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DIREITO DAS SUCESSÕES

Priscilla dos Santos Santana de Andrades


Aluna n.º 67628
Turma: 2º TAN / Subturma: PAN 3
Prof.º Assistente: Sérgio Conceição

1
ÍNDICE

ÍNDICE DE TABELAS...........................................................................................................................3
OS PRESSUPOSTOS DA VOCAÇÃO SUCESSÓRIA..........................................................................4
Personalidade Jurídica..........................................................................................................................5
Capacidade sucessória..........................................................................................................................6
Titularidade de designação prevalecente..............................................................................................7
VOCAÇÃO DIRETA, A VOCAÇÃO INDIRETA E A VOCAÇÃO ANÓMALA................................9
DESERDAÇÃO E INDIGNIDADE......................................................................................................12
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................................16

2
ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 4
Tabela 2 8
Tabela 3 11
Tabela 4 11
Tabela 5 15

3
OS PRESSUPOSTOS DA VOCAÇÃO SUCESSÓRIA

A sucessão é o fenómeno de “chamar” alguém à titularidade das relações jurídicas


patrimoniais de pessoa falecida, os quais são determinados como sucessíveis e cujo elenco
encontra-se designado no artigo 2133º do Código Civil e o artigo 2026º institui fontes para a
vocação sucessória, sendo estas a lei, o testamento ou o contrato.

A vocação1, por sua vez, é a atribuição deste direito de suceder (ius delationis), estando este
suscetível de ser aceite ou repudiado pelos sucessíveis.2
Esta vocação é estabelecida no momento 3 e lugar do falecimento do autor da sucessão, e
possui duas vertentes: uma pessoal e uma patrimonial.

A vertente pessoal diz respeito às pessoas que têm o direito de suceder (cuja indicação já fora
dada em vida pelo de cuius através da designação sucessória).
A vertente patrimonial aborda o sentido de haver uma devolução, ou seja, é atribuído ao
sucessor, as situações jurídicas patrimoniais anteriormente pertencentes ao autor da sucessão.

Sobre a relação vocação-devolução, a doutrina considera três teses, acerca da diferenciação


entre ambas, as quais abaixo relaciono:

Tese da autonomia dos Tese da identidade entre Tese de que os dois Tese da diferenciação
dois conceitos os dois conceitos conceitos exprimem em função dos
diferentes perspectivas da sucessores
mesma realidade
- Defendida por Pires de - Defendida por Galvão - Defendida por Pereira - Defendida por
Lima, Gomes da Silva e Telles e Pamplona Coelho, Carvalho Oliveira Ascensão
Cristina Dias Corte-Real Fernandes e Jorge Duarte - Aqui, a vocação é o
- Entende a devolução - Considera chamamento Pinheiro mesmo que
como uma consequência e devolução figuras - Considera que a vocação chamamento
do chamamento e da sinónimas é uma atribuição do - A devolução é a fase
aceitação da herança, o - Corte-Real considera direito de suceder onde se colocam à
que permite que esta fique ambas são uma fase - Considera a devolução é disposição dos
à disposição do chamado intermédia, não estando a aquisição de situações herdeiros os bens da
- Vocação, aqui, é ainda atribuído o ius jurídicas. herança
entendida como à alguém delationis.
ser atribuído o direito de
aceitar a herança.

Tabela 1

O chamamento do herdeiro ou legatário implica que não haja uma aquisição parcial da
herança ou legado, concebendo assim o princípio da indivisibilidade da vocação.4

1
Artigo 2024º Código Civil.
2
O Estado, enquanto sucessor, apenas pode aceitar, e nunca repudiar o chamamento à sucessão, e para este efeito, será
chamado se não houver nenhum outro sucessível.
3
A vocação pode surgir posteriormente, nos casos previstos de nascituro. Artigo 66º nº 2 e 2033º nº 2, alínea a) do Código
Civil.
4
Artigos 2250º nº 1 e 2054º nº 1 CC.

