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3- Vocação do fideicomissário
A substituição fideicomissária é uma figura prevista na lei em que o autor da sucessão pode
deixar os bens a um herdeiro ou legatário - que se chama fiduciário - para que por morte
deste os seus bens revertam para outra pessoa que se chama fideicomissário.
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Será o caso da situação do fidecomissário porque a posição deste não é igual à do
fiduciário: enquanto o fiduciário é um proprietário temporário e com poderes de disposição
muito limitados, o fideicomissário tem uma propriedade sem quaisquer limitações. Acresce
que o fiduciário sucede efetivamente ao de cujus, sendo a vocação do fideicomissário
sucessiva.
No caso do fideicomissário há assim uma vocação subsequente mas não há retroação
ao momento da abertura da sucessão ao vez que o direito do fideicomissário apenas existe
após a morte do fiduciário.
Também no caso dos nascituros não haverá este mecanismo de retroação porque se
a lei nos diz que os direitos atribuídos a nascituros estão dependentes do seu nascimento e se
só na altura do nascimento se adquire a personalidade jurídica, não podemos dizer que eles
afinal já são herdeiros ou legatários desde o momento da abertura da sucessão, porque nessa
altura ainda não existiam (podem ter nascido 20 ou 30 anos após da abertura da sucessão.
Portanto, não faz sentido dizer que a vocação deles também retroage ao tempo da abertura
da sucessão.
Há, de facto, um espaço de tempo em que aqueles bens não tiveram titular.
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B- Vocação una e vocação múltipla
Vocação una:
A vocação será una quando o sucessível é chamado a suceder com base num único
título de vocação sucessória ou com base numa única qualidade sucessória, ou seja, só como
herdeiro ou só como legatário.
Vocação múltipla:
A vocação será múltipla quando o sucessível é chamado simultaneamente por vários
títulos de vocação sucessória. Ele é chamado por hipótese como sucessível legal mas também
como sucessível testamentário. Ou quando cumula a posição de herdeiro com posição do
legatário.
A propósito da vocação múltipla, quando alguém cumule a finalidade do herdeiro
com a do legatário ou quando alguém é chamado por vários títulos de vocação sucessória, há
que ter em conta uma regra importante que é regra da indivisibilidade da vocação.
De acordo com esta regra, expressa nos artigos 2054º/2 e 2064.º, 2, quando alguém é
chamado por vários títulos não pode, em princípio, aceitar a sucessão legal e repudiar a
sucessão testamentária, ou aceitar a sucessão legitimária e repudiar a sucessão legítima.
Como regra não se pode aceitar ou repudiar em parte.
Mas há exceções previstas no artigo 2055º e no artigo 2250º.
Do artigo 2055º/1 resulta que se alguém é chamado simultaneamente por lei e por
testamento, pode repudiar ou aceitar o título de sucessão legal, e repudiar ou aceitar o
testamento se só mais tarde veio a ter conhecimento da sua existência. Ou seja, o sucessível
pode vir mais tarde repudiar o testamento apesar de já ter aceite a sucessão legal e vice-versa,
se no momento em que toma a 1ª opção desconhecesse a existência do testamento.
O nº 2 do artigo 2055.º refere-se à situação em que o sucessível legitimário é também
chamado por testamento à quota disponível.
É preciso que seja chamado por testamento. Se ele for chamado por testamento pode
aceitar a legítima e repudiar a parte a que é chamado por testamento na quota disponível. Não
pode é aceitar a quota disponível e repudiar a legitima, e também não pode repudiar a parte
que lhe caberia como sucessível legítimo e aceitar a parte que lhe cabe como sucessível
legitimário.
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Só é possível a divisibilidade da vocação quando um sucessível legitimário chamado
por testamento quiser repudiar a parte que lhe cabe em testamento.
No artigo 2250º prevê-se a situação em que alguém é simultaneamente herdeiro e
legatário, ou seja, cumula a qualidade de herdeiro com a qualidade de legatário. Neste caso
pode repudiar o legado e aceitar a herança desde que o legado não estivesse onerado com
encargos. Este artigo prevê também situações em que alguém é chamado a vários legados e
aí também se admite que se repudie um e se aceite o outro, contando que aquele que se
repudia não esteja onerado com encargos.
Finalmente, fala-se também em vocação múltipla para referir casos em que através
do mesmo título de vocação são chamados vários sucessíveis.
Vamos supor que quando A morre tem três filhos: B, C e D. Portanto, quer dizer que
no título de sucessão legitimária vão ser chamados vários sucessíveis. É evidente que se não
houver testamento eles vão cumular com a posição de sucessíveis legitimários, a posição de
sucessíveis legítimos.
Neste caso, o problema que se poderá levantar é saber o destino a dar à parte daquele
que, porventura, não queira aceitar: se um dos filhos repudia o que é que acontecerá? Ai vai
entrar em jogo um instituto que é o instituto do direito de acrescer (vide infra as vocações
indiretas).
