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Tubarão
2019
CAROLINE MARILÉIA TEIXEIRA
Tubarão
2019
À minha família, especialmente ao meu
pai e minha mãe, que incondicionalmente
me apoiaram, incentivaram e ajudaram a
chegar ao fim de mais uma etapa de
minha vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela minha vida; por sua presença e ajuda constante para
enfrentar todos os obstáculos que surgiram e surgirão em minha jornada.
Aos meus pais, Jaime e Mariléia, por me ensinarem o sentido de família, e
pelo apoio carinhoso e incondicional sempre presente. Os seus conselhos estarão
comigo para sempre.
Aos meus irmãos Helton e Cristine; e sobrinhos Augusto e Olívia por
fazerem com que a nossa família seja completa.
A minha Vó Zélia, por todas as vezes que preciso, ela vem me acudir -
mesmo que reclamando. Ao meu orientador Professor Mateus Medeiros Nunes, pelo
auxílio e por acreditar em meu trabalho.
A todos os professores do curso de Direito, pelos ensinamentos
passados. Aos meus amigos que me acompanharam e acreditaram no meu
sucesso.
E tantos outros.
“Não há vida sem morte, como não há
morte sem vida, mas há também uma
“morte em vida”. E a “morte em vida” é
exatamente a vida proibida de ser vida”.
Paulo Freire
RESUMO
The right to donate or to acquire property is widely known to the population and
protected by law; but the freedom to dispose of one's own body; or, failing which, as
is the case with unclaimed bodies - despite the legislation - may have characteristics
that are not yet covered by the current norms or at least not of common use. The
purpose of this monograph is to seek in Law 8.501 / 92 the possibilities of donating
bodies; their destination; the possibility of characterizing the crime of vilification; show
the practices that clash customs; and, the friction between science and religion. Thus
elucidating many of the doubts that hang over many people. The level was:
exploratory. Approach, qualitative, since the doctrines, legislation, scientific articles,
legal periodicals and specifically Law No. 8,501, of November 30, 1992, were
analyzed in an inductive and subjective way, thus bringing answers to the problem
that involves the research. Regarding the procedure, it is classified as a bibliography
once it has been analyzed, doctrines, legislations, periodicals, scientific articles, and,
documentary, since Law No. 8.501 / 92 was analyzed in a specific way.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 10
1.2 FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA .......................................................... 12
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 12
1.4 OBJETIVOS ................................................................................................................... 13
1.4.1 Geral............................................................................................................................. 13
1.4.2 Específicos................................................................................................................. 13
1.5 CARACTERIZACAO BÁSICA PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............ 14
2 GARANTIAS INDIVIDUAIS ACERCA DO USO DE CORPOS ............... 15
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............................................................................................ 15
2.2 DIREITO A VIDA E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................... 16
2.3 DIREITO DA FAMÍLIA .................................................................................................... 19
2.4 DIREITOS DE PERSONALIDADE ............................................................................... 20
2.4.1 DO ATAQUE AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE APÓS A MORTE ........ 22
2.5. DIREITOS SOCIAIS ...................................................................................................... 24
2.6 CADÁVER E RELIGIÃO ................................................................................................ 25
3 LEGISLAÇÃO SOBRE UTILIZAÇÃO DE CADÁVER NÃO
RECLAMADO E O CRIME DE VILIPÊNDIO ................................................... 30
3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO DE CADÁVER ......................................... 30
3.2 A LEI Nº 8.501/92............................................................................................................ 31
3.2.1 CONTROVÉRSIAS ..................................................................................................... 32
3.2.2 REQUISITOS PARA A DESTINAÇÃO DO CADÁVER. ...................................... 36
3.3 CRIME DE VILIPÊNDIO ................................................................................................ 38
3.3.1 OBJETO JURÍDICO ................................................................................................... 39
3.3.2 SUJEITOS DO CRIME ............................................................................................... 40
3.3.3 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ................................................................................ 41
3.3.4 MODALIDADES COMISSIVA E OMISSIVA .......................................................... 41
3.3.5 AÇÃO PENAL .............................................................................................................. 42
4 ANÁLISE DA LEI Nº 8.501/92, QUE AUTORIZA A ENTREGA DE
CORPOS NÃO RECLAMADOS PARA UNIVERSIDADES EM SANTA
CATARINA E A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE PENAL ..... 43
4.1 RESPONSABILIDADE PENAL ..................................................................................... 43
4.2 DA ENTREGA DE CORPOS AS UNIVERSIDADES E A POSSIBILIDADE DE
RESPONSABILIDADE PENAL ........................................................................................... 45
5 CONCLUSÃO ................................................................................................... 48
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 50
10
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal 1988, em seu artigo 5º, “caput”, nos traz a ideia de
inviolabilidade do ser humano:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, [...]. (BRASIL, 1988).
