.
A forma legal opera, apenas, perante o cerne negocial: as estipulações acessórias só se
lhes sujeitam quando a razão determinante da forma lhes seja aplicável – art.º 221/1 e
2 –, sucedendo de igual forma, os atos jurídicos subsequentes, tais como a resolução. As
regras sobre a forma devem ser estendidas a negócios que se prendam diretamente
com o núcleo negocial formalizado [e.g. procuração (art.º 262/2), ratificação (art.º
268/2), cessão de posição contratual (art.º 425) cessão de créditos ou de direitos (art.º
578/1 e 588, etc.)].
7. A forma voluntária
O art.º 222/1 e 2, prevê repetidamente a hipótese de a lei sujeitar as estipulações
acessórias a forma escrita; esta terá de ser seguida, sob pena de nulidade – art.º 220 –
num simples aflorar das regras gerais, cabendo recorrer ao art.º 221 para indagar se, de
facto, elas se sujeitam à forma escrita.
8. A forma convencional
A forma convencional implica um pacto prévio pelo qual as partes combinaram emitir
as suas declarações por certo modo. Trata-se de uma possibilidade lícita e eficaz, ao
abrigo da autonomia privada. Todavia, importa ter presente os limites impostos quanto
às ccg: o art.º 22/1, o) LCCG, nas relações com consumidores, considera relativamente
proibida a fixação de formalidades que a lei não preveja. Tal fixação pode conduzir,
direta ou indiretamente, a uma compressão dos direitos do consumidor.
As partes podem, de comum acordo, não observar o combinado: haverá então uma
revogação da prévia convenção de forma, desde que as circunstâncias do caso permitam
o mesmo concluir a sua vontade de suprimir o antes acordado.
O problema torna-se ainda mais delicado quando as partes acordam uma forma
convencional e estipulam, de modo expresso, que tal forma só por escrito possa ser
dispensada. E se o fizerem oralmente?
Temos de apelar à dignidade e divulgar uma cultura de respeito pela palavra dada,
assim, a convenção de forma só por escrito pode ser distratada, a menos que especiais
circunstâncias, assentes na boa-fé, permitam outra saída.
O art.º 223/1, relativo à convenção de forma, desvia-se um tanto destas regras gerais,
já que apenas estabelece a presunção de que, é estipulada de certa forma, as partes não
se quiseram vincular-se não por ela. Pode tal presunção, nos termos gerais, ser ilidida
por prova em contrário (art.º 350/2), demonstrando-se então uma revogação do pacto
quanto à forma.
Pode acontecer, por fim, que a convenção quanto à forma surja apenas depois de
concluir o negócio ou no momento da sua conclusão: desde que haja fundamento para
admitir que as partes se quiseram vincular desde logo, o art.º 223/2 presume que se
tive em vista a consolidação do negócio, portanto uma sua formalização (em rigor
dispensável), ou qualquer outro efeito que se possa descobrir: não a revogação do
negócio já celebrado, a sua substituição.
A conjugação dos preceitos em jogo e, designadamente, a não distinção efetuada na
matéria pelo art.º 223/1, permite concluir que, quando não assumam a forma
convencional, as estipulações acessórias obrigam sempre que se mostre
corresponderem à vontade das partes. Estamos no domínio da autonomia privada,
possibilitando os art.º 221 a 223, um bom exemplo de raciocínio jurídico.
As regras formais, têm, pois, uma extensão tão restrita, limitando-se ao que,
simplesmente, a lei imponha; dominando, assim, a autonomia privada.
Num segundo grupo de casos, a cic visa a circulação, entre as partes, de todas as
informações necessárias para a contratação. Pode falar-se na existência de deveres de
informação pré-contratuais, sendo que o âmbito se vai alargando consoante a
conclusão do negócio se aproxima, englobando até informações que apenas de modo
indireto se relacionam com o NJ em causa.
Num terceiro grupo, a cic liga-se, de modo mais direto, à própria atuação das partes,
havendo, assim, deveres de lealdade: as partes não podem, in contrahendo, adotar
2. As constelações de casos
Os deveres de segurança, de informação e de lealdade pré-negociais tendem a
concretizar-se em torno de constelações de casos. Sucessivamente:
▪ vulnerabilidade pré-negocial: documenta múltiplas situações em que, mercê de
contratos pré-negociais, uma das partes fica nas mãos da outra, ou, pelo menos,
se coloca numa situação de especial fraqueza, dependendo dos deveres de
segurança, de informação ou de lealdade, a cargo dessa outra.
▪ Contratação ineficaz: quando se origina um contrato que seja nulo ou anulável.
Na hipótese, por exemplo, de surgir um contrato formalmente nulo, por uma das
partes a tanto ter conduzido, pode haver cic, designadamente quando não seja
possível construir uma situação de inalegabilidade.
A prática releva situações de dolo na conclusão do contrato: para além da
anulabilidade daí resultante, pode haver cic; outros vícios são retirados, para
esse efeito, como o da nulidade por contrariedade aos bons costumes. A cic
complementa, neste tipo de concretização, as regras relativas à invalidade dos
contratos e ao vício da coisa vendida: em si, tais regras não apagam os danos
que possam estar envolvidos.
▪ Interrupção injustificada de negociações: a conclusão de um contrato é, até ao
último momento, totalmente livre. Deste modo, à partida, pode qualquer uma
das partes, numa negociação, desistir do contrato, sem dar justificações, mesmo
embora a contraparte contasse já com a sua conclusão. Diferentemente se
passam as coisas se a parte desistente tiver, com a sua conduta, originado, na
contraparte, uma confiança justificada de que com segurança, se iria concluir um
contrato: assim, a interrupção injustificada das negociações conduz à cic.
▪ Tutela da parte fraca: tem uma especial concretização nas relações com
consumidores e, ainda, nas áreas sensíveis da banca e dos seguros. Tal tutela
concretiza-se, predominantemente, através de deveres de informação.
O papel da cic na correção de contratos injustos, não levanta dúvidas, embora não possa
ser levado ao ponto de pôr em causa a autonomia privada, cerne do direito privado. Por
fim, o tema deve ser visto em ligação com os direitos dos consumidores e, no direito
civil, em articulação com as ccg. Tudo visto, podemos, assim, proclamar que,
verificadas circunstâncias ponderosas, a parte habilitada que não informe,
suficientemente, a parte débil, pode ser confrontada com cic, cabendo-lhe indemnizar
os danos assim causados.
4. A obrigação de contratar
A obrigação de contratar traduz uma SJ pela qual um sujeito fica a distrito à celebração
de um contrato, i.e., à emissão de uma declaração de vontade, que, em conjunto com a
da outra parte, dá azo a um NJ bilateral.
A obrigação de contratar ex bona finde exige uma forte situação de confiança, imputável
à contraparte, de que o contrato em jogo iria ser celebrado e isso ao ponto de um
interessado ter realizado um considerável investimento de confiança.
Nessa eventualidade, o dever de contratar impõe-se, tendo, como contra-faces, a
ilicitude da interrupção injustificada das negociações, tendo como final a indemnização
que daí decorra, sendo esta calculada de acordo com um interesse positivo (tentando
estabelecer uma situação o mais próxima possível da que se tivesse realizado o
contrato).
5. A boa-fé e os valores do sistema
A cic, no termo desta análise, assume o papel simples e complexo, de assegurar, nos
preliminares contratuais, o respeito pelos valores gerais da ordem jurídica que, no caso
considerado, aspirem a uma concretização.
Compreende-se, desta forma, a aproximação feita entre a cic e a boa-fé:
▪ Tutela da confiança: na fase da preparação dos contratos, as partes não devem
suscitar situações de confiança que, depois, venham a frustrar (e.g. segundo os
intervenientes têm uma intenção remota de contratar, não deve convencer a
contraparte do contrário); a violação da confiança legítima provoca
responsabilidade.
▪ Primazia da materialidade subjacente: a autonomia privada permite, às partes,
negociar livremente os seus contratos, interrompendo as negociações quando
entenderem; a negociação emulativa, dilatória, ou, a qualquer outro título,
estranha à autonomia privada, é contrária à boa-fé.
Muitas vezes estes dois vetores estão presentes. A situação de confiança dá lugar a
realidades que a materialidade subjacente não pode esquecer.
O direito português sempre deu um papel especial a este tipo de abordagem, por isso
se enfatiza a responsabilidade pré-contratual, terceira via da responsabilidade ou o
predomínio da indemnização pelo interesse negativo.
A cic ganha visibilidade quando, perante a inobservância das condutas por ela
permitidas, se ponha a necessidade de indemnizar. Assim, encontramos 2 orientações
possíveis quanto ao tipo de responsabilidade a aplicar: ou se entende que existe, entre
as partes, uma obrigação específica, seguindo-se a responsabilidade contratual ou
obrigacional, ou se opta por um dever de ordem geral, eventualmente concretizado em
deveres do tráfego, sendo, neste último caso, a responsabilidade, a aquiliana.
Deste modo, encontramos a cic num lugar próximo à responsabilidade aquiliana, mas
também conjugada com a responsabilidade contratual, sustentando-se a ideia de uma
terceira via.
3. Apreciações críticas
Abordagens da cic por via da responsabilidade civil:
▪ O dever de agir é prévio à responsabilidade que possa decorrer da sua
inobservância.
▪ A confiança procura apurar, dela, uma mera fonte da responsabilidade e fazer
regredir a construção da riqueza e da felicidade, dentro do espaço social.
▪ O direito civil está claramente mais avançado na área contratual do que na
responsabilidade civil; mal estaremos, pois, quando a ela façamos apelo e isso
para procurar dogmatizar uma realidade já de si fluída, como a de cic.
▪ A realidade judiciária portuguesa demonstra muitas dificuldades em lidar com o
dinheiro; as indemnizações são muito baixas e difíceis de obter, desincentivando
todo o processo de realização do direito; a fuga para o contrato conduz a
resultados mais justos, numa demonstração de realismo perante o que se
defenda.
A cic posiciona-se no universo da preparação dos negócios. Nessa medida, ela aproxima-
se dos contratos, os quais visam a criação e a atribuição de bens, enquanto a
responsabilidade civil visa a repartição de riscos e de danos.
A cic lida com deveres que, a serem cumpridos, prosseguem um papel criativo e
atributivo. É certo que a sua inobservância induz a danos e responsabilidade, mas, para
conhecer a extensão do seu regime, há que surpreender o momento anterior: é aquela
em que não se perfilham deveres de conduta positivos e que a serem cumpridos
asseguram a riqueza e afastam a responsabilidade. Por eles há que começar.
Em causa: a abordagem da cic pela responsabilidade civil, além de redutora, distorce
todo o instituto.
5. A culpa in contrahendo
Para além do art.º 227, surgem outras consagrações legais relativas à conduta pré-
negocial das partes. No próprio CC, cabe revelar:
▪ O art.º 229/1, segundo o qual o proponente que receba uma aceitação tardia,
mas emitida na vigência da proposta, tem o dever de avisar imediatamente o
aceitante que não considera aceitação eficaz, sob pena de responder, pelo
prejuízo; temos uma concretização de um óbvio dever de lealdade.
▪ O art.º 898, no domínio da compra e venda de bens alheios, prevê a hipótese de
um dos contratantes ter procedido de boa-fé e o outro do lançamento: tem o
primeiro direito de ser indenizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que
não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo, ou, não tivesse sido
celebrado, conforme venha, ou não, a ser sanada a nulidade.
Fora do CC, podemos apontar, e.g., para o art.º 9/1 LDC.
Note-se que a história mostra que a cic não apenas se manifesta nas negociações. Os
deveres de segurança pré-negociais surgem independentemente das quaisquer
negociações, formais ou informais, bastando uma especial proximidade que tem a ver
com a eventual conclusão de um negócio, para que ocorra a relação pré-negocial
complexa. A sua densidade será mínima, mas não nula.
O art.º 227/1 proceder segundo as regras da boa-fé. Faz apelo, a tal propósito, à lisura,
à honestidade, às práticas corretas, à lealdade, à decadência, às práticas corretas e à
ética dos negócios. Note-se que estas expressões apreciativas e valorativas, apesar de
úteis, não são suficientes para, do preceito, dar a verdadeira dimensão.
A boa-fé referida no art.º 227/1 é a objetiva, presente em preceitos como os art.º 334,
437/1 e 762/2. Ela equivale a uma remissão para os valores fundamentais do sistema,
presentes nas situações consideradas. Os valores em causa são mediados pelos
princípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. O seu
alcance é inesgotável.
Analiticamente, ela origina deveres de segurança, de informação e de lealdade.
Compreensivelmente, temos os 5 grandes grupos de casos em que vimos se ordenarem
as situações de cic: vulnerabilidade pré-negocial, contratação ineficaz, interrupção
injustificada de negociações, tutela da parte fraca e responsabilidade por atos de
terceiros.
Finalmente, arremata o art.º 227/1, “sob pena de responsabilidade pelos danos que
culposamente causar a outra parte”. Desde logo, cabe enfatizar que o preceito não
delimita nem exclui quaisquer danos: são todos os que sejam culposamente (representa
um juízo de culpa, i.e., de censura jurídica perante quem inobserve conscientemente
uma norma jurídica) causados, com importância por desamparar literalmente as
restrições ao interesse negativo ou da confiança.
Segundo MC, estamos perante uma situação de responsabilidade obrigacional, onde,
por via do art.º 799/1, sempre se presumiria a culpa. Culposamente, quer pela semântica
do preceito, quer pelos vetores gerais, implica mais qualquer coisa: o advérbio visa
delimitar os danos a indemnizar.
Pelo contrário, JAV defende que a cic é uma responsabilidade extraobrigacional, não
assentando na violação de qualquer direito de crédito, mas em deveres genéricos de
fonte legal. Só assim se justifica, ao contrário do que defende MC, que o prazo de
prescrição seja o da extracontratual.
O art.º 227/2 remete, no tocante à prescrição, para o art.º 498, o qual se trata de um
preceito com uma previsão de prescrição subjetiva, uma vez que começa a correr, não
a partir do momento em que o direito possa ser exercido (art.º 396/1), mas apenas
quando o titular dele tenha conhecimento, ainda que ignorando a identidade do
responsável ou a extinção dos danos. Consequentemente, o prazo é curto: 3 anos.
O legislador, mau grado a natureza obrigacional da responsabilidade, optou pela
prescrição mais flexível e capaz de servir, com justiça, a segurança jurídica.
atenção para essa omissão. Posteriormente, os tribunais vieram a manejar a cic com
uma tranquilidade crescente.
A vulnerabilidade pré-negocial traduz situações nas quais uma das partes detém
elementos, designadamente informações, decisivas para a outra, mas omite comunicá-
las à contraparte, aquando das negociações.
Não se documentam, na jurisprudência portuguesa, situações de violação de deveres de
segurança, por danos à vida ou à integridade física, mas, em STJ, foram arbitrados danos
morais numa situação de omissão informativa por parte de um banco. Dogmaticamente,
houve uma violação de um dever de segurança destinado a proteger a integridade moral
dos envolvidos.
Documenta-se, em certos moldes a cic pela contratação ineficaz, a qual costuma acudir
perante situações de vício da coisa, que não possam ser (totalmente) enquadradas com
recurso ao regime da compra e venda.
Não é dogmaticamente correto vir a entender que a cic não pode coabitar com a
invalidade por dolo, já que uma das suas funções é justamente a de complementar o
regime das invalidades, permitindo ressarcir danos das pessoas que, delas, sejam
vítimas.
O grupo de casos que mais tem ocupado os nossos tribunais é o da rutura injustificada
das negociações (e.g., a propósito do fornecimento de material clínico para um hospital,
houve rutura injustificada da negociação de um leasing relativo à aquisição, havendo,
pois, cic; no decurso de negociações, chega-se a acordo quanto a determinada venda,
levando o projetado vendedor a realizar diversas obras, tendo esta operação em vista,
nesse mesmo tempo, a contraparte, sem justificação, não cumpre, devendo, pois, a
indemnização ao lesado por cic).
A propósito do cômputo da indemnização: pelo interesse negativo ou pelo positivo.
Saliente-se ainda que, no foro administrativo, surgem questões deste tipo: após uma
adjudicação de obras públicas, verifica-se que o dono não promove a celebração do
contrato à adjudicatária, havendo, pois, cic.
Na tutela da parte fraca, ainda que não assumida expressamente, enquanto tal, ocorrem
diversos e significativos arrestos (e.g. a propósito da concessão de exploração de uma
bomba de gasolina, negociada durante 3 anos, a multinacional concedente não disse
que só admitia contratar por 5 anos, notando-se a existência de cic; um banco negociou
um mútuo com um deficiente, convicto que daqui haveria uma bonificação nos juros,
contratando, pois, nessa base, contudo, apura depois o seu erro e pretende repercutir
o sobrecusto no consumidor, debitando-lhe, ora, não o pode fazer-se, sob pena de cic).
Por fim, responsabilidade de terceiro por cic também surge documentada, desde logo,
o devedor responde, em termos de cic por atos do seu representante.
A cic não é um instituto subsidiário. Ela pode ser invocada em concorrência com outros
institutos, como sejam a invalidade ou a resolução de um contrato, o regime de venda
de bens defeituosos ou a existência de acordos preparatórios explícitos. Tão-pouco
existe qualquer problema num funcionamento conjunto da cic e do abuso do Direito.
3. A natureza
A violação da relação pré-negocial é fonte, segundo MC (e ao contrário de JAV), de
responsabilidade obrigacional, aplicando-se, designadamente, o art.º 799, com a sua
presunção de culpa. Esta era a posição tradicional na nossa jurisprudência, sufragada
pela doutrina e, chegando, até há pouco tempo, a ser unânime.
Afastando o episódio da natureza delitual da cic, surge uma outra construção: a ideia de
que, entre a responsabilidade obrigacional e a delitual/aquiliana havia uma terceira via.
Tratava-se de explicar as situações enformadas por relações sem prestação principal,
como as da cic, a permanência de certos deveres perante a nulidade do contrato, a
dependência do contrato e a culpa postum factum finitum. Resta acrescentar que,
quanto sabemos, a referência à terceira via desapareceu.
Todavia, num fenómeno de contaminação cultural, a ideia de uma terceira via veio
merecer a simpatia de alguns civilistas portugueses (de forma implícita BM e Sinde
Monteiro, e, de forma explícita Carneiro da Frada e ML), sendo que, a partir daí, o receio
ancestral de evitar parecer desatualizado, levou a que a terceira via se viesse manter no
nosso direito civil.
ML dá um alcance sistemático de grande relevo, uma vez que o conceito lhe permite
agrupar os institutos da responsabilidade pré-contratual, da culpa post pactum finitum,
do contrato com proteção de terceiros e da relação coerente de negócios. Contra
pronuncia-se Almeida Costa que considera não ser necessário este instituto, perante o
nosso CC.