4
Os artigos 2032º e 2033º atribuem pressupostos à vocação sucessória relacionados à pessoa
chamada: a personalidade jurídica, a capacidade sucessória e a titularidade de designação
prevalecente.

Personalidade Jurídica

A personalidade jurídica designa-se pela suscetibilidade de uma pessoa individual ou coletiva


ser sujeito de direitos ou obrigações jurídicas.
Este pressuposto determina que o chamado tem de possuir personalidade jurídica e não a ter
perdido, estando a vocação dependente deste fator.

À abertura da sucessão, o chamado deve já a possuir, e mesmo nos casos dos nascituros, é
necessário que estes já tenham tido nascimento completo e com vida nos termos do artigo 66º
nº 2. Se a sucessão dar-se por via testamentária ou contratual, ainda que estes nascituros não
tenham sido concebidos, devem os mesmos ser filho de pessoa determinada, estando também
pendente o preceito do artigo acima referido, concretizando-se assim a sua vocação.
Ao nascituro não concebido, deverá ser atribuída um administrador da herança, podendo este
ser seu progenitor ou representante legal 5, e ao nascituro já nascido, a administração é
entregue a quem normalmente já os seus bens administra6.

A doutrina tem sido divergente sobre o modo como se deva realizar a partilha, estando em
causa os nascituros não concebidos, uma vez que o ordenamento não prevê a solução
adequada para partilha de herança entre estes.
Adotadas, foram, quatro posições doutrinárias, sendo a última aquela que parece ter a melhor
solução:
 Comunhão temporária obrigatória: Defendida por Castro Mendes e Pamplona Corte-
Real. Assente na ideia de que a partilha não poderá ser feita até ao momento de que
não surgirão mais filhos, ficando os bens sujeitos à comunhão indivisa. Estes bens
ficarão sob administração, não estando assegurado de todo os interesses dos nascituros
não concebidos uma vez que os bens poderiam ser dissipados.

 Teoria da partilha aproximativa: Defendida por Cunha Gonçalves. Entende que a


partilha deverá ser feita de acordo com o cálculo dos conceturos que se espera que
venham a nascer, fazendo-se entre nascidos e nascituros.

 Teoria da partilha sob condição resolutiva : Defendida por José Tavares e Pereira
Coelho. Defendem que a partilha poderá ser feita após a abertura da sucessão, estando
sob condição resolutiva para o caso de haver o nascimento do chamado à sucessão.

 Teoria da atribuição de um direito a tornas : Defendida por Guilherme de Oliveira e


Jorge Duarte Pinheiro. Aqui, a partilha faz-se na abertura da sucessão, e em caso de
nascimento após esta, a quota deste é composta em dinheiro por analogia ao artigo
2029º nº27 do Código Civil.
5
Artigo 2240º nº1 Código Civil
6
Artigo 2240º nº2 ibidem
7
Ainda que conste de escritura pública, o contrato pode ser revogado pelo doador, sobrevindo ou tornando-se conhecido
algum outro presumido herdeiro legitimário, contanto que a revogação seja feita nos seis meses subsequentes ao nascimento
ou conhecimento do herdeiro superveniente.

5
Ainda sobre este assunto, o CPC refere em seus artigos 1127º (Anulação da partilha) e 1128º
(Composição do quinhão ao herdeiro preterido), que a patilha deverá ser anulada em caso de
constatar-se má-fé ou dolo dos demais herdeiros para com aquele, ou, caso prefira, tenha seu
quinhão composto em dinheiro.

Há ainda, acerca dos nascituros e conceturos, a questão que se coloca em relação à procriação
medicamente assistida, garantida pela Lei 32/2006, de 26 de julho8.
A doutrina que melhor apresenta uma solução é defendida por Pamplona Corte-Real e Jorge
Duarte Pinheiro, e refere que deve invocar-se o princípio da não discriminação em função do
nascimento, determinando sobre o filho nascido passado 300 dias desde a morte do autor, a
atribuição dos direitos sucessórios.

