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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO TOCANTINS - UNITINS

CAMPUS AUGUSTINÓPOLIS
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

LORENA DOS SANTOS SILVA

INFANTICÍDIO INDÍGENA NO BRASIL: conflito entre os direitos


humanos e a proteção constitucional das manifestações culturais dos povos
tradicionais.

AUGUSTINÓPOLIS - TO
2021
LORENA DOS SANTOS SILVA

INFANTICÍDIO INDÍGENA NO BRASIL: conflito entre os direitos


humanos e a proteção constitucional das manifestações culturais dos povos
tradicionais.

Trabalho de Conclusão de Curso de Direito


da Universidade Estadual do Tocantins –
UNITINS, apresentado como parte dos
requisitos para obtenção do título de Bacharel
em Direito.

ORIENTADORA: Profª. Esp. Sarah Coelho Lima

AUGUSTINÓPOLIS - TO
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da Universidade Estadual do
Tocantins

S586i SILVA, Lorena dos Santos


INFANTICÍDIO INDÍGENA NO BRASIL: conflito entre
os direitos humanos e a proteção constitucional das
manifestações culturais dos povos tradicionais . Lorena
dos Santos Silva. - Augustinópolis, TO, 2021
Monografia Graduação - Universidade Estadual do
Tocantins – Câmpus Universitário de Augustinópolis - Curso de
Direito, 2021.
Orientadora: Sarah Coelho Lima
1. Infanticídio. 2. Direito à cultura. 3. Direito à vida. 4.
Indígena.
CDD 003
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crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
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fornecidos pelo(a) autor(a).
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por estar sempre me abençoando, dando forças e me guiando


em todos os momentos.
A minha família, por todo amor, apoio e incentivo que serviram de alicerce para as
minhas realizações. Em específico a minha mãe, Luzirene Santos por todo apoio e amor. Ao
meu pai Edson Barbosa pelos ensinamentos e grande preocupação. E ao meu irmão, Edson
Barbosa Filho, por todo amor e cuidado.
Aos meus cunhados, Liakysu Costa e Lauandecy Costa, por sempre me aconselharem,
socorrerem e acalmarem. A minha sogra, Valda Costa por todo carinho e apoio.
Ao meu amor, Luaschardy Tavares, por todo companheirismo, ajuda e preocupação.
Aos meus amigos, por toda paciência e contribuições dadas durante essa etapa, em
particular a minha amiga Bianca Siqueira, que me ajudou, acalmou, guiou e me deu forças
para concluir esse processo.
E por último, agradeço a Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) – Campus
Augustinópolis pela oportunidade.
Dedico este trabalho a minha amada
família e amigos.
“É o tempo da travessia: e, se não ousarmos
fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem
de nós mesmos.”

Fernando Teixeira de Andrade


LISTA DE SIGLAS

PLC – Projeto de Lei da Câmara............................................................................. 12


SPI – Serviço de Proteção aos Índios ..................................................................... 22
FUNAI – Fundação Nacional do Índio.................................................................... 23
CF – Constituição Federal....................................................................................... 24
OIT – Organização Internacional do Trabalho........................................................ 25
ONU – Organização das Nações Unidas................................................................. 28
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humano............................................ 29
CNJ – Conselho Nacional de Justiça....................................................................... 36
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde............................................................... 38
PT – Partido dos Trabalhadores............................................................................... 43
ABIP – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil................................................ 47
CNPI – Conselho Nacional de Política Indigenista................................................. 47
COAIB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira....... 47
CIMI – Conselho Indigenista Missionário............................................................... 49
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.............................................. 49
SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena...................................................... 49
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Leis do período Brasil Colônia......................................................... 15


Quadro 2 – Leis do período Brasil Império......................................................... 19
Quadro 3 – Leis do período Brasil República...................................................... 22
Quadro 4 – Tribos indígenas que praticam infanticídio....................................... 40
RESUMO

