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CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA

CÍVEIS, FALIMENTARES, DE LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS,


DAS FUNDAÇÕES E DO TERCEIRO SETOR

Consulta n° ___/2017 – Área Cível.


Objeto: Civil – Ação anulatória de testamento público – Suposta invasão das
disposições testamentárias sobre a parcela indisponível ao testador – Testamento
lavrado enquanto os bens da viúva meeira ainda se encontravam sob inventário –
Material de apoio.
Interessada: Maysa Caroline Grein, Assessora Jurídica em atuação na 2ª
Promotoria de Justiça da Comarca de Castro/PR.

Curitiba, 11 de agosto de 2017.

Prezada Maysa,

1. Em atenção à consulta formulada por email, encaminha-se adiante


material de apoio relativo à sucessão testamentária, selecionado à vista do
caso concreto encaminhado pela consulente.

2.1. Compreende-se que, no que tange à parcela disponível do


patrimônio do testador, é possível que ele estabeleça legado a quem também
sucede na condição de herdeiro necessário.

Ademais, depreende-se do art. 2.014 do Código Civil que o testador


pode indicar os bens e valores que devem compor os quinhões hereditários,
desde que seja respeitada a legítima de cada herdeiro necessário (cf. art.
1.789 e § 1º do art. 1.857 do CC). Nesse caso, não se trata de legado, mas do
que a doutrina denomina de “herdeiro ex re certa”:

Legatário – como o próprio nome diz – é quem recebe um legado: bem certo
ou identificado pela espécie, quantidade e qualidade, que lhe é conferido
por meio de testamento ou codicilo. O testador pode beneficiar qualquer
pessoa estranha à sucessão, mas nada impede que nomeie os próprios
herdeiros legítimos, necessários ou facultativos. É o que se chama de
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prelegado. Também pode ser cumulativa a condição de herdeiro


testamentário e legatário. São herdeiros a dois títulos: universal e singular.
Quando são contemplados herdeiros necessários, indispensável que o
testador diga que os está beneficiando com a parte disponível de seus
bens. Se nada disser, considera-se que simplesmente procedeu à
identificação do bem do herdeiro (CC 2.014). O legado será abatido de
sua legítima. Caso o herdeiro seja contemplado com a parte disponível
(CC 2.018), o bem recebido não precisa ser trazido à colação.
(DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 3. ed. em e-book baseada
na 4. ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
Disponível em:
<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografi
as/74644676/v4>).
(Destacou-se).

2. Herdeiro ex re certa. O testador pode compor a cota de herdeiros com


a designação de bens determinados de seu patrimônio, ou de um complexo
de bens, destinado a pessoas identificadas. O bem passa, por esse ato, a
compor parte da herança do aquinhoado. Não se trata de legado (sucessão
a título particular), mas de herança (sucessão a título universal). Se a
coisa herdada for existente no patrimônio do de cujus, o herdeiro, desde a
abertura da sucessão, tem acesso à disposição individualizada da coisa,
nisso se assemelhando ao legatário. “O CC 2014 permite a imputação pelo
testador de determinados bens como integrantes da cota de cada herdeiro.
É como se a lei permitisse que o testador preenchesse, hachurasse o
tracejado de cada percentual determinado previamente, pelas regras de
partilha de herança” (Nery. Soluções Práticas, vol. III, n. 11, p. 376).
3. Partilha regulada pelo testador. É direito do testador distribuir os
bens entre os aquinhoados com a sua herança. A partilha definida pelo
testador deve ser obedecida, salvo se na distribuição dos quinhões houver
prejuízo dos herdeiros necessários, ou seja, se algum deles ficar lesado em
seu direito de herdar a legítima. Respeitada a legítima (CC 2018), o
testador está livre da observância da igualdade dos quinhões, como
ocorre com a divisão dos bens hereditários por determinação judicial
(Rocco Martini. Divisione paterna, Aquila, 1909, p. 75).
(NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil
comentado. 1. ed. em e-book baseada na 11. ed. impressa. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2014. Disponível em:
<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/10008
3938/v11>).
(Destacou-se).