As sociedades e as pessoas coletivas detentoras de personalidade jurídica também integram a


vocação sucessória, desde que o sejam pela vida testamentária ou contratual9.
Contudo, em relação às fundações que são instituídas por testamento após a morte do autor da
sucessão, o fato de adquirirem a personalidade jurídica após a abertura da sucessão uma vez
que isto ficou assente pela vontade do testador – a sua criação10.

Outro aspeto relevante é o da cessão da personalidade jurídica, não podendo este ter ocorrido
antes da abertura da sucessão, evidenciando a exigência de sobrevivência do sucessível em
relação ao de cuius. Ficam, desta forma, excluídas de personalidade jurídica: as pessoas que
concorram em comoriência em relação ao de cuius (artigo 68º nº 2) e pessoas cuja morte
presumida tenha sido declarada (artigos 114º e 115º).

Capacidade sucessória

A capacidade sucessória vem regulada dos artigos 2033º a 2038º e no artigo 2166º do Código
Civil, designando assim quem dispõe e quem não dispõe dela. A regra geral é a de suceder,
contudo estão impedidos de suceder aqueles que foram declarados incapazes por indignidade
e aqueles que foram deserdados.

Esta capacidade sucessória de receber atribuições patrimoniais diz-se também capacidade


sucessória passiva, contendo uma coincidência entre esta e a personalidade jurídica, conforme
depreende-se dos artigos 2032º e 2033º CC.

O artigo 2033º CC vem estabelecer quem tem a capacidade sucessória: os nascidos e


concebidos ao tempo da abertura da sucessão, bem como o Estado, desde que não excetuados
por lei e aborda dois sentidos: o sentido amplo e o sentido restrito.

O sentido amplo diz respeito a capacidade de suceder a toda e qualquer pessoa, e já o sentido
restrito, a idoneidade da pessoa que sucede vem acompanhada de legitimidade para tal. Ou

8
Lei que regula a Procriação Medicamente Assistida, disponível em https://www.pgdlisboa.pt/
leis/lei_mostra_articulado.php?nid=903&tabela=leis
9
Artigo 2033º nº 2, alínea b) do Código Civil
10
Artigos 158º nº 2 e 185º nº 1 ibidem

6
seja, só podem suceder, quem tem legitimidade, ficando de fora os incapazes por indignidade
e os casos de deserdação, aplicando a lei restrições quanto a estes dois casos.

A incapacidade por indignidade e a deserdação afastam do chamado à sucessão a


possibilidade de aceder a ela, e a ambas as situações é admitida a reabilitação, desde que
cumpridas as regras impostas pela lei. Sobre este assunto, trataremos mais abaixo, em título
específico.

Estão, portanto, estes chamados, estando desprovidos de legitimidade para suceder, observam
MOTA PINTO (1964, págs. 118 e ss.) e MANUEL DE ANDRADE (1988, págs. 413 e ss)
que na distinção entre incapacidade e ilegitimidade, a chamada incapacidade sucessória por
indignidade enquadra-se melhor no âmbito da ilegitimidade, dado o seu caráter relativo e o
fato de ser possível, por um lado, a reabilitação do indigno; e por outro, no caso da
deserdação, sendo manifesta a vontade do autor da sucessão o que atesta a proibição
sucessória.

Titularidade de designação prevalecente

A vocação sucessória tem uma hierarquia, e são chamados primeiramente os sucessíveis


prioritários que gozam desta prioridade11, e não simultaneamente todos os herdeiros do autor
da sucessão.
Neste sentido, nas várias classes sucessíveis, o Estado está em último lugar, logo, não vai ser
chamado à sucessão se houver alguma classe anterior.

No topo da hierarquia estão os sucessíveis legitimários relativamente aos bens inclusos na


quota indisponível e o artigo 2027º vem caracteriza-la como não podendo ser afastada pela
vontade do autor da sucessão, prevalecendo esta sobre todas as outras designações
sucessórias, e o qual ficam pendentes de aceitação nos termos do artigo 2050º.

