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1. Pressupostos de aplicação
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons
costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
1.1. Boa Fé
➢ A boa fé deve ser entendida em sentido objetivo, i.e., à luz das regras e princípios dominantes do
ordenamento jurídico em matéria de lealdade, transparência e de retidão nas condutas dos intervenientes.
➢ Tutela da confiança: o exercício do direito não deve frustrar expectativas legítimas de pessoas que tenham
adotado condutas em virtude de um estado de confiança gerado por outrem.
− Situação de confiança: a pessoa confia num determinado estado de coisas, ignorando, sem culpa, o
facto de estar a lesar posições jurídicas alheias;
− Investimento da confiança: o confiante desenvolveu todo um conjunto de atividades, tendo por base a
existência da situação de confiança;
➢ Primazia da materialidade subjacente: o exercício jurídico deve ser avaliado em termos materiais e não
valorizar condutas que apenas na aparência prosseguem objetivos jurídicos.
− Conformidade material das condutas: os fins pretendidos pelo Direito devem ser realizados com
efetividade durante o exercício jurídico, não bastando a mera aparência de direito;
− Idoneidade valorativa: inadmissibilidade de o agente que praticou o facto ilícito poder tirar proveito
contra outrem da situação jurídica violada;
* O presente documento não exclui a necessidade de consulta da bibliografia recomendada para a disciplina de Introdução ao Estudo do Direito,
limitando-se a resumir, de modo esquemático e simplificado, a matéria. Bom trabalho!
1.2. Bons Costumes
➢ Regras da moral social, impondo condutas de cariz sexual e familiar, bem como determinados códigos
deontológicos.
➢ Perspetiva funcional de JHERING quanto à noção de direito subjetivo enquanto interesse juridicamente
protegido, o que implica que estes são concedidos com determinadas funções.
➢ Função pessoal: utilidade da situação jurídica para o respetivo titular, sendo, por conseguinte, abusivos os
atos emulativos e os exercícios danosos inúteis.
➢ Função social ou económica: o conteúdo do direito subjetivo tem subjacente um programa de exercício em
prol da sociedade e da economia; caso contrário, o exercício é abusivo.
➢ Poder reconhecido a uma pessoa de paralisar a pretensão de certo agente, quando este atue dolosamente,
isto é, prevalecendo-se de sugestões ou de artifícios não permitidos pelo Direito.
➢ Situação em que uma parte assume um comportamento contraditório com uma postura anterior, através da
qual se criou uma situação de confiança na contraparte.
➢ Existência de duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo: (i) a primeira conduta,
geradora da situação de confiança legítima e justificada (factum proprium); (ii) a segunda atuação, que se
afigura como contraditória face às legítimas expectativas criadas pela primeira conduta.
➢ Modalidade específica de venire, que obsta à invocação de invalidades por vícios formais† por parte de quem
deu azo à sua existência, quando a contraparte confiou na validade do negócio.
➢ Todavia, sendo a nulidade de conhecimento oficioso (cf. artigo 286.º do CC), tem-se questionado a
possibilidade de o abuso de direito gerar um bloqueio na apreciação das nulidades formais por própria
† Por «vícios formais», entenda-se qualquer inobservância da forma legalmente exigida para a prática de um determinado ato jurídico, nos
termos do artigo 220.º do CC (e.g., compra e venda de imóveis celebrados sem escritura pública ou documento particular autenticado).
iniciativa do tribunal; neste sentido, MENEZES CORDEIRO defende que, além dos pressupostos da tutela
da confiança, devem ser aditados três requisitos: (i) apenas se encontram em jogo interesses das partes
envolvidas, e nunca de terceiros de boa fé; (ii) juízo de censura na imputação da situação de confiança à
parte responsável; e (iii) indispensabilidade da validação do ato para assegurar o investimento na confiança.
➢ A suppressio consiste numa modalidade de venire, em que o factum proprium se traduz no não exercício
(comportamento omissivo) de uma posição jurídica durante um certo lapso de tempo, criando a
representação na contraparte de que tal posição jurídica já não será mais exercida.
➢ A surrectio consiste na nova posição jurídica que surge na esfera jurídica do confiante, e a qual fundamenta
a paralisação do direito da contraparte por suppressio.
2.5. Tu Quoque
➢ Proibição de quem violar uma norma jurídica poder prevalecer-se da situação daí decorrente, exercer a
posição jurídica violada ou de exigir a outrem o acatamento da situação já violada.
➢ Vertente positiva: quem tenha sofrido uma consequência negativa, em virtude de facto ilícito, poderá reagir
dentro de certos limites, sem que a sua atuação seja censurada juridicamente.
➢ Exercício danoso inútil: o titular do direito não retira qualquer utilidade ou benefício pessoal do seu exercício,
antes causando um dano considerável a outrem.
➢ Inadmissibilidade de retirar proveito pela parte que atua com dolo: modalidade específica de exercício danoso
inútil, em que se exige aquilo que se deve restituir logo de seguida.
3. Consequências