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INTRODUÇÃO

A existência jurídica da pessoa natural termina com a morte, conforme teor da primeira parte do
art. 6º, do Código Civil. Assim, a constatação da morte determina a supressão da personalidade
jurídica, conferida ao ser humano pelo sistema legal. Por consequência, o falecido deixa de ser
destinatário de normas jurídicas, não podendo mais ser considerado sujeito de direitos ou de
obrigações.

Compete ao direito sucessório, também designado direito das sucessões ou direito hereditário,
regular o destino, depois da morte de uma pessoa, dos seus direitos e obrigações que subsistem
para além dessa morte. O direito das sucessões é o setor do direito civil responsável pelas regras
que delimitam a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir.

O Código Civil é a primordial fonte legislativa do direito sucessório, que ocupa o Livro V, da
Parte Especial. Além disso, a Constituição da República, em seu art. 5º, XXX, enuncia: “é
garantido o direito de herança”

O objetivo, no presente trabalho, é apresentar os elementos que compõem uma teoria geral do
direito sucessório, isto é, aqueles conceitos e aquelas proposições indispensáveis para uma
compreensão introdutória do fenômeno jurídico sucessório. Previlegia-se a dinâmica entre a
doutrina e a jurisprudência na descrição do regime legal de institutos como a abertura da
sucessão, a indignidade, a aceitação e a renúncia da herança, sem esquecer de conceitos básicos
como os de sucessão, suas modalidades e seus destinatários, assim como os de morte e suas
espécies.

1 - CONCEITO E ESPÉCIES
Em sentido amplo, afirma-se que sucessão designa a transferência de direitos e obrigações de
uma pessoa para outra. Assim, ocorre sucessão “quando uma pessoa fica investida num direito
ou numa obrigação ou num conjunto de direitos e obrigações que antes pertenciam a outra
pessoa, sendo os direitos e obrigações do novo sujeito considerados os mesmos do sujeito
anterior e tratados como tais”. Com acerto, Arthur Vasco Itabaiana de Oliveira assinala que o
traço essencial da sucessão situa-se na permanência de uma relação jurídica que perdura e
subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares.

A transferência de direitos e obrigações pode ser desencadeada por ato realizado pelo seu titular
em vida, assim como em virtude do fato morte. A primeira é conhecida como transmissão inter
vivos, enquanto a segunda, como transmissão mortis causa.

Interessante destacar, a transmissão mortis causa. Em sentido estrito, utiliza-se o termo sucessão
para designar a transferência do conjunto de direitos e obrigações de alguém que falece para
outro que ainda está vivo. A propósito, assinalam Francisco José Cahali e Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka:

"emprega-se o vocábulo sucessão em sentido estrito para identificar a transmissão do patrimônio


ape

: "emprega-se o vocábulo sucessão em sentido estrito para identificar a transmissão do


patrimônio apenas em razão da morte, como fato natural, de seu titular, tornando-se o sucessor
sujeito de todas as relações jurídicas que àquele pertenciam”

Quanto à sua origem, a sucessão pode ser classificada como legítima ou testamentária (art. 1.786,
CC):
“Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”

A sucessão legítima, também designada intestato, é aquela derivada imediatamente da lei, que se
encarrega de indicar quais pessoas serão consideradas titulares da cadeia hereditário. Ocorrerá
sempre que o falecido não tiver deixado testamento ou quando este negócio jurídico for julgado
nulo ou caduco.

A sucessão testamentária é aquela derivada de disposição de última vontade do de cujus,


expressa em testamento, elaborado de acordo com as condições estabelecidas por lei, no qual o
próprio autor da herança elege os seus sucessores. Ocorrerá sempre que o falecido houver
contemplado todo o seu patrimônio em testamento e não possua herdeiros necessários, isto é,
descendentes, ascendentes ou cônjuge.