A referência a uma terceira via, como modo de enquadrar a cic, penetrou nalguma
jurisprudência. Temos de nos entender quanto ao conteúdo prático de tal referência. ML
explica as consequências de aproximar a cic da “terceira via”:
“Em relação à culpa in contrahendo, o regime aplicável será preponderantemente o da
responsabilidade obrigacional, sujeitando-se, por isso, o autor de facto, à presunção de
culpa prevista no art.º 799 e ficando a responsabilidade por atos dos auxiliares sujeita
ao regime do art.º 800. Haverá, no entanto, a aplicação de algumas soluções de
responsabilidade delitual, uma vez que parece que não se deverá aplicar à culpa in
contrahendo a exigência de capacidade negocial, e a lei manda expressamente aplicar a
regra da prescrição da responsabilidade delitual (art.º 227/2).”
A terceira via tinha o sentido, designadamente, de evitar a presunção de culpa, por isso,
segundo MC, a manter essa categoria, é preferível remetê-la para os deveres do tráfego.
Contudo, MC receia que, na prática, a terceira via funcione como mais um pretexto para
reduzir as indemnizações.
▪ Pelo interesse negativo, vai prevalecer a ideia de que as próprias negociações foram
ilícitas, devendo ser riscadas do mapa. Sendo este tipo de interesse usado, irá o lesado
receber uma indemnização que permita colocá-lo na situação em que estaria, se nunca
tivessem ocorrido para as negociações. Serão computadas as despesas havidas, os
custos envolvidos e, eventualmente, o esforço utilmente dispendido. O qual
evoluiu para a teoria do interesse da confiança (procurando-se determinar o
quantum do investimento de confiança perdido).
▪ Pelo interesse positivo, ilícita foi a interrupção das negociações ou a
incapacidade de, por elas, se chegar a um contrato válido e eficaz. Em
indemnização procurar-se-á colocar o lesado na situação em que estaria se o
contrato fosse válido e eficaz. O qual evoluiu para a teoria do interesse no
cumprimento (visando assegurar-se o valor futuro perdido, por via da cic).
Deste modo, a clivagem entre o da confiança (negativo) e o do cumprimento (positivo)
não se repercute, inelutavelmente, no montante da indemnização. Com efeito, pode
demonstrar que, a não ser a negociação frustrada, o lesado, além de poupar esforços e
defesas, ainda teria celebrado, como alternativa, um lucrativo negócio. Essa perda de
chance é abrangida pelo interesse negativo, a título de lucros cessantes, e,
inversamente, bem poderia suceder que, a não haver cic, se chegasse a um negócio
pouco vantajoso ou, até, prejudicial para o lesado.
Mas se assim é, outra tem sido a aplicação das 2 teorias. A limitação ao interesse
negativo acaba mesmo por restringir as indemnizações às despesas documentadas,
por vezes mesmo muito difíceis de provar.
Há, pois, que ter muito cuidado e alguma sensibilidade, no posicionamento da
questão. Devemos ainda prevenir para o seguinte: a limitação das indemnizações por
cic, ao determinado interesse negativo, já contagiou, no pensamento de alguns
autores, a indemnização devida, quando, na dependência de um contrato, haja um
incumprimento que leve a parte fiel a recorrer a sua resolução. Admitir que, a
indemnização se limita a colocar as partes na posição de nunca ter havido um contrato
constitui grave prémio ao infrator e coloca em causa a juridicidade das obrigações e
ao princípio do cumprimento do contrato.
Quanto aos deveres de segurança: devem ser indemnizados todos os danos, pessoais,
patrimoniais e morais que possam, causalmente, ser imputados ao agente. Está em
causa o interesse da integralidade, a qual seria uma saída prática e eficaz, dada a
presunção de culpa, para as diversas situações que possam ocorrer. É importante
denotar que estes deveres encontram-se presentes em todo o processo formativo.
Deve ficar claro que as tipificações assim efetuadas visam, apenas, ilustrar a
concretização da cic e o alcance do dever de indemnizar que, dela, possa resultar. A
realidade é mais diferenciada: todo o processo de negociação é um continum que só
pela abstração requerida pela análise pode ser cindido. Cabe ao julgador, no caso
concreto, sem preconceitos, realizar o direito, através dos múltiplos instrumentos que a
moderna ciência jurídica lhe confia.
6. A densificação negocial
In contrahendo, ocorre uma especial proximidade entre as partes, que as colocam à
mercê uma da outra.
Além disso, surgem áreas específicas, ricas em valores e nas quais o legislador assumiu
a postura explícita de proteger determinados intervenientes, tal como sucede no
domínio das ccg, onde ocorrem específicos deveres de informação (art.º 6 LCCG).
Todas estas figuras haverá sempre que somar os diversos institutos da responsabilidade
civil, à medida que se venham a tornar mais eficazes (assim, uma violação do sigilo será
uma falha in contrahendo; contudo, poderá representar, antes de mais, uma violação
ao direito da privacidade, sede onde será possível uma indemnização mais cabal).
No funcionamento da cic , deve-se ter sempre presente que ela opera como
“compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na
proteção da confiança das partes durante a fase das negociações” (Ac. n.º. do STJ de 09-
fev.-1999).
Atos Preparatórios
1. Ideia geral e modalidades
A proposta e aceitação surgem como elementos necessários, dentro do processo
analítico de formação do contrato entre ausentes. A liberdade das partes pode, no
entanto, introduzir outros elementos nesse processo, seja como modo de mais
eficazmente se conseguir a prossecução do consenso, seja como via adequada para
enfrentar particulares circunstâncias que se lhes deparem.
Atos preparatórios – todos aqueles atos que se inserem, pelo seu objetivo, no processo
de formação contato não podendo reconduzir-se a proposta, a aceitação ou a rejeição,
relativamente ao contrato definitivamente preenchido.
Por seu turno, os atos preparatórios jurídicos dizem-se vinculativos ou não vinculativos
conforme obriguem, ou não, as partes a práticas ulteriores.
2. Atos típicos
Entre os múltiplos atos preparatórios possíveis, avultam alguns que são tipificados, seja
na lei, seja na prática social. No primeiro caso, fala-se em tipos legais, no segundo, tipos
sociais.
Começando pelos tipos sociais, encontramos a minuta ou a punctação. Neste
documento, as partes vão exarando os diversos pontos a inserir no futuro contrato, à
medida que sejam acordados. Na ideia tradicional, o contrato é aprovado no seu todo,
por isso, os pontos setoriais acordados, mesmo quando lançados num papel, não
vinculam os contraentes antes da aprovação final global.
Contudo, note-se que na atualidade, assiste-se, muitas das vezes, em negociações
complexas, à realização de atas das diversas reuniões ou a volumosas trocas de
correspondência, e de onde resultam acordos setoriais obtidos pelas partes. O princípio
da aprovação final global, afirmado a propósito da plantação nada diz a tal respeito. E
bem, segundo MC, já que tudo depende da vontade das partes.
O ato de lançar em minuta certos elementos é puramente material. Mas os acordos que
assim se documentem ou que resultem de atas de reuniões ou de correspondência
trocada pelas partes podem ter alcance normativo imediato, dependendo se as partes
se consideravam já vinculadas por acordos parcelares.
O regime do concurso vincula o seu autor, salvo quando claramente ele tenha
proclamado, nos termos da abertura, a natureza meramente indicativa do processo.
As pessoas são livres de contratar ou não contratar, e podem, por maioria de razão, fazer
anteceder o contrato por consultas ou sondagens de mercado, procurando colher
opiniões e com muito saído eventuais interessados. Quando, porém, abre um concurso,
devem respeitá-lo até ao fim.
Negócios mitigados
1. Acordos de cortesia e de cavalheiros
Acordo de cortesia – convénio relativo a matéria não patrimonial e que releve do mero
trato social (poderá recair sobre a hora e o local de um encontro, sobre questões
protocolares ou sobre outros ajustes convenientes para um convívio agradável, dentro
e fora da contratação jurídica).
O acordo de cortesia não se distingue do contrato apenas por as partes o terem colocado
fora do direito: ele recai antes sobre uma matéria que, não tendo conteúdo patrimonial,
não releva para o direito. A presença de uma obrigação derivada de acordo de cortesia
pode corresponder a um tipo legal (e.g. prestação de informações sem base jurídica).
Evidentemente: o acordo de cortesia que seja subtraído, apenas, para provocar danos
pode dar azo a situações comuns de responsabilidade civil: digamos que ele origina uma
obrigação legal de proteção, semelhante à da cic.
ora, o cavalheiro honrará sempre a palavra dada, quaisquer que sejam as circunstâncias
e o preço, não sendo, contudo, direito.
A contratação mitigada decorre da prática dos negócios, donde diversas figuras têm sido
autonomizadas:
O conteúdo das cartas de intenção pode ser muito variado, de entre eles, cabe apontar:
▪ Cartas-registo – esta carta compreende uma punctação na qual são consignados
os pontos sobre o que haja já acordo
▪ Cartas procedimentais – as partes alinham os espaços negociais subsequentes,
normalmente depois de fixar em alguns pontos já alcançados.
▪ Cartas-quadro – a carta, para além de traçar pontos fechados, pontos em aberto
e, processos subsequentes, comporta, em anexo, diversos contratos
suplementares.
▪ Cartas-execução – permitem às regras iniciar, de imediato, atos de execução
próprios do contrato definitivo.
▪ Cartas de hardchip – obrigam as partes a negociar, dando, para isso, mais ou
menos elementos.
2. A proposta
Num processo tendente à formação de um contrato, surge, como fase necessária, a
proposta. Em termos formais, esta é a declaração feita por uma das partes e que, uma
vez aceite pela outra ou pelas outras, dá lugar ao aparecimento de um contrato. A
proposta contratual, para o ser efetivamente, deve reunir, segundo a doutrina
maioritária, 3 requisitos essenciais:
→ Completude
Deve ser completa no sentido de abranger todos os pontos a integrar no futuro
contrato: ficam incluídos quer os aspetos que devam necessariamente ser
precisados pelos contratantes (e.g. a identidade das partes, objeto a vender, um
montante do preço), quer os que, podendo ser supridos pela lei, através de
normas supletivas, as partes entendam moldar, segundo a sua autonomia
privada.
Faltando algum elemento e ainda que a outra parte o viesse a completar, não
haveria, sobre ele, o consenso necessário.
→ Firmeza
Deve revelar uma intenção inequívoca de contratar: não a proposta quando a
declaração do proponente seja feita em termos dúbios ou hipotéticos: a
proposta deve ser firme, uma vez que a sua simples aceitação dá lugar o
aparecimento do contrato, sem que, autocolante, seja dada uma nova
oportunidade de exteriorizar a vontade.
→ Formalidade
Deve revestir a forma requerida para o contrato de cuja formação se trate:
repare-se que a forma do contrato, como a de qualquer negócio, mais não é do
que a forma das declarações em que o assente.
No fundo, como foca Larenz, a proposta deve surgir de tal modo que uma simples
declaração de concordância do seu destinatário faça, dela, um contrato.
Nas hipóteses em que não seja possível distinguir uma proposta e uma aceitação, fica
claro que os requisitos acima apontados, para a declaração do proponente, se devem
reportar ao objeto que mereça o assentimento dos contratantes ou que ambos façam
seu.
A exigência de forma coloca-se para a validade do concreto contrato, mas na sua falta,
pode ocorrer um contrato diverso, seja pela conversão (art.º 293), seja ex bona fide.
4. Eficácia e duração
A eficácia da proposta contratual consiste essencialmente em promover, pela esfera do
destinatário, o direito potestativo (próprio e inconfundível) de, pela aceitação, fazer
nascer o contrato proposto. Esta SJ deve distinguir-se de outras nas quais uma das
partes, mercê de esquemas pré-existentes, negociais ou legais, têm o direito potestativo
de forçar a outra à conclusão de um contrato.
As outras SJ referidas surgem na sequência de contratos-promessa, de pactos de
preferência, de direitos de opção ou de preceitos legais que os estabeleçam, tal como
sucede na preferência legal. Embora em todos os casos haja direitos prestativos com as
correspondentes sujeições, o regime derivado da proposta do contrato é, claramente,
diverso das outras figuras.
chegar nos 6 dias subsequentes, passando o prazo a 11 dias, quando ele nada diga. Em
qualquer caso, o prazo que termine em domingo ou feriado, art.º 279/e).
Querendo prevenir dúvidas, o proponente remeterá a declaração por carta registada
com aviso de receção: a data da receção corresponderá, então, à data aposta no aviso
assinado.
5. Oferta ao público
A oferta ao público é uma modalidade particular de proposta contratual, caraterizada
por ser dirigida a uma generalidade de pessoas. Como qualquer proposta contratual, a
oferta ao público deve reunir os 3 requisitos fundamentais enunciados, devendo: ser
completa, compreender a intenção inequívoca de contratar e apresentar-se na forma
requerida para o contrato a celebrar.
Há que distinguir a oferta ao público de certas outras figuras que por vezes se lhes
parecem próximas:
▪ Convite a contratar – através de vários meios, as entidades interessadas podem
incitar pessoas indeterminadas a contratar, contudo, não há oferta ao público
quando o convite não compreenda todos os elementos para que, da sua simples
aceitação, surja o contrato; em regra, o simples convite publicitário pressupõe
negociações ulteriores, das quais poderá resultar uma verdadeira proposta.
▪ Proposta feita a uma pessoa desconhecida ou de paradeiro ignorado – trata-se
de uma proposta comum, com destinatário específico; desconhecendo-se,
porém, a identidade ou paradeiro deste, há que proceder a um anúncio público,
nos termos do art.º 225.
▪ Cláusulas contratuais gerais – embora genéricas, as ccg não surgem,
necessariamente, como proposta e implicam uma rigidez que não enforma, de
modo necessário, a oferta ao público.
O CC não se ocupou, de modo expresso, da oferta ao público, exceto para regular a sua
extinção (art.º 230/3). Este preceito, pela sua letra e pelo seu espírito, tem aplicação ao
caso do anúncio público da declaração, feito nos termos do art.º 225 (proposta a pessoa
desconhecida ou de paradeiro ignorado).
O convite à oferta não obteve consagração no CC, todavia, é muito conhecido num plano
praxiológico (e.g. o recurso a catálogos, anúncios, tabuletas ou a proposições inseridas
na net, pelas quais o seu autor se declara pronto a acolher e a ponderar propostas que
lhes sejam dirigidas, em certos moldes). Por vezes, a mera invitatio resulta da aposição
de cláusulas, tais como o acesso ao preço reservado ou equivalente, oferta livre, ou
oferta limitada.
As aceitações dos interessados devem ser reconfirmadas pelos oferentes: mesmo
quando existem propostas completas, a sua efetivação depende de haver mercadorias
em stock, de ser viável o envio, de ser obtida a licença bancária para o pagamento. Ora,
esses pontos não são, tecnicamente, condições, requerendo, pois, uma opção livre do
oferente, salvo o que será dito sobre a boa-fé.
O leilão não deve ser considerado como uma sucessão de contratos sujeitos a condições
resolutivas traduzidas pela ocorrência de lances superiores ou a condições suspensivas
negativas da ocorrência desses mesmos lances. Seria um total de artificialismo, já que o
leilão tem uma estrutura social e juridicamente unitária. Além disso, todos têm a clara
perceção que o contrato surge apenas com a adjudicação final ou a proclamação
equivalente. Até lá, há um tipo de negociação coletiva.
Em todos os casos, o art.º 227/1 ss. mantém sempre aplicação.
Não chega, pelo que foi dito, uma aceitação apenas sobre o essencial da proposta: a ser
o caso, exigir-se-ia o consentimento do proponente, funcionando a aceitação sobre o
essencial como contraproposta, devendo ainda que definir o regime da negociação
ulterior sobre o não essencial. Em suma, tem de haver acordo sobre todos os
problemas que qualquer das partes queira suscitar.
Carlos Ferreira de Almeida têm vindo a criticar este tipo de orientação, por considerá-la
exagerada. Segundo este autor a aceitação não poderia ser reduzida a um “sim”, tal
como a proposta não se limitaria a sê-lo. Esta posição, com a qual MC concorda,
argumenta ainda que a proposta pode ter uma grande elasticidade, o que condiciona,
no mesmo sentido, a aceitação.
A aceitação reflete os termos para a proposta, quando esta comporte espaços a
preencher pelo destinatário, espaços esses que o proponente de antemão aceite, tendo,
assim, a proposta um conteúdo mais vasto. Além disso, pode exprimir-se pelas mais
variadas formas, quando se esteja perante negócios consensuais, que são, de resto, a
regra. Veja-se o art.º 234.
Sendo uma declaração recipienda, aceitação produz efeitos, nos termos do art.º 224.
Operando nos termos desse preceito, pode suceder que a aceitação comece a produzir
os seus efeitos apenas quando a proposta já não tenha eficácia, já que poderá haver
uma receção tardia (art.º 229).
Quando isso suceda não há, de imediato, qualquer contrato. A conclusão de um negócio
contratual exige que a proposta e a aceitação se encontrem em plena eficácia. Assente
este ponto, determina o art.º 229 a seguinte distinção:
▪ Aceitação expedida fora do tempo – o proponente nada tem a fazer se quiser o
contrato; se pretender a sua celebração, terá de fazer nova proposta.
▪ Aceitação expedida em tempo útil – o proponente deve avisar o aceitante de
que não chegou a concluir-se qualquer contrato, sob pena de responder pelos
prejuízos, numa especial concretização de um dever de informação pré-negocial;
Se pretender o contrato, basta-lhe considerar a aceitação tardia como eficaz.
Uma vez emitida, a aceitação pode ser revogada, nos termos do art.º 235/2: a
declaração revogatória deve chegar ao poder do proponente em simultâneo com a
aceitação ou antes dela. Trata-se, como se vê, de um esquema similar ou da revogação
da proposta (art.º 230/2), em termos que não levantam dúvidas de maior.
O contrato tem-se por celebrado no momento em que a aceitação se torna eficaz, i.e.:
logo que chega ao poder do destinatário ou dele seja conhecida (art.º 224/1 a 3).
Além disso, a conclusão dá-se no lugar da receção da aceitação. Celebrado o contrato,
desencadeiam-se os efeitos nele previstos e, assim, o próprio contrato pode fixar o
momento do início dos seus efeitos.
Afigura-se irreal, a MC, pretender que exista uma vontade não comunicada, idêntica à
comunicada: a vontade é um todo, em conjunto com a ação que a desencadeie. De resto,
cada um sabe que a sua vontade se forma e se desenvolve à medida que se desenrolam
as ações que lhe sejam imputáveis.
A dispensa de declaração de aceitação não se confunde com a declaração tácita que é,
ainda, uma declaração; tão-pouco pode ser uma declaração tácita não recipienda,
porque, a não ter destinatário, não é comunicação, antes correspondendo a uma
autodeterminação sem comunicação ao proponente. Só à custa da enorme abstração e
de algum artificialismo poderíamos ver, aqui, ainda uma declaração de vontade.
