Fonte: SACRAMENTO, Luís Filipe; DO AMARAL, Aires José Mota. Direito das Sucessões. 2ª ed. revist. e actual. Maputo: Livraria Universitária – UEM, 1997.
IV. A Vocação Sucessória:
A definição deste fenómeno sucessório acarreta muita imprecisão de
terminologia, sendo por isso necessário perceber antes a conceitualização de designação sucessória e de devolução sucessória. A doutrina dominante entende por designação sucessória a indicação de um sucessível, feita antes da morte do autor da sucessão, pela própria lei (art.º 137 da Lei das Sucessões – adiante LS) ou por acto de vontade exercido em conformidade com ela (art.º 118 da mesma lei). Significando isso que a designação é anterior à abertura da sucessão, posto que esta apenas se verifica com o momento da morte da autor da herança. Por sua vez, vocação sucessória é o chamamento à sucessão, seja por via da própria lei, como por acto jurídico expresso do autor da sucessão. Parece ser esta noção legal adoptada pelo legislador nos termos do preceito do art.º 8/1 da citada lei. Ora, poder-se-á concluir que a abertura da sucessão e vocação sucessória são fenómenos simultâneos, uma vez ambos acontecerem no momento da morte do de cujus. No entanto, a referida dedução não é correcta. Já que, no desenvolvimento do evento sucessório, a abertura da sucessão manifesta-se como anterior à vocação. É, aliás, o que se extrai de forma expressa do n.º 1 do art.º 8 que: “ (…) Aberta a sucessão, serão chamados (…) ”. Como se percebe, a distinção entre vocação e designação sucessória é simples. O mesmo não se poderá dizer entre vocação e devolução sucessórias. Para o efeito, basta considerar as normas dos arts. 1 e 8/2, na parte final, da Lei das Sucessões. Ou seja, para o art.º 1, o vocábulo “devolução” deve ser captado como atribuição ou transmissão dos bens do falecido aos seus herdeiros. Ao passo que, para a parte final do n.º 2 do art.º 8, o termo “devolução” terá de ser interpretado na perspectiva de transmissão da vocação sucessória. Por conseguinte, a palavra utilizada no art.º 1 está conexionada à etapa final do evento sucessório, contrariamente a usada no art.º 8/2 em que a “devolução” corresponde à vocação sucessória.
§ Hierarquia das designações:
Como se referiu, a designação sucessória pode ocorrer através da lei (sucessão
legitimária), como por vontade do autor da sucessão – pela via do testamento (sucessão testamentária) ou pela via contratual (sucessão contratual). Ora, a questão que suscita problema é a de saber como combinar ou conjugar entre si, quando estamos diante de designações de sucessíveis (abstractamente) feitas pelas três vias indicadas. Será que os sucessíveis, chamados à sucessão por títulos distintos, concorrem em pé de igualdade e concomitantemente à titularidade das mesmas relações jurídicas? Ou por outra, existe uma graduação de prioridades? A Lei das Sucessões determina no n.º 1 do art.º 8 que com abertura da sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do autor da herança aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis.” Pese embora a lei fixar prioridades na sucessão, indica também para a necessidade de se averiguar em que consiste tal prioridade. Isto é, saber a escala hierárquica de prioridades. O certo é que, existindo herdeiros legitimários (art.º 137), a vontade do autor da herança está limitada relativamente à porção de bens (legítima como a lei designa – art.º 136) que, por força desta norma, se acha destinada àqueles seus sucessíveis. O que significa que, em relação ao demais património, o falecido possui o mais amplo poder de disposição, mesmo com omissão dos seus herdeiros legítimos. Considere que o autor da herança tenha manifestado vontade simultânea, seja pela via contratual, seja pela via testamentária. Qual das manifestações de vontade sobressai à outra? Para melhor solucionar a questão, necessário se mostra recuperar os conceitos difundidos, quando se abordou acerca das espécies de sucessão por morte. Sendo que, em sede desse estudo, referiu-se que a sucessão voluntária é baseada no negócio jurídico. E, conforme o negócio jurídico é unilateral ou bilateral, estamos face à sucessão testamentária ou de sucessão contratual, respectivamente. Quando a sucessão é feita por testamento, o seu autor pode a todo o momento modificá-la, alterá-la ou revogá-la. Contrariamente à sucessão contratual, porquanto a vontade do seu autor não é suficiente para obter e provocar alteração ou revogação do negócio jurídico. Diante do exposto, fácil se pode concluir que a sucessão contratual destaca-se relativamente à sucessão testamentária. Para melhor percepção desta lógica, confira os arts 125/1, 129/3 e 167 da Lei da Família (Lei n.º 22/2019, de 11 de Dezembro), articulados com os arts. 287 e 289 da Lei das Sucessões. Assim sendo, estamos em condições de sustentar que o primeiro lugar da hierarquia das designações é preenchido pelos herdeiros legitimários (arts 136 e ss). A segunda posição tomada pela sucessão contratual (arts 158 e ss). O terceiro lugar pelo testamento (160 e ss) e, finalmente, o quarto e último posto pelos sucessores legítimos (116 e ss).