Sublinhe-se que as duas modalidades de sucessão não se excluem. Caso o autor da herança
possua herdeiros necessários, poderá livremente dispor de apenas metade do seu patrimônio no
testamento, uma vez que a outra parte reputa-se reservada aos referidos herdeiros, sendo-lhes
deferida em consonância com os parâmetros da sucessão legítima (art. 1.789, CC). Além disso,
caso o autor da herança não contemple toda a parcela disponível de seu patrimônio no
testamento, o remanescente será distribuído aos seus herdeiros segundo os ditames da sucessão
legítima (art. 1.788, CC). Portanto, nestas hipóteses, a sucessão testamentária conviverá com a
sucessão legítima, aplicando-se simultaneamente sobre parcelas distintas do patrimônio do
falecido.

Aquele que morreu é chamado autor da herança ou de cujus 10, sem prejuízo da utilização de
designações vulgares, como falecido, morto, defunto ou finado. Por sua vez, aqueles que
recebem o patrimônio deixado pelo defunto são qualificados como sucessores ou herdeiros.
Finalmente, o conjunto de bens, direitos e obrigações - o patrimônio - que alguém deixa ao
morrer é denominado herança ou acervo hereditário, podendo também sê-lo, na ótica processual,
espólio.

2 - MORTE E SUCESSÃO

A morte é a causa do fenômeno sucessório. Sem a morte, real ou presumida, não há que se falar
em sucessão. A propósito, não se pode deixar de lembrar que é considerado ilícito todo contrato
que tenha como objeto herança de pessoa viva (art. 426, CC).

2.1 - MORTE REAL

Em regra, a morte é verificada perante o cadáver. Trata-se da morte real, configurada por meio
da cessação das diversas funções orgânicas responsáveis pela vida do ser humano. Sabe-se,
contudo, que as funções vitais do organismo não se interrompem em simultâneo, sendo a morte
produzida não em um instante, mas por etapas sucessivas, em determinado espaço de tempo, o
que acaba por exigir a eleição de certo momento para a sua determinação jurídica.

Tradicionalmente, a morte era verificada pela falência das funções cardíaca e respiratória. No
entanto, o desenvolvimento tecnológico exigiu uma revisão de tais critérios, uma vez que se
tornou possível estender indefinidamente os sinais vitais de uma pessoa por meio de aparelhos,
assim como executar a remoção e a transplantação de diversos órgãos e tecidos do corpo
humano. Atualmente, a morte é determinada pela “cessação irreversível de todas as funções do
encéfalo, incluindo o tronco encefálico, onde se situam as estruturas responsáveis pela
manutenção dos processos vitais autônomos, como a pressão arterial e a função respiratória”.
Importante também destacar que a morte real será atestada por médico, que declarará a causa e o
momento do falecimento, levados em conta na lavratura do registro de óbito junto ao cartório
civil.

[21/04, 18:06] A Da VEZ: 2.2 - MORTE PRESUMIDA

Em algumas situações, apesar da morte real ser extremamente provável, torna-se inviável a sua
efetiva comprovação, em função da impossibilidade de recuperação do cadáver ou da
inexistência de outras provas que atestem cabalmente o acontecido. Quando o desaparecimento
de alguém tenha ocorrido em determinadas circunstâncias que não permitam duvidar de sua
morte, apesar de não ter sido possível encontrar ou identificar seu cadáver, considera-se, para
fins jurídicos, a pessoa natural falecida. Trata-se da morte presumida.

Convém destacar que a morte presumida resultará sempre de um provimento judicial, iniciado
por qualquer interessado na constatação do evento, por exemplo, esposa, companheira, pais,
filhos, credores.

A primeira hipótese de morte presumida, conforme a segunda parte do art. 6º do Código Civil, é
aquela decorrente da ausência. Presume-se a morte do ausente, depois de transcorridos dez anos
do trânsito em julgado da sentença que concede a abertura da sucessão provisória ou após o
transcurso de cinco anos das últimas notícias do ausente, quando este já contar com mais de
oitenta anos. Importante ressaltar que a declaração judicial de ausência, comprovando-se o
simples desaparecimento do indivíduo do seu domicílio, não significa certeza do óbito. Somente
verificar-se-á morte presumida nos casos autorizativos da abertura da sucessão definitiva dos
bens do ausente, disciplinados nos arts. 37 e 38 do Código Civil.