A partir daqui, parece claro que diversos preceitos próprios da declaração de vontade
ou não têm aplicação ou têm-na em moldes muito embrionários na aceitação. Assim,
são inaplicáveis: o art.º 233, 235, 240 a 243, 258 a 269 e, em geral, as diversas cláusulas
que extravasem o núcleo simples do contrato. Por outro lado, são aplicáveis, mas com
fortes simplificações, os art.º 236 a 239 e 245 a 257.
Em compensação, ganham peso as regras sobre o ónus da prova: na falta de
declaração, cabe à parte que queira invocar o prevalecer-se do negócio, alegar e
demonstrar as competentes atuações.
rejeitar, nada fazer ou contrapor. Conserva, pois, segundo MC, intacta, a liberdade de
estipulação.
A aceitação é, assim, em conjunto com a rejeição e a contraproposta, um negócio
unilateral. As regras negociais aplicam-se, por tudo isto, à aceitação, à rejeição e à
contraproposta.
As vendas automáticas mantêm regras explícitas (art.º 22 a 24 TDRDC). Desde logo, elas
devem respeitar as regras gerais de indicação dos preços, rotulagem, embalagem,
características e condições hígiosanitárias (art.º 22/2 TDRDC). Além disso, o
equipamento automático deve exibir uma série de informações (art.º 23/2 TDRDC).
Prevê-se, ainda, uma responsabilidade solidária entre a propriedade do equipamento e
o dono do local onde ele esteja colocado (art.º 24 TDRDC).
5. O papel
As ccg visam permitir uma contratação eficaz e com um número elevado de pessoas,
tendo uma função unitária manifestada de forma diversa, consoante o setor normativo
em que se apliquem. Todavia, por razões de análise, podemos várias funções das ccg:
▪ Rapidez – a negociação de um contrato pode ser algo muito demorado e
dispendioso, dependendo, desta forma, da boa vontade dos intervenientes.
▪ Racionalização – manifestação de um necessidade de confecionar contratos
idênticos ou paralelos.
6. Os requisitos
As ccg dependem de 4 requisitos. Assim estas:
▪ Juridicidade – são proposições negocialmente significativas.
As ccg são proposições linguisticamente fixadas, em regra, por escrito (embora, em
rigor, este não seja um critério necessário) e nas quais seja possível apontar uma
juridicidade negocial. Não se trata de fórmulas de ciência ou de esquemas
operativos, mas antes de estruturas vocabulares capazes de exprimir uma volição
negocial. A ccg uma vez subscrita, passa a cláusula negocial, dotada de
vinculatividade.
▪ Pré-formulação – existem antes de sua eventual inclusão num contrato.
A prévia existência das ccg assegura que elas se mantenham quae tales,
independentemente de algum dia seria incluídas nalgum contrato, o que lhes
assegura uma certa juridicidade: já que devem ser comunicadas e esclarecidas,
devem respeitar certos limites quanto ao seu conteúdo e podem ser objeto de
sindicância jurisdicional.
▪ Multiplicidade – são utilizáveis na conclusão de uma multiplicidade de contratos.
O utilizador das ccg pode estar identificado, mas usá-las repetidamente, em vários
contratos. A multiplicidade ínsita nas ccg, i.e., a sua apetência para encorpar diversos
negócios singulares pode exprimir-se em 2 possibilidades:
▪ Num número indeterminado de negócios singulares – pelo seu próprio
conteúdo, as ccg dirigem-se a diversos contratos futuros; nesse caso, mesmo
que potenciem um único negócio, elas são verdadeiras ccg (e.g. Será o caso
do modelo contratual relativo à venda de frações autónomas indeterminadas,
que (ainda) só tenha sido usada uma vez).
▪ Num número determinado de negócios singulares – a ccg foi desenhada para
um certo caso, mas veio a ser usada noutros.
É certo que a LCCG, no seu art.º 1/1, refere proponentes e destinatários
indeterminados, contudo, não obstante, não oferece dúvidas em, pela
Além das características apontadas, outras há que, embora não necessárias, surgem
com frequência nas ccg:
▪ Desigualdade entre as partes – o utilizador das ccg (i.e. o proponente) goza, em
regra, de marcada superioridade económica e científica, em relação ao aderente.
▪ Complexidade – as ccg caraterizam-se por um grande número de pontos, sendo
que, por vezes, cobrem, com minúcia, todos os aspetos contratuais, incluindo a
nacionalidade da lei aplicável e o foro competente para dirimir eventuais litígios.
▪ Natureza formulária – as ccg constam, com frequência, de documentos escritos
extensos, onde o aderente se limita a especificar escassos elementos de
identificação.
Além do exposto, cabe antecipar uma distinção importante: contrapõe -se, nas ccg, as
destinadas a integrar contratos de execução instantânea (onde as ccg operam como
simples proposições negociais, uma vez integradas no contrato singular definitivo) e as
que se dirigem à constituição de relações negociais duradouras (onde as ccg instituem
um autêntico status, no qual as partes ficam imersas).
E.g. As ccg relativas à abertura da conta bancária ou a um contrato de distribuição:
concessão ou franquia. Entre as partes, cria-se um estado duradouro, suscetível de
múltiplas evoluções, com potenciais vicissitudes supervenientes. Sempre que ocorram
novos factos, no âmbito contratual em jogo, a consultar e interpretar as ccg subscritas,
O Regime Geral
1. O Decreto-Lei n.º 446/85 (LCCG); aspetos gerais
A LCCG não se limita a proteger consumidores, visando, pois, todos os utilizadores de
ccg. Todavia, ela dispensa, aos consumidores, um cuidado especial, prevendo para
estes, uma lista mais extensa de proibições. No tocante à técnica de tais proibições, a
LCCG articulou uma cláusula geral assente na boa-fé, com múltiplas proibições
específicas.
Finalmente, ela associou a nulidade das ccg contrárias à lei, a invocar em cada caso, com
um sistema geral de ações inibitórias, destinadas a proibir, em geral, aquelas que,
independentemente da inclusão em contratos concretos, se mostrem contrárias ao
sistema.
2. Âmbito e exclusões
A LCCG visou uma aplicação de princípio a todas as cláusulas (art.º 1/1 LCCG), dispondo
que o art.º 2 especifica que elas ficam abrangidas independentemente:
▪ da forma da sua comunicação ao público (e.g. tanto se visam os formulários
como, por exemplo, uma tabuleta de aviso ao público).
▪ da extinção que assumam ou que venham a apresentar, nos contratos a que se
destinem.
▪ do conteúdo que as enforme, i.e., da matéria que venham regular.
▪ de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.
A exigência da falta de prévia negociação é um elemento necessário e autónomo, que
deve ser invocado e demonstrado.
A LCCG funciona perante situações patrimoniais privadas que tenham a ver, de modo
vincado, com o fenómeno da circulação dos bens e dos serviços. Retiram-se, por isso,
do seu âmbito e aplicação, as SJ públicas, bem como as situações familiares e
sucessórias.
À exceção do art.º 3/c), deve ser limitado o preciso alcance destas normas: um contrato
que tenha aspetos públicos e privados, apenas estes últimos incorreram na LCCG.
Finalmente, deve ter-se em conta que a LCCG, quando não tem a aplicação, vale como
instrumento auxiliar de aplicação, muito útil sobretudo para concretizar conceitos
indeterminados como o da boa-fé. Esta tem sempre aplicação assegurada em todo o OJ.
Esta lei nada tem de excecional, antes correspondendo a uma concretização dos
princípios gerais. Assim, caso a caso haverá que ponderar se, por analogia, as regras da
LCCG são aplicáveis a negócios unilaterais. Ora, a analogia parece impor-se nos casos
em que os particulares adiram a negócios unilaterais e, nessa base, façam investimentos
de confiança, agindo em consequência (como precisamente sucede nos concursos
públicos). Mesmo para além desses casos, a pessoa que, com base em ccg, formule um
negócio unilateral deve sempre ser protegida.
Finalmente, chamamos à atenção para o facto de a LCCG não excluir, do seu âmbito, as
prestações principais, eventualmente em jogo, no contrato. O problema está no facto
de as diversas proibições nele contidas só se aplicarem a ccg que afastem preceitos
jurídicos ou que os complementem.
Consequentemente, ficaram fora do controlo o tipo, o objeto, o âmbito, a quantidade e
a qualidade de abstração principal, uma vez que nunca são determinadas por lei, mas,
apenas, pelas partes. A própria relação de equivalência fica fora do controlo: apenas um
mercado e as partes a podem definir. Tudo isso, porém, com uma série de delimitações.
Segundo a lei portuguesa, as prestações principais podem ser (normalmente sê-lo-ão)
ajustadas especificamente pelas partes, escapando depois ao controlo. Além disso e por
natureza, elas não defrontam normas ou princípios específicos não sendo, nessa
medida, contrárias ao sistema, expresso na boa-fé do art.º 15 LCCG, o qual é
concretizado no art.º 16 LCCG. Mas nem sempre: podem assumir posturas tais que
caiam na alçada da lei (e.g. vender pelo preço que o utilizador entender adequado
poderá ser contrário à boa-fé; a cláusula será nula, aplicando-se, então, a regra do art.º
883/1).
o de que já não são efetivamente incluídas nos contratos as cláusulas sobre que não
tenha havido acordo de vontades.
As ccg inscrevem-se, pois, no NJ através dos mecanismos negociais típicos. Por isso, os
negócios originados podem ser valorados à luz das regras sobre a perfeição das
declarações negociais: há que lidar com figuras tais como o erro, a falta de consciência
da declaração ou a incapacidade acidental.
Perante a delicadeza do modo de formação do negócio com recurso a ccg, não basta a
mera aceitação, exigida pelo direito comum, sendo, ainda, necessária, uma série de
requisitos, sendo eles:
▪ uma efetiva comunicação (art.º 5 LCCG).
▪ uma efetiva informação (art.º 6 LCCG).
▪ existência de cláusulas prevalentes (art.º 7 LCCG).
O ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das ccg reside na
condenação de situações em que, ao aderente, nem haviam sido comunicadas as
cláusulas a que era suposto ele ter aderido. A exigência de comunicação vem
especificada no art.º 5 LCCG, a qual, segundo MC, deve ser feita a todos os interessados
diretos, devendo a comunicação ser adequada e atempada (art.º 5/2 LCCG), critérios
estes que devem ser aferidos segundo as circunstâncias.
Note-se que a remissão para tabuletas inexistentes ou afixadas em local invisível não
corresponde a uma comunicação completa; uma rápida passagem das cláusulas num
visor não equivale a comunicação adequada; a exibição de várias páginas de um
formulário, em letra pequena e num idioma estrangeiro, seguida da exigência de
assinatura de imediato, não integra uma comunicação atempada. Em compensação, a
assinatura de um clausulado bem impresso, perfeita e completamente legível, sendo
as letras de tamanho razoável, assim como o respetivo espaçamento, satisfaz a
exigência legal.
O grau de diligência postulado por parte do aderente (e que releva para efeitos de
avaliar o esforço posto na comunicação) é o comum (art.º 5/2, in fine LCCG): deve ser
calculado em abstrato, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, tendo-
se em conta o nível cultural do aderente.
O art.º 5/3 LCCG dispõe sobre o melindroso ponto de ónus da prova: o utilizador celebre
contratos com base nas ccg, deve provar, para além da adesão em si, o efetivo
cumprimento do encargo de comunicar (art.º 342 CC). Trata-se de um simples encargo:
a sua inobservância, mesmo sem culpa, envolve as consequências legalmente previstas.
A jurisprudência já tem utilizado, e bem, segundo MC, nesta via para afastar certas
soluções concretamente inconvenientes ou injustas, sem passar pelos catálogos das
proibições.
A LCCG prevê um dever de informação: o utilizador das ccg deve conceder a informação
necessária ao aderido, prestando-lhe todos os esclarecimentos solicitados (e mesmo os
que não solicitados), desde que razoáveis e de necessário conhecimento.
Tanto o disposto no art.º 5 LCCG como no art.º 6 LCCG correspondem a vetores
presentes no art.º 227/1, mas são estruturalmente diferentes: traduzem meros
encargos e não deveres em sentido técnico (situação analítica passiva de base que se
traduz na incidência de normas de conduta impositivas ou proibitivas). A sua
inobservância não exige esculpa, ao contrário dos deveres e tem, como consequência,
não a obrigação de indemnizar, mas, apenas, a não inclusão prevista no art.º 8 LCCG.
Esta não inclusão pode, ainda, ser dobrada por um dever de indemnizar, quando se
verifiquem os diferentes pressupostos do art.º 227/1.
4. Cláusulas prevalecentes
As partes que subscrevam ccg podem, em simultâneo, acordar, lateralmente, outras
cláusulas específicas. Tal eventualidade nada tem de remoto, uma vez que a adesão se
faz em globo, muitas vezes sem atenção a cada uma das cláusulas incluídas no
formulário.
O disposto no art.º 7 LCCG determina uma prevalência das cláusulas específicas sobre
as gerais: a lei, consciente de que, perante tais cláusulas, a vontade das partes se
inclinou, com toda a probabilidade, para elas, sancionou o que seria já uma lição de
experiência.
O art.º 8/c) e d) LCCG penaliza, por seu turno, as cláusulas surpresa e as que constem
de formulários, depois da assinatura dos contratantes: em ambos os casos verifica-se
um condicionalismo externo que coloca de novo, a ideia de inexistência de qualquer
consenso. As cláusulas surpresas são aferidas, pela lei portuguesa, em função de um de
3 vetores:
▪ contexto – a doutrina chama a atenção para o tipo de contrato em causa: este,
em conjunto com outras circunstâncias, dará a medida da inabitualidade.
▪ epígrafe e apresentação gráfica, ambas tendo a ver com elementos exteriores
da cláusula.
Todos esses elementos são funcionalmente precisados pelo final do art.º 8/c) LCCG, que
refere a bitola última da surpresa (“passem despercebidos a um contratante normal”)
devendo ser efetiva.
Note-se ainda que a inclusão de cláusulas depois da assinatura do aderente deixa a
suspeita de que não foram lidas ou de que, quanto a elas, não houve acordo, como tenta
transmitir o art.º 8/d) LCCG. A jurisprudência considera, para esta via, não incluídas as
cláusulas inseridas no verso, mas já não, necessariamente, as constantes de anexo para
o qual remetam o texto assinado. Incorre em venire contra factum proprium o aderente
que tenha tomado conhecimento das ccg e que, depois, havendo entendimento entre
as partes, vem invocar a sua surpresa no verso, para as invalidar. Por fim, evidencie-se
o facto de que a inclusão de cláusulas depois da assinatura do aderente é de
conhecimento oficioso (STJ 15-mar.-2015).
grande relevo ou até vitais para os aderentes, os quais seriam mesmo prejudicados
quando o legislador, querendo pôr cobro a injustiças, viesse multiplicar as nulidades.
O art.º 9 LCCG determina que, quando se assiste à não inclusão de ccg nos contratos
singulares, por força do art.º 8 LCCG, estes se mantenham, em princípio. Nas áreas
desguarnecidas pela exclusão, haverá que recorrer, conforme os casos, às regras
supletivas aplicáveis e às regras de integração dos negócios jurídicos.
Caso estas soluções de recurso sejam insuficientes ou conduzam a resultados contrários
à boa-fé, a nulidade é inevitável (art.º 9/2 LCCG). Resultados contrários à boa-fé
ocorrem sempre que, na falta da cláusula excluída, o contrato fique de tal modo
desarticulado ou desequilibrado que perca o seu sentido útil, o que origina uma grave
perturbação no seu equilíbrio interno.
6. Interpretação e integração
O art.º 10 LCCG dispõe sobre a interpretação e integração das ccg, remetendo
implicitamente para os art.º 236 ss.. O preceito primeiramente referido preceito releva
a dois níveis:
i) impede as próprias ccg de engendrarem outras regras de interpretação.
ii) remete para uma interpretação que tenha em conta apenas o contrato
singular; perante isso, já se perguntou se há verdadeiras ccg.
Ambos os aspetos são importantes, contudo, permanece um perpétuo confronto entre
as tendências generalizadora e individualizadora da justiça:
▪ a tendência generalizadora exigiria que as ccg fossem interpretadas em si
mesmas, sobretudo quando surjam completas, de modo a obter soluções
idênticas para todos os contratos singulares que se venham a formar com base
nelas.
▪ já tendência individualizadora abriria as portas a uma interpretação singular de
cada contrato em si, resultando isto num aparente paradoxo, já que as mesmas
ccg poderiam propiciar, conforme os casos, soluções diferentes.
O art.º 10 LCCG aponta para a segunda solução. A prazo, isso deverá levar os
utilizadores de ccg, que estejam particularmente ciosos da normalização, a desenvolver,
ao pormenor, os seus formulários, de modo a prevenir brechas interpretativas.
Contudo, note-se que, havendo margens interpretativas, não se torna possível tirar,
das ccg, as vantagens generalizadoras que acarretam.
O Controlo Interno
1. Generalidades
A questão das ccg não é a da sua existência, já que, mais do que inevitáveis, elas são
necessárias. Tão-pouco será a sua inclusão nos negócios singulares: queira-se ou não, é
dispensável, quiçá inviável, um conhecimento integral do seu teor, tanto mais que nem
sempre há alternativa. A essência das ccg reside, assim, no desvalor intrínseco de
determinadas cláusulas. Mas, onde reside esse desvalor? Afinal, as cláusulas que vão ser
sindicadas ao Tribunal já passaram pelo teste da vontade juridificadora, o qual opera
como fundamento de validade negocial.
Antes do momento do controlo jurisdicional, as ccg visadas foram objeto de aceitação
(art.º 4 LCCG), foram devidamente comunicadas (art.º 5 LCCG) e informadas (art.º 6
LCCG), não foram excluídas por cláusulas prevalentes (art.º 7 LCCG), não são surpresa
(art.º 8/c) LCCG), não surgem depois da assinatura (art.º 8/d) LCCG) e estão
devidamente interpretadas (art.º 10 e 11 LCCG).
Ao aderir a ccg, o interessado faz uso da sua autonomia: é evidente que tal adesão lhe
traz, em regra, vantagens imediatas (e.g. baixos custos de transação, rapidez e imediato
desfrute de bens e serviços). A tutela da liberdade de decisão inclui a da confiança.
Verifica-se ainda que as ccg dão vida a tipos contratuais básicos, que não têm sede legal
(e.g. toda a vida bancária depende deles, outros tantos sucedendo com a distribuição
comercial: concessão e franquia). O seu controlo deve ser cuidadoso, sob pena de
distorções.
A doutrina sublinha, assim, que o utilizador defende, também, o interesse geral.
As ccg não podem, todavia, e a pretexto dos valores que comportem, furtar-se à
sindicância do sistema que as reconhece e legitima. Pela sua natureza privada, elas
escapam ao controlo público, legal e constitucional que recai sobre os diplomas do
Estado.