O infanticídio indígena, denominado assim pelos autores, se refere ao ato de assassinar crianças
indígenas. fato que é praticado pela própria tribo, sejam os pais ou demais integrantes. A razão
para tal se baseia em crenças e costumes específicos de cada grupo. O ato é compreendido como
uma expressão cultural. Ocorre que a cultura indígena é amplamente protegida pela
Constituição Federal de 1988, visando a proteção e preservação. Todavia, o referido costume é
conflitante ao direito à vida, também amparado pela Magna Carta e ainda pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que ampara esse direito a qualquer ser humano,
independentemente de sua condição. O presente estudo teve como objetivo geral abordar o
conflito entre o direito à vida e a proteção a cultura, através da análise de livros, relatos, notícias,
instrumentos internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, como,
também, a Constituição Federal. O método a ser desenvolvido foi a pesquisa bibliográfica. Para
atender aos objetivos utilizou-se a pesquisa exploratória, e na abordagem a pesquisa qualitativa.
Como considerações finais, chegou-se no pensamento de que a prática de infanticídio não pode
ser justificada pela tutela Constitucional de defesa as práticas culturais, porque o direito à vida
antecede demais direitos e deve ser somado ao princípio da dignidade da pessoa humana,
ficando assim, mais forte. As pessoas devem ter o direito a viver, e além disso, o direito a viver
dignamente. Chegou-se à conclusão, também, que o Projeto de Lei 119/2015 não deve ser tido
como única solução, sendo necessária, a concretização de políticas de natureza sanitária e
médica, integrando assim, o assistencialismo no seio das tribos indígenas.

Palavras-chave: Infanticídio. Direito à cultura. Direito à vida. Indígena.


ABSTRACT

Indigenous infanticide, so called by the authors, refers to the act of murdering indigenous
children. conduit that is exercised by the village itself, being able to see or not the parents, and
when not the parents, the members of the village. this happens based on the unique beliefs and
customs of each people. The fact is understood as a cultural expression. however, the
indigenous tradition is largely protected by the Federal Constitution of 1988, which seeks
mainly the protection and preservation of peoples. However, this custom clashes with the right
to life, also protected by the Constitution and the Universal Declaration of Human Rights, which
defends this right to any human being regardless of their condition. this study aimed to talk
about the conflict between the right to life and the protection of culture, through the analysis of
books, reports, news, international instruments, such as the Universal Declaration of Human
Rights, as well as the Constitution. The scientific method to be implemented was the
bibliographic research. For the objectives, exploratory research and a qualitative approach were
used. In the final considerations, it was thought that the practice of infanticide cannot be
justified by the constitutional protection of cultural practices, as the right to life is prior to other
rights and must be added to the principle of human dignity, thus strengthening itself. People
must have the right to live and, in addition, the right to live in dignity. It was also concluded
that Bill No. 119/2015 should not be seen as the only solution, as it is necessary to implement
health and medical policies, thus integrating assistance to the villages.

Keywords: Infanticide. Right to culture. Right to life. Indigenous.


11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
2 BREVE EVOLUÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS NO BRASIL ...................... 14
2.1 DIREITOS INDÍGENAS – BRASIL COLÔNIA........................................................... 14
2.2 DIREITOS INDÍGENAS - BRASIL IMPÉRIO ............................................................. 18
2.3 DIREITOS INDÍGENAS – BRASIL REPÚBLICA ...................................................... 21
3 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ...................................................................... 23
3.1 DIREITOS DOS ÍNDIOS ............................................................................................... 23
3.2 DIREITO À VIDA E A DIGNIDADE HUMANA ........................................................ 25
4 DISPOSITIVOS INTERNACIONAIS ........................................................................ 28
4.1 DIREITOS HUMANOS ................................................................................................. 28
4.2 DIREITOS DOS ÍNDIOS ............................................................................................... 31
5 INFANTICÍDIO ............................................................................................................ 34
6 INFANTICÍDIO INDIGENA ...................................................................................... 35
7 PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 119/2015 ........................................................ 43
7.1 OPINIÕES CONTRÁRIAS AO PROJETO DE LEI ..................................................... 46
7.2 OPINIÕES FAVORÁVEIS AO PROJETO DE LEI ...................................................... 47
8 A DESASSISTÊNCIA À SAÚDE ................................................................................ 49
9 METODOLOGIA ......................................................................................................... 53
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 55
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 58
ANEXOS ................................................................................................................................. 64
ANEXO A- PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 119/2015 ................................................. 64
12