Em segundo lugar surgem os sucessíveis, herdeiros e legatários contratuais tendo em conta o


caráter bilateral das doações mortis causa12 e o objetivo do favor matrimonii13, que reforçam
assim os seus efeitos.

Em terceiro lugar estão os sucessíveis, herdeiros e legatários testamentários em decorrência


dos artigos 2027º e 2131º, que caracterizam a sucessão legítima pelo seu caráter supletivo.

Esta prioridade, segundo CAPELO DE SOUSA, é feita caso a caso, de acordo com os
diferentes modos como o de cuius foi regulando o futuro das suas relações jurídicas, tendo em
conta as normas aplicáveis (p.283).

11
Artigos 2032º nº 2 e 2135º Código Civil
12
Antes da aceitação da doação, há uma proposta de contrato nos termos do art.969º e sujeita a um regime especial de
caducidade referido nos artigos 945º nº1 e 969º nº 2, estando a aceitação sujeita à modo conforme dispõe o art. 945º nºs 2 e 3.
13
Com a entrada em vigor do DL 496/77, o cônjuge passa de mero sucessível legal após os irmãos e os seus descendentes, a
herdeiro legitimário de 1ª classe.

7
GALVÃO TELLES, no art. 7º do seu Anteprojeto, dizia que “aquele ou aqueles que gozam
de preferência…são chamados a suceder”. Entretanto, a 1ª revisão ministerial optou por uma
terminologia mais próxima á aquisição de direitos, consagrando assim que “são chamados à
titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade”.

A concluir este tema, o gráfico abaixo fica a ilustrar como, regra geral, se articula a vocação
sucessória com os seus pressupostos.

VOCAÇÃO
SUCESSÓRIA

PERSONALIDADE CAPACIDADE TITULARIDADE DE


JURÍDICA SUCESSÓRIA DESGINAÇÃO
PREVALECENTE

Ter personalidade jurídica, Desde que não padeça de Deve-se observar a


podendo ser pessoa coletiva, legitimidade, pode suceder hierarquia dos sucessíveis,
nascituro ou conceturo prevalecendo os prioritários
não concebido dentro dos
preceitos estabelecidos,
pode suceder

DIREITO DE
SUCEDER

Tabela 2

VOCAÇÃO DIRETA, A VOCAÇÃO INDIRETA E A VOCAÇÃO ANÓMALA

8
A vocação possui modalidades, com suas especificidades e regimes, podendo ser: originária,
subsequente, pura, impura, una, múltipla, direta, indireta, imediata, derivada, comum ou
anómala. Neste tema, tratarei apenas das vocações direta, indireta, e anómala, e das diferenças
entre estes.

A vocação direta é a regra geral, sendo aquela que se baseia na relação entre o sucessível e o
de cuius, sendo a pessoa o ponto de referência.
A vocação indireta não apenas quanto à relação existente entre o sucessível e o de cuius, mas
em função da sua posição diante de um terceiro, que, ainda que não entre na sucessão, serve
como ponto de referência para a devolução. Desta forma, sempre que um sucessível
prioritário não possa ou não queira aceitar a sucessão, dá-se o chamamento do sucessível
indireto e retroage a devolução à data da abertura da sucessão 14. Este terceiro ocupa assim, a
posição sucessória do sucessível prioritário que não o fez.
Não é correto alegar que esta vocação é autónoma, pois se justapõe a do sucessível, sendo esta
o ponto de referência para aquela, possuindo pressupostos e efeitos.

Os pressupostos passam pelo fato de um sucessível que não quis ou não pode aceitar a
sucessão15, ter uma relação com o então chamado à sucessão. O efeito prende-se com a
atribuição, ao sucessível indireto, o mesmo direito de suceder outrora atribuído ao sucessível
anterior.

