Você está na página 1de 5

SUBSTITUIÇÃO FIDEICOMISSÁRIA

Estamos perante uma vocação anómala mas que já não é uma vocação indireta mas antes
uma vocação sucessiva.
Encontra-se regulada nos arts. 2286º e seguintes, prevendo o art. 2286º que nesta
substituição haja um herdeiro ou um legatário com o encargo de conservar os bens até à
sua morte para que passem para outro.
Dá-se o nome de fiduciário ao herdeiro gravado com o encargo e de fideicomissário ao
beneficiário da substituição.

Natureza jurídica da substituição fideicomissária


Temos que ter presente uma coisa: o fideicomissário não sucede ao fiduciário.
Fideicomissário e fiduciário têm um autor da sucessão em comum.
O que há são vocações sucessivas, ou melhor, há uma vocação que se segue a uma outra,
há uma vocação subsequente. Há uma primeira vocação que é a do fiduciário e, por morte
deste, há a vocação do fideicomissário que também se refere ao autor da sucessão.

Apreciando agora especificamente a natureza jurídica da vocação do fiduciário


interessa referir que se trata de uma vocação a termo incerto, sendo o termo incerto a
morte do próprio fiduciário. A vocação surge quando morre o autor da sucessão e acaba
quando morre o fiduciário.

Para além disso, a vocação fiduciária também se pode caracterizar como uma vocação
onerada já que, à luz do art. 2291º, o fiduciário tem grandes restrições em matéria de
poderes de disposição. Só muito excecionalmente pode alienar ou onerar bens e apenas
mediante autorização judicial.
.
Um aspeto que importa considerar em torno da figura do fiduciário é qual a sua natureza:
se é um usufrutuário ou se é um verdadeiro proprietário embora temporário.

À partida, à luz do art. 2290º/1 verificamos que ele tem o gozo e a administração dos
bens sujeitos ao fideicomisso. Tendo em conta o caráter excecional da impossibilidade
de dispor dos bens sujeitos ao fideicomisso, quase que seríamos levados a pensar que se
estava na presença de um usufrutuário.

1
Sucede que ele é mais que um usufrutuário e mais precisamente tende a ser visto como
um proprietário temporário. Aliás, há indicações neste sentido como sejam o art. 2290º/2
que manda aplicar ao fiduciário o regime do usufruto naquilo que não seja incompatível.
Ou seja, não se aplica diretamente o regime do usufruto, pelo que o estatuto do fiduciário
não deve confundir-se com o do usufrutuário.

Por outro lado, o art. 2293º/2 diz que se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar
a herança fica sem efeito a substituição e o fiduciário adquire definitivamente os bens
objeto do fideicomisso.
Ou seja, se adquire definitivamente é porque já tinha adquirido de alguma forma à data
da morte do testador embora essa aquisição fosse precária.
Portanto já era proprietário embora fosse um proprietário limitado no tempo. Isto é: o
fiduciário é um proprietário temporário.

Quanto à natureza jurídica da vocação do fideicomissário, trata-se de uma vocação


subsequente.

Primeiro verifica-se a vocação do fiduciário; depois a vocação do fideicomissário. E é


uma vocação suspensa, mais precisamente é uma vocação condicional: depende da
verificação da morte do fiduciário e da sobrevivência do fideicomissário a este.

Reparemos que embora a vocação do fideicomissário só surja no momento da morte do


fiduciário, antes da morte do fiduciário o fideicomissário já tem uma expectativa
sucessória, uma expectativa jurídica; a partir da abertura da sucessão e entre a morte do
testador e a morte do fiduciário, o fideicomissário tem uma expectativa jurídica.

É manifestação desta expectativa jurídica as restrições introduzidas aos poderes de


disposição do fiduciário nos termos do art. 2291º. O fiduciário está muito limitado quanto
aos poderes de disposição dos bens sujeitos ao fideicomissário. Isto é um indício desta
expectativa jurídica do fideicomissário.

2
Falando de alguns outros aspetos no regime da substituição fideicomissária, temos que
ter presente que entre nós vigora a proibição da substituição fideicomissária em mais
do que um grau – art. 2288º.