O art. 2.014 reforça a disposição do art. 2.018, este similar ao art. 1.776
do Código anterior. O art. 2.018 faculta ao ascendente efetuar partilha em
vida, por testamento, em relação a seus descendentes. O art. 2.014
assegura ao testador, em todas as situações e não somente quando se
trata de ascendente em face de descendentes, o direito de, no
testamento, deliberadar sobre a partilha, indicando quais bens e
valores irão compor o quinhão de cada herdeiro. Essa disposição
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testamentária será válida se a divisão respeitar as quotas intangíveis


dos herdeiros necessários. Se houver violação dessas quotas, aplicam-
se as regras de redução das dispoições testamentárias (arts. 1.967 e
1.968).
Embora deva respeitar a legítima, o testador, ao deliberar sobre a
partilha, poderá escolher quais os bens irão compor os quinhões dos
herdeiros necessários. A deliberação do testador sobre a partilha fica
limitada, também, pela meação do cônjuge. Relembre-se que meação não é
herança. Uma vez separada a meação do cônjuge, o restante será a
herança, cuja partilha poderá ser deliberada pelo testador.
(ANTONINI, Mauro. Comentário ao art. 2.014. In: PELUSO, Cezar (Coord.).
Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 5 ed. rev. e atual.
Barueri, SP: Manole, 2011. p. 2374).
(Destacou-se).

Nada obsta que o legado seja destinado a alguém que já ocupe a


posição jurídica de herdeiro legítimo daquele que o outorgou. Nesse
caso – vale dizer, na hipótese de se reunir numa mesma pessoa a condição
de herdeiro legítimo e de legatário -, dá-se ao legado o nome de legado
precípuo ou prelegado. Então, dir-se-á tratar-se de um legado precípuo (ou
prelegado) “aquele com o qual o testador contempla um dos coerdeiros ou
seu herdeiro necessário”.1
Em outras hipóteses, se acontecer de vir a ser atribuída a vários herdeiros
a prestação do legado, cada um deles a satisfará na razão proporcional às
suas cotas hereditárias. E, por último, caso o ônus da prestação
sobrecarregasse apenas um dos herdeiros – se o bem legado a este
pertencesse, por exemplo -, aos demais restaria a incumbência de
compensá-lo, pela reposição do valor do bem, em dinheiro, na exata
proporção de seus acréscimos hereditários.
O outorgante do legado, de acordo com a liberdade de legar que lhe é
assegurada, poderá destinar para este fim qualquer bem ou coisa, de seu
patrimônio ou não, devendo apenas observar que o objeto do legado seja
lícito, possível, economicamente apreciável, determinado ou determinável e
suscetível de alienação.
Assim, podem ser objeto de legados as coisas móveis e imóveis, as
corpóreas e incorpóreas, as fungíveis e infungíveis, as existentes e as
futuras, os direitos, as ações, os créditos, as prestações de fazer negativas
ou positivas, os frutos.
(CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes.
Direito das sucessões. 1. ed. em e-book baseada na 5. ed. impressa. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. Disponível em:
<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/9
4462590/v5>).
(Destacou-se).

O legado é uma atribuição patrimonial, feita em testamento ou pela lei, de


bem determinado a sujeito que, por força de ser beneficiário desta se
denomina legatário. No quadro das classificações em direito das sucessões
se opõe o legado à herança, de modo que não se deve confundir a figura do
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legatário com a do herdeiro. O legado é composto por bem determinado,