O sentido de “não poder aceitar” releva a impossibilidade jurídica de aceitar, assente nos
seguintes casos: não sobrevivência ao de cuius, não ter adquirido personalidade jurídica, a
indignidade, a deserdação, o divórcio ou separação de pessoas e bens, e ainda a caducidade do
direito de suceder. Já a expressão “não querer aceitar” atenta ao repúdio à herança.

Segundo JORGE DUARTE PINHEIRO (2020 pg. 239), não incide sobre o “não poder
aceitar” as situações de impossibilidade material de aceitação ou a incapacidade geral de
exercício.
Podemos portanto concluir que a vocação indireta possui causas, sendo estes o direito de
representação16, a substituição direta ou vulgar17 e o direito de acrescer18.
O direito de representação assente no art. 2039º CC, dá-se não por vontade do autor da
sucessão, mas antes pela impossibilidade de aceitação ou um repúdio de herança ou legado
por parte do sucessível prioritário, podendo ocorrer tanto na sucessão legal 19 quanto na
testamentária20. Na sucessão legal, funciona em relação aos filhos e irmãos do autor da
sucessão, pelo que não o poderá ser invocado perante o cônjuge ou ascendentes. Na sucessão
por via testamentária, dispõe dos pressupostos: o herdeiro ou legatário ter falecido antes do
testador ou repudiado, não haver caducidade, haver descendentes ou adotados e que o
sucessor não tenha disposto em sentido contrário, ou seja, não haja fideicomissário, legado de
usufruto ou outro direito pessoal.
A substituição direta ou vulgar consiste em o testador substituir outra pessoa ao herdeiro ou
ao legatário nomeado, para o caso de estes não poderem ou não quererem aceitar a herança ou
14
Artigo 2032º nº 2 Código Civil.
15
Artigos 2039º, 2137º nº 2 e 2281º nº 1, ibidem.
16
Artigos 2039º a 2045º e 2138º, ibidem.
17
Artigos 2281º a 2285º, ibidem.
18
Artigos 2137º nº 2, 2143º, 2157º e 2301º a 2307º.
19
Artigo 2042º, ibidem.
20
Artigo 2041º, ibidem.

9
o legado. Será vulgar ou comum mediante a sua frequência. Poderá ser expressa ou tácita21,
singular, plural ou recíproca.
A substituição singular dá-se quando existe apenas um herdeiro ou legatário, a plural22 dá-se
quando existam vários herdeiros ou legatários, e a recíproca é quanto o testador estabelece
que os co-herdeiros e os co-legatários se tenham que substituir reciprocamente23.

Já o direito de acrescer vigora quer para a sucessão legal 24, quer para a sucessão
testamentária25 onde o sucessível que é chamado simultaneamente com outros, pode adquirir o
objeto sucessório que o outro não pode ou não quis aceitar, e desde que cumpridos os
pressupostos tanto negativos quanto positivos.
Os pressupostos negativos prendem-se com o fato de ter, obrigatoriamente, de não verificar-se
outros institutos sucessórios (inexistência de direito de representação) e os pressupostos
positivos com ter de verificar-se certos fatos para que o direito de acrescer atue por si
(designação simultânea de vários sucessíveis da mesma classe para suceder e impossibilidade
de aceitação ou repúdio da herança por parte de algum destes sucessíveis).
Para GALVÃO TELLES, este direito de acrescer é equiparável ao preenchimento de uma
quota vaga, onde há transmissão de uma situação jurídica. (2006, p.105).

A vocação anómala, em contraposição à comum (que corresponde ao padrão da


normalidade), é aquela que se desvia desta normalidade, e em geral afigura-se transmissão do
direito de suceder (vocação derivada26), na substituição fideicomissária, na substituição direta,
no direito de representação e no direito de acrescer, estando estes três últimos na modalidade
de vocação indireta e já acima citados.