Os Tribunais, por seu turno, devem ter em conta a relação dialética que se estabelece
entre o direito cogente e a autonomia privada, procurando um balanceamento entre os
vetores em presença:
▪ Por um lado, a sindicância judicial das ccg visa a tutela do aderente, designada
pelo poder do utilizador das cláusulas, sobretudo quando monopolista;
▪ Por outro, ela protege a fiabilidade dos circuitos económicos, a
sustentabilidade da distribuição e do consumo e a idoneidade dos mercados.
Em suma: o controlo de conteúdo das ccg, confiado aos tribunais tem sempre presente
as duas vertentes da justiça: individualizadora e generalizadora, havendo, pois,
interesses válidos, ainda que contrapostos. Os valores básicos do ordenamento dão
sempre a bitola de qualquer decisão. E quando a lei o diga, operam, como pontos de
referência, as regras supletivas legais que as ccg tenham pretendido pôr de lado.
Note-se que não está, aqui, em causa nem um controlo de equidade, que obrigaria o juiz
a ponderar aspetos do caso concreto (como seria a real situação das partes), a não ser
que haja uma alteração das circunstâncias (art.º 437/1); nem um controlo deontológico
(de bons costumes), dependente de um juízo de valor sobre a postura comercial do
utilizador, já que esse é o papel dos bons costumes (art.º 280/1); nem um controlo
interpretativo ou integrativo, já que há regras para tal (art.º 237 e 239); nem um
controlo do exercício, já que cabe esta dimensão ao abuso de direito (art.º 334).
Assim, quando lida com conceitos indeterminados ou com institutos de grande porte,
a ciência do direito e os seus aplicadores devem agir com uma precisão extrema,
abdicando de quaisquer casuísmos.
Facilitando a tarefa aferidora dos tribunais, a LCCG veio proibir determinadas cláusulas
(art.º 12 LCCG). Note-se que estas não são nulidades comuns, mas antes nulidades que
operam segundo o disposto na LCCG.
Desde logo, a proibição pode ser um de dois tipos:
▪ ou derivada da aplicação dos art.º 15 a 23 LCCG (preceitos esses que definem,
em abstrato, as cláusulas vedadas, diretamente e no concreto contrato singular
onde o problema se ponha)
▪ ou ocasionada pela prévia proibição judicial feita independentemente de
situações concretas, por via de uma ação inibitória, prevista no art.º 25 LCCG.
As ponderações são mais envolventes e cuidadosas, no primeiro caso, e mais expeditas
(embora nunca automáticas), no segundo.
À partida, cada um decide se lhe convém invocar determinada invalidade, com efeito, a
presença, num contrato singular, de ccg nulas por ser indiferente, para o aderente:
basta, por exemplo, que se trate de cláusulas previstas para eventualidades que de todo,
ele saiba não virem a ocorrer.
Em compensação, a invocação vitoriosa de invalidades obriga a uma recomposição do
contrato singular: operação sempre incerta e com custos de transação. Acresce que,
subjacente ao contrato singular, pode haver uma relação de confiança que o particular
tem interesse em manter, pelo que, pela natureza das coisas, tal relação será afetada
caso ocorram intervenções judiciais, no contrato.
Sucede, ainda, que a ccg não serão reconfirmadas pelo aderente, individualizadamente
e no âmbito de uma negociação livremente consentida. Assim, MC adota a posição de
que a teoria clássica das invalidades não foi pensada para situações deste tipo,
carecendo, pois, de adaptações.
O art.º 12 LCCG deve ser interpretado, segundo MC, com algum cuidado. Inicialmente,
o legislador pretendeu vincar bem as cláusulas proibidas, abrindo portas à ação
inibitória, contudo, cabe-nos hoje reconstruir o pensamento legislativo em termos
atualistas e de acordo com os elementos sistemático e teleológico da interpretação.
Refira-se que, segundo o art.º 12 LCCG, a nulidade visa as próprias cláusulas,
independentemente de qualquer inclusão num contrato singular. Feita a integração, a
questão é diversa: já não se trata de ccg, mas antes de uma cláusula contratual comum.
Ora esta fica na disponibilidade do aderente: se ele podia aceitar previamente a mesma
cláusula, com toda a validade, desde que não o fizesse por adesão, também poderá
consolidar, a posteriori.
Contudo, ressalvam-se os casos em que o legislador vai proibir ccg que já seriam nulas,
nos termos da lei: as exonerações antecipadas de responsabilidade (art.º 18 a) a d)
LCCG). Aí, há sempre nulidade.
A conclusão é simples: as ccg proibidas são nulas (art.º 12 LCCG). As cláusulas
contratuais singulares provenientes da subscrição são inválidas: mas uma invalidade
suis generis, diferente da anulabilidade. Resta fixar as especificidades dessa situação.
De seguida, temos o regime especial do art.º 13/2 LCCG: o aderente pode optar pela
manutenção do contrato, mas substituindo as ccg inválidas pelas normas supletivas
aplicáveis e, se necessário, com recurso às regras de integração. Temos 2 situações
possíveis:
▪ ou estamos em face de um contrato que integra um tipo ideal, cujas regras
supletivas viessem a ser afastadas pelas ccg: nessa ocasião tais regras retomam
aplicação.
▪ ou o contrato equivale a um maior tipo social, reconhecido pela prática, mas
ausente da lei: faltam regras legais, pelo que queda recorrer à integração da
lacuna negocial (art.º 239) para suprir o espaço em branco resultante da queda
da cláusula viciada.
Estamos perante um regime claramente diferente do da nulidade comum, justificando,
por isso, assim considerá-lo . E as especialidades mais se acentuam com o esquema da
redução, previsto no art.º 14 LCCG.
Este regime da redução, previsto no art.º 292, exclui a mesma quando se mostra que
este negócio não teria sido concluído sem a parte viciada. Portanto, o utilizador de ccg,
confrontado com o art.º 14 LCCG, podem sempre provocar uma nulidade fatal
demonstrando que o negócio não seria concluído sem a parte viciada. Contudo, note-
se que para tal acontecer, há requisitos que têm de ser supridos, nomeadamente: que
o aderente, invocando a invalidade, opte por não apelar à aplicação de regras supletivas
Hipótese distinta é a da chamada redução convalidante. Uma ccg pode ser proibida por
ser considerada excessiva.
A solução para tais ccg excessivas deve ser procurada nos art.º 13 e 14 LCCG. A cláusula
excessiva é nula, podendo, contudo, ser recuperada, pelas regras supletivas ou pela
integração negocial. admite, ainda, que, no limite, e na insuficiência desses meios, a
invocação da nulidade global ainda possa ser sindicada pelo abuso de direito. Mas já
não lhe parece viável atribuir, ao juiz, o papel de reescrever o programa contratual das
partes, estando as cláusulas subscritas em função de juízes de gestão e de oportunidade.
Não é esse o papel dos tribunais.
Assim tomada, segundo MC, a redução convalidante não é viável.
Temos, assim, um princípio comum, assente na boa-fé. Além disso, o dispositivo relativo
aos empresários funciona como um mínimo aplicável em todas as circunstâncias: assim,
tratando-se de relações com consumidores finais ou de situações não redutivas às
primeiras (e.g. relações entre meros particulares) haverá que aplicar várias outras
proibições.
O teor geral das proibições segue as linhas seguintes:
controladas pelo direito e não algo que se aproxime do arbítrio ou da justiça do caso
concreto.
Como exemplos de cláusulas invalidadas por contrariedade à boa-fé (art.º 15 e 16 LCCG)
encontramos:
▪ A cláusula que caía sob o art.º 15 LCCG pode ser oficiosamente apreciada pelo
Tribunal, todavia, não se considerou como contrária à boa-fé a cláusula que, num
seguro, impõe uma desvalorização de 40% a um veículo pesado, ao fim de 10
meses.
▪ A cláusula que, num seguro de invalidez, requer um Estado de invalidez
permanente não inferior a 75%, e, cumulativamente, a impossibilidade de
subsistência sem o apoio permanente de uma terceira pessoa.
▪ A cláusula que determina um arredondamento, para cima, da taxa de juros
bancários.
▪ A cláusula que imponha um vencimento antecipado de várias obrigações, por
falha numa prestação.
▪ A violação da boa-fé prevista no art.º 15 dá azo a uma nulidade de
conhecimento oficioso, devendo, todavia, ser assegurado o contraditório.
6. Articulação de proibições
O sistema geral desenvolve-se, depois, em catálogos de proibições específicas, as quais
se combinam entre si formando as 4 hipóteses básicas contempladas na lei:
▪ cláusulas absolutamente proibidas entre empresários e equiparados (art.º 18
LCCG).
▪ cláusulas relativamente proibidas entre empresários e equiparados (art.º 19
LCCG).
▪ cláusulas absolutamente proibidas nas relações com consumidores finais
(art.º 21 LCCG).
▪ cláusulas relativamente proibidas nas relações com consumidores finais (art.º 22
LCCG).
As proibições fixadas para as relações entre empresários e equiparados aplicam-se,
também, nas relações com consumidores finais.
Boa parte das regras agora firmadas transcende o domínio das ccg, aplicando-se a todos
os contratos, independentemente do seu modo de celebração (neste sentido, art.º 809
ss.).
De todo o modo, a jurisprudência não considerou contrárias a essas proibições as
cláusulas que presumam não haver culpa do banqueiro, quando se avariam uma
máquina ATM. Todavia, já são nulas as cláusulas que exonerem o banqueiro de
responsabilidades por uso abusivo subsequente a furto ou extravio: o dinheiro
depositado pertence ao banqueiro.
O art.º 18/e) LCCG visa evitar que se procure conseguir, por via interpretativa, aquilo
que as partes não podem diretamente alcançar. Note-se que a hermenêutica contratual
tem regras próprias, sendo que deixar estas regras interpretativas ao sabor das ccg era
permitir que ambas as partes manipulassem as decisões em jogo (esta regra tem a ver
com a interpretação de qualquer preceito, provenha ele, ou não, de adesão a cláusulas
predispostas).
O art.º 18/f), g) e i) LCCG têm a ver com os institutos da exceção do não cumprimento
do contrato (art.º 428 ss.), da resolução por incumprimento (art.º 432 ss.), do direito de
retenção (art.º 754 ss.) e das faculdades de compensação (art.º 847 ss.) e de
consignação em depósito (art.º 841 ss.), institutos estes que garantem ou reforçam o
cumprimento das obrigações, sendo que a sua manutenção impõe-se pela mesma
ordem de ideias que levou a vedar a eliminação da responsabilidade.
O art.º 18/j) LCCG visa evitar obrigações perpétuas ou obrigações cuja duração ficasse
apenas dependente de quem recorra às ccg. Só são viáveis obrigações perpétuas quando
a lei o permita ou imponha, de outro modo, as partes estariam a despojar-se da sua
liberdade.
O art.º 18/l) LCCG pretende, por fim, prevenir que, a coberto de esquemas de
transmissão do contrato, se venha a limitar, de facto, a responsabilidade. Bastaria, na
verdade, transferir a posição para uma entidade que não tenha adequada cobertura
patrimonial para, na prática, esvaziar o conteúdo de qualquer imputação de danos.
7. Proibições relativas
O art.º 19/a) e b) LCCG tem a ver com os prazos dos contratos, sendo que, no decurso
desses prazos, uma das partes fica submetida à vontade da outra. Em concreto, pode
compreender-se que assim deva ou possa ser. A justificação, contudo, desaparece
quando os prazos sejam demasiado alongados, sendo que o quantum admissível
depende, como é claro, de cada tipo negocial em jogo.
O art.º 19/c) LCCG proíbe cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir. O
art.º 812 já permitia a sua redução segundo juízos de equidade, contudo, essa solução
não é imaginável perante o tráfico negocial de massas. Aí, a pura e simples nulidade das
cláusulas com o recurso subsequente às regras legais supletivas permite uma solução
direta, clara, fácil e justa, em cada situação.
A rapidez do tráfego de massa justifica que, por vezes, se dispensem formais declarações
de vontades, substituindo-as hoje por outros indícios. Os comportamentos
concludentes têm aqui particular relevo, mas a situação torna-se inadmissível quando
se recorra a factos insuficientes para alicerçar a autonomia privada. Caso a caso será
necessário indagar dessa suficiência: tal é o sentido do art.º 19/d) LCCG.
A garantia de qualidade da coisa cedida ou dos serviços prestados pode ser posta na
dependência do recurso a terceiros (pense-se, por exemplo, na garantia dos
automóveis, que exige a realização regular de operações de manutenção, feitas por
agentes autorizados ou representantes). No entanto, em certos casos, tal sujeição
apenas irá equivaler a um meio oblíquo de limitar a responsabilidade. Caso a caso, nos
termos do art.º 19/e) LCCG, haverá que o demonstrar.
O art.º 19/f) LCCG trata da denúncia, i.e., da faculdade de, unilateralmente e sem
necessidade de justificação, se por termo a uma situação duradoura. Essa faculdade,
quanto a outra parte tenha feito investimentos ainda não amortizados, pode colocá-la
nas mãos da primeira. Assim, quando seja injusta, é nula. A jurisprudência entende que
não é esse o caso perante cláusulas bancárias que permitam ao banqueiro, como
proprietário dos cartões de crédito, exigir a sua restituição, em caso de uso abusivo ou
indevido. Já no caso dos seguros, foi julgada nula a cláusula que permita a denúncia sem
um pré-aviso proporcionado.
O estabelecimento de um Tribunal competente que envolva graves inconvenientes para
uma das partes, em razão da distância ou da língua, por exemplo, deve ser justificado
por equivalentes interesses da outra parte. Quando tal não suceda, a competente
cláusula é nula, nos termos do art.º 19/g) LCCG. De acordo com interpretação
preconizada por MTS, tal cláusula é extensiva ao Tribunal Arbitral.
As limitações do art.º 19/h) e i) LCCG têm a ver com a concessão de poderes excessivos
e exorbitantes a uma das partes.
Em todos estes casos de proibição relativa, deve entender-se que, perante a sua
concretização, toda a cláusula em jogo é afetada. Não há, pois, qualquer hipótese de
se reduzir a cláusula aos máximos admitidos pela LCCG: isso iria dar lugar a enormes
dúvidas de aplicação, nunca se podendo conhecer, de antemão, o direito aplicável.
Quando cai a sua alçada de uma proibição, ainda que relativa, a cláusula é toda nula,
seguindo-se a aplicação do direito supletivo.
seu turno, o art.º 21/e) a h) LCCG pretende garantir a manutenção eficaz de uma tutela
adequada, prevenindo a possibilidade de recurso a vias oblíquas para defraudar a lei.
2. Proibições relativas
As proibições relativas estão dispostas no art.º 22 LCCG. Nas relações com consumidores
finais, não se trata, apenas, de negar a exclusão de responsabilidade: há que, pela
positiva, assegurar a própria obtenção do bem, já que a obtenção de uma indemnização
é, aqui, problemática. As diversas alíneas especificam pontos nos quais, segundo a
experiência, os consumidores mais facilmente podem ver em perigo a sua posição.
Assim, é nula a cláusula inserida em condições gerais bancárias e que permita ao
banqueiro, sem pré-aviso, cancelar um cartão de crédito (art.º 22/1, b)).
Também aqui têm aplicação as considerações acima feitas sobre a nulidade plena das
cláusulas que caiam sob a alçada de proibições relativas.
regras; além disso, as consequências são diversas: a lei prevê a anulabilidade e não há
nulidade, imposta pelo art.º 280/2) ou ao vício na formação da vontade (a tónica da
usura é objetiva, por se centrar no desequilíbrio ao invés de na vontade mal formada ou
mal exteriorizada; além disso, as consequências são também diversas, uma vez que se
admite a reductio ad aequitatem, desconhecida no erro).
Não quer isso dizer que o mesmo negócio não possa, simultaneamente, ser usurário,
atentar contra os bons costumes e assentar num vício na formação da vontade.
Quando isso suceda, que dará aos interessados escolher a via jurídica que mais lhes
convenha, ou invocar várias delas. A autonomia cultural e dogmática da usura não
deve perder-se, correspondendo valores próprios.
2. Aplicação
Apesar de todos os alargamentos que se têm tentado, a usura mantém uma frágil
capacidade de concretização. Pouco invocada pelos interessados, dadas as dificuldades
de prova que acarreta, a usura encontra escassa recetividade dos Tribunais.
Assim, havendo uma doação mista (i.e. uma venda por baixo preço, de modo a
beneficiar os compradores), o tribunal não viu usura, por não se caracterizar
suficientemente a fragilidade do vendedor e por, tendo os compradores assumido o
compromisso de cuidarem do comprador até ao fim dos seus dias, o benefício parecer
justificado. Outros casos que têm encontrado decisão no foro português: trabalhadores
são levados a renunciar a um suplemento de reforma: não a usura por não se ter
provado uma situação de necessidade ou de dependência, por parte deles; uma
empresa inclui, numa empreitada, uma cláusula de revisão de preços insuficiente: é
simples invocação de pressão por falta de dinheiro e a sua sobrevivência como empresa
é insuficiente para aplicar o art.º 282; o cliente de um banco, aconselhado por este a
fazer um certo negócio ruinoso, não tem proteção por via da usura por esta não proteger
os incautos e os imprevidentes.
Defesa do consumidor
1. Generalidades; a LDC; outros diplomas
A defesa do consumidor constitui um dever dos Estados modernos (art.º 60 CRP). Esta
defesa pode analisar se num princípio com diversas projeções: é um princípio
programático que o legislador ordinário deve ter presente, nos diversos quadrantes
normativos; é um vetor sistemático que permite agrupar e interpretar em conjunto
múltiplas normas que visem a tutela do consumidor; e é uma área formalmente limitada
da ordem jurídica, que assume a finalidade expressa da tutela do consumidor.
O art.º 60 CRP surge concretizado na Lei n.º 24/96, qual designaremos por LDC. Como
princípios gerais, a lei apresenta o dever de proteção do Estado (art.º 1 LDC) e define,
como consumidor, o disposto no art.º 2/1 LDC. Trata-se de uma noção indevidamente
estreita, uma vez que os consumidores devem ser protegidos perante entidades que
forneçam bens ou serviços sem caráter profissional ou sem visar a obtenção de
benefícios. De resto, logo o art.º 2/2 LDC inclui, no âmbito da proteção, as atuações
desenvolvidas pelo Estado, em diversas das suas configurações. Os direitos do
consumidor são enumerados no art.º 3 LDC e desenvolvidos nos artigos subsequentes.
Sem prejuízo do disposto no regime sobre ccg, quaisquer cláusulas que excluam ou
restrinjam os direitos atribuídos pela LDC são nulas (art.º 16 LDC). Caso o consumidor
opte pela manutenção do contrato (art.º 16/3 LDC), no silêncio da LDC, haverá que
aplicar, por analogia, dispositivo previsto no art.º 13 LCCG.
Instituições de tutela e promoção dos direitos do consumidor: art.º 17 a 22 LDC.