Mas a dúvida que paira é: depois da morte? O corpo humano tem algum
direito perante a lei? Há igualdade de tratamento dos corpos? É ético? Porque
alguns corpos são enterrados com “dignidade”, e, outros são enviados para serem
usados como ferramenta de estudo?
Para entramos na descrição da situação problema, devemos nos remeter
ao início; Antes da Lei n° 8.501, de 30 de novembro de 1992, muitos anatomistas
(cientistas de corpos), em sua sede de conhecimento obtinham cadáveres de forma
ilegal/criminosa, e os utilizavam em nome da ciência, porém, com esta prática, ficou
muito difícil dividir, aqueles que realmente queriam ajudar a população, e, aqueles
que queriam se divertir com o diferente.
O Brasil, ainda é um país que vê o corpo humano como algo inviolável,
tanto pela questão religiosa, quanto por trazer daqueles que não fazem mais parte
do mundo dos vivos, lembranças devem ser respeitadas, cuidados que devem ser
mantidos, mesmo que as pessoas antes vivas e presentes estejam mortos. Este,
principal motivo do choque e discussões perpassado pela sociedade.
O professor, escritor e desembargador aposentado Paulo Roberto
Gonçalves (2006), que se dedica ao estudo do direito civil, exemplifica:
1.3 JUSTIFICATIVA
1.4 OBJETIVOS
1.4.1 Geral
1.4.2 Específicos
III, IV e V, reinou por toda a Europa, com a Escola de Galeno, sofreu com a situação
e culminou em uma estagnação.
Com a legalização da prática de dissecação em cadáveres, um passo foi
dado para que as universidades pudessem utilizar os corpos, porém, como o
exercício ainda era muito rudimentar devido à inexistência de quaisquer formas de
conservação dos corpos, deveria ser realizada sempre em até 48 horas, pois, depois
deste período se iniciava putrefação dos corpos.
A escritora Ana Flávia Mendes (2009), comenta que, na Idade Média, o
Renascimento foi o período em que os artistas/anatomistas propuseram reviver os
ideais culturais greco-romanos. A influência da anatomia humana sobre as artes é
algo que se caracteriza, além do interesse estético, pelo desejo de aliar arte e
ciência, expresso pelos artistas dos mais diversos períodos.
Deste cenário é possível citar nomes como Leonardo da Vinci,
Michelangelo, Rafael, Albrecht Düer, Luca Signorelli e Andréa Verrochio. Neste
século XXI, a disciplina de Anatomia Humana é de caráter obrigatório para todos os
cursos da Área da Saúde.
O que se pode adiantar, é que com o fim da vida não existe o fim dos
direitos, pois o cadáver possui proteção jurídica, e isso se pode comprovar pelas leis
existentes, tais como: a Lei n.º 8.501/92, que dispõe sobre a destinação de
17
cadáveres junto às autoridades públicas; a Lei n.º Lei 9.434/97, que dispõe sobre a
remoção de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano para fins de transplante e
tratamento; bem, como, o Art. 12 do Código Civil Brasileiro:
Art.12 [...]
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a
medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente
em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Art.20 [...]
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes. (BRASIL, 2002).
“Em síntese, firma-se aqui posição em torno da tese de que – pelo menos
no âmbito do sistema de direito constitucional positivo nacional – todos os
direitos, tenham sido eles expressa ou implicitamente positivados, estejam
eles sediados no Título II da CF (dos direitos e garantias fundamentais),
estejam localizados em outras partes do texto constitucional ou nos tratados
internacionais regularmente firmados e incorporados pelo Brasil, são direitos
fundamentais.”. (SOUZA, 1995, p. 201).
Exemplo disto, é que não parece ser possível imaginar que uma criança
possa usar plenamente do direito à sua educação se não tiver o direito de também
usar o direito à saúde e à alimentação. Sendo os direitos sociais interdependentes,
também, por isso, devem ser considerados direitos humanos fundamentais.
Para a sociedade, o corpo ainda tem muito valor. O reconhecimento do
direito da família sobre o cadáver, respeitando o princípio da piedade, é uma análise
final da proteção dos direitos da sociedade em seus interesses superiores. É
necessário entendermos que o cadáver não é uma matéria inanimada; não é um
objeto, um material de estudo. O cadáver tem um estatuto que lhe é próprio; e,
devemos sempre lembrar que antes de ser um cadáver, foi um homem na plena
acepção do termo.