As outras hipóteses de morte presumida encontram-se elencadas no art. 7º do Código Civil. A


morte presumida poderá ser declarada, sem a decretação de ausência, quando for extremamente
provável a morte de quem estava em perigo de vida, como nas situações de pessoa desaparecida
em virtude de naufrágio, de acidente aéreo ou de catástrofes naturais muito graves (art. 7º, I,
CC). Poderá também ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência, quando
alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o
término da guerra (art. 7º, II, CC). Assinala Caio Mário da Silva Pereira que o desaparecido pode
ser militar ou não, uma vez que as guerras modernas atingem também as populações civis, com
bombardeios, campos de concentração, deslocamento para trabalhos forçados.

A declaração da morte presumida, em qualquer das hipóteses do dispositivo legal em comento,


somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença
fixar a data provável do falecimento (art. 7º, parágrafo único, CC).

3 - ABERTURA DA SUCESSÃO

A abertura da sucessão é efeito jurídico da morte. Orlando Gomes lembra-nos que a abertura da
sucessão não se confunde com a morte, apesar de cronologicamente com ela coincidir em virtude
de uma ficção jurídica. Denomina-se abertura da sucessão o desligamento do autor da herança da
titularidade daqueles direitos e obrigações suscetíveis de transmissão que compõem o seu
patrimônio. Dá-se lugar ao nascimento do direito de herdar.

Ocorrem, no mesmo instante da abertura da sucessão, a delação sucessória e a aquisição da


herança. Chama-se delação sucessória a colocação da herança à disposição de quem possa
adquiri-la, enquanto aquisição da herança designa a incorporação do acervo hereditário no
patrimônio dos herdeiros.

Vale dizer, embora conceitualmente distintas, na sistemática legal brasileira, estas três fases do
processo sucessório verificam-se simultaneamente. E, portanto, aberta a sucessão, transmite-se,
desde logo, a herança aos herdeiros (art. 1.784, CC). É a consagração do droit de saisine.
A abertura da sucessão determina, sem qualquer mediação de tempo, a aquisição do patrimônio
do falecido pelos seus herdeiros, não dependendo de qualquer ato dos sucessores, ainda que estes
não tenham sequer tomado conhecimento dela. Em outras palavras, morto o autor da herança,
esta é transferida de pleno direito e imediatamente aos sucessores.

Sublinhe-se que os herdeiros se tornam titulares dos direitos, mas

Sublinhe-se que os herdeiros se tornam titulares dos direitos, mas também das obrigações que
pertenciam ao falecido, limitando-se, contudo, a responsabilidade pelas dívidas ao ativo
hereditário (art.2068, CC).

Importa ainda ressaltar que a herança será deferida aos sucessores como bem imóvel e
indivisível, sendo regulada pelas normas relativas ao condomínio até sua partilha (art.2069, CC).

“O herdeiro tem direito sobre uma parte ideal do acervo hereditário, que só na partilha será
definido e individualizado. Enquanto se processa o inventário dos bens deixados, ativos e
passivos, essa massa deve ficar sob a administração de alguém, o administrador provisório e
depois o inventariante, que velará pela sua guarda e manutenção até que, pela partilha, seja
objeto de divisão, concretizando o quinhão de cada um, que receberá então os bens que lhe
tocaram”

Admite-se que o herdeiro, mesmo não tendo a sua quota da herança discriminada, possa
transmiti-la, no todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente, a outrem, por meio de escritura
pública (art. 1.793, CC). Advirta-se que, antes da partilha, o herdeiro pode alienar ou ceder
apenas sua quota ideal, não lhe assistindo o direito de separar do acervo hereditário coisa certa e
determinada, para transferi-la a terceiro. Entretanto, não poderá ceder a sua quota hereditária a
pessoa estranha à sucessão, se co-herdeiro a quiser, nas mesmas condições (art. 1.794, CC).
Estabelece a lei que o co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá haver para
si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão e depositar
o preço (art. 1.795, CC).