ainda que este seja uma universalidade ou uma classe de bens da
herança, enquanto a indeterminação é qualidade própria da herança.
Apesar disto, pode haver o chamado herdeiro ex re certa , nas
situações em que o quinhão ou quota do herdeiro seja preenchido pelo
autor da herança por bens determinados.(…) O herdeiro de coisa
determinada apenas teve seu quinhão objeto de imputação por meio
de bem ou bens determinados, sem que o sujeito perca as demais
qualidades decorrentes de sua condição de herdeiro. (…)
Por conta desta distinção preliminar, costuma-se dizer que herdeiro é
o que sucede na universalidade ou em cota dela, enquanto o legatário
é o que sucede em porção determinada da herança. Entretanto, tal
assertiva, embora possa ter um potencial didático para esboçar uma
distinção preliminar e provisória, não resiste a um exame mais
apurado, visto que o próprio autor da herança pode dispor, em
testamento, que o acervo patrimonial do herdeiro seja composto por
certos bens. Assim, ele está contemplado já com bens determinados,
mas não passa a ser legatário, porque seus benefícios patrimoniais
foram imputados a título de herdeiro. Para que tal se desse, seria
necessária a individuação do bem e a atribuição como legado, que pode se
dar a um herdeiro, que cumularia, no caso, as duas condições, com bens a
título de herança, outros a título de legado. Mas cada qual seguiria seu
regime jurídico específico.
(PENTEADO, Luciano de Camargo. Manual de direito civil: sucessões. 1. ed.
em e-book baseada na 1. ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014. Disponível em:
<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/9
7360446/v1>.
(Destacou-se).

2.2. Considera-se que a nulidade de alguma disposição


testamentária não acarreta a nulidade da parcela que puder ser preservada:

É preciso que se diga, desde já, que vige no tocante aos testamentos,
também, o princípio da conservação do negócio jurídico – constante,
dentre outros dispositivos, do art. 184 do CC/2002 –, que determinada
que “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio
jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável (…)”. Sendo
assim, uma disposição nula ou anulável não irá, necessariamente, tornar
todo o testamento nulo ou anulável, respectivamente. Aproveitar-se-á a
declaração ao máximo, preservando-se a última vontade do testador,
conforme os princípios gerais de direito. Desta forma, as invalidades que
serão aqui apresentadas devem sempre ser analisadas conforme o seu
grau de penetração no todo da declaração de vontade, para que não sejam
cometidas injustiças e nem se acabe, por desconsideração do princípio da
conservação do negócio jurídico, se desconsiderando todas as disposições
testamentárias sob a justificativa de que uma ou parte delas é cominada
de nulidade ou anulabilidade. Vige em matéria testamentária com sua
intensidade máxima, por se tratar de uma declaração de vontade não
passível de reiteração, a parêmia utile per inutile non vitiatur, o útil não
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éviciado pelo inútil.


(PENTEADO, Luciano de Camargo. Manual de direito civil: sucessões. 1. ed.
em e-book baseada na 1. ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014. Disponível em:
<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/9
7360446/v1>).
(Destacou-se).

2.3. Caso se verifique a ocorrência de prejuizo à legítima, é cabível


a redução das disposições testamentárias, a fim de preservar os quinhões
devidos aos herdeiros necessários, em conformidade com o disposto no art. 1.967
do Código Civil.

Segundo pontuam a doutrina e jurisprudência adiante transcritas, a


redução das disposições testamentárias pode ser promovida junto ao inventário,
desde que não haja controvérsia ou necessidade de dilação probatória. Havendo
questão de alta indagação, cabe ao interessado a propositura de ação de redução
de disposições testamentárias, a qual tramitará no Juízo do inventário.

Se o testador tem herdeiros necessários, só pode dispor por testamento da


metade de seus bens. A metade indisponível, assegurada aos herdeiros
necessários, é chamada legítima (art. 1.846). (…) Se o testador invade a
legítima, ela é resguardada pela redução das disposições
testamentárias disciplinada neste artigo. As disposições
testamentárias são reduzidas até que seja recomposta a metade
indisponível. (…) De acordo com o § 1º do art. 1.967, a redução é feita,
em primeiro lugar, proporcionalmente, nas quotas dos herdeiros
testamentários. Se bastar essa redução, os legados ficam intactos. Não
bastando, passa-se a reduzir os legados também, na proporção de seu
valor. (…)
(ANTONINI, Mauro. Comentário ao art. 1.967. In: PELUSO, Cezar (Coord.).
Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 5 ed. rev. e atual.
Barueri, SP: Manole, 2011. p. 2328).
(Destacou-se).