Para o Mestre em Direito Processual, Rogério Marrone de Castro
Sampaio (2000), ao lado desse respeito, segue paralelamente um direito novo,
nascido do grande progresso das ciências biológicas, que, consequentemente,
trouxe uma nova estruturação na ordem jurídica constituída. O ideal será que se
encontre uma maneira de ajustar os interesses do morto, da família e da sociedade
dentro das normas estabelecidas e dos costumes consagrados (religiosos).
Arnaldo Rizzardo (2015), quem rejeita as religiões precisa levá-las a sério como
realidade social e existencial básica.
Segundo o jurista, advogado, filósofo e professor universitário Miguel
Reale (1992), as religiões e culturas se manifestaram sobre a morte de forma
diferente. Os cultos aos mortos foram as primeiras manifestações de religiosidade do
homem primitivo, perplexo diante do mistério desconcertante da morte. É certo que
esse culto era bastante diferente dos de hoje, indo ao ponto de crer na continuação
de uma segunda vida após a morte, na qual a alma permanecia apegada ao corpo
(em certas religiões –como a espirita- ainda seguem essa doutrinação).
Sendo tão firme era essa crença que todos os povos indo-europeus
cumpriam as cerimônias da oferenda de alimentos para os mortos. Roma, herdeira
de antiquíssimas tradições, posteriormente legadas à civilização ocidental, insculpiu
na Lei das XII Tábuas regras severíssimas sobre o respeito aos mortos.
Na Grécia, também havia as mesmas tradições, de Roma; e, a maior das
penas, superior à própria morte, consistia também na inviolabilidade da sepultura, já
nem mesmo as leis civis poderiam revogá-la. No Egito, as pirâmides representam os
monumentos erguidos em homenagem ao anseio de vida e de imortalidade em torno
do cadáver. Quanto maior sua posição na sociedade, maior a pirâmide. Os egípcios
consideravam o coração como o órgão vital mais importante (PETRUCELLI, 1997).
É certo que os tempos são outros, mas as crenças ainda estão vivas,
mesmo que de forma inconsciente e, nos mais profundos fundamentos da mente
humana, criando uma aversão natural para a entrega voluntária do corpo para
estudos anatômicos ou para qualquer outro fim que não seja a paz no sepulcro. Os
sentimentos das pessoas são protegidos por instituições, que não podem ser
desafiadas impunemente (PETRUCELLI, 1997).
Na doutrina espírita, ninguém morre, apenas ocorre uma transmutação. O
corpo físico morre, mas a consciência continua viva. As intervenções que são feitas
no corpo neste período são sentidas pela consciência, inclusive as dores e
sofrimentos.
Na área de transplantes esta concepção de morte e separação do espírito
tem uma importante implicação. Pois, a doação de órgãos de um cadáver somente
poderia ocorrer após a liberação do espírito. Outro ponto importante a ser lembrado
é que a doação de órgãos deve sempre ser fruto da vontade do doador. Caso
contrário pode haver um apego com relação o órgão transplantado.
27
à integridade física seja reconhecido e protegido tanto pelo Direito Civil, quanto, no
Direito Penal (VICENTE; ALEXANDRINO, 2017).
Hoje, existe um estatuto sobre cadáveres, que lhe é próprio; e este é
determinado pela tradição e pela piedade, baseado no culto dos mortos, muito
antigo, mas ainda atual. Assentasse essencialmente sobre os valores afetivos que
ele representa e não sobre a matéria de que se compõe. É essencialmente um
objeto de piedade e de homenagem. Essa existência material tem uma significação
secundária. Os valores morais que ela representa são de importância transcendente
(SOUZA, 2005).
A presença de cadáveres em laboratórios universitários de anatomia é
observada, pelo menos, desde o século XVI. Alvo de polêmicas no decorrer de seus
primeiros momentos, a prática, atualmente, é garantida pela Constituição Federal
Brasileira, que define não apenas as finalidades para as quais tais cadáveres podem
ser utilizados, como também quais podem ser estes cadáveres. (SAMPAIO, 2000).
O direito do homem sobre seu cadáver é da mesma natureza que tem
sobre seu próprio corpo. Se o homem tem direito de viver conforme suas
concepções filosóficas e religiosas, ele tem também o direito de exigir que suas
vontades sejam respeitadas e executadas após sua morte.
O homem que cede seu cadáver a uma instituição científica é amparado
pela lei e consagrado pelos costumes. Se a questão se passa em termos de cessão,
é plenamente aceitável. A lei não faz obstáculo. Não impõe que o cadáver seja
inumado nem quando essa inumação seja feita, levando-se em conta a doação.