A defesa do consumidor impõe regras legais que atingem: a celebração dos contratos
(estando, pois, em jogo, deveres de informação e de lealdade e boa-fé – art.º 8/1, 2 e
3, e art.º 9/1 LDC); o conteúdo dos contratos (os bens e serviços devem ter
determinadas qualidades, não podendo ser perigosos e devendo apresentar certo
equilíbrio – art.º 4/1, art.º 5/1 e art.º 9/2 LDC); a responsabilidade civil, em termos
alargados.
Todo o esquema da formação dos contratos, prescrito no CC, é, assim, dobrado pelas
referidas regras, quando se trata de consumidores.
Para além das regras gerais contidas na LDC, há, ainda, que lidar com diversos diplomas,
os quais dispensam proteções setoriais, nomeadamente: o DL n.º 70/2007 (relativo a
práticas comerciais com redução de preços); o DL n.º 383/89 (relativo à
responsabilidade do produtor pela venda de coisas defeituosas); o DL n.º 166/2013 (o
qual proíbe as práticas individuais restritivas do comércio, sendo, especialmente
vedadas, as práticas comerciais discriminatórias, de tal modo que autonomia privada,
no âmbito comercial dirigido ao Público, fique, de facto, limitada); a L n.º 19/2012 (a
qual aprova um novo regime jurídico da concorrência); e a L n.º 23/96 (que cria
mecanismos de tutela do utente de serviços públicos: determinando que o prestador
deve agir de boa-fé, dando informações e respeitando a qualidade).
2. Os contratos pré-formulados
os contratos pré formulados, também ditos contratos rígidos, resultam de clausulados
submetidos por uma das partes a outra, para que esta, querendo contratar, os subscreva
em bloco. No fundo, há como que uma supressão de, no plano dos factos, da liberdade
de estipulação, tal como vimos ocorrer no domínio das ccg. Assim, não há ccg, seja por
se introduzirem, no texto, modificações personalizadas, seja, mais simplesmente, por
não se demonstrar uma disponibilidade para celebrar, na sua base, uma pluralidade
de negócios.
Nestes contratos, jogam diversos valores que levaram à consagração de regimes
específicos, para as ccg, daí que MC defenda a possibilidade de aos contratos pré-
formulados e perante situações similares, se aplicar a LCCG.
4. Composição do conteúdo
O conteúdo do negócio divide-se em elementos normativos e em elementos
voluntários.
Os elementos normativos correspondem às regras aplicáveis ex lege, isto é, àquelas que
o direito associe à celebração dos negócios, independentemente da sua expressa
vontade negocial nesse sentido. Estes podem ser de duas espécies:
▪ Elementos injuntivos, sempre que não fiquem na disponibilidade das partes
nem possam, por isso, ser por elas afastados;
▪ Elementos supletivos, caso a sua aplicação se destine a suprir o silêncio ou a
insuficiência do clausulado negocial.
Os elementos voluntários têm a ver com as regras aprontadas e fixadas pelas próprias
partes. Estes, por seu turno, podem subdividir-se em:
através da boa-fé (art.º 3/1) ou da LCCG, o tipo social apresenta também os aspetos
práticos e valorativos acima indicados.
A Possibilidade
1. Ideia geral e evolução histórica
O negócio jurídico deve postular atuações humanas exequíveis, isto é, possíveis, no
plano do conteúdo e no do objeto. O que não pode ser prestado, não pode ser devido,
no que se ergueria como uma verdade natural, uma imposição da natureza das coisas
ou um dado lógico-material. O ponto, por tão óbvio, dispensaria, mesmo, qualquer
consagração legal.
Todavia, a impossibilidade assume diversas formas: ela atinge um negócio ab initio ou
em momento superveniente; ela revela-se geral ou, apenas, perante uma concreta
parte; pode ser material ou jurídica; ocorre espontaneamente ou por via de alguma das
partes. Em suma, a aparente simplicidade de origem não dispensa um tratamento
jurídico-científico. Além disso, intervêm múltiplos acidentes histórico-culturais que, ao
longo da história, lhe dão uma feição multifacetada.
No direito romano, o bloqueio representado pela impossibilidade era reconhecido. Estes
textos foram retomados, ao longo da história, tendo merecido uma especial atenção dos
pandectistas. O requisito da possibilidade ficou assente, tendo sido acolhido por
Windscheid, cujas pandectae exerceram especial influência na preparação do BGB.
2. A evolução lusófona
O código de Seabra, acolhendo a tradição do direito comum, veio a dispor sobre a
nulidade de negócio cujo objeto não fosse física e legalmente possível.
Guilherme Moreira falava mesmo em inexistência, reportado aos negócios jurídicos
cujo objeto, pela ordem natural das causas ou em virtude da ordem jurídica, não seja
possível.
Na preparação do código de 1966, a possibilidade veio a ser convocada por duas áreas.
Na parte geral por Antunes Varela que convolou os requisitos do negócio jurídico para
a causa da sua novidade. As obrigações referiam as situações de impossibilidade
superveniente, não imputável (artº 790 a 797) e imputável (art.º 801 a 803) ao devedor.
3. Aspetos dogmáticos
As regras que dão corpo ao requisito da possibilidade encontram-se dispersas no código
civil. O art.º 280/1 refere-as, em geral, a propósito do negócio jurídico. Trata-se, porém,
de um requisito que sofre múltiplos desvios: a lei associa, à inexequibilidade de certos
atos, consequências diversas.
É o que sucede quanto a negócios envolvendo coisas futuras (art.º 399) embora, em
rigor, tais negócios não tenham essas coisas por objeto mas, antes, as diligências
necessárias para que a coisa surja (art.º 880/1) ou a eventualidade de cessar a
impossibilidade (art.º 401/2).
A possibilidade é física ou jurídica, consoante o conteúdo ou o objeto contundam,
ontologicamente, com a natureza das coisas ou com o direito. No caso da possibilidade
física, cabe distinguir:
▪ A possibilidade de ser vedada pela falta de substrato: pense-se no negócio de
reparação de uma casa, quando esta arda totalmente ou na prestação de serviço
médico, a um paciente que faleça;
▪ A possibilidade de perder conteúdo por uma supressão do escopo: o
fornecimento de um vestido de noiva, quando a interessada já tenha casado.
A possibilidade é absoluta ou relativa, conforme atinja o objeto do negócio, seja quais
forem as pessoas envolvidas ou, pelo contrário, opere somente perante os sujeitos
concretamente considerados. Em rigor, apenas a absoluta é verdadeira impossibilidade,
o sujeito concretamente impedido de atuar certo negócio poderá, não obstante,
celebrá-lo, desde que se faça, depois, substituir na execução. Esta distinção explica a
possibilidade de negociar coisas futuras, na hipótese de estas existirem, mas fora da
esfera do disponente (art.º 211 e 401/2).
A possibilidade é temporária ou definitiva em função da sua extensão temporal e em
termos de previsibilidade: no primeiro caso, é previsível que ela cesse, ao contrário do
que sucede no segundo. Enquanto requisito negativo, releva a impossibilidade
definitiva; sendo ela meramente temporária, o negócio poderá ser viável, dentro das
regras das coisas futuras.
A exigência de possibilidade deve ser delimitada. Ela incide sobre cada parcela do
negócio, sem impedir uma revalorização do conjunto. Segundo MC, foi uma pena que,
nas revisões ministeriais, se tenham uniformizado, sob capa da nulidade, situações tão
diferentes. Todavia, é possível uma interpretação restritiva, exigida pelos atuais cânones
jurídico-civis. A possibilidade deve ser aferida analiticamente, ponderando cada
elemento do negócio.
A Determinabilidade
1. A ideia geral e evolução
Um Negócio jurídico traduz, antes de mais, um conteúdo comunicativo: queres as partes
quer terceiros tomam conhecimento do que ele signifique, de modo a poderem
comportar-se em consonância com o que dele resulte. Quando suceda que, do negócio,
não derive uma informação clara quanto ao seu conteúdo, ou quanto ao seu objeto,
estamos perante um negócio indeterminável.
A indeterminabilidade pode resultar de uma confusão vocabular ultrapassável ou de
uma remissão para realidades que, por si, não tenham um teor percetível.
Cumpre distinguir entre um negócio indeterminado e um negócio indeterminável. No
primeiro caso, o negócio não permite, de momento, apreender o seu objeto ou o seu
conteúdo, não obstante, quer as partes quer a lei podem comportar dispositivos que,
ulteriormente, facultem uma determinação, veja-se o art.º 400, quanto à determinação
da prestação e o art.º 883, quanto à determinação do preço. O negócio é
indeterminado, mas surge determinável. No segundo caso, o negócio é, de todo,
indeterminável.
O código de Seabra referia expressamente o requisito da possibilidade. A
determinabilidade era, deste modo, reconduzida à ideia de legalidade, como tal é
considerada por Manuel de Andrade.
2. Autonomia dogmática
A determinabilidade do conteúdo e a do objeto do negócio tendem a ser aproximadas
da possibilidade de ambas essas realidades. Com efeito, o negócio jurídico que, para as
partes, implique condutas indeterminadas e indetermináveis torna-se de execução
impossível. Todavia, a prática moderna permite detetar, na determinabilidade, um valor
autónomo, particularmente importante para a defesa das pessoas e, em especial, dos
consumidores.
A determinabilidade coloca um tema de consciência na conformação da vontade
negocial. Uma pessoa que se obrigue a um negócio de conteúdo indeterminável dá um
salto no escuro. Se o contrato se mantiver, para sempre, indeterminável, ninguém o
pode cumprir. Compreende-se, a essa luz, o cuidado revelado pelo art.º 280/1, que
procura proteger, em interpretação atualista, as partes contra tais imponderáveis.
O art.º 280/1 veda negócios cujo conteúdo ou cujo objeto não possam ser
determinados, no momento da sua conclusão, isto é, que tenham, nessa ocasião, um
conteúdo indeterminável. Podemos admitir negócios que, conquanto indeterminados,
comportem regras previsíveis que facultem uma ulterior determinação. Valem, como
exemplo, os art.º 400 e 883 do CC, sendo claro que tais preceitos preveem formas
equilibradas de determinação.
Fora desse condicionalismo, a indeterminabilidade na conclusão, representa um risco
inaceitável para as partes, designadamente para a mais fraca.
3. O fim do negócio
A ilicitude de um negócio comporta elementos subjetivo. Uma mesma ação pode ser
lícita ou ilícita em função dos fins ou das intenções de quem a desencadeia, percetíveis
por diversos elementos circundantes. Tais elementos subjetivos podem emergir do
próprio negócio ou podem ser exteriores.
O anteprojeto de Rui de Alarção ocupou-se do problema, apenas, a propósito da
contrariedade à ordem pública e aos bons costumes.
A evolução das revisões ministeriais conduziu ao art.º 281.
No tocante ao fim do negócio, podemos distinguir:
▪ O fins expresso ou clausulado: o próprio negócio, no seu preâmbulo, quando
exista, ou nas regras que estabeleça, fixa um objeto para o acordado;
▪ O fins exterior implícito: as partes concluem o negócio com um objetivo que,
conquanto não expresso no negócio, resulta das circunstâncias, a pessoa que
adquire cartuchos numa zona de caça fá-lo, por certo, para efeitos venatórios;
▪ O fim interior explícito: a parte fecha um negócio com um objetivo em si
indecifrável, mas comunica-o à outra;
▪ O fim íntimo: cada parte terá intenções mais ou menos assumidas, quando
celebre um negócio, todavia, nada transparece.
Quando exige um fim comum a ambas as partes e tomando a letra o art.º 281 apenas
censura a comunhão de objetivos. E tal comunhão, a demonstrar pelo interessado,
poderia ser expressa, exterior implícita ou, até, interior explícita: decisivo seria o facto
de todos os contraentes prosseguirem o mesmo fim. Assim, no exemplo da compra e
venda de uma arma para cometer um crime, a ilicitude no negócio só ocorreria se ambas
as portas pretendessem a morte da vítima.
O direito, quando veio de negócios com fins ilícitos lato sensu, pretende agir no domínio
da prevenção geral e da prevenção especial, evidente que, no futuro, tais negócios se
repitam. E assim, não se exige que o fim último do negócio seja ativamente procurado
por ambas as partes, basta que se trate do fim de uma delas, expressa ou implicitamente
conhecido pela outra, na contratação. A pessoa que venda uma arma nada tem a ver
com o uso ulterior da mesma, mas deve recusar um negócio se souber que, com ela, o
adquirente pretende perpetrar um roubo.
4. A conformidade legal
A conformidade legal corresponde, na terminologia de Paulo Cunha, um requisito
residual destinada a facultar a sistematização dos fatores que a lei exija para a validade
de negócios específicos.
Por definição, apenas se poderá, neste domínio, dar exemplos: os direitos litigiosos não
podem sair cedidos às pessoas referidas no art.º 579; os pais e avós não podem vender
a filhos ou netos exceto nas condições referidas no art.º 877.
A conformidade acaba por estar presente, dado o teor geral do art.º 294: os negócios
jurídicos celebrados contra preceitos legais imperativos são nulos. Nunca é possível
conhecer de antemão todas as proibições que possam recair sobre um espaço negocial.
A fraude à lei
1. Origem
A propósito da ilicitude, coloca-se o problema do chamado negócio em fraude à lei.
Como sucede frequentemente no direito civil, a “fraude à lei” corresponde ao instituto
com dimensões culturais e científicas próprias.
No Direito Romano não havia, em geral, um conceito de fraude (fraus), mas este
conceito traduzia-se numa quebra do direito, particularmente uma quebra da lealdade.
Os atos em fraude à lei distinguir-se-iam dos atos contrários à lei.
A partir das fontes clássicas, a ideia de fraude à lei foi-se divulgando nos diversos setores
jurídicos, sempre com uma consequência prática: o ato em fraude à lei era, para todos
os efeitos, equiparado ao lado contrário à lei sendo, em geral, nulo.
A fraude a lei conheceu dois tipos de consagrações:
▪ As específicas, sempre que as próprias normas, prevendo determinadas
hipóteses de contornar as leis, as viessem proibir;
▪ As genéricas, caso resultassem do sentir geral da ordem jurídica.
Este último aspeto punha-se, sobretudo, no campo do direito civil e mais precisamente
no domínio do negócios jurídico
2. O direito lusófono
Realizada uma breve referência à evolução da ideia de “fraude à lei” e a sua aplicação
nos espaços jurídicos alemão e italiano, como sendo os que mais têm vindo a influenciar
o atual direito civil português.
Na doutrina, o problema da fraude à lei foi divulgado, no primeiro tempo, por Beleza
dos Santos. Este autor depois de expor com brevidade os termos e as evoluções do
problema, vem aderir à construção germânica da não-autonomia do instituto: tudo
residiria numa questão de interpretação dos factos legais em causa.
Manuel de Andrade voltou ao assunto com várias precisões, mas em termos bastante
próximos. Definindo os negócios em fraude à lei nos termos clássicos como aqueles que
procuram contornar ou circunvir uma proibição legal, tentando chegar ao mesmo
resultado por caminhos diversos dos quais a lei designadamente previu e proibiu. Este
autor expõe as teorias subjetiva e objetiva, acabando por aderir à segunda.
Esta posição surge na doutrina posterior ao código civil de 1966, ainda que com diversas
precisões, é possível citar Vaz Serra, Carvalho Fernandes e Meneses Cordeiro. No âmbito
da preparação do código civil, tal foi a opção feita pelos especialistas que intervieram
diretamente nesse ponto: Vaz Serra e Rui de Alarcão, e por isso mesmo, os autores
vieram a concluir que não era necessário inserir no código um preceito específico sobre
o tema. Acrescente-se, ainda, que esta orientação é acolhida na jurisprudência, como o
Supremo afirma “em suma e na realidade, o negócio em fraude à lei é sempre um
negócio contrário a ela”.
3. Posição adotada
Hoje, entendemos que a fraude à lei é uma forma de ilicitudes que envolve, por si, a
nulidade do negócio. A sua particularidade residirá no facto de as partes terem tentado,
através de artifícios mais ou menos assumidos, conferia ao negócio uma feição inócua.
A fraude a lei exige uma interpretação melhorada dos preceitos vigentes:
→ Se se proíbe o resultado, também se proíbe os meios indiretos para lá chegar;
→ Se se proíbe apenas um meio fica em aberto a possibilidade de percorrer outras
vias que a lei não vede.
Nalguns casos, todavia, a lei, depois de prescrever certo regime, proíbe expressamente
os negócios que possam contorná-lo, assim sucedia no direito do trabalho, com os
contratos a termo, no domínio do decreto-lei nº 781/76, hoje revogado. No art.º 3/2,
afirmava que a estipulação do prazo era nula se tivesse por fim aludir a disposições do
contrato sem prazo, todavia e pela forma indireta como mencionava a ilicitude, deu
sempre azo a dúvidas.
A fraude à lei poderia, noutro contexto, designar o abuso de direito. Esta figura não
pode, todavia, deixar de ser estudada enquanto tal: tem uma vincada identidade
dogmática.
Bons costumes
1. Generalidades
Segundo o art.º 280/2, é nulo o negócio contrário ou ofensivo dos bons costumes.
Surgem, na lei civil, diversas formulações deste tipo, como nos art.º 281 ou 334.
Os bons costumes e a ordem jurídica constituem noções distintas. Além disso, os bons
costumes permitem uma sindicância de todos os negócios jurídicos, isto é, ele não
faculta uma imediata apreensão quanto ao seu conteúdo normativo.
Em situações deste tipo, impõe-se um particular esforço de cautela e de precisão por
parte do interprete-aplicador.
2. O direito lusófono
No direito lusófono, a referência aos bons costumes, própria do direito comum, acusou
uma influência verbal napoleónica. O código de Seabra limitou-se, todavia, a exarar, no
seu art.º 671, que os atos contrários à moral pública, não podiam ser objeto de contrato.
O código civil aproxima, muitas vezes, “bons costumes”, “ordem pública” e “boa-fé”.
Trata-se, contudo, de conceitos bem distintos.
No tocante à boa-fé, a distinção está feita, os bons costumes não apelam aos valores
fundamentais do ordenamento, concretizados pelos princípios mediantes da tutela da
confiança e da primazia da materialidade subjacente. Antes têm a ver com as regras
circunscritas e acolhidas, do exterior, pelo sistema.
Se analisarmos os casos de concretização dos bons costumes que nos advém da
experiência alemã, deparamos com dois grandes grupos: hipóteses que se prendem com
princípios cogentes da ordem jurídica e hipóteses que já se ligaram à “moral social”. Os
primeiros encontram solução no sistema, têm a ver com a ordem pública. Repare-se que
o direito alemão não refere, expressamente, a ordem pública, fica na contingência de
tudo inserir nos bons costumes.
