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DIREITO DAS SUCESSÕES

Aulas da Quarta Semana do Mês de Abril de 2020

Fonte: SACRAMENTO, Luís Filipe; DO AMARAL, Aires José Mota. Direito das
Sucessões. 2ª ed. revist. e actual. Maputo: Livraria Universitária – UEM, 1997.

IV. A Vocação Sucessória:

A definição deste fenómeno sucessório acarreta muita imprecisão de


terminologia, sendo por isso necessário perceber antes a conceitualização de designação
sucessória e de devolução sucessória.
A doutrina dominante entende por designação sucessória a indicação de um
sucessível, feita antes da morte do autor da sucessão, pela própria lei (art.º 137 da Lei das
Sucessões – adiante LS) ou por acto de vontade exercido em conformidade com ela (art.º
118 da mesma lei). Significando isso que a designação é anterior à abertura da sucessão,
posto que esta apenas se verifica com o momento da morte da autor da herança.
Por sua vez, vocação sucessória é o chamamento à sucessão, seja por via da
própria lei, como por acto jurídico expresso do autor da sucessão. Parece ser esta noção
legal adoptada pelo legislador nos termos do preceito do art.º 8/1 da citada lei.
Ora, poder-se-á concluir que a abertura da sucessão e vocação sucessória são
fenómenos simultâneos, uma vez ambos acontecerem no momento da morte do de cujus.
No entanto, a referida dedução não é correcta. Já que, no desenvolvimento do
evento sucessório, a abertura da sucessão manifesta-se como anterior à vocação. É, aliás,
o que se extrai de forma expressa do n.º 1 do art.º 8 que: “ (…) Aberta a sucessão, serão
chamados (…) ”.
Como se percebe, a distinção entre vocação e designação sucessória é simples. O
mesmo não se poderá dizer entre vocação e devolução sucessórias. Para o efeito, basta
considerar as normas dos arts. 1 e 8/2, na parte final, da Lei das Sucessões.
Ou seja, para o art.º 1, o vocábulo “devolução” deve ser captado como atribuição
ou transmissão dos bens do falecido aos seus herdeiros. Ao passo que, para a parte final
do n.º 2 do art.º 8, o termo “devolução” terá de ser interpretado na perspectiva de
transmissão da vocação sucessória.
Por conseguinte, a palavra utilizada no art.º 1 está conexionada à etapa final do
evento sucessório, contrariamente a usada no art.º 8/2 em que a “devolução” corresponde
à vocação sucessória.

§ Hierarquia das designações:

Como se referiu, a designação sucessória pode ocorrer através da lei (sucessão


legitimária), como por vontade do autor da sucessão – pela via do testamento (sucessão
testamentária) ou pela via contratual (sucessão contratual).
Ora, a questão que suscita problema é a de saber como combinar ou conjugar entre
si, quando estamos diante de designações de sucessíveis (abstractamente) feitas pelas três
vias indicadas. Será que os sucessíveis, chamados à sucessão por títulos distintos,
concorrem em pé de igualdade e concomitantemente à titularidade das mesmas relações
jurídicas? Ou por outra, existe uma graduação de prioridades?
A Lei das Sucessões determina no n.º 1 do art.º 8 que com abertura da sucessão,
serão chamados à titularidade das relações jurídicas do autor da herança aqueles que
gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis.”
Pese embora a lei fixar prioridades na sucessão, indica também para a necessidade
de se averiguar em que consiste tal prioridade. Isto é, saber a escala hierárquica de
prioridades.
O certo é que, existindo herdeiros legitimários (art.º 137), a vontade do autor da
herança está limitada relativamente à porção de bens (legítima como a lei designa – art.º
136) que, por força desta norma, se acha destinada àqueles seus sucessíveis. O que
significa que, em relação ao demais património, o falecido possui o mais amplo poder de
disposição, mesmo com omissão dos seus herdeiros legítimos.
Considere que o autor da herança tenha manifestado vontade simultânea, seja pela
via contratual, seja pela via testamentária. Qual das manifestações de vontade sobressai à
outra?
Para melhor solucionar a questão, necessário se mostra recuperar os conceitos
difundidos, quando se abordou acerca das espécies de sucessão por morte. Sendo que, em
sede desse estudo, referiu-se que a sucessão voluntária é baseada no negócio jurídico. E,
conforme o negócio jurídico é unilateral ou bilateral, estamos face à sucessão
testamentária ou de sucessão contratual, respectivamente.
Quando a sucessão é feita por testamento, o seu autor pode a todo o momento
modificá-la, alterá-la ou revogá-la. Contrariamente à sucessão contratual, porquanto a
vontade do seu autor não é suficiente para obter e provocar alteração ou revogação do
negócio jurídico.
Diante do exposto, fácil se pode concluir que a sucessão contratual destaca-se
relativamente à sucessão testamentária. Para melhor percepção desta lógica, confira os
arts 125/1, 129/3 e 167 da Lei da Família (Lei n.º 22/2019, de 11 de Dezembro),
articulados com os arts. 287 e 289 da Lei das Sucessões.
Assim sendo, estamos em condições de sustentar que o primeiro lugar da
hierarquia das designações é preenchido pelos herdeiros legitimários (arts 136 e ss). A
segunda posição tomada pela sucessão contratual (arts 158 e ss). O terceiro lugar pelo
testamento (160 e ss) e, finalmente, o quarto e último posto pelos sucessores legítimos
(116 e ss).