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 adveio após um turbulento período de violação da vida humana,
tendo como base por esta razão, a defesa dos direitos humanos, os tratando como basilares e essenciais a
qualquer indivíduo, tais como dignidade da pessoa humana e direito à vida. Ocorre que, ao mesmo tempo,
a CF também determina, na mesma linha de raciocínio, a proteção a cultura dos diferentes povos
tradicionais. Isto, em decorrência histórica dos períodos sombrios ao qual tais povos foram submetidos.
No entanto, é na cultura de alguns desses povos tradicionais que existem tradições/práticas, que são
denominadas por alguns doutrinadores como “infanticídio indígena”.
O infanticídio indígena consiste no ato da subtração da vida de uma criança indígena, seja por
parte da própria tribo em que convive, ou mesmo dos pais. A razão para isso consiste em crenças
específicas de cada tribo, que além de receber proteção constitucional, está isolada e distante dos olhos
estatais, possuindo alta margem de liberdade sobre os seus cultos. Isso pode ser um ponto positivo para a
preservação da diversidade e individualidade, e um ponto negativo em termos de assistência médica e
sanitária. Diante deste contexto, surge o seguinte problema: A ocorrência do infanticídio em tribos
indígenas brasileiras se justifica pelo amparo legal a preservação das culturas tradicionais?
O presente estudo teve como objetivo geral abordar o conflito entre o direito à vida e a
proteção à cultura no contexto indígena brasileiro. Por ser uma prática existente sem muito
conhecimento popular ou mesmo dados, realizou-se uma análise de dispositivos internacionais, tais
como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção nº169 da
Organização do trabalho, e, a nível nacional, a Constituição Federal e o Estatuto do índio. Tal
análise possui um viés principiológico, pois o direito à vida e a dignidade da pessoa humana
são usados como parâmetro base.
Como objetivos específicos, buscou-se externar apontamentos sobre o Projeto de Lei
1.057/2007 e o subsequente Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 119/2015 e sua contribuição para
a problemática deste trabalho. Atentou-se, também, para a questão da desassistência médica
como agravante na realidade indígena, indicando se seria ou não um fator contribuinte para a
prática do infanticídio, além expor as demais causas motivadoras deste fato.
O assunto é relevante, tanto a nível nacional, como a nível internacional, no ponto em
que o principal parâmetro de debate da problemática envolve o direito à vida, que é inerente a
qualquer ser humano. O tema envolve o equilíbrio entre a sociedade comum e as comunidades
tradicionais brasileiras, sobre qual aquela busca proteger e preservar. No entanto, o fato
intitulado como infanticídio indígena invoca a preocupação social com as crianças vítimas, o
que busca atrair a atenção estatal e demais instrumentos capazes de solucionar o problema.
13

Considerando que a questão indígena não é amplamente divulgada ou suficientemente discutida


no âmbito acadêmico, este trabalho revela-se de suma importância para o ambiente acadêmico
ao distribuir conhecimento para a área.
O método a ser desenvolvido será a pesquisa bibliográfica, um procedimento formal com
método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico. Para os objetivos
utilizou-se a pesquisa exploratória, e na abordagem a pesquisa qualitativa, preenchendo assim,
as lacunas dessa dissertação.
O trabalho está organizado em introdução, de maneira a explanar sobre o tema que será
exposto no decorrer da pesquisa, em referencial teórico, para abordar toda a temática do
trabalho, no qual o segundo tópico traz o contexto histórico e evolução dos direitos indígenas
no Brasil, acompanhado de todas as transformações essenciais para a construção dos dados.
Já o terceiro capítulo mostrará especificamente os direitos dos índios, à vida e à dignidade
da pessoa humana na Constituição Federal de 1988. Seguido pelo quarto capítulo que trará as
contribuições das leis e tratados a nível internacional e nacional que versam a respeito dos
direitos dos indígenas e a vida. O quinto tópico discorre sobre o Infanticídio e suas implicações.
Em seguida, o sexto capítulo é destinado ao infanticídio indígena no Brasil. Adiante, o sétimo
tópico expõe o Projeto de Lei 1.057/2007 e o subsequente Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº
119/2015, e os subtópicos trazem as opiniões favoráveis e contrarias ao projeto de lei. E por
último, no oitavo capítulo, apresenta a falta de assistência médica aos indígenas.
14