47.2 Das disposições testamentárias


O titular do patrimônio que tem herdeiros necessários não pode dispor de
todos os seus bens. Só da metade. Não pode exceder este teto nem em vida
e nem ao dispor de seus bens para depois de sua morte. Ultrapassado esse
limite, impõe a lei a redução das quotas de quem foi indevidamente
beneficiado. Os herdeiros têm direito de pleitear a eliminação do excesso. A
redução é direito dos herdeiros necessários e não dos meramente
legítimos.
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Caso as disposições testamentárias tenham ido além do permitido,


nem por isso o testamento é nulo ou anulável. Tampouco perde a
eficácia. Nem o testamento, nem a cláusula testamentária que institui
o herdeiro ou o legatário. É ineficaz somente o que exceder ao limite.
Desconstitui-se a parte inoficiosa: a diferença entre as liberalidades e as
quotas reservadas aos herdeiros. Ainda assim, o excesso se sujeita à
redução se os herdeiros se insurgirem, buscando a adequação. O silêncio
significa concordância com a vontade do testador.
A necessidade de redução pode decorrer não só do excesso de liberalidade
do testador. A supervalorização econômica de algum legado pode
superar o valor da legítima. Também a alteração da capacidade financeira
do testador ao tempo de sua morte, se ocasionar desequilíbrio, impõe a
redução, pois não pode ser ultrapassada a parte disponível.
Quando o herdeiro testamentário é contemplado com a integralidade ou
fração da parte disponível, não há falar em redução, pois recebe
percentagem da herança. Em face da natureza universal desta estipulação,
as variações econômicas do acervo sucessório em nada afetam o direito do
herdeiro instituído, cujo quinhão acompanha as oscilações, para mais ou
para menos, caso haja acréscimo ou diminuição do valor da herança. Na
hipótese de ter o testador consignado percentual maior, basta reduzi-lo ao
limite legal. Assim, se o testador deixa 60% de seus bens a um herdeiro,
caso tenha herdeiros necessários, cabe tão só a redução ao limite legal de
50%.
Para identificar se houve ou não excesso, primeiro é preciso calcular a
legítima e a parte disponível. Do valor do acervo sucessório é preciso
deduzir as dívidas e os encargos do falecido. Apurado o ativo da herança,
cabe identificar o estado civil do falecido para saber se, a depender do
regime de bens, há direito de meação do cônjuge ou do companheiro.
Afastada a meação – que não integra a herança –, o valor apurado cabe ser
dividido por dois. O resultado identifica a parte disponível. Sobre a outra
metade, cabe somar as doações feitas aos herdeiros necessários. Daí a
obrigação de serem trazidos os bens recebidos à colação: exatamente para
se chegar ao valor da legítima. Quando as disposições testamentárias a
favor de terceiros ultrapassarem a parte disponível, impõe-se a redução. Se
os favorecidos em excesso foram herdeiros necessários, concede-se aos
demais o valor da diferença. Só haverá redução se não existir
disponibilidade de bens na herança para igualar os quinhões de todos.
47.6 Aspectos processuais
Excedido o limite da legítima, quer por meio de doação, quer via
testamento, os interessados podem propor ação de redução da parte
inoficiosa, e não demanda anulatória da doação ou do testamento.
A ação de redução de doação não pode ser proposta em vida do autor da
liberalidade. Dispõe de legitimidade para a ação qualquer herdeiro
necessário. Quando o beneficiário é terceiro, o prazo prescricional é de 10
anos (CC 205).
Enquanto vivo o testador, mesmo verificado excesso das disposições
testamentárias, não há como buscar a redução das disposições
testamentárias. Ao autor falta interesse processual (CPC 485 VI). Até a
abertura da sucessão, o testamento nenhum efeito produz. Até porque a
qualquer momento pode ser revogado, o que subtrai a possibilidade de
suas cláusulas serem questionadas judicialmente.
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A redução das doações a herdeiros necessários pode ser levada a efeito no