O direito civil reconhece regras a que empresta um conteúdo jurídico mas que, por
razões de circunspecta tradição, nunca refere de modo expresso. Estão nessas
condições as regras de comportamento sexual e familiar e que, no fundamental, não são
admissíveis negócios jurídicos que tenham por objeto prestações que envolvam relações
familiares ou condutas sexuais. De tudo o modo, tem havido modificações nesses
domínios, mercê da evolução cultural recente, sem que, por isso, deixe de haver regras.
Confrontado com esta evolução, o juiz deve aplicar as regras vigentes no momento da
execução do negócio.
Podemos ainda alargar os bons costumes e regras deontológicas, formuladas por
instâncias profissionais próprias: advogados, jornalistas ou médicos. Os bons costumes
envolvem as duas áreas referidas que a lei não explicita, mas que são de fácil
reconhecimento objetivo, em cada momento social. Consegue-se, por esta via, um
afinamento de conceitos bem consentâneos com a origem e a evolução do instituto.
O art.º 281 prevê a hipótese de apenas o fim do negócio ser contrário aos bons
costumes. Nessa eventualidade, um negócio só será nulo se o fim for comum a ambas
as partes. Esse dispositivo deve ser interpretado extensivamente quanto à ilicitude:
fiquei ferido o negócio quando uma das partes o celebre com um fim desse tipo e a
outra, conhecendo esse dado, dê, todavia, o seu assentimento.
3. A concretização
A concretização da cláusula dos bons costumes opera na base do art.º 280/2.
Nas decisões judiciais relativas aos bons costumes, podemos indicar três vertentes:
→ Os bons costumes referidos em conjunto com a boa-fé, a propósito do abuso de
direito e seguindo à letra o art.º 334;
→ Os bons costumes como tópico argumentativo, destinado a reforçar decisões
apoiadas noutros lugares normativos;
→ Os bons costumes propriamente ditos, ora na sua vertente de moral sexual e
familiar, ora na das suas regras deontológicas aplicáveis, ainda que, por vezes,
sem uma referência explícita, nesse campo.
Os bons costumes não têm, tecnicamente, a ver com o abuso de direito. Correspondem
a regras de conduta externa e não a limites intrínsecos dos direitos, impostos pelo
sistema.
Relativamente ao uso de técnico-científico dos bons costumes merece ser seguido e
apoiado. Apenas sublinhamos que a atual densificação jurídico-positiva do direito
lusófono atinge níveis que tornam menos premente o recurso a cláusulas gerais, como
a dos bons costumes.
A ordem pública
1. Aspetos gerais
A ordem pública, agora tomada como ordem pública interna, repetidamente referida,
no código civil, lado a lado com os bons costumes.
Como vimos, os bons costumes propriamente ditos obtém-se pela análise da moral
social e dos códigos deontológicos. Temos realidades a se, a captar pela observação e
pelo conhecimento direito. Embora tudo isso deva ser feito à luz do direito, não há,
propriamente, uma tarefa de interpretação e de construção jurídica. Já o setor dos
princípios gerais injuntivos é dominado pela ciência do direito. Reside aí, a ordem
pública (interna).
2. A ordem pública
Ao contrário dos bons costumes, a ordem pública constitui um fator sistemático de
restrição da autonomia privada. Podemos alcançá-la através de considerações muito
simples. A autonomia privada é limitada por normas jurídicas imperativas. Todavia, o
sistema não inclui apenas normas, a retirar das fontes, pela interpretação: ele abrange,
antes, também princípios, a constituir pela ciência jurídica.
Tais princípios correspondem a vetores não expressamente legislados, mas de
funcionamento importante. Eles podem ser injuntivos. Muitas vezes, eles prendem-se
com bens de personalidade: justamente uma área onde, mercê dos valores em
presença, a autonomia privada surge limitada. Nesse sentido, é paradigmática a
proibição do art.º 81 do código civil.
São, assim, contrários à ordem pública, contratos que exijam esforços desmesurados ao
devedor ou que restrinjam demasiado a sua liberdade pessoal ou económica. Também
são contrárias à ordem pública negócios que atinjam valores constitucionais
importantes ou dados estruturantes do sistema.
3. Aplicações
A prática jurisprudencial tem vindo a desenvolver-se. É curioso notar que a ordem
pública tem sido mais aplicada pelos tribunais portugueses do que os bons costumes.
Ela tem sido invocada para deter negócios contrários a regras imperativas, como os que
contrariem os salários mínimos. No mesmo vício incorrem os negócios que visem
defraudar procedimentos cautelares decididos pelo tribunal, que contrariem o regime
vinculístico do arrendamento ou que iludam direitos sucessórios.
Também é contrário à ordem pública a assunção de garantias in aeternum et emnibus e
portanto, sem limite de tempo e em dimensão indeterminada.
2. Modalidades
A condição potestativa levantou muitas dúvidas sendo, hoje, admitida tal condição,
apenas quando assente em dados objetivos. Fora disso, ela corresponderá a um puro
direito potestativo, reconhecido a uma das partes, de desencadear efeitos negociais ou
de revogar o negócio, não se tratando, pois, de uma condição proprio sensu. O CC,
todavia, reconduziu-a, ora à proposta (art.º 923), ora à resolução (art.º 924): não se
trata, pois, de uma condição.
3. Condicionalidade
A regra geral, emergente do art.º 405/1, é a da livre aponibilidade de condições: quem
é livre de estipular, pode condicionar. Deduz-se, e, que os atos em sentido estrito não
são condicionáveis, ou já terão outra natureza. A lei, em várias definições específicas,
proíbe, em certos casos, a aposição de condições: assim sucede com a compensação
(art.º 848/2), com o casamento (art.º 1618/2), com a perfilhação (art.º 1852/1) ou com
a aceitação ou o repúdio da herança (art.º 1054/1 e 2064/1).
As condições não podem, ainda, ser inseridas em negócios que o direito pretende
afirmes e como fórmula de os precarizar. Assim, o arrendamento que não poderia ser
condicionado resolutiva mente, sob pena de se frustrar o princípio vinculístico da
renovação automática, outro tanto sucedendo com o contrato de trabalho virgula dada,
desta feita, a proibição dos despedimentos. No caso do arrendamento, a solução correta
implicava a invalidade de todo o negócio; no contrato de trabalho, há que contar com
determinadas conversões legais.
4. Invalidades
Diferente da aponibilidade e a licitude da condição, desta feita, não há que atentar no
negócio acondicionar, mas no teor da própria condição. Esta virgula pode conduzir ou
implicar resultados proibidos pelo direito, sendo que tal pode suceder: por a própria
condição ser, em si, contrária à lei (e.g. dou se ele cometer um crime), por implicar uma
relação com um negócio que repugna ao direito (e.g. dou se ele castigar os filhos) ou
por esta conduzir a resultados indesejáveis o que o direito queria livres (e.g. dou se ele
romper o noivado).
Assim, o CC distingue, neste ponto, o tipo de regra atingida: art.º 227/1 e 2230/2.
Sempre que seja aposta uma condição num negócio em condicionável o que a condição
seja, em si, ilícita, um negócio e, anunciou todo, nulo, regra essa que se alarga às
condições impossíveis (art.º 271): vitiat et vitiatur. Todavia, esta regra tem exceções:
em certos casos, o direito, em vez de cominar a nulidade de todo o negócio, determina
a nulidade, apenas, da condição: vitiat sed non vitiat [assim sucede com os atos pessoais
e familiares no domínio do casamento (art.º 1618/2) e da perfilhação (art.º 1852/2),
dada a evidente necessidade ético-jurídica de preservar esses atos; note-se que esta
exceção vigora também no âmbito de atos gratuitos].
Assim, em todas as hipóteses de mera nulidade da condição, por expressa injunção legal,
há que ponderar se as partes terão mesmo querido o negócio sem a condição. Quando
for patente a negativa, o facto de a condição se ter como não escrita acarreta a nulidade
do conjunto. E há, para tanto, além da natureza das coisas, uma base legal: art.º 2230/1.
Ora, a declaração em contrário pode ser tácita, nos termos gerais, resultando da
declaração negocial, no seu conjunto.
O regime da condição
1. Princípios gerais
O regime da condição procura um equilíbrio: por um lado, ela deve ser respeitada,
envolvendo todo o negócio jurídico, pro outro, ela não pode paralisar o comércio
jurídico, na expectativa de que ocorra. A conjunção destas proposições opostas pode
ser concretizada com o auxílio:
Desde o momento em que seja celebrado negócio condicionado e até altura em que se
verifica a condição ou haja a certeza de que ela se não poderá mais verificar, ela está
pendente. mote, contudo, que a pendência da condição gera uma situação particular de
conflito de direitos (aquilo que aliene um direito sob condição suspensiva mantém-se
seu titular, mas deixará de o circo uma verificação dela; Por seu turno, o que adquire um
direito sob condição resolutiva, passa a ser seu titular, mas deixará de o ser com a
verificação da mesma; em ambos os casos o titular é, de algum modo, precário, ora, se
lhe fosse permitido agir como titular pleno, ele poderia pôr em perigo o direito da outra
parte).
A pendência cessa pela verificação da condição, ou pela não verificação, consoante ela
se manifesta pela positiva ou pela negativa, tendo em conta o disposto no art.º 275/1.
Em princípio, a condição deve seguir o seu curso natural, devendo-se, pois, referir que:
art.º 275/2. a vírgula aqui, uma manifestação da regra mãe do tu quoque, baseada na
própria boa-fé.
Art.º 276
Segundo o art.º 274, são possíveis atos dispositivos de posições condicionadas sendo o
adquirente equiparado a possuidor de boa-fé. Além disso, o art.º 277 retira, dessa
retroatividade, os seguintes pontos: os contratos de execução continuada (art.º 277/1),
os atos de administração ordinária entretanto praticados (art.º 277/2) e a natureza de
boa-fé a posse do titular (art.º 277/3), o que lhe confere, por exemplo, o direito aos
frutos(art.º 1270).
Não a vírgula pois, retroatividade pura: digamos antes que todo o negócio fica infle
tido pela condição, independentemente da verificação desta.
2. Pendência e boa-fé
N do regime da condição importa agora considerar, com maior atenção, o problema da
sua pendência.
Art.º 275, preceito que tem sido entendido como uma concretização do art.º 272.
Deparamo-nos com uma manifestação de boa-fé objetiva, a qual exprime a necessidade
de, em cada SJ, se observarem os vetores fundamentais da OJ. Tal necessidade implica
3. A expetativa
Em sentido amplo, a expectativa corresponde a uma situação aprazível, na qual se
espera a constituição de um direito, ou se adere à manutenção de uma decorrência
favorável, de onde sobressai a expectativa jurídica: aquela que traduz uma posição
jurídica tutelada pelo direito, podendo, desse modo, ser tomada como direito subjetivo.
A expectativa jurídica surge como conceito capaz de enquadrar o beneficiário de uma
condição suspensiva, enquanto esta não ocorrer; E serviria, também, para exprimir o
sucessor do titular, perante uma condição resolutiva.
O termo
Termo – cláusula pela qual as parte subordinam a eficácia de um NJ à verificação de um
facto futuro efetivo.
Termo pode ser certo (no sentido de se saber, de antemão, quando irá ocorrer) ou
incerto (no sentido de se saber que irá ocorrer, embora seja desconhecido o momento
exato desta sua ocorrência).
1. Modalidades
O termo segue a elaboração da condição, sendo, no entanto, bastante mais simples. O
amparo doutrinário que o termo tem encontrado na condição resulta, aliás, dos próprios
códigos: o art.º 278 remete aspetos importantes do regime do termo para o da condição
(art.º 272 e 273) que terão, ainda, de ser alargados.
O termo é suscetível de várias classificações:
▪ inicial/suspensivo/dilatório – quando a eficácia negocial principie, apenas, após
a sua verificação (dies a quo ou ex quo).
▪ final/resolutivo/perentório – Sempre quis eficácia em questão termine com a
verificação do evento (dies ad quem).
Tradicionalmente, são feitas as seguintes contraposições:
▪ dies certus an certus quando – há um termo certo/fixo.
▪ dies certus an incertus quando – há um termo incerto/infixo.
▪ dies incertus an certus quando – sabe-se que, caso isso ocorra, será em tal data;
há, na realidade, uma condição.
▪ dies incertus an incertus quando –não se sabe se isso vai ocorrer, nem quando:
há condição.
Quanto ao modo de exprimir o termo, pode este ser expresso (quando resulte da
vontade assumida das partes) ou tácito (quando derive de circunstâncias que, com toda
a probabilidade, revelem ser essa a vontade das partes).
Diferente da anterior, apesar das confusões patentes de alguma doutrina, é a
classificação que atende a fonte, aí, o termo pode ser convencional, se estipulado pelas
partes, e legal, se imposto por lei. O chamado termo legal e, na realidade, um termo
próprio, uma vez que não deriva da vontade das partes.
O termo pode, ainda, ser essencial (sempre que o seu desrespeito envolva a
impossibilidade da prestação – e.g. servir a ceia de passagem de ano até ás 00h do dia
31 de dezembro) ou não essencial (quando tal desrespeito apenas implica uma mora do
devedor – e.g. o automóvel ficará reparado dentro de uma semana).
2. Regime
O termo, tal como a condição, depende da vontade das partes, daí que estas possam
recorrer a ele, a ponto em todos os negócios que a lei não declare inaprazáveis. Deve
frisar-se que o regime não coincide aqui, precisamente, com o das condições. Caso a
caso haverá, pois, que se verificar se a proibição legal Se estende a condição e ao termo
ou se abrange, apenas, a condição.
A aposição de termo quando a lei o proíba envolve a nulidade de todo o negócio
jurídico. Esta mesma regra é aplicável quando haja um termo impossível ou inviável,
a menos que, pela interpretação, se consiga apurar que houve um mero lapso material
ou que as partes tinham outra qualquer vontade em vista.
Desde o momento da estipulação e até a verificação do termo, este diz pendente,
havendo um conflito de direitos entre o atual detentor do direito e aquilo que o
receberá, quando ele ocorrer, durante esta pendência do termo. Os problemas
suscitados são muito semelhantes aos da condição, por isso se compreende a remissão
do art.º 278 para os art.º 272 e 273.
Note-se que, apesar de poder parecer que os art.º 274 a 277 não teriam aplicação ao
termo, não é assim que sucede. De facto, apesar do termo, pode a parte que abrirá mão
do direito, praticar atos dispositivos e de administração, havendo, então, que recorrer
aos art.º 274 e 277/2 e 3.
Também se pode verificar que um termo, apesar de certo por definição, se venha a
impossibilitar por modificação superveniente (e.g. paga quando o automóvel se
transformar em sucata; ora pode o automóvel parecer de tal modo que nem sucata
fique): é nestes casos que o art.º 275/1 ganha maior utilidade. O art.º 272/2 é também
aplicável ao termo.
A retroatividade do termo poderá ainda operar ou não, consoante a vontade das partes
e as circunstâncias (art.º 276 e 277/1).
Preconiza se, segundo MC, um entendimento lato da remissão feita no art.º 278: todo o
regime da condição é aplicável ao termo, cabendo depois, caso a caso e preceito a
preceito, ponderar até onde vai essa aplicabilidade. Se necessário, segundo MC e JAV,
podemos invocar a analogia.
Por vezes, inclusão, num negócio, de um prazo resolutivo pode bulir com valores sociais
e individuais, obrigando o legislador a intervir. É o que sucede no tocante ao contrato
de trabalho: este, quanto temporalmente limitado, fica preconizado.
2. Apresentação e princípios
O negócio jurídico vale, como referido e perante o direito, enquanto manifestação da
autonomia privada. Nessa medida, ele releva por corresponder a uma determinada
vontade, isto é, a uma decisão assumida na sequência de toda uma ponderação
imputável a um sujeito. A decisão terá, como se viu, de ser exteriorizada, para produzir
os seus efeitos. Estamos, todavia, em fase de uma obra humana. Vários vícios podem
interferir em todo esse processo, tais vícios incidem em dois planos:
As soluções que o direito faz corresponder a estes vícios são norteadas por dois
princípios fundamentais, várias vezes consubstanciados ao longo da presente exposição
relativa à parte geral: a autonomia privada e a tutela da confiança.
A autonomia privada exige que a vontade juridicamente relevante corresponda a
vontade real, livre e esclarecida do declarante.
A tutela de confiança requer a proteção da pessoa que tenha dado crédito à declaração
de outrem, mesmo quando esta não reúna todos os requisitos que um puro esquema
da autonomia privada exigiria.
3. Ordenação dogmática
O quadro geral apresentado, relativo aos vícios da vontade e da declaração, apesar de
explicativamente útil, não corresponde às necessidades de uma exposição dogmática do
direito civil lusófono.
Apesar dos compassos racionalistas sempre representados pelas codificações, podemos
considerar que, ao longo da história, a matéria dos vícios da vontade e da declaração se
foi desenvolvendo não numa panorâmica envolvente, mas em termos insulares.
Existem quatro grandes situações típicas:
→ O erro: malgrado as clivagens que, correntemente, lhe são assacadas, tem uma
evidente unidade histórica, derivada da exceptio doli;
2. A evolução subsequente
Desde logo, seria possível, com Hans Brox, considerar conceptual a ideia de que,
faltando a consciência pressuposta pela vontade, já não haveria verdadeira declaração
de vontade. A distinção entre a voluntariedade do ato e a consciência do ato não deixa
de ser subtil, nas palavras de Bydlinski. Este mesmo autor sublinha que, perante o
regime do negócio jurídico, ou atribuir um papel à falta de consciência da declaração
equivale a um mínimo de consagração do dogma da vontade; haveria que desistir dela.
A doutrina manteve-se cética, quanto a uma autonomização da falta de consciência da
declaração: o regime do erro poderia enquadrá-la. Além disso, o desenvolvimento das
declarações eletrónicas, a operar com ela, poria em jogo a segurança.
Para além do mais, manteve-se viva a ideia de que existe uma diferenciação entre o erro
e a falta de consciência da declaração. Independentemente da dimensão teórica, pode
ser inviável imputar uma declaração de todo descabida, qualquer tutela da confiança
terá de seguir havia de uma indemnização por interesse negativo.
4. Previsão e regime
De iure condendo, O legislador de 1966 deveria ter resistido à tentação de fazer
doutrina, no próprio código civil. A temática da falta de consciência da declaração é um
instituto experimental, logo contingente e cuja colocação no código civil, provoca um
tsunami sistemático. As regras positivas devem ser conhecidas, ainda que, na sua
interpretação, se devam ter em conta as obrigações que suscitam.
Assim, o art.º 246, na parte em que refere a falta de consciência da declaração, entra
em colisão com as regras da interpretação e, particularmente, com o art.º 236. Vamos
supor que seja feita uma declaração negocial, tomada, como tal, pelo declaratário
normal, colocado na posição declaratário real. Vamos ainda supor que, dadas as
circunstâncias, o declarante possa, razoavelmente, contar que, à sua atuação, seja dado
o sentido de uma declaração e que o declaratário não conheça a vontade real do
declarante.