Portanto, para que funcione o direito de acrescer é necessário que se verifique sempre
uma vocação múltipla neste sentido, ou seja, que pelo mesmo título de vocação tenham sido
chamados 2 ou mais sucessíveis.
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sucessível ocupar a posição deixada vaga por aquele que não pode ou não quis aceitar o que
se passaria seria pura e simplesmente o chamamento do sucessível subsequente.
Vamos supor que A tem como sucessíveis um filho B e um irmão C. Quando o B
repudia, vamos chamar o irmão C. Aqui não há vocação indireta, mas apenas o chamamento
do sucessível subsequente.
Na vocação indireta nós vamos chamar um sucessível que tem uma especial ligação
com aquele que não pôde ou não quis aceitar.
Ø Ex.: Vamos supor que A fez um testamento contemplando o
seu amigo B. B tem um filho C. Se B repudia a deixa que A lhe fez, C vai ser
chamado à sucessão de A através de um vocação indireta, que é o direito de
representação. Como vemos, não há relação entre A e C, e este só é chamado
porque B não pôde ou não quis aceitar. Por que se B tivesse querido aceitar,
nunca C seria chamado.
Portanto, o que caracteriza a vocação indireta é haver o chamamento de um sucessível
que não tem necessariamente especial ligação com o autor da sucessão, mas que o tem com
uma pessoa que não pode ou não quis aceitar, indo ocupar o lugar dessa. A especial ligação
por vezes pode ser apenas essa: o de ocupar a posição deixada livre por aquela pessoa.
Vamos então ver o que significa dizer que o sucessível não pode ou não quer
aceitar. A noção de não poder aceitar é de caráter jurídico. Não poder aceitar não significa
que não possa fisicamente aceitar. Assim, pode acontecer que, quando A morre, o seu filho
esteja em coma no hospital, ou seja, não está em condições físicas de declarar que aceita. Há
um não poder aceitar, mas não é um não poder jurídico pelo que não é relevante para efeitos
de fazer funcionar uma vocação indireta.
Quais são os casos de não poder aceitar?
a) Não sobrevivência ao autor da sucessão:
A não sobrevivência que abrange a pré-morte, a comoriência e a ausência.
Em todos estes casos não se consegue provar que se tenha sobrevivido ao
autor da sucessão.
b) Incapacidade sucessória: indignidade e deserdação
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São casos em que não se permite que o sucessível suceda. São casos em que o
sucessível, mesmo que queira, não pode aceitar.
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O que daqui pode decorrer é que haja um lapso de tempo em que o direito de suceder
não seja exercido e em que o próprio sucessível venha a morrer. São 10 anos de acordo com
o artigo 2059º.
Para evitar que os demais herdeiros e outros interessados, v.g. credores, tenham de
ficar à espera 10 anos, há um mecanismo previsto no artigo 2049º que é a chamada
notificação dos herdeiros, que em rigor ainda não são herdeiros mas sim sucessíveis. Prevê
este artigo que os outros interessados na definição da situação possam requerer ao Tribunal
que este fixe um prazo para que o sucessível se pronuncie. Se o sucessível nada disser,
presume-se que aceitou. Portanto, resolve-se a questão da indefinição de quem são os titulares
da herança.
Pode, porém, acontecer que não se tenha lançado mão deste instituto ou que haja uma
situação em que ocorra a morte do sucessível logo a seguir à do autor da sucessão. Isto
acontece muito em acidentes de viação.
Vamos então supor que A tem um filho B que é casado com C, tendo ambos um filho
D. Acontece que A e B têm um acidente de aviação em que morrem ambos e em que se prova
que B sobreviveu a A por 5 minutos. É muito importante saber se o sucessível sobrevive ou
não porque, se não se puder determinar se houve ou não sobrevivência, presume-se a
comoriência (artigo 68.º, n.º 2), e o sucessível não é chamado a suceder porque já não tem a
necessária personalidade jurídica para isso. Portanto, para poder funcionar o mecanismo
da transmissão do direito de suceder é necessário que o sucessível sobreviva ao de cujus
e que morra sem ter aceitado nem repudiado.
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tornam herdeiros e não beneficiam do direito de suceder que está na esfera jurídica de B.
Mas, depois de aceitarem a herança de B, encontram também o direito de aceitar ou repudiar
a herança de A que podem exercer, aceitando ou repudiando.
Esquematicamente:
A morre e B morre 5 minutos após a A
B sobreviveu a A, foi chamado à sucessão de A mas morreu a seguir sem ter chegado
a manifestar a sua vontade. Portanto, tinha na sua esfera jurídica o jus delationis (direito de
suceder) e não o exerceu.