2 BREVE EVOLUÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS NO BRASIL

2.1 DIREITOS INDÍGENAS – BRASIL COLÔNIA

Ao se falar em direitos indígenas no Brasil, não há como se iniciar senão pelo período
Brasil colônia, momento historicamente lembrado pelo não reconhecimento de direitos
fundamentais. A referida turbulência ocasionada pela invasão europeia nas terras brasileiras
causou enorme impacto de natureza humanitária, onde foi instalada pelos portugueses uma
confusa preocupação sobre a situação indígena.
O que se tinha eram normas oriundas das Ordenações das Coroas de Portugal e Espanha
no sentido de orientar para que os povos nativos das terras brasileiras fossem bem tratados. Só
que em contrapartida, havia a previsão de escravização, castigos rigorosos e o envio
compulsório à Lisboa. PERRONE-MOISÉS (1992, p.115) dispara sobre essas legislações
como: “Contraditória, oscilante, hipócrita: são esses os adjetivos empregados, de forma
unanime, para qualificar a legislação e a política da Coroa portuguesa em relação aos povos
indígenas do Brasil colonial.”.
Havia essa política sobre um tratamento justo aos índios, enquanto sob o mesmo ímpeto,
normas de natureza questionável na época, trazia confusão. O que ficou nítido foram que apenas
as terras indígenas e mão de obra importavam aos colonos, rejeitando-se direitos e garantias
fundamentais que tardiamente vieram a ser reconhecidos pelo Brasil. Mas, considerando-se o
que tinha de legislação na época, tem-se que:

Espanha e Portugal, durante a colônia, reconheceram a existência de povos


indígenas nos territórios conquistados. A Espanha assinou tratados, além de
ter promovido a guerra; Portugal, embora não se conheça tratados assinados,
declarou formalmente guerra a alguns grupos, permitindo na própria lei
declaratória que os prisioneiros fossem submetidos a trabalhos semelhantes a
escravo. Por outro lado, durante todo o período colonial, os dois estados
europeus legislaram as formas e políticas de integração de indivíduos
indígenas que adotassem o novo modo de vida, chamado civilizado, seja pelo
casamento, pela catequese ou pela integração como trabalhador livre, sempre
levando em conta os largos limites do conceito de trabalhador livre da época,
que admitia escravos e servos por dívida. Isto é somente seria povo enquanto
os indivíduos não fossem integrados. (BERGOLD; SOUZA FILHO, 2013, p.
13)

Então, mesmo sendo reconhecida a existência dos índios em terras brasileiras, eles não
eram vistos como pessoas de direitos. A norma presente na época até que possibilitaria aos
indígenas a aquisição ou alcance de direitos, porém, para que isso acontecesse, eles deviam
15

negar o que sempre foram e passassem a viver, exclusivamente, a cultura, tradições e religião
dos portugueses, dentre outras condições impostas pelos colonos. O quadro a seguir trata dos
principais, dentre a mais diversas normas, alvarás, regimentos, leis e carta régias dispostas sobre
os indígenas.

Quadro 1 – Leis do período Brasil Colônia


Continua
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Regimento de Tomé de Recomendava a paz com os índios para que os “cristãos”
Souza de 15 de dezembro pudessem povoar o território; guerra aos inimigos; ajuntamento
de 1548 de aldeias próximas aos povoados cristãos a doutrinação.
Lei de 20 de março de Veio com objetivo de diminuir as práticas de escravidão,
1570 proibindo o cativeiro dos índios, com exceção aos tomados em
“guerras justas”, com a devida autorização.
Lei de 24 de fevereiro de Declara os índios que podem e os que não podem ser cativos.
1587
Lei de 11 de novembro de Revoga a Lei de 1570 e proíbe guerras e cativeiro, com ressalva
1595 a expressa licença do rei
Alvará e Regimento de 26 Determina a função dos jesuítas em relação aos descimentos dos
de julho de 1596 índios e na supervisão dos seus trabalhos; instaurou os cargos de
procurador e juiz ordinário dos índios.
Provisão de 1605 Aborda a liberdade integral dos índios, mas reconhecia o
cativeiro como algo aceitável; proibia os abusos, os descimentos
irregulares e obrigava o pagamento por serviço prestado.
Lei de 30 de julho de Regulamenta a liberdade dos “gentios da terra”, reiterando a
1609 Provisão de 1605 e os termos do Alvará de 1596. E vetando os
capitães-generais de efetuarem qualquer poder a mais sobre os
índios do que o exercido sobre outros homens livres
Lei de 1611 Declara a liberdade do índio, menos o tomado em guerra justa, e
revoga as leis anteriores. Aceita a escravidão dos cativos e de
índios comprados ou resgatados que estiverem condenados à
morte. Substitui ofício de juiz ordinário por capitão.
16