O art.º 246 entra ainda em colisão com o art.º 247. A vontade declarada sobrepõe-se à
vontade real, mesmo havendo erro, desde que o declaratário conhecesse ou não
devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o
erro. Quer isso dizer que o declarante pode ficar vinculado a um negócio que, de todo,
A incapacidade acidental
1. Enquadramento
O Direito civil considera a personalidade jurídica a qualidade do destinatário da norma
jurídica, ou seja, as suscetibilidade de ser titular de direitos e distrito de obrigações. Por
seu turno, a capacidade jurídica é a medida de direitos e deveres de que uma pessoa
possa, respetivamente, ser titular e destinatária.
Na capacidade subdistingue-se, por seu turno, entre a capacidade de gozo e capacidade
de exercício: a primeira traduz a medida de situações que o sujeito considerado possa
encabeçar e a segunda equivale às situações que o mesmo possa exercer pessoal e
livremente.
O ser humano tem capacidade jurídica e capacidade de gozo plena: surge como centro
de imputação de normas jurídicas e pode ser titular da generalidade das situações
jurídicas legitimáveis pelo direito. Já quanto à capacidade de exercício ela é plena para
os maiores (art.º 123), sendo reduzida para quem não tem 18 anos de idade (art.º 124),
sendo anuláveis os atos que pratiquem no campo da sua incapacidade (art.º 125).
O maior pode ser interdito o exercício dos seus direitos quando, por anomalia psíquica,
por surdez-mudez ou cegueira, se torne incapaz de governar suas pessoas e bens (art.º
138). Fica, então, equiparado o menor, no tocante à capacidade (art.º 139). Para casos
menos graves, a lei prevê a inabilitação (art.º 152), fixando determinadas incapacidades
de exercício, já que devem ser assistidos por um curador (art.º 153).
As pessoas coletivas têm personalidade jurídica e uma capacidade de gozo sujeita a
determinadas limitações. Quanto à capacidade de exercício, ela é plena, devendo ser
exercida pelos titulares dos órgãos competentes, no âmbito de um nexo de
organicidade.
2. Os pressupostos
Na sequência do desenvolvimento deste instituto, dispõe o art.º 257. Este preceito fixa
condições subjetivas e objetivas. Subjetivamente, ele aproveita a qualquer pessoa que
(nº1):
▪ Se encontrava acidentalmente incapacitada: acidentalmente contrapõe-se a
permanentemente, altura em que se aplica o regime da menoridade ou da
interdição/inabilitação,; aos atos do interdito anteriores à ação aplica-se
também o regime da incapacidade acidental (art.º 150);
▪ Por qualquer causa: a lei não distingue; podem se elencar factos patológicos
extrínsecos, como a embriaguez ou efeito substâncias psicotrópicas, factos
patológicos intrínsecos, como uma doença súbita dos fomos psicológico ou
psiquiátrico, um delírio febril, Um Estado de pânico ou um trauma, o
sonambulismo, entre outros;
▪ De entender o sentido da declaração: a causa acidentalmente incapacitante
atinge a capacidade intelectiva da pessoa; podemos distinguir a perceção, o
raciocínio e a comunicação;
▪ De exercer livremente a sua vontade: a causa afetou a autonomia do
declarante, impelindo-o seja de decidir mecanicamente, seja proceder de um
outro aleatório.
detida por abuso de direito, designadamente nas modalidades de venire contra factum
proprium ou de tu quoque.
Nestas duas situações, a declaração “não produz efeitos”, situação que convolamos para
a nulidade. O declarante, não as pode, pois, aproveitar, ainda que supervenientes, elas
se lhe venham a revelar favoráveis. Já na incapacidade acidental, a mera anulabilidade
confere, ao declarante, o direito potestativo de impugnar o negócio: direito que
exercerá, ou não, conforme o que melhor lhe convenha.
4. A aplicação prática
O art.º 257 e o instituto da incapacidade acidental, que lhe comporta, assumem, na
prática, o seu papel efetivo.
A jurisprudência tem entendido, em moldes estritos, o dispositivo da incapacidade
ocidental. Assim, a anulação por via do art.º 257, obedeceria a três requisitos:
As declarações não-sérias
1. Ideia geral e evolução
A declaração diz-se não séria quando o declarante, apesar de lhe dar uma conformação
jurídica, a faça não com o objetivo de concluir um negócio mas, simplesmente, de
efetuar uma tirada jocosa, jactante, publicitária, cénica ou ilustrativa. A intenção do
declarante pode ser boa, neutra, desagradável ou maléfica. O código civil ocupa-se desta
matéria no seu art.º 245.
O direito romano já conhecia a eventualidade de declarações não sérias, prevendo que
as mesmas não produzissem efeitos. O fragmento conhecido pressuponha que o
destinatário tivesse consciência da não seriedade.
Também no BGB houve uma disposição sobre a falta de seriedade. Este preceito exerceu
uma influência decisiva no código civil de 1966: de novo é doutrina alemã apresenta o
maior relevo, teórico e prático, no entendimento e na aplicação do direito lusófono.
3. O regime vigente
Tudo visto, consta, do código civil, um dispositivos expressamente dedicado às
declarações não sérias. Segundo o seu art.º 245/1.
Tudo reside na ideia de declaração não séria. Esta locução é, tal como no direito alemão,
muito estrita: ficam envolvidas todas as situações nas quais o declarante não tenho a
intenção de emprestar, à declaração feita, uma dimensão jurídico-negocial, esperando
que o “declaratário” disse se perceba. Passando a dissecar a ideia temos:
▪ Uma declaração linguística capaz de exprimir uma declaração negocial eficaz:
uma afirmação descabida ou disparada , em si ou pelo contexto, não tem
qualquer relevância capaz de avocar o art.º 245:
▪ Acompanhada pela falta de vontade (de consciência) de lhe emprestar uma
dimensão jurídica;
▪ Em termos que, de algum modo, se reflitam seja no seu teor, seja nas
circunstâncias que acompanhem o sucedido: uma falta de seriedade
puramente íntima, que não assuma uma dimensão de alteridade, não releva
para o direito;
▪ Na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, isto é, de
que o destinatário se aperceba dela; esta “expectativa” deve alicerçar-se em
algo de substancial, seja objetivamente (todos percebem a falta de
seriedade) seja objetivamente (o concreto destinatário deveria aperceber-se
disso dado, por exemplo, o historial de brincadeiras entre ambos existente.
Na dúvida, haverá que interpretar a declaração não séria, à luz do art.º 236, para
verificar se a falta de seriedade é acessível ao horizonte do destinatário: normal, na
posição do real.
Não lográmos construir um especial dever, a cargo do destinatário, de indagar da
seriedade das declarações negociais que lhe sejam dirigidas: o direito é assunto sério,
todos têm a consciência de que os contratos devem ser cumpridos e de que as
declarações de vontade são para valer. Opera, apenas, o dever geral de prestar atenção
ao que se ouça e veja, quando se pretende concluir um negócio.
E se, mal grado a “expectativa” do declarante, a falta de seriedade não que for
cognoscível, nesse caso cairíamos na reserva mental (art.º 244/1). Uma declaração não
séria, feita de tal modo que a não-seriedade não seja percetível tem (objetivamente) o
instituto de enganar o declaratário. A “sanção” será, nessa altura, a validade da
declaração (art.º 244/2).
Como ponto de suplementar dificuldade, o art.º 245/2 consagra, aparentemente, uma
regra para a declaração não-séria que posso por verdadeira.
Tomando à letra esta previsão, a declaração não séria, justificadamente aceite como
boa, e a reserva mental ficariam indistinguíveis. O quadro, em nome de uma
interpretação sistemática, terá de ver o seguinte:
A reserva mental
1. Ideia geral e evolução
Diz-se haver reserva mental quando o declarante emita uma declaração contrária à sua
vontade real, com o intuito de enganar declaratário (art.º 244/1). Ou seja, o declarante
quer uma coisa e diz outra: não por engano, mas para fazer crer, ao declaratário, que a
sua vontade era diversa. Como bem se compreende, uma ocorrência deste tipo,
totalmente inescrutável, não pode ser relevante. Todavia, o tema mereceu diversas
reflexões.
Ao longo dos séculos, foram declarados nulos casamentos católicos por força da
reservatio mentalis dos nubentes ou de algum deles. O código do direito canónico de
1983 confere, no casamento, um relevo supremo ao internus animi consensus dos
esposos. Este presume-se em consonância com as palavras proferidas.
Savigny considerou irrelevante, perante uma declaração de vontade que, secretamente,
o declarante tenha uma vontade contrária. Todavia, o problema repõem-se a propósito
da própria conceção da declaração e do negócio: perante o dogma da vontade, como
admitir que uma pessoa ficasse ligada a uma declaração que, de todo, fosse contrária à
sua vontade real.
O art.º 246 do código civil autonomiza a figura da coação física, proclamando que a
declaração negocial por ela originada não produz quaisquer efeitos. Apesar liste aceno
à inexistência, desde já se adianta que a consequência da coação física é a nulidade: não
há qualquer inexistência como vício autónomo.
A distinção entre coação física e coação moral, faz-se através de meios: na coação física,
a força exercida sobre o declarante é material enquanto, na coação moral, ela seria
psicológica. Mas a fronteira não é satisfatória: a droga que enfraquece a vontade é
físico-psicológica, enquanto a agressão em curso tem, também, as duas dimensões.
Tentou-se, por isso, outra via: a distinção baseada no resultado. Aí, a coação física
existiria quando a pressão exercida sobre o declarante fosse tal que já não se pudesse
falar em vontade dele; pelo contrário, ela seria moral sempre que a pressão ainda
permitisse falar em vontade, ainda que deturpada pela ameaça. Mais satisfatória, esta
via é complicada na sua concretização; uma mesma pressão pode ocasionar a coação
física ou moral consoante a pessoa atingida ou, até, conforme o estado de espírito de
uma mesma pessoa.
A discussão tem relevância porque a pandectista tradicional, firme no dogma da
vontade, poderia descobrir, na coação física, uma falta de declaração, pelo que não
havia quaisquer efeitos e, na coação moral, uma verdadeira declaração, ainda que
deformada. Esta última conduziria à mera invalidade. Tal orientação passou à
generalidade dos códigos civis e à doutrina sobre eles tecida, com relevo para Guilherme
Moreira.
A contraposição faz parte da tradição jurídica lusófona do século XX. A regra deverá ser
a seguinte: qualquer situação de coação implica, à partida, o regime da coação moral.
Todavia, quando a situação seja de tal modo significativa que não possa falar-se de
voluntas, por o coagido não ter, em termos de normalidade, margem de escolha, caímos
na coação física.
Cumpre sublinhar que a técnica abstrata usada pelo legislador, para além de dúvidas
concretas, pode conduzir a soluções injustas ou inconvenientes. Havendo coação moral,
um negócio assim concluído é anulável, art.º 256, o coagido deverá invocar o vício mas
não, em princípio, qualquer terceiro, deste modo, supervenientemente, cessando a
coação e tornando-se o negócio favorável, o coagido pode escolher mantê-lo. Porém,
perante a coação física (art.º 246), o vício seria o de nulidade ou, quiçá, ou da
inexistência. O coagido, mesmo a querer conservar o negócio por, subsequentemente,
se ter tornado favorável, já não o poderia fazer.
In concreto, o regime da coação física pode ser mais gravoso, para o coagido, do que o
da coação moral. Como se vê, temos uma situação de difusão valorativa, que recomenda
as maiores cautelas aplicativas. No limite, a pessoa que exerça a coação física e venha,
depois, invocar a nulidade daí decorrente incorre em abuso do direito, na fórmula tu
quoque, pretende prevalecer-se do ilícito próprio.
Na jurisprudência não surgem situações de coação física. Todavia, no tocante à posse
violenta (art.º 1261/2) a lei remete para os conceitos de coação física e moral. E de facto,
na jurisprudência, a propósito da posse violenta, ocorrem situações de coação física.
Seja qual for o regime, deveremos sempre sublinhar que a violência, sob qualquer
2. Outros requisitos
Assim entendida, a essencialidade absorve outros eventuais requisitos. Em
compensação, a lei vigente não exige a desculpabilidade do erro. Todavia, parece claro
que, perante um erro indesculpável, será mais difícil exigir à contraparte o dever de
conhecer a essencialidade do elemento.
O erro na declaração exige uma efetiva declaração: não chega uma ambiência de ordem
geral. As regras a ele atinentes aplicam-se a negócios diversos, como às partilhas, ou à
assinatura de títulos de crédito.
A anulação do contrato, por erro na declaração, pode provocar danos ao declaratário.
Existe um dever elementar, imposto pela boa-fé e pela tutela da confiança, de
corresponder as declarações de vontade realizadas ao que, efetivamente, se pretenda.
Assim, o declarante poderá responder por culpa in contrahendo: verificados os
requisitos, ele deverá indenizar ou declaratório de todos os danos. Nenhuma razão
existe para limitar a indeminização ao interesse negativo.
Uma modalidade particular do erro na declaração é o dissenso. Este ocorre quando as
partes formulem declarações que não coincidem, convencidas de que concluíam o
contrato: A diz que vende um automóvel e B aceita que ele pinte o muro. Nessa
eventualidade, não há contrato. Qualquer das partes que se aperceba do qui pro quo
tem o dever de prevenir a outra que nada se concluiu.
O erro da vontade
1. Erro relativo à pessoa ou ao objeto (251º)
Tendo regulado erro na declaração, o erro na Transmissão da declaração e o erro de
cálculo, o código civil passou ao verdadeiro erro: o que vicia a própria formação da
vontade. Fala-se, a propósito, em erro-vício ou simplesmente, erro da vontade.
Quanto ao erro na declaração, o legislador não formulou restrições de âmbito: apenas
releva a essencialidade, para o declaratário, do elemento atingido e o conhecimento (ou
O art.º 252/2 prevê o erro sobre a base do negócio. O código civil português é o único a
fazê-lo, de modo expresso.
Uma vez celebrado, o contrato deve ser cumprido. Trata-se de um dado
existencialmente irresistível, sob pena de pôr em causa a própria contratação e, mais
latamente, qualquer sociedade organizada. Todavia, pode suceder que um contrato,
uma vez celebrado, venha a cair nas malhas de alterações circunstanciais de tal modo
que ganhe um sentido e uma dimensão totalmente fora do encarregado pelas partes,
aquando da sua conclusão. A situação será, então, tanto mais injusta quanto maior for
o prejuízo que, por essa via, uma das partes possa sofrer, em benefício da outra. Em
situações-limite, ninguém tem algo dúvidas sobre a necessidade de intervir. A formas de
suprimir o risco e bloquear qualquer sociedade aberta, assente, para mais, na iniciativa
privada e na livre concorrência.
No direito civil atual, a locação “alteração das circunstâncias” exprime o instituto jurídico
destinado a solucionar o problema acima retratado e, ainda, o próprio problema em si.
Sob o pano de fundo apontado, compreende-se que a alteração das circunstâncias não
tenha ainda encontrado soluções definitivas; provavelmente, ela constituirá uma das
áreas mais complexas e inseguras do direito civil.
O desenvolvimento da alteração das circunstâncias ocorreu, sobretudo, na Alemanha e
ao longo o séc. XX. Em determinada altura, a doutrina explicou que diversos problemas
reconduzidos à alteração das circunstâncias podiam, na realidade, encontrar solução à
luz de outros institutos mais precisos. Designadamente:
5. Dolo (253º)
Por fim, encontramos uma específica modalidade de erro, o erro qualificado por dolo,
presente no art.º 253/1.
No atual direito português, o termo dolo tem uma dupla aceção completamente distinta
da defendida no direito clássico:
▪ A sugestão ou artifício usados com o fim de enganar o autor da declaração e
previstos no art.º 253/1;
▪ A modalidade mais grave de culpa, contraposta à “mera culpa” ou
negligência referida o art.º 483/1 do mesmo diploma.
Apenas a primeira aceção está, agora e aqui, em causa. O dolo dá lugar a uma espécie
agravada de erro: é um erro provocado, nas palavras de Manuel de Andrade.
Estes elementos devem ser invocados e provados por quem pretenda prevalecer-se da
simulação ou de aspetos do seu regime.
A divergência entre a vontade declarada e a vontade real representa o elemento mais
distintivo da simulação: no seu seio surgem as diferentes modalidades e os pontos mis
delicados do seu regime.
A relação negocial, enquanto um todo, englobando a vontade real das partes e a
vontade exteriorizada, assenta num encontro de vontades. A existência de um acordo é
um elemento diferenciador da simulação, no âmbito dos vícios do negócio. Não basta
uma das partes manifestar uma intenção que não corresponda à sua vontade real: exige-
se uma sintonia entre os contraentes. Este elemento afasta a simulação da reserva
mental. Na reserva mental, uma das partes escamoteia a sua vontade real dos restantes
intervenientes; o negócio efetivamente concluído é apenas pretendido por um dos
contraentes. Já a simulação pressupõe um conluio, o que não se verifica na reserva
mental. De resto, sendo a divergência comum a todas as partes, aplica-se, como seria
expectável, o regime da simulação.
Ao contrário do código de Seabra, o código Vaz Serra não faz depender a aplicação do
regime simulatório de uma intenção de prejudicar terceiros. O legislador basta-se com
o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica,
ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a
vontade manifestada é realmente querida. Este raciocínio, seguido de forma unânime
tanto pelos nossos tribunais como pela nossa jurisprudência, foi, aparentemente, posto
em causa numa recente decisão da Relação de Lisboa:
A e B celebraram um contrato de compra e venda que tinha como objeto o prédio X. o
preço nunca foi realmente pago e o imóvel permaneceu na esfera jurídica de A. B,
proprietário legal do bem X, celebra um contrato de mútuo com o banco C, tendo sito
dada uma garantia uma hipoteca sobre o imóvel. Demonstrou-se, em juízo, que as
condições conseguidas por B junto do banco C eram análogas às obtidas por A. O banco
C não foi prejudicado: para além do pagamento atempado das prestações, a sua posição
estava protegida com a constituição da garantia.
2. Modalidades
A primeira classificação, já indiferentemente aludida, respeita ao conteúdo do terceiro
requisito: ela diz-se inocente ou fraudulenta consoante vise apenas enganar alguém ou
também prejudicar. Regra geral, a simulação será fraudulenta: as partes não pretendem
apenas criar uma falsa aparência para o exterior; têm, ainda, como fim imediato, retirar
benefícios, em prejuízo de terceiros.
Como exemplo clássico de simulação inocente refira-se a doação dissimulada em
compra e venda, com o propósito de não aferir a suscetibilidade de terceiros igualmente
interessados no bem, conquanto a sua posição não seja suportada juridicamente.
Apesar de se poder falar, em abstrato, num prejuízo, a expectativa do terceiro não é
tutela. A nulidade da simulação é, assim, alheia à existência de direitos ou interesses
protegidos, na esfera jurídica do terceiro enganado.