3.1 - TEMPO DA ABERTURA DA SUCESSÃO

Como já dito, a abertura da sucessão coincide, cronologicamente, por efeito de ficção jurídica,
com o instante da morte, e não com outro momento anterior ou posterior. Além de marcar o
instante em que se opera a transferência do patrimônio do falecido aos seus herdeiros, o
momento da abertura da sucessão também serve como referência para delimitação da lei
aplicável ao fenômeno sucessório. Sublinhe-se que a lei vigente ao tempo do falecimento do
autor da herança regulará a legitimação para suceder e a própria sucessão (art. 1.787, CC). Entre
nós, aliás, essa regra produziu relevantes consequências em razão das modificações introduzidas
pela ordem constitucional vigente na disciplina da estrutura familiar.

Assume relevo particular fixar o momento da abertura da sucessão quando dois ou mais
indivíduos, reciprocamente herdeiros, morrerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar,
faticamente, quem faleceu primeiro. Nestas circunstâncias, estabelece a lei que se presumirão
simultaneamente mortos (art. 8º, CC). A presunção, elemento essencial do instituto da
comoriência, pode ser compreendida como a consequência que o sistema jurídico deduz de
certos fatos, e que fica estabelecida como verdadeira, mesmo sendo obtida por meio de um
exame baseado em indícios. Vale dizer, é o resultado de um julgamento fundado em aparências.

Ora, em caso de falecimento sem possibilidade de fixação do momento exato das mortes, o
ordenamento jurídico firma a presunção de óbito simultâneo, que acaba por elidir a possibilidade
de transmissão de direitos e obrigações entre os falecidos e, consequentemente, determina a
abertura de cadeias sucessórias distintas. A utilidade da comoriência está, portanto, no seu efeito,
que é a intransmissibilidade de posições jurídicas entre comorientes, como se entre eles não
tivesse havido qualquer vínculo sucessório.

3.2 - LUGAR DA ABERTURA DA SUCESSÃO

A abertura da sucessão ocorre no último domicílio do falecido (art. 1.785, CC), ainda que o óbito
tenha se verificado em outro local e os seus bens se encontrem em localidade diversa.

Lembre-se que domicílio designa o município no qual a pessoa natural estabelece sua residência
com ânimo definitivo. Em regra, o indivíduo determina livremente o seu domicílio,

[21/04, 18:07] A Da VEZ: Lembre-se que domicílio designa o município no qual a pessoa
natural estabelece sua residência com ânimo definitivo. Em regra, o indivíduo determina
livremente o seu domicílio, bastando se fixar em determinado lugar com intenção de
permanência (art. 70, CC), admitindo-se, inclusive, a pluralidade de domicílio (art. 71, CC).

O lugar da abertura da sucessão é importante para fixação do juízo competente em diversas


questões relativas à sucessão, entre elas o inventário 26. Se o falecido tinha vários domicílios, o
inventário poderá ser iniciado em qualquer deles, determinando-se a competência do juízo por
prevenção 27. Se o falecido tinha domicílio incerto, o foro competente para o inventário será o
do local da situação dos bens (art. 96, I, CPC) ou do lugar em que ocorreu o óbito (art. 96, II,
CPC).

Convém advertir que a autoridade judiciária brasileira será competente para processar o
inventário das pessoas domiciliadas no país, no momento da morte, independentemente da
nacionalidade. Além disso, também será competente para o processamento de inventário dos
bens situados no país, ainda que o autor da herança, no momento da morte, tenha domicílio
apenas fora do território nacional (art. 89, II, CPC). Nesta última hipótese, em regra, o juiz
brasileiro deverá observar a legislação aplicável no domicílio do falecido, mesmo que estrangeira
(art. 10, LICC). Contudo, deverá aplicar a legislação brasileira em benefício do cônjuge ou dos
filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do falecido (art. 5º,
XXXI, CR/88).

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