A transmissão do direito de suceder assente no art. 2058º nº 1 dá-se quando o sucessível


falece antes de aceitar ou repudiar a herança, sendo este mesmo direito transmitido aos seus
herdeiros, que por sua vez também estão sujeitos à aceitação ou repúdio desta, conforme
dispõe o nº 2 do art. 2058º.
Os seus pressupostos são: o chamamento de alguém à sucessão, falecimento desta pessoa
antes de aceitar ou repudiar a herança, chamamento dos herdeiros deste e aceitação da
sucessão, por parte destes últimos herdeiros.
Os herdeiros chamados a suceder ao falecido tem de dispor de capacidade sucessória em
relação a este e também em relação ao primitivo de cuius, e, havendo incapacidade em relação
a ambos, não poderá usufruir da atribuição deste ius delationis27.
A doutrina diverge quanto ao fato de a transmissão do direito de suceder constitui-se ou não
uma vocação indireta. Sobre isso, GALVÃO TELLES e PAMPOLNA CORTE-REAL
entendem que sim, já OLIVEIRA ASCENSÃO, ANTUES VARELA E JORGE DUARTE
PINHEIRO entendem que há uma dupla transmissão, e não vocação indireta pois os
21
Segundo os termos do artigo 217º, ibidem.
22
Artigo 2282º, ibidem.
23
Artigo 2283º nº1 e 2285º nº1.
24
Artigos 2137º nº 2, 2143º e 2157º ibidem.
25
Artigos 2301º a 2307º)
26
É aquela que foi transmitida para o chamado, após uma prévia aquisição do direito de suceder por outro de
cuius conforme art. 2058º CC.
27
O ius delationis, sendo incoercível no seu exercício, depende exclusivamente da vontade do sucessível, dado o
caráter intuitu personae da sucessão. Veja-se o Ac. STJ 21/09/2021 (MARIA JOÃO VAZ TOMÉ), processo
3778/19.4T8VCT.G1.S1

10
pressupostos da vocação só são verificados aquando da abertura da sucessão em relação à
primeira.

A substituição fideicomissária assentes dos artigos 2286º a 2296º, regula que o testador ao
herdeiro o encargo de conservação da herança, para que, após a morte deste herdeiro, esta
herança seja atribuída a outrem. Este herdeiro designa-se fiduciário, e o beneficiado será o
fideicomissário. Neste sentido, aqui concretizam-se duas vocações que regulam o mesmo
negócio jurídico.
Os elementos que a constituem são: a dupla liberalidade sobre o mesmo objeto, encargo de
conservação sobre o fiduciário para conversão em favor de outrem, e ordem sucessiva. Poderá
ser plural porém não são admissíveis em mais de um grau 28, pelo fato de estar este
condicionado a acontecimentos futuros e incertos.

As vocações anómalas podem ainda aplicar-se de forma simultânea, podendo, em alguns


casos, o autor da sucessão dispor em testamento, a sua herança a dois herdeiros e estabelecer
um substituto a um deles (este deixou descendentes). Nestes casos, dizemos que há um
concurso de vocações anómalas, prevalecendo aquela que primeiro se dispõe na hierarquia,
sendo aplicadas nesta ordem: substituição direta ou fideicomissária, direito de representação e
direito de acrescer.
Após dispostas as referências a ambas as vocações, os gráficos abaixo enumeram as principais
diferenças entre estas.

DIFERENÇAS ENTRE VOCAÇÃO DIRETA, INDIRETA E ANÓMALA

Direta Indireta Anómala

- Relação entre o sucessível e o autor da sucessão Sim Sim Sim (direta ou


(indiretamente) indiretamente)
- Relação entre o sucessível que não aceitou ou não pode Não Sim Sim
aceitar com o sucessível substituto
O sucessível prioritário aceita a herança Sim Não Sim