processo de inventário, corrigindo-se as desigualdades na partilha, a não
ser que tal envolva questão de alta indagação.
Não havendo concordância dos herdeiros em reduzir o excesso nos
autos do inventário, as partes são remetidas às vias ordinárias. A ação
tramita no juízo do inventário. O inventariante, qualquer herdeiro ou
interessado pode propor a ação de redução. Também o credor do herdeiro
lesado tem legitimidade para buscar que seja assegurado o quinhão a seu
devedor, por ser ele herdeiro necessário. É o modo de garantir o
pagamento de seu crédito.
Tanto a demanda de redução da doação inoficiosa, como a de redução de
quinhão hereditário podem ser intentadas por qualquer dos legitimados,
formando-se um litisconsórcio facultativo unitário. O testamenteiro
precisa participar da ação. É litisconsorte necessário. A procedência da
ação aproveita a todos e não somente a quem propôs a ação. Os efeitos da
sentença se estendem aos demais herdeiros.
Depois da abertura do inventário, a competência para a demanda de
redução da doação depende de quem foi o beneficiado com liberalidade
excessiva. Quando o beneficiado foi herdeiro necessário, a ação se sujeita
ao juízo do inventário. Caso a doação tenha sido feita a terceiros, não
existe atração ao juízo universal.
(DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 3. ed. em e-book baseada
na 4. ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
Disponível em:
<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/7
4644676/v4>).

APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AFIRMATIVA


DE POBREZA. PRESUNÇÃO RELATIVA. NÃO PREENCHIMENTO DOS
PRESSUPOSTOS. INDEFERIMENTO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO
DE DEFESA: REJEIÇÃO. ANULAÇÃO DE TESTAMENTO. AUSÊNCIA DE
VÍCIOS DO ATO DE ÚLTIMA VONTADE DO TESTADOR. EXCESSO DE
DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA. INOBSERVÂNCIA DA LEGÍTIMA.
NULIDADE NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO.
- Nos termos do art. 98 do CPC/15 "a pessoa natural ou jurídica, brasileira
ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as
despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade
da justiça, na forma da lei".
- Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida
exclusivamente por pessoa natural, conforme § 3º do art. 99 do CPC/15.
Esta presunção, porém, não é absoluta, cabendo ao julgador a busca da
verdade real, nos termos do art. 99, § 2º, do CPC/15.
- Havendo demonstração de que a requerente não preenche os
pressupostos legais necessários para a concessão da gratuidade de justiça,
na forma da lei e da CF, deve ser indeferido o beneficio pleiteado.
- Consoante a regra do art. 434 do CPC/15, "incumbe à parte instruir a
petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar
suas alegações".
- Em matéria testamentária, a interpretação deve ter por fim o de
fazer prevalecer a vontade do testador, a qual deverá orientar,
inclusive, o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades,
que apenas não poderá ser mitigado diante da existência de fato
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concreto, passível de colocar em dúvida a própria faculdade que tem o


testador de livremente dispor de seus bens, o que não se faz presente
nos autos. (STJ - AgRg no Ag 570748 / SC - Relator Ministro CASTRO
FILHO - TERCEIRA TURMA - J. 10/04/2007 - Data da Publicação/Fonte:
DJ 04/06/2007 p. 340/ RNDJ vol. 92 p. 97) .
- O excesso de disposição testamentária não consiste em hipótese de
a nulação de testamento, mas apenas de redução, a teor do que dispõe
o art. 1.967 do CC, a ser feita através de ação ordinária no juízo das
sucessões, após a abertura do inventário.
- Os honorários devem ser fixados de modo a observar o art. 85, § 2º, do
CPC/15. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.399342-8/001, Relator(a):
Des.(a) Wander Marotta, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/05/2017,
publicação da súmula em 23/05/2017)
(Destacou-se).

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE


TESTAMENTO. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO FOI OBSERVADA A LEGÍTIMA
DO HERDEIRO NECESSÁRIO.CASO QUE NÃO SE AMOLDA A
HIPÓTESE DE NULIDADE DA DACLARAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE.
EVENTUAL VÍCIO QUE DEVE SER APURADO E SANADO NO BOJO DO
INVENTÁRIO, PROCEDENDO-SE A REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES
TESTAMENTÁRIAS (ART. 1967, CC).SENTENÇA ESCORREITA NO QUE
EXTINGUIU O FEITO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Excerto:
Agiu com acerto o magistrado singular, portanto, no que extinguiu a
demanda sem resolução de mérito, uma vez que é no Inventário (o qual
ainda não foi realizado) que se analisará as disposições testamentárias e
sua há desrespeito à legitima do Apelante.
Importante destacar o parecer do Ministério Público atuante em Primeiro
Grau sobre o tema:

"Neste aspecto, o Ministério Público entende que o avanço do testador


sobre a legítima não é motivo suficiente a implicar em nulidade do
testamento, haja vista que a lei civil apresenta soluções diversas sem
prejudicar a vontade do outorgante.
As hipóteses de nulidade do testamento são as mais diversas, estando
expressas nos dispositivos legais sobre os negócios jurídicos, bem como na
parte especial, tocante aos testamentos, não havendo, contudo, qualquer
menção à disposição sobre a legítima.
Como exemplo de causa de nulidade, podemos destacar a incapacidade
absoluta do testador, que desde logo tornaria o ato inválido, assim como a
não observância de forma prescrita em lei, nos casos dos testamentos
cerrados, particulares ou ainda especiais, ou então, em outra hipótese,
quando a manifestação do testador tiver sido produto de uma vontade
viciada.
(...) Na lide acima, discutia-se a capacidade do testador quando do ato de
disposição de última vontade, haja vista que mais tarde restou acometido
pelo Mal de Alzheimer, doença degenerativa do sistema nervoso central e
periférico.
Importante destacar que o testamento foi outorgado no ano de 1996,
quando encontrava-se vigente o Código Civil de 1916. Para este diploma,
eram casos de nulidade nos atos/ negócios jurídicos: (...) Assim sendo, não
se verifica a ocorrência de qualquer dos vícios pelo que seria a pleiteada
anulação do referido testamento. Em verdade, o mesmo ainda será objeto
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da própria ação para abertura, registro e cumprimento, por meio da qual


se aferirá se cumpre os requisitos exigidos na Lei, mas destaca-se que o
autor apenas embasa seu pedido na disposição sobre o todo do monte
mor, incluindo a legítima.
Ainda que possa parecer, testar sobre a legítima não torna o ato volitivo
nulo ou anulável, posto que apenas terá suas disposições reduzidas ao
limite legal, preservando o direito dos demais herdeiros necessários.

Neste aspecto, o Ministério Público entende que a medida correta para


assegurar o direito dos herdeiros, até então, excluídos da sucessão
testamentária, seria a redução das disposições testamentárias, na forma
que prevê o atual Código Civil, de 2002, em seus artigos 1.966 e seguintes.
(...) De tal sorte, quando do processamento do inventário, verificando-se
que o testamento excedeu o limite legal dos bens que poderia testar,
incluindo a legítima, parte indisponível, no rol de bens destinados aos
legatários, o Juízo do próprio inventário será competente para reduzir as
referidas disposições ilegais ao máximo estipulado pela lei civil.
(...) Ante o exposto, entende o Ministério Público que a presente ação é
absolutamente inócua, haja vista que dispor sobre a legítima não é causa
de nulidade, na forma da Lei Civil, sendo que os direitos sucessórios legais
serão garantidos aos herdeiros legítimos na forma da sucessão estipulada,
ao passo que as disposições testamentárias podem, e in casu, devem ser
reduzidas.
Neste sentido, sendo o autor carecedor da ação, posto que ausente o
interesse de agir, o Ministério Público pugna pelo arquivamento dos
presentes autos sem resolução do mérito, na forma disposta pelo artigo
267, inciso VI, do Código de Processo Civil."
(TJPR - 12ª C.Cível - AC - 1501526-4 - Ponta Grossa - Rel.: Ivanise Maria
Tratz Martins - Unânime - J. 05.10.2016)
(Destacou-se).

Para que seja possível concluir se houve avanço sobre a parcela de


bens reservada à legítima, é necessário proceder à avaliação dos bens.