§ Pressupostos da vocação:

Aberta a sucessão, são chamados certos sucessíveis que deverão satisfazer


determinados requisitos legais. Quais são então os pressupostos que devem estar
preenchidos? A resposta a esta questão está fixada no art.º 8 da LS. Donde se pode deduzir
três requisitos a saber:

i. Prevalência da designação sucessória ou a titularidade pelo sucessível de


designação sucessória prevalecente, à data da abertura da sucessão:

Este assunto foi abordado acima quando se estabeleceu as designações


sucessórias no momento da morte do falecido, uma vez elas encontrarem-se
hierarquizadas, determina-se a prevalência de uma em relação às outras. Por
esse motivo ser compreensível que a prevalência da designação constitua
um dos três pressupostos da vocação.

ii. A existência do chamado:


Este requisito pode ser sintetizado da seguinte maneira: “o chamado há-de
existir, isto é, há-de existir como pessoa jurídica, no momento da abertura
da sucessão”.
A existência do chamado pode ser concebido sobre dois prismas diferentes:
primeiro, o chamado ainda há-de existir no momento da morte do falecido.
Segundo, o chamado já há-de existir no momento da morte do falecido.
Assim, há que fazer uma análise separada destes dois pontos de vista. O
chamado ainda há-de existir no momento da morte do falecido: o sucessível
ainda há-de existir juridicamente. Quer dizer, terá de dispor ainda de
personalidade jurídica no momento em que se abrir a sucessão. Trata-
se de dúvida que se evidencia por força do conceito de personalidade
jurídica de uma pessoa singular, cuja extinção ocorre com a sua morte – art.º
68.º/1 do Código Civil (CC). Significando isso que o sucessível deverá ter
sobrevivido ao falecido, “ainda que seja por diminuta fracção de tempo”.
Os peritos em Direito das Sucessões entendem que este princípio não se
encontra expresso no Código Civil, porém pode ser subsumido com
segurança da lei. Sobretudo no que concerne às normas que regulam a
capacidade sucessória. Por ex.: na sucessão testamentária, o requisito de que
o chamado há-de existir deduz-se do preceito geral do art.º 9 da LS e da
disposição da alínea a) do n.º 1 do art.º 293 da LS. Pois, ao estabelecer que
caducam as disposições testamentárias, se o instituído ou nomeado tiver
falecido antes do testador, está a determinar a regra de que aqueles terão de
sobreviver ao testador. Isto é, hão-de existir no momento da abertura da
sucessão.
No concernente à sucessão legítima, prevalece o entendimento segundo o
qual se aplica o preceito geral do art.º 9 conjugado com a norma do art.º 15
e ss da LS. Na medida em que o direito de representação ocorre quando o
herdeiro não tiver podido aceitar a herança. Situação que se verifica quando
ele já tiver morrido. Posto é pressuposto do chamamento à sucessão a sua
existência no momento em que se abre a sucessão. Já quando o chamado se
encontra ausente, regula o instituto da ausência e onde encontramos as
figuras da curadoria provisória e da curadoria definitiva – arts 89.º a 121.º
do CC – matéria de Teoria Geral do Direito Civil I.
Note Bem: esta temática continua na próxima semana.

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