§ Pressupostos da vocação:
Aberta a sucessão, são chamados certos sucessíveis que deverão satisfazer
determinados requisitos legais. Quais são então os pressupostos que devem estar preenchidos? A resposta a esta questão está fixada no art.º 8 da LS. Donde se pode deduzir três requisitos a saber:
i. Prevalência da designação sucessória ou a titularidade pelo sucessível de
designação sucessória prevalecente, à data da abertura da sucessão:
Este assunto foi abordado acima quando se estabeleceu as designações
sucessórias no momento da morte do falecido, uma vez elas encontrarem-se hierarquizadas, determina-se a prevalência de uma em relação às outras. Por esse motivo ser compreensível que a prevalência da designação constitua um dos três pressupostos da vocação.
ii. A existência do chamado:
Este requisito pode ser sintetizado da seguinte maneira: “o chamado há-de existir, isto é, há-de existir como pessoa jurídica, no momento da abertura da sucessão”. A existência do chamado pode ser concebido sobre dois prismas diferentes: primeiro, o chamado ainda há-de existir no momento da morte do falecido. Segundo, o chamado já há-de existir no momento da morte do falecido. Assim, há que fazer uma análise separada destes dois pontos de vista. O chamado ainda há-de existir no momento da morte do falecido: o sucessível ainda há-de existir juridicamente. Quer dizer, terá de dispor ainda de personalidade jurídica no momento em que se abrir a sucessão. Trata- se de dúvida que se evidencia por força do conceito de personalidade jurídica de uma pessoa singular, cuja extinção ocorre com a sua morte – art.º 68.º/1 do Código Civil (CC). Significando isso que o sucessível deverá ter sobrevivido ao falecido, “ainda que seja por diminuta fracção de tempo”. Os peritos em Direito das Sucessões entendem que este princípio não se encontra expresso no Código Civil, porém pode ser subsumido com segurança da lei. Sobretudo no que concerne às normas que regulam a capacidade sucessória. Por ex.: na sucessão testamentária, o requisito de que o chamado há-de existir deduz-se do preceito geral do art.º 9 da LS e da disposição da alínea a) do n.º 1 do art.º 293 da LS. Pois, ao estabelecer que caducam as disposições testamentárias, se o instituído ou nomeado tiver falecido antes do testador, está a determinar a regra de que aqueles terão de sobreviver ao testador. Isto é, hão-de existir no momento da abertura da sucessão. No concernente à sucessão legítima, prevalece o entendimento segundo o qual se aplica o preceito geral do art.º 9 conjugado com a norma do art.º 15 e ss da LS. Na medida em que o direito de representação ocorre quando o herdeiro não tiver podido aceitar a herança. Situação que se verifica quando ele já tiver morrido. Posto é pressuposto do chamamento à sucessão a sua existência no momento em que se abre a sucessão. Já quando o chamado se encontra ausente, regula o instituto da ausência e onde encontramos as figuras da curadoria provisória e da curadoria definitiva – arts 89.º a 121.º do CC – matéria de Teoria Geral do Direito Civil I. Note Bem: esta temática continua na próxima semana.