Quando o B, por sua vez, morre, transmite aos seus herdeiros todos os seus direitos,
incluindo o direito de suceder a A. Mas para que haja a transmissão aos herdeiros é preciso
que haja aceitação, C e D podem ou não aceitar a herança de B. Se aceitarem, não ficam
automaticamente herdeiros de A; têm, para tal, de aceitar a herança deste. Se repudiarem a
herança de B, não se tornando herdeiros de B, não podem nunca beneficiar do direito de
suceder a A, porque esse este incluído na herança de B.
É isso que significa o n.º 2 do artigo 2058º: a transmissão só se verifica se os herdeiros
aceitarem a herança do falecido (B), o que não impede de repudiar, querendo a herança a que
este fora chamado (herança de A). Aplica-se aqui a regra geral de que, para haver aquisição
sucessória tem de haver aceitação.
Este mecanismo da Transmissão do Direito de Suceder beneficia os herdeiros do
falecido, sejam eles quem forem.
Se neste caso B não fosse casado e não tivesse filhos, nem tivesse outros parentes
sucessíveis, o seu sucessível seria o Estado. Seria chamado o Estado para suceder a sucessão
de B e aí estaria incluído o direito de suceder a A.
Assim, a transmissão do direito de suceder verifica-se sempre porque se verifica a
favor dos herdeiros, e as pessoas tem sempre herdeiros. Ao contrário, o direito de
representação apenas se verifica a favor de descendentes e as pessoas nem sempre tem
descendentes.
Depois de sabermos como opera o mecanismo da TDS, vejamos a tese do Prof. P.
Corte Real para quem neste caso haverá também uma vocação indireta. Para o Prof. Corte
Real a vocação de C e D (transmissários) em relação a A é uma vocação indireta, porque C
e D apenas sucedem através de B (transmitente). A vocação de B em relação a A é direta ,
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assim como a vocação de C e D em relação a B, mas a vocação de C e D em relação a A já
seria indireta.
O quer dizer sobre esta tese?
Em nossa opinião, na TDS não se verifica um fenómeno de vocação indireta já que,
para tal, é preciso logo à partida que haja um sucessível que não possa ou não queira aceitar.
Esse é o primeiro pressuposto da vocação indirecta, como vimos.
Ora, na TDS não se verifica este pressuposto porque, se se verificasse, o sucessível
não tinha na sua esfera jurídica o direito de suceder. Como ele já tem em sua posse o direito
de suceder, isso significa que ele pode aceitar. O que aconteceu é que não aceitou mas,
juridicamente, se quisesse, podia ter aceitado. Falta assim o 1º pressuposto da vocação
indirecta que é o não querer ou não poder aceitar.
Por outro lado, na vocação indireta, o sucessível que é chamado indiretamente, tem
uma vocação que lhe é atribuída a ele especificamente porque houve uma outra que foi
destruída, quer pelo repúdio, quer por não se chegar sequer a concretizar. Neste caso, C e D
não têm nenhuma vocação autónoma em relação a A. Eles não são chamados em virtude de
serem sucessíveis de A. O que vai acontecer neste caso é que eles exercem uma vocação
alheia. Não há uma nova vocação que lhes seja atribuída indiretamente. Há uma só vocação,
que é a de B, que passa a ser exercida pelos seus herdeiros. Falta assim também o 2.º
pressuposto da vocação indirecta: não há uma nova vocação que seja moldada sobre a
primeira. O sucessível a quem é transmitido o direito de suceder – o transmissário – não
beneficia da atribuição autónoma de uma vocação. O que ele se limita a fazer é exercer uma
vocação que era de B (transmitente) e que por morte deste lhe foi transmitida.
Mas a tese do Prof. Corte Real tem um grande mérito que é o de chamar a atenção
para o problema de saber se C e D devem ter capacidade sucessória em relação a A ou se lhes
basta ter capacidade sucessória em relação a B.
O que a generalidade da doutrina portuguesa tem defendido até hoje é que C e D só
teriam de ser capazes em relação a B. A partir do momento em que sejam capazes em relação
a B, é indiferente que tenham ou não capacidade em relação a A pois era um direito de
suceder alheio que estavam a exercer.
Em nossa opinião e tal como sustentado pelo Prof. Pamplona Corte-Real, C e D
também devem ter capacidade sucessória em relação a A. Não faz sentido algum que em
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virtude de estarem a exercer um direito que foi inicialmente atribuído a B se dispense a
capacidade sucessória em relação a A. Logo, se A porventura tivesse deserdado D ou se C
tivesse sido declarado indigno em relação à sucessão de A, nunca se deveria permitir que
através do mecanismo da TDS tivessem a possibilidade de suceder a A.
Para suceder é preciso ter capacidade sucessória independentemente de se suceder
através duma vocação direta, através de uma vocação indirecta ou através do mecanismo da
transmissão do direito de suceder. O que a lei pretende evitar é que alguém possa tornar-se
herdeiro ou legatário de alguém quando foi deserdado ou declarado indigno em relação à
sucessão dessa pessoa.
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