O sucessível prioritário repudia a herança Não Sim Sim

Direito de representação Sim Sim Sim

Transmissão do direito de suceder Não Não Sim

Substituição direta Não Sim Sim

Direito de acrescer Não Sim Sim

Substituição fideicomissária Não Sim Sim

Tabela 3

VOCAÇÃO DIRETA, INDIRETA E ANÓMALA

28
Artigo 2288º CC.

11
DIRETA INDIRETA ANÓMALA

ORIGINÁRIA ORIGINÁRIA
OU OU
IMPURA
SUBSEQUENT SUBSEQUENT
E E

PURA OU PURA OU
INDIRETA
IMPURA IMPURA

IMEDIATA DERIVADA DERIVADA

COMUM ANÓMALA

UNA E UNA E
MÚLTIPLA MÚLTIPLA

DESERDAÇÃO E INDIGNIDADE

A deserdação e a indignidade são institutos que relevam a exclusão da vocação sucessória,


uma vez que dentro dos pressupostos desta, ambas carecem de capacidade sucessória29.

A indignidade sucessória 30 inclui os casos com maior gravidade, nos quais a leis restringe a
capacidade sucessória do herdeiro que cometeu uma das seguintes situações possíveis:
a) Se alguém for condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso contra
cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado;
b) Ser condenado por crimes contra a honra: denúncia caluniosa ou falso testemunho,
com pena superior a dois anos de prisão;
c) Fazer com que o autor da sucessão, através de dolo ou coação, revogue ou modifique o
testamento, e também o impedindo de tal;

29
Artigo 2033º CC.
30
Artigo 2034º ibidem.

12
d) Subtrair, ocultar, inutilizar, falsificar ou suprimir o testamento, antes ou depois da
morte do autor da sucessão, por meio de dolo.

A doutrina, por sua vez, diverge se estes fatos que atribuem a indignidade sucessória, serão
taxativos ou exemplificativos.
Entre os que adotam o sentido exemplificativo estão OLIVEIRA ASCENSÃO e JOÃO
LEMOS ESTEVES, que consideram que trata-se de uma tipicidade delimitativa, admitindo a
analogia legis, e não a analogia iuris.
Já GALVÃO TELLES, PAMPLONA CORTE-REAL, CAVALHO FERNANDES, JORDE
DUATE PINHEIRO e CRISTINA ARAÚJO DIAS admitem que trata-se de uma enumeração
taxativa por compreender uma pena civil, estando esta sujeita ao princípio da legalidade.

O regime da indignidade não resulta automaticamente, mas de precisar ser declarada pelo
Tribunal, conforme dispõe o artigo 2036º CC, devendo ser intentada no prazo de dois anos
desde a abertura da sucessão, ou dentro de um ano após a condenação pelos crimes que a
determinam. Não obstante dever respeitar-se os prazos estabelecidos, considera a doutrina que
a indignidade poderá ser invocada a todo o tempo, conforme disposto no Acórdão STJ de 23
de Julho de 1997, com relator FERNANDO FABIÃO, sob processo nº 97A443, que decidiu
que a indignidade opera automaticamente, e não depende de declaração judicial, salvo quando
o indigno tiver entrado na possa dos bens da herança.

Há legitimidade para requerer esta declaração de indignidade, o autor da sucessão ou por seus
herdeiros legitimários.

No âmbito da sucessão legal, a incapacidade não prejudica o direito de representação dos seus
descendentes assentes no artigo 2037º nº 2. O mesmo não ocorre na sucessão testamentária,
onde seus descendentes não poderão invocar este direito.

Há, contudo, a possibilidade de aquele que fora declarado incapaz por indignidade, vir a ser
reabilitado nos termos do artigo 2038º CC, devendo este ser realizado pelo autor da sucessão,
por via testamentária ou escritura pública, com declaração expressa deste feito.
A lei contudo admite ainda que esta declaração seja admitida por declaração tácita desde que
o autor da sucessão já tivesse conhecimento dos fatos constitutivos da indignidade, aquando
da feitura do testamento.