Pergunta-se: então o que sucede se a substituição fideicomissária for em dois gruas


ou mais? Será que ela é totalmente nula? O art. 2289º responde negativamente: a primeira
cláusula de substituição fideicomissária não é nula, mas sim os graus subsequentes. Há
uma redução legal nos termos do art. 2289º.

Tendo em conta esta proibição da substituição fideicomissária em mais de um grau,


levanta-se a questão do sentido da cláusula “se falecer sem descendentes…” aposta ao
segundo grau. Será o caso de A fazer testamento deixando os bens a B para que, por morte
deste revertam para C mas, se este falecer sem descendentes, revertam para D.
Deve valer como uma condição resolutiva ou uma condição suspensiva?
Se valer como condição resolutiva, será eliminada retroativamente a vocação e destruído
o grau de substituição fideicomissária, ou seja, era como se não tivesse existido um grau
de substituição fideicomissária. Se se entender que é uma condição suspensiva haveria
então uma verdadeira substituição fideicomissária pelo que o 2.º grau já seria nulo.

Para o Prof. Pamplona Corte Real, embora com algumas dúvidas, este tipo de cláusulas
podem ser entendidas como condição resolutiva e portanto pode-se admitir a validade
destas situações, se houver elementos no testamento para considerar esta cláusula como
condição resolutiva. Isto é: a cláusula “se falecer sem descendentes” não pode ser vista
fora do contexto do testamento. Se houver a indicação, à luz do contexto do testamento,
que ela é condição resolutiva, então não há mais de um grau de substituição
fideicomissária.
Parece-nos de aceitar esta tese.

Neste domínio da substituição fideicomissária há um artigo que é muito esquecido que é


o art. 2295º que se refere aos fideicomissos irregulares. Também nestes casos estamos
perante verdadeiras substituições fideicomissárias.

No regime da substituição fideicomissária há duas normas particularmente importantes–


são o nº 2 e nº 3 do art. 2293º.

3
De acordo com o n.º 2, se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar a herança, é
como se o fiduciário tivesse sido designado sucessível sem quaisquer restrições.

Nos termos do nº 3 do art. 2293º, se é o fiduciário que não pode ou não quer aceitar a
herança, a substituição fideicomissária, no silêncio do testamento, converte-se em direta,
dando-se a devolução da herança a favor do fideicomissário, com efeito desta o óbito do
testador
Há uma conversão legal: de substituição fideicomissária passa a direta e o substituído
deve-se entender que é o fiduciário e o substituto o fideicomissário. Em rigor, a
substituição não será direta pois os direitos do fideicomissário não são iguais aos do
fiduciário.

Mas há situações que não estão reguladas por este art. 2293º.
Por exemplo: morre A, o autor da sucessão, e depois morrem o fiduciário e o
fideicomissário sem que se prove quem sobrevive a quem. Ambos têm descendentes.
Quem ficará com os bens de A?

Neste caso há lugar a transmissão do direito suceder em benefício dos herdeiros do


fiduciário uma vez que o fideicomissário não lhe sobrevive.

Consideremos uma outra hipótese: morre o autor da sucessão, morre o fiduciário após a
abertura da sucessão mas sem aceitar nem repudiar. Posteriormente morre o
fideicomissário. Que acontece neste caso?

Também se vai verificar um fenómeno de transmissão do direito de suceder mas esse


fenómeno apenas tem interesse para o período que vai desde a morte do testador à morte
do fiduciário.
Ou seja, os transmissários do direito de suceder apenas têm direito aos frutos dos bens
sujeitos ao fideicomisso entre a data da morte do testador e a data da morte do fiduciário.
A partir da data da morte do fiduciário, a herança devolve-se naturalmente ao
fideicomissário.

4
Numa terceira situação, o fiduciário e fideicomissário morrem antes do autor da sucessão
e deixam ambos descendentes. Neste caso, o que vai suceder?
Para o Prof Pamplona Corte-Real a substituição caduca por força do artigo 2317.º.
Em nossa opinião deverá existir direito de representação a favor dos descendentes do
fideicomissário pois o artigo 2041.º, n.º 2, b) só o afasta se se verificar a previsão do n.º
2 do artigo 2293.º, isto é, se o fiduciário sobreviver ao autor da sucessão.

Você também pode gostar