Para o professor e promotor de justiça, Rogério Sanches da Cunha
(2016), é impossível concluir até onde vai à licitude dessa cessão, muito embora
todo ato deva ser de acordo com o que estabelece a ordem pública e os bons
costumes.
3.2.1 Controvérsias
Hoffbauer foi um dois mais importantes penalistas brasileiros, com diversas obras
publicadas ao longo da vida. Foi desembargador do Tribunal de Justiça do antigo
Distrito Federal, delegado de Polícia e, culminando sua carreira de jurista, ministro
do Supremo Tribunal Federal, que afirmava que os crimes contra o respeito aos
mortos de certa forma têm parentesco com os crimes contra o sentimento religioso,
de modo que "o respeito aos mortos reveste-se de um cunho religioso". Assim,
justificava a reunião das duas classes de crime sob um mesmo título. Igualmente, ao
definir o que a lei penal protege com esses delitos, afirmava ter a norma um caráter
constitutivo (não meramente sancionatório), pois não serve à proteção da paz dos
mortos, mas, sim, ao sentimento de reverência dos vivos para com os mortos.
Por tal razão, defendia que o "respeito aos mortos (do mesmo modo que
o sentimento religioso) é um relevante valor ético-social, e, como tal, um interesse
jurídico digno, por si mesmo, da tutela penal". Para Hungria (1954) a tutela penal na
esfera de tais condutas serve para "resguardar a incolumidade dos atos fúnebres, do
cadáver em si mesmo e da sepultura". No mesmo sentido, Edgar Magalhães
Noronha (1976) afirmava que os crimes contra o respeito aos mortos está vinculado
a preceitos religiosos. Segundo o autor, isso não ocorre apenas pela disposição no
mesmo título, mas também pelo fato de que "é vulgar a expressão "culto dos
mortos", ainda que culto aqui não seja tomado no conceito estrito que lhe dá a
religião".
Noronha (1976) afirmava existir no homem um respeito "para os que se
foram desta vida em demanda a um estado que importa uma ordem sobrenatural e
que se acha acima da razão humana". Para este autor, ainda que o culto dos
mortos esteja impregnado de sentimento religioso, os que não creem (chamados por
ele de materialistas e agnósticos) também demonstram respeito aos mortos, seja por
piedade ou pela dignidade da criatura humana que a acompanha ao túmulo.
Por tal razão, defende que o objeto jurídico tutelado é "o sentimento de
respeito para com os mortos, direito do qual é titular a pessoa viva", mas que
interessa "também à coletividade sua defesa, pois dito sentimento se apoia na ética
e condiz com a civilização, motivo por que o Estado não se pode mostrar indiferente
às infrações contra ele". Igualmente, ao comentar cada um dos quatro crimes, reitera
que o bem jurídico tutelado é o "sentimento de respeito para os que morreram", isto
é, "a piedade que se tem para com eles, sentimento individual e coletivo que cerca
os túmulos, cemitérios e as coisas que servem ao seu culto".
34
diplomata Pontes de Miranda (2004), afirma que nos crimes contra o respeito devido
aos mortos (Arts. 253 e 254 do CP - Português) o bem jurídico tutelado é o
sentimento de piedade para com os defuntos, por parte da coletividade, o qual se
constitui em um bem jurídico imaterial originário de um sentimento moral coletivo,
não vinculado a qualquer fé religiosa.
É possível identificar uma segunda corrente, a qual parece partir de um
mesmo ideal, contudo com embasamento nos direitos e garantias fundamentais.
Nessa vertente, encontra-se o posicionamento de Alberto Silva Franco (2007),
Tadeu Antonio Dix Silva (2000) e o professor em Direito pela Universidade Estadual
de Londrina, Paulo César Busato (2014), após apresentarem nota crítica aos
posicionamentos que vinculam o Direito penal à proteção de valores ético-sociais,
estruturam uma construção do sentimento de respeito aos mortos como derivação
dos direitos e garantias fundamentais alicerçada na dignidade da pessoa morta.
Desta forma, defendem ser a dignidade da pessoa morta um valor cultural
com amparo constitucional, considerada como um valor que não possui existência
material/tangível, mas que necessita de pessoas ou coisas para sua percepção. Em
outras palavras, apontam como bem jurídico tutelado “a dignidade da pessoa morta”,
ao se considerar que “sendo o cadáver a projeção ultra existencial da pessoa
humana, o bem personalista da dignidade da pessoa morta constitui o objeto
primário e constante da tutela contra os atos de desrespeito e aos despojos
humanos e aos sepulcros'". Além da dignidade da pessoa morta, identificam a
existência de um bem jurídico secundário, consistente no valor da solidariedade,
identificada pelos autores como sendo um direito fundamental de segunda geração.