Quadro 1 – Leis do período Brasil Colônia


Continuação
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Leis de 1624, 1625, 1647, Regularizava a administração das aldeias, a taxa e o tempo de
1649. serviço dos índios.
Carta Régia de 1652 Concedeu poder ao Padre Antônio Vieira para regulamentar o
descimento de índios no Pará e Maranhão
Provisão de 1653 Instaura as guerras justas, concedendo a entrada e vetando a
presença de capitães nas aldeias e estabelece as juntas das
missões nos estados Maranhão e Grão-Pará
Provisão de 1663 Reforça os poderes dos jesuítas, autorizando entradas e
repartições de índios.
Provisão de 9 de abril de Restabelece poderes aos jesuítas para fazerem entradas e
1665 regulamentarem o serviço dos índios. A escravidão permanece.
Lei de 19 de abril de 1680 Declara a liberdade dos índios, mas mantendo os escravos
existentes. Continua a admitir as guerras justas e o
aprisionamento de índios. Nas aldeias cristãs, os índios deveriam
ser governados por seus chefes e pelo pároco local.
Lei de 2 de setembro de Concede a administração de índios descidos a particulares,
1684 especificamente no estado do Maranhão e Grão-Pará.
Regulamenta o trabalho dos índios livres.
Carta régia de 21 de Dispõe sobre o poder espiritual e temporal a jesuítas e
dezembro de 1686 ou franciscanos pelas aldeias e missões criadas nos rios e sertões da
Regimento das Missões Amazônia. Regulamenta a administração das aldeias, proibindo
a presença de não índios. Ordena que as aldeias tenham pelo
menos 150 casais e, no caso de povos indígenas de diferentes
culturas (nações) descidos para um mesmo local, que sejam
alocados separadamente.
Carta régia de 19 de Concede aos moradores de São Paulo a administração de índios
fevereiro de 1696 livres, que ficam obrigados a trabalhar mediante um salário.
Regulamenta os casamentos mistos entre índios e escravos
negros.
17

Quadro 1 – Leis do período Brasil Colônia


Conclusão
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Resolução de 11 de Permite a compra e venda de índios somente em praça pública.
janeiro de 1701 Nos sertões, pode ser feita na presença de juízes
Provisão de 12 de outubro Proíbe o uso da língua-geral e manda ensinar a língua portuguesa
de 1727 nas povoações
Alvará de 3 de maio de Estabelece a liberdade para todos os índios. Favorece a entrada
1757 ou Diretório de de não índios nas aldeias, incentiva casamentos mistos, extingue
Pombal missões e as substitui por vilas. Manda demarcar áreas para os
índios. Proíbe o ensino das línguas indígenas e torna obrigatório
o português
Carta régia de 12 de maio Abole o Diretório de Pombal. Institui explicitamente a relação
de 1798 paternalista de amo para criado entre brancos e índios a serviço.
Promove o índio à condição de órfão. Permite o livre
estabelecimento de brancos em terras dos índios.
Diversas cartas régias de Promovem guerras ofensivas a algumas tribos indígenas
1806, 1808 e 1809 inclusive com direitos a escravização de prisioneiros por
períodos entre 10 e 15 anos
Fonte: adaptado de GOMES (2012, p. 80-83)

Dessa forma, afere-se que as legislações relacionadas aos índios no período colonial
eram esparsas e contraditórias, que mesmo incoerente, não deixou de confiscar as vidas
indígenas e de proibir a prática da língua nativa. Além da possibilidade de declarar guerra contra
os índios, em que eram agredidos, realocados, aprisionados em cativeiros, dentre outras
medidas cruéis. Tal método perpetuado pelos indivíduos invasores se instaurava quando os
índios se tornavam empecilho ao processo de colonização.
Em nenhum momento houve direitos ou mesmo a liberdade real aos índios, visto que
apesar de haver liberdade declarada nas normativas da época, também era previsto o instituto
da guerra justa, sendo um instrumento bastante usado pelos portugueses para garantirem a
escravização em caso de resistência dos colonizados.