Quanto à deserdação31, é o instituto que permite ao autor da sucessão privar um herdeiro


legitimário da sua legítima, havendo para isso, a exigência da existência de uma das seguintes
situações:
a) O herdeiro tem de ser condenado por crime doloso contra a sua pessoa, bens ou honra,
ou sobre cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado desde, e a pena tem
de ser superior a seis meses de prisão;
b) Haver condenação por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra os mesmos;
c) Que o herdeiro tenha recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos
alimentos.
A deserdação carece da mesma forma que o testamento e sua revogação segue também as
regras impostas para este. Aqui, o testador tem que especificar claramente a causa da
deserdação, devendo esta ser uma das elencadas no artigo 2166º.
31
Artigo 2166º CC.

13
A maioria da doutrina tem admitido a deserdação parcial, no sentido de permitir ao testador
punir o herdeiro legitimário pela forma que entende ser a mais adequada, ainda que nome
como CARVALHO FERNANDES e JORGE DUARTE PINHEIRO não o considerem
admissível por vias do princípio da indivisibilidade da vocação 32 e da intangibilidade da
legítima33.

É, aqui também, considerada a reabilitação do deserdado por analogia ao artigo 2166º nº2,
podendo esta ser expressa ou tácita, a depender da revogação por disposição testamentária,
reabilitando-o, assim, a suceder apenas por esta via.

Se a deserdação tiver sido feita sem invocação de causa justificada nos termos da lei, permite
direito de impugnação34 dentro do prazo de dois anos à contar da abertura do testamento, dois
anos apos o interessado ter conhecimento da deserdação.

Constatando-se desta forma as diferenças entre ambas, afigura-se haver entre estas algumas
parecenças. Para tais efeitos, abaixo encontram-se ambas mencionadas graficamente.

Elementos Deserdação Incapacidade por


Indignidade
É considerado possuidor de má-fé no que diz respeito Sim Sim
aos bens da herança
Permite direito de representação Sim Sim, se for por
sucessão legal
Permite direito de acrescer Sim Sim

Necessidade da vontade do autor da sucessão Sim Não. Depende antes da


lei
Via ou forma Por testamento ou Por declaração de
escritura pública indignidade emitida
pelo Tribunal
Quem o faz O autor da sucessão Qualquer interessado –
autor ou herdeiros
legitimários
A quem pode ser aplicado Aos herdeiros A qualquer herdeiro
legitimários (legítimo ou
testamentário)
Importa o crime de homicídio ou tentativa do mesmo Não Sim
perante autor da sucessão, seu cônjuge, ascendente,
descendente, adotante ou adotado

Importa condenação por crime doloso contra o autor da Sim, desde que com Não
sucessão, seu cônjuge, ascendente, descendente, pena superior a 6
adotante ou adotado meses

Importa condenação por denúncia caluniosa ou falso Sim Sim, desde que com
testemunho contra o autor da sucessão, seu cônjuge, pena superior a dois
ascendente, descendente, adotante ou adotado anos de prisão

32
Artigos 2055º e 2250º CC.
33
Artigo 2163º ibidem.
34
Artigo 2167º ibidem.

14
Importa a recusa de alimentos Sim Não

Importa os atos contra o testamento ou contra a Não Sim


liberdade de testar

Há direito à reabilitação via escritura pública ou Sim Sim


testamentária, admitindo declaração expressa ou tácita

Vertente Mais pessoal, afetando Mais objetiva, afetando


mais a esfera familiar mais a esfera social

Tabela 5

Este trabalho foi realizado para a disciplina de Direito das Sucessões, no âmbito das aulas
práticas, para aferição de conhecimento dos institutos acima mencionados, em concordância
com o Programa estabelecido para o ano 2022/2023.

BIBLIOGRAFIA

15
Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro. Diário do Governo n.º 274/1966, Série I de 1966-
11-25, páginas 1883 – 2086. Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro.

LEITÃO, L. 2021. Direito das Sucessões. Almedina. Coimbra.

PINHEIRO, J. 2020. Direito das Sucessões. AFFDL. Lisboa.

SOUZA, R. 2012. Lições de Direito das Sucessões. 4ª Edição, Editora Coimbra. Coimbra.

16

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