A simulação é absoluta quando as partes não pretendem celebrar qualquer negócio; é
relativa sobre que, sob a simulação, se esconda um negócio verdadeiramente
pretendido: o negócio dissimulado.
Na simulação absoluta, as partes conjeturam uma mudança, quando, na realidade, o
status real permanece inalterado. Por regra, essa aparência tem, como fim, evitar uma
qualquer consequência jurídica prejudicial: simula-se vender para evitar que os bens
seja executados, para aludir credores ou para que um determinado bem não seja
considerado para efeitos de partilhas de heranças ou de divórcio.
A simulação relativa pode ser objetiva, quando a divergência recaia sobre o objeto do
negócio ou sobre o seu conteúdo; ou subjetiva, sempre que incidir sobre as próprias
partes.
Dentro da modalidade objetiva podem ainda ser apontados dois subtipos distintos:
simulação objetiva total e simulação objetiva parcial.
A primeira subcategoria engloba as simulações sobre a natureza do negócio, ou seja, o
negócio simulado e o negócio dissimulado pertencem a tipos legais ou sociais distintos:
pense-se, por exemplo, em quem celebra um contrato de compra e venda com o
propósito de cobrir uma doação.
Na simulação objetiva parcial, temos apenas um negócio: a simulação respeita somente
a parte do seu conteúdo, sem, todavia, afetar a qualificação do contrato concluído. É o
caso da simulação dita de valor, em que há um desfasamento entre o preço declarado
e o preço efetivamente pago.
A recondução destas situações à figura da simulação relativa não é, porém, imune a
criticas: as partes celebram apenas um negócio: não temos um negócio simulado e um
negócio dissimulado; o suposto negócio dissimulado esgota-se num valor diferente do
manifestado, o que se apresenta insuficiente para subsumir os factos ao regime
simulatório.
Os nossos tribunais têm vindo a defender que a simulação de valor não acarreta a
nulidade do negócio, como estabelece o legislador de forma expressa, na parte final do
art.º 241/1, implicando apenas a determinação do preço real. De resto, se a nulidade
fosse declarada, quedava-nos uma simples indicação de valor pecuniário.
A simulação de valor consubstancia uma simulação imprópria, cujo regime aplicável, de
base jurisprudencial, se distingue do regime simulatório positivado, quer no que
respeita aos elementos fácticos- temos apenas um negócio jurídico-, quer em relação
aos efeitos jurídicos daí decorrentes.
Os efeitos da simulação
1. A nulidade: efeitos substantivos e legitimidade processual
O art.º 240/2 considera lapidarmente a negócio simulado- absoluto ou relativo- como
nulo. Não obstante, não se trata de uma verdadeira nulidade, uma vez que, visto o
disposto nos art.º 242 e 243, ela não pode ser invocada por qualquer interessado, sem
por maioria de razão, ser declarada oficiosamente pelo tribunal, sob pena de se esvaziar
a proteção devida aos terceiros de boa fé.
Fica, todavia, a ideia de que o negócio simulado não produz efeitos entre as partes e
perante terceiros que conheçam ou devessem conhecer a simulação: os terceiros de má
fé.
O art.º 242/1 dá legitimidade aos próprios simuladores, mesmo na simulação
fraudulenta, para arguir a simulação. Trata-se de um preceito que visa ladear a eventual
invocação do tu quoque.
No nº2 do artigo, o legislador atribui, aos herdeiros legitimários (segundo o art.º 2157),
uma especial legitimidade de invocarem o vício da simulação, sempre que haja uma
intenção de prejudicar. O preceito tem, na sua génese, a ideia de que os filhos apenas
podem intrometer-se nos negócios dos seus pais em situações que lhes sejam
particularmente lesivas.
A circunscrição da legitimidade a simulações fraudulentas cessa com o falecimento do
autor da sucessão, passando então a aplicar-se a regra geral prevista no art.º 286, nada
impedindo, consequentemente, que os herdeiros legitimários invoquem, a partir dessa
data, a simulação do negócio, mesmo não havendo um intuito de os prejudicar.
Tendo sido provocados prejuízos, mas não se demonstrando qualquer intenção de os
causar, colocam-se dúvidas quanto à aplicabilidade do preceito. Duas soluções têm sido
avançadas: a letra do artigo é inequívoca: não havendo intenção de prejudicar, os
herdeiros legitimários não têm legitimidade para arguir a simulação, em vida do autor
da sucessão; e a norma tem, como ratio, proteger a posição dos herdeiros legitimários
contra prejuízos e contraintenções.
Todavia, demonstrando-se em juízo que os autores da sucessão atuaram
negligentemente, isto é, que não se inteiraram da possibilidade de, da sua atuação,
resultarem prejuízos na esfera jurídica dos herdeiros legitimários, não se justifica
restringir a legitimidade processual destes últimos. A norma que acautela expectativa
dos herdeiros legitimários é violada quer quando haja uma intenção direta de os
prejudicar quer quando haja uma simples indiferença.
Sendo- mau grado o apontados desvios- o contrato nulo, a nulidade por ainda ser
invocada por terceiro interessado, nos termos gerais do art.º 286, contra os simuladores
e os seus herdeiros.
Discute-se ainda, entre nós, se a exceção prevista no art.º 243/1 pode ser estendida a
outras classes de sujeitos.
Ora, para além dos simuladores, também os herdeiros e os representantes, bem como
todos os sujeitos que tenham contribuído ativamente para a conclusão do negócio
simulado e daí retirem ou pretendam retirar benefícios não pode, igualmente, invocar
a nulidade da simulação contra terceiros de boa-fé.
Mesmo admitindo que a letra do preceito impeça semelhante interpretação, o que não
se reconhece, a invocação da simulação, por parte de qualquer sujeito que preencha os
requisitos já elencados, estaria sempre condicionada pelo art.º 334: o sistema não pode
tolerar que um sujito que tendo contribuído para a conclusão de um negócio simulado
venha, posteriormente, a invocar a sua nulidade.
É ainda irrelevante se os terceiros são prejudicados ou beneficiados com a declaração
de nulidade e se o direito foi adquirido a título oneroso.
Para além das situações abrangidas pelo contrário do art.º 243/1, dever-se-ão ter ainda
em consideração as limitações decorrentes do art.º 291, para os bens, objetos do
negócio simulado, adquiridos a título oneroso e devidamente registados.
O professor Castro Mendes e Antunes Varela vieram a defender que a simulação era,
em qualquer caso, inoponível a terceiros de boa-fé. Em sentido inverso, vieram depor
Mota Pinto e Almeida Costa: o objetivo da lei, perante os interesses em presença, nunca
poderia ser o de facultar o enriquecimento do preferente.
Esta última posição, defendida pela doutrina generalista mais moderna foi acolhida pela
nossa jurisprudência. Depois de, numa primeira fase, os nosso tribunais terem avançado
diferentes respostas, a doutrina do abuso do direito acabou por receber um apoio
alargado: sendo a diferença entre o valor real e o valor declarado conhecido do
preferente, o exercício do direito de preferência é abusivo.
O exercício do direito de preferência por um sujeito que conheça a simulação do preço
não preenche os requisitos clássicos do princípio da tutela da confiança: esta só se
justifica quando haja um investimento de confiança, isto é, quando o confiante, adira à
aparência e, nessa base, erga um edifício jurídico e social que não possa ser ignorado
sem dano injusto. Ora o preferente por valor simulado inferior ao real não fez qualquer
investimento de confiança. A sua posição não pode invocar a tutela dispensada, à
aparência, pela boa-fé.
A posição do preferente pode ainda ser combatida pela positiva, aspeto especialmente
invocado pelos nossos tribunais e que nos remete para o campo da primazia da
materialidade subjacente: o exercício do direito de preferência por parte de um sujeito
que conheça os vícios simulatórios do negócio jurídico não pode ser tolerado pelo
sistema, sob pena de se privilegiarem comportamentos ilícitos que atendem ao espírito
do sistema.
simulador contra terceiros de boa-fé” (art.º 243/1). Esta proibição estende-se a todos
os sujeitos que contribuíram ativamente para a conclusão do negócio simulado. Repare-
se que esta classe de sujeitos não se confunde com o conceito de terceiro de má fé, no
sentido que usualmente lhe é atribuído na maioria dos textos simulatórios: no sujeito
que conhecia a natureza simulatória do negócio, mas que não colaborou, de qualquer
forma, na mancomunação, conquanto seja rotulado de “terceiro de má-fé”, não está
sujeito ao regime previsto no art.º 243/1.
Conflito entre os credores comuns do simulador alienante e os credores comuns do
simulador adquirente: não tendo os credores do simulador alienante participado
ativamente na mancomunação simulatória, mesmo no caso de os credores comuns do
simulador adquirente estarem de boa-fé, não se lhes aplica o regime excecional previsto
no art.º 243/1, pelo que têm toda a legitimidade para arguira nulidade do negócio.
Esta solução é aplicável a todas as restantes situações de conflito.
Em termos conclusivos, fora dos casos reconduzíveis ao art.º 243/1, nos termos acima
apresentados, é indiferente se os terceiros externos à mancomunação estão ou não de
boa-fé: a nulidade é passível de ser invocada por todos os interessados (art.º 286).
5. A prova da simulação
O art.º 394/2 parece proibir a prova testemunhal do acordo simulatório e do negócio
dissimulado, quando invocados pelos simuladores. Trata-se de uma regra que remonta
ao direito napoleónico e que visava dificultar a declaração de nulidade dos atos.
Todavia, a simulação é, só por si, difícil de prova. Impedir a prova testemunhal equivale,
muitas vezes, a restringir de modo indireto a prescrição do art.º 240/2, quando à
nulidade da simulação.
A jurisprudência acolhe a interpretação restritiva do art.º 394/2. Havendo um princípio
de prova escrita, quando seja impossível obter prova escrita ou em caso de perda não
culposa dos documentos que forneciam prova é admissível complementá-la através de
testemunhos. Os próprios simuladores podem ser ouvidos sobre a simulação, em
depoimento de parte. Em termos práticos admite-se, como princípio de prova escrita,
uma escritura de retificação.
Contra este entendimento veio manifestar-se Luís Menezes Leitão, referindo doutrina
na âmbito de Seabra e, sobretudo, recordando o objeto da lei: o de evitar que, com base
numa prova testemunhal de “conteúdo altamente duvidoso, se venha pôr em causa, a
fiabilidade do documento autêntico”. Tem a sua razão: só com muita cautela o juiz
poderá validar factos derivados de depoimentos e desde que, como foi dito, haja um
início de prova documental minimamente consistente.
2. A irregularidade
O problema da ineficácia dos negócios jurídicos deve ser delimitado da sua
irregularidade.
A eficácia do negócio jurídico depende do seu enquadramento, dentro da autonomia
privada. Pode, no entanto, suceder que, perante um negócio, tenham aplicação, além
das da autonomia privada, outras regras muito diversas.
A inobservância dessas regras provoca a irregularidade do negócio atingido, sem
prejudicar a sua eficácia.
Os exemplos tradicionais de irregularidade negocial ocorriam no domínio matrimonial.
O menor que casar sem autorização dos pais ou do tutor celebra um casamento eficaz,
mas sujeita-se a certas sanções quanto aos bens (art.º 1649); o casamento celebrado
com impedimento é válido, mas dá lugar a determinadas consequências, também no
domínio dos bens (art.º 1650).
prestação. O possuidor de uma coisa por via de um negócio inválido deixará de estar de
boa fé assim que conheça o vício (art.º 1260/3). Não se exige, para tanto, qualquer ação.
2. As consequências
Uma visão mais imediatista das invalidades tinha em mente, de modo vincado, a
nulidade. Além disso, esta era aproximada de uma pura e simples inexistência jurídica.
Os atos nulos não produziriam, deste modo, quaisquer efeitos, num modelo subjacente
no pensamento jurídico napoleónico.
A declaração de nulidade e a anulação do negócio têm efeito retroativo (art.º 289/1).
Desde o momento em que uma ou outra sejam decididas, estabelece-se, entre as partes,
uma relação de liquidação: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a
restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos temos desse
mesmo preceito.
Nos contrato de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo da coisa
ou se serviços a restituição em espécie, não é, evidentemente possível. Nessa altura,
haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa conversão das partes,
não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada.
O dever de restituição predisposto no art.º 289/1 tem natureza legal. Ele prevalece
sobre a obrigação de restituir o reconhecimento, meramente subsidiário e pode ser
decretado, pelo tribunal, quando ele conheça, oficiosamente, a nulidade. No entanto, já
haverá que recorrer às regras de enriquecimento se a mera obrigação de restituir não
assegurar todas as deslocações ou intervenções primordiais injustamente processadas,
ao abrigo do negócio declarado nulo ou anulado, foram devolvidas.
Não será assim quando, mau grado a invalidação, ocorra uma outra causa de atribuição
patrimonial. O próprio art.º 289/3 manda aplicar, diretamente ou por analogia, o
disposto nos art.º 1269ss. Portanto, o regime da posse, incluindo as regras sobre a perda
e deterioração da coisa, sobre os frutos, sobre os encargos e sobre as benfeitorias. Caso
a caso será necessário indagar a boa ou má fé do obrigado a restituir.
Pode a parte obrigada à restituição ter alienado gratuitamente a coisa que devesse
restituir: ficará obrigada a devolver o seu valor. Porém, se a restituição deste não puder
tornar-se efetiva, fica o beneficiário da liberalidade obrigado em lugar daquele, mas só
na medida do seu enriquecimento (art.º 289/2).
O dever de substituir é recíproco (art.º 290).
A invalidade de um negócio pode não prejudicar a manutenção dos deveres de
segurança, de informação e de lealdade que acompanha, qualquer obrigação, por força
da boa-fé.
3. A tutela de terceiros
A declaração de nulidade ou de anulabilidade de um negócio jurídico envolvem a
nulidade dos negócios subsequentes, que dependam do primeiro. Trata-se de uma
consequência inevitável da retroatividade dessas figuras: se A vende a B que vende a C,
a nulidade da primeira venda implica a na segunda, por ilegitimidade (art.º 892); se D
vende a E que, nessa base, se obriga a prestar a F, a nulidade da venda implica a nulidade
da obrigação, por impossibilidade legal.
O direito conhece uma tutela especial de terceiros, quando estejam em causa direitos
reais.
No por caso de bens imóveis, o terceiro que haja adquirido, de boa fé, o bem a um
comerciante que negociei em coisa do mesmo ou semelhante género, tem o direito à
restituição do preço pago, a efetuar pelo beneficiário da restituição (art.º 1301). Como
resulta deste preceito, o terceiro só é tutelado se tiver comprado a coisa, isto é,
adquirido o título oneroso.
No campo dos imóveis sujeitos a registo, vale o art.º 219: não sendo prejudicados os
direitos de terceiros, adquiridos de boa-fé e a título oneroso e que registem a aquisição
antes de inscrita qualquer ação de nulidade ou de anulação ou qualquer acordo quanto
à validade do negócio- nº1; todavia, esse regime só opera passados três anos sobre a
conclusão do negócio.
Tem-se suscitado, na jurisprudência, a dúvida de saber se o art.º 291 se aplica aos casos
de ineficácia stricto sensu dos negócios. Algumas decisões respondem negativamente:
a mera ineficácia não permitiria a tutela de terceiros.
As razões que levam à tutela dos terceiros-boa fé, investimento de confiança e inação
das partes interessadas- podem proceder tanto mas invalidades como nas ineficácias.
extrínseca, que põe em crise o negócio, perante os valores da ordem jurídica. Deriva,
daí, uma permissão genérica de impugnação: qualquer interessado o pode fazer.
A confluência com outros princípios, leva, todavia, a todo um conjunto de entorses no
que, há partida, seria um regime lógico e coerente.
Assim:
▪ O simulador não pode arguir a nulidade da simulação contra terceiro de boa
fé (art.º 243/1);
▪ A nulidade da venda de bens alheios pode cessar por convalidação (art.º
895).
Em termos de uma pura coerência jurídica, as soluções apontadas são desviadas. O
negócio nulo é um não negócio, ainda que não um vazio total.
Daí a permissão genérica de impugnação: qualquer interessado a pode fazer: a todo o
tempo; e o próprio tribunal o pode declarar de ofício.
Um negócio simulado não corresponde à vontade de nenhuma das partes que o tenham
concluído. Logo, ele não vale. A juridificação opera não por via da autonomia privada,
mas por força da tutela da confiança a qual, por analogia, adota um código genético
semelhante ao de eficácia negocial. E assim sendo, nenhuma vantagem se perfila em,
contrariando a linguagem comum que afeiçoou o direito, vir dizer que o negócio
simulado invocável é irremediavelmente nulo, surgindo, todavia, um quid em tudo
semelhante a ele. Poderíamos formular juízos paralelos, no tocante às demais nulidades
sanáveis ou confirmáveis: verifica-se que elas são estabelecidas no interesse de certas
pessoas, que se mostram acauteladas e, tinha, cumpre proteger terceiros.
Assim, a nulidade absoluta, corresponde ao perfil do art.º 286 e as nulidades relativas,
que ocorrem sempre que surja uma nulidade suscetível de não ser invocável por
qualquer interessado ou que seja sanável.
Quanto às nulidades relativas derivam de um concurso:
▪ Entre a permissão genérica de as invocar
▪ E o direito potestativo de conservar os efeitos do negócio ou, saneado o
negócio, fazer surgir as posições jurídicas equivalentes ao negócio nulo.
A nulidade relativa é estruturalmente diferente da anulabilidade: apenas na aparência
as duas se aproximam. Com efeito, na nulidade ainda que relativa, mantém-se a
permissão genérica de impugnação; todavia esta é contrariada pontualmente pelo
direito potestativo de invocar a tutela da confiança, detendo a impugnação ou
provocando a legitimidade superveniente, com a consequente convalescença do
negócio.
O ónus da prova decorre deste cenário:
▪ Na nulidade relativa, a pessoa protegida invoca e demonstra os factos de que
decorre a tutela;
▪ Na anulabilidade, o interessado fará provas de factos que dão azo ao seu
direito de impugnação.
Assim:
▪ Os atos dos menores não representados apenas podem ser anulados a
requerimento do progenitor que exerça o poder paternal;
▪ Nos contratos-promessa, o promitente alienante só pode invocar a
anulabilidade decorrente da falta de certificação das licenças de construção
ou de habitação.
3. A conversão
Pela conversão, um negócio jurídico nulo ou anulado pode aproveitar-se, como negócio
diverso, desde que reunidos determinados requisitos legais.
Os condicionantes legais da conversão resultam do art.º 293:
▪ A manutenção dos requisitos essenciais de substância e de forma (art.º 236/2 e
238/2);
▪ O respeito pela vontade hipotética das partes; integração.
A aprovação (art.º 269) é um ato próprio do dono do negócio, perante a gestão, por essa
via:
▪ Renuncia quaisquer direitos que pudesse ter contra o gestor;
▪ Reconhece o direito do gestor a reembolsos e indemnizações.