2.4. É possível legar bem que não pertença à testadora no momento


da lavratura do testamento, desde que o bem passe a integrar seu
patrimônio na data da abertura da sucessão, conforme indica o art. 1.912 do
CC e ratifica a autora Maria Berenice Dias:

O legado não precisa ser de propriedade do testador quando da feitura do


testamento. Pode ser adquirido depois. A titularidade cabe ser verificada
na hora da abertura da sucessão, pois só a partir deste momento é que o
testamento produz efeitos.
(DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. 3. ed. em e-book baseada
na 4. ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
Disponível em:
<https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/7
4644676/v4>).
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Mas, no caso que motivou a presente consulta, é pertinente ressaltar


que a testadora detinha os bens na qualidade de meeira, e não de herdeira.
Portanto, testou com base em direito de meação que já integrava seu
patrimônio.

Assim sendo, compreende-se que os bens relativos à meação não


são alvo de partilha, propriamente dita, mas de individualização ou
especialização:

Nessa esteira, é cediço que meação, nessa esteira, é cediço que meação,
por não ser herança, não é objeto de partilha. O que se partilha em um
inventário é a parte cabente ao morto - ou seja, a herança. Contudo,
tendo em vista a indivisibilidade da herança e o estado de indivisão
ocasionado pela morte, o objeto do inventário deve ser a totalidade
dos bens, que por óbvio, inclui a meação. Porém, esta não é partilhada
- é apenas individualizada. Dessa forma, qualquer disposição sobre a
meação pelo cônjuge sobrevivente, em um inventário, deve ser considerado
um negócio jurídico autônomo, passível de tributação e registro distinto da
partilha, ensejando, inclusive, cobrança de emolumentos diferentes da
partilha.
(SOUZA, Abrahão Jesus de. Meação e Herança – institutos diferentes, que
ensejam regramentos diferentes. Disponível em:
<http://ajsregistral.blogspot.com.br/2010/07/meacao-e-
heranca-institutos-diferentes.html>).
(Destacou-se).

Vale a pena relembrar, em face da confusão sobre o tema, que há muita


diferença entre condomínio civil e propriedade conjunta e que a meeira,
embora titular da propriedade em conjunto, já era proprietária do bem,
nada recebendo pela morte do companheiro.
O que se dará é a simples especialização de sua parte nos bens, o que
pode ocorrer de forma livre, em parte dos bens, em um só, móvel ou imóvel
ou até no usufruto dos bens.
(Trecho de voto. TJ-SP, AI nº 2231994-72.2016.8.26.0000, Rel. Des. Luiz
Antonio Costa, Voto do Des. Luís Mário Galbetti, Disponível em:
<https://www.26notas.com.br/blog/?p=13228>).
(Destacou-se).
CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA
CÍVEIS, FALIMENTARES, DE LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS,
DAS FUNDAÇÕES E DO TERCEIRO SETOR

E, ainda que se reconheça a existência de controvérsia acerca dos


limites de disposição dos bens integrantes da meação antes da conclusão do
inventário – tendo em vista o estado de indivisibilidade do espólio -1,
verifica-se que, no caso em apreço, a partiha dos bens do falecido marido da
testadora já foi concluída.

1 Confiram-se trechos de detalhado artigo de autoria de Júlio César Meira Medina, o qual se
remete também anexo à presente consulta:

4. Cessão da meação.
A pergunta feita no início, urge seja respondida. A grande maioria dos autores consultados não
têm enfrentado o tema, de forma específica. Encontrei uma forte opinião no sentido de uma
resposta positiva. Embora sem expor os fundamentos, ORLANDO DE SOUZA nos ensina que 'o
próprio cônjuge meeiro pode ceder e transferir os bens que constituem sua meação aos herdeiros
no inventário ou mesmo a estranhos'. Limita-se o professor de Minas Gerais a referir que um
paracer do conhecido jurista Prof. FRANCISCO CAMPOS afirma ser 'válida a cessão da meação da
viúva, com individuação dos bens, feita anteriormente à partilha'. Nada mais acrescenta.
Outros autores não abordam especificamente o assunto em foco. Os mestres WASHINGTON e
CAIO MÁRIO, já referidos, ao sustentarem a distinção dos bens em corpóreos e incorpóreos e,
principalmente, a forma de alienação dos mesmos, fazem com que seus leitores concluam, por
óbvio, que o direito à sucessão aberta (bem incorpóreo) se transmite pela cessão, enquanto a
meação do cônjuge supérstite, que não é direito hereditário e sim domínio sobre metade dos bens,
preexistente à morte do de cujus (bem corpóreo), só pode ser objeto de compra e venda ou de
doação. E, sendo imóveis para os efeitos legais, tal alienação depende de escritura pública. (...)
Outro autor de nomeada, o Prof. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, só fala em cessão da herança,
não fazendo qualquer alusão à meação 20, além de dizer que: 'Em regime da comunhão universal
reconhece-se aos cônjuges a propriedade e a posse de todas as coisas móveis e imóveis, atribuídas
a um e a outro por metade como quota ideal'. E acrescenta o autor: 'Somente com a cessação da
sociedade conjugal, e liquidação da comunhão, é que vêm a caber a cada um dos consortes (ou
respectivos herdeiros) os bens que se comportam na sua meação' 21. Mas, adiante, afirma que
cessando o estado de indivisão, se presume ter sido o cônjuge sempre titular de direitos sobre a
sua meação. Alude que a presunção é juris et de jure'. (...)
CARVALHO SANTOS posiciona-se não admitindo a cessão para os direitos reais. Segundo o
renomado civilista 'há quem sustente que a cessão estende-se a todo o campo dos direitos
patrimoniais (cf. DERNBURG, ob. cit., § 50). Mas, evidentemente, há nessa afirmativa um
evidente exagero. A verdade é outra: a cessão não pode ter por objeto direitos imobiliários ou
direitos reais, por isso que a transmissão dos direitos reais, sendo por título oneroso, constituirá
sempre uma compra e venda'. Mais adiante, transcreve a lição de CUNHA GONÇALVES, a saber:
'a) na cessão figuram, sempre, três pessoas, enquanto que na alienação de direitos reais só podem
intervir o alienante e o adquirente; b) a alienação dos direitos reais realize-se erga omnes, quando
muito, terá de ser registrada'. (...)
5. Conclusão.
Com a devida vênia da respeitável posição assumida pelo renomado ORLANDO DE SOUZA,
fulcrado no parecer do jurista Prof. FRANCISCO CAMPOS, concluo, pelos ensinamentos dos
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CÍVEIS, FALIMENTARES, DE LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS,
DAS FUNDAÇÕES E DO TERCEIRO SETOR

Diante disso, acredita-se ser viável a convalidação de eventual


irregularidade no que diz respeito à disposição de bens que ainda não eram
de propriedade individualizada da testadora.

3. Espera-se que o material auxilie o deslinde do caso concreto sob a


atenção da consulente.

Persistindo dúvidas ou havendo novos questionamentos, este Centro


de Apoio permanece à disposição.

Atenciosamente,

Maíne Laís Tokarski


Samantha K. Muniz
Assessoria Jurídica

demais autores aludidos e, principalmente, pela sábia lição que o julgado antes referido nos
apresenta, que:
'A meação do cônjuge supérstite, como não é direito hereditário (coisa incorpórea), não pode ser
objeto de cessão, já que esta, no caso, não transmite o domínio, como também não o transmitiria
a partilha, por não ser atributiva de direito'.
O que se fazer, então? Dois são os caminhos possíveis para a alienação da meação (bem
corpóreo), antes de concluída a partilha, a saber: a) a escritura pública de compra e venda; b) a
escritura pública de promessa de compra e venda irretratável e irrevogável.
Qualquer uma habilita o adquirente ou o promitente adquirente a concorrer ao inventário e
receber a meação, na condição de sucessor do meeiro. Aliás, é sabido que a promessa de compra e
venda irrevogável e irretratável é título de jus in re, oponível erga omnes, isso sem falar na
prerrogativa da adjudicação compulsória.
(MEDINA, Júlio César Meira. A incessibilidade da meação do cônjuge supérstite. Revista da
AJURIS, v. 39, n. 35, nov/1985. Disponível em:
<http://livepublish.iob.com.br/ntzajuris/lpext.dll/Infobase/633e4/63423/6356f?
f=templates&fn=document-frame.htm&2.0>).
(Destacou-se).

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