Gonçalves (2016), a solidariedade na morte é inerente às concepções
atuais de cultura, sendo que a "dor decorrente da morte de alguém recai diretamente
sobre seus familiares e pessoas próximas, as quais possuem direitos subjetivos de
ver realizadas as exéquias do ente falecido e promover seu sepultamento de
maneira harmônica".
Nesta percepção, defendem que a proteção da intimidade e privacidade
das pessoas que são vítimas desses crimes pode ser reclamada a partir da noção
da “privacidade e dignidade”, a qual recupera o valor do homem, assentando-se na
dignidade individual da pessoa e não mais limitada à visão intersubjetiva do
"ensinamento" do indivíduo. Em suma, fundamentam a existência deste bem
jurídico nos valores culturais e de solidariedade, os quais acabam por abrigar a
36
Uma vez que para a doação de órgão poder ser efetivada perante as
Universidades, muitos requisitos devem ser preenchidos. A burocracia para tal ato é
grande (talvez, nem sempre cumprida), uma vez que são os corpos de pessoas que
não tiveram família para reclamarem.
Ou que doaram seus corpos, como última vontade, e, a família não
concorda com o ato; já que hoje, as pessoas, não de forma geral, mas em sua
grande maioria, ainda veem a doação de órgãos como um mal que acaba com o
tradicionalismo, das promessas bíblicas.
De acordo com o artigo 3º, parágrafos 2º e 3º, inciso II, da Lei 8.501/92:
O cadáver, pessoa que faleceu, não pode ser vítima do crime porque não
tem mais a capacidade de sentir o aviltamento, a ofensa física, a profanação, enfim
nenhuma ação dirigida contra ele (cadáver) pelo agente, pois o falecido não possui
mais a honra objetiva. Daí podermos concluir que o bem jurídico lesado é o
sentimento de boa lembrança, de respeito e veneração que se guarda em relação ao
morto, seja por parte da coletividade, dos conhecidos e admiradores, seja por parte
dos amigos mais próximos e dos familiares. As pessoas, em grupo ou
individualmente, que guardam esses sentimentos de respeito, lembrança, saudades,
veneração é que são considerados sujeitos passivos do crime.
Para o procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo
Fernando Capez (2017, p.546), “o bem juridicamente protegido pelo tipo penal Art.
212 do diploma repressivo é o sentimento de respeito aos mortos, isto é, à sua
memória”. O doutrinador também fala que o bem jurídico tutelado é o respeito aos
mortos.
No mesmo sentido, Gonçalves (2006) defende que o objeto jurídico é o
respeito aos mortos.
infração penal, o Estado pode estabelecer uma pena, limitando um direito. Este
poder do Estado refere-se a uma ação da sociedade. (SAMPAIO, 2000, p. 22).
Já na responsabilidade civil pretende-se, com a sua constatação, instituir
a uma pessoa a responsabilidade de reparar o prejuízo a vitima, precisamente por
ser uma conduta humana violadora de uma obrigação legal ou contratual (ato ilícito).
Nota-se que esse tipo de responsabilidade, busca a restauração de uma
circunstância anterior, zelando, assim, ao interesse da vitima. Desta forma, não tem
como desígnio a aplicação de uma pena, ao autor do prejuízo apenas que ele repare
os danos causados. (SAMPAIO, 2000, p. 22-23).
A esse respeito, é preciso considerar que:
Art. 1° Esta Lei visa disciplinar a destinação de cadáver não reclamado junto
às autoridades públicas, para fins de ensino e pesquisa.
Art. 2° O cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de
trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina, para fins de ensino
e de pesquisa de caráter científico.
Art. 3° Será destinado para estudo, na forma do artigo anterior, o cadáver:
I -- sem qualquer documentação;
II -- identificado, sobre o qual inexistem informações relativas a endereços
de parentes ou responsáveis legais.
§ 1° Na hipótese do inciso II deste artigo, a autoridade competente fará
publicar, nos principais jornais da cidade, a título de utilidade pública, pelo
menos dez dias, a notícia do falecimento.
§ 2° Se a morte resultar de causa não natural, o corpo será,
obrigatoriamente, submetido à necropsia no órgão competente.
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5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Saraiva. E-book. Acesso restrito via Minha Biblioteca, 2018.
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51
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GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 6ª ed. v.1. Parte Geral. São
Paulo: Saraiva, 2006.
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MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. 2. ed. São Paulo:
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