Eis, portanto, o saldo final da política indigenista portuguesa no Brasil. Por


certo, mais cruel e desumana do que o necessário para conquistar os povos
indígenas e estabelecer o seu controle colonial. Não somente foram poucos e
18

curtos os períodos de liberdade para os índios, como foram contínuas as


entradas oficiais, as guerras de extermínio e as bandeiras de predação de
índios. Se em uma ou outra ocasião, uma lei ou carta régia fala em “liberdade
natural” dos índios ou os trata como “senhores primários” de suas terras,
sempre o faz em circunstâncias específicas, no contexto de um ato já
discricionário, como a mudança de seus territórios ou atos de descimentos de
índios para perto de povoamentos de portugueses. Em nenhum caso conhecido
pode-se afirmar que a Coroa tencionava firmar e legitimar um direito indígena
originário. (GOMES, 2012, p. 88)

Os direitos indígenas eram breves, e apenas disponibilizados o suficiente para que


pudessem ser usados como servos sem que ameaçassem o sistema. O genocídio descontrolado
não seria interessante aos poderosos colonizadores, pois precisavam da mão de obra para
completar os objetivos da Coroa. O que se tem é uma mínima civilização indígena como forma
de dominação e fiscalização sobre suas vidas, visando a manutenção dos serviços escravos
prestados. A situação não mudou no Brasil império, mas brotava ali potenciais progressos.

2.2 DIREITOS INDÍGENAS - BRASIL IMPÉRIO

Proclamada a Independência em 07 de setembro de 1822, José Bonifácio de Andrade


Silva propôs que os índios fossem reconhecidos como entes de direito sobre as terras que lhe
restavam, em contraponto foi outorgada a Constituição de 1824 que nem mencionou a
existência de índios, remetendo somente a questão para o âmbito das províncias, conforme
aborda Cunha a seguir:

José Bonifácio havia colocado a questão como fundamental: exigia da


Assembleia Constituinte de 1823 "medidas amplas e permanentes". Seus
"Apontamentos para a civilização dos índios braxos do Império do Brazil",
que fazem pendant à sua "Representação sobre a escravatura", continham
diretrizes detalhadas, que soam hoje algo ingênuas e bastante preconceituosas.
[...] Apesar da brandura que apregoavam no trato com os índios, os
"Apontamentos" não fugiam à regra: tratavam da sujeição ao jugo da lei e do
trabalho, tratavam de aldeamentos. Seja como for, os Apontamentos" de José
Bonifácio, não obstante aprovados em princípio pela Assembleia Constituinte,
não foram incorporados ao projeto constitucional, que se contentou com
declarar a competência das províncias para promover missões e catequese de
índios. Dissolvida a Constituinte por d. Pedro I., a carta outorgada, nossa
primeira Constituição, nem sequer menciona a existência de índios. (CUNHA,
1992, p. 138)

Apesar de José Bonifácio ter orientado sobre a necessidade da regulamentação e


reconhecimento de direitos básicos dos índios, a Constituição nem mesmo atestou a existência
19

de tais pessoas. O que acabou prolongando por mais tempo não apenas a luta indígena, mas
também seu sofrimento. Mesmo que a Carta Magna não estabelecesse a real situação indígena
no País, vale salientar as demais normas que surgiram durante o período Brasil império.

Quadro 2 – Leis do período Brasil Império


Continua

LEI/ANO REGULAMENTAVA

Lei de 27 de outubro de 1831 Revoga as cartas régias de 1808. Reinstitui o estatuto de


órfãos para os índios e os juízes de paz são nomeados seus
tutores. Todos os índios em servidão são dispensados.

Lei de 12 de agosto de 1834 Assevera que as Assembleias Legislativas provinciais e os


seus governos serão responsáveis pela catequese e a
civilização dos índios.

Regimento das Missões Instaura as Diretorias Gerais dos índios em cada província;
(Decreto n. 426 de 24 de dispõe sobre o regulamento, favorece a catequese, proíbe os
julho de 1845) maus-tratos e a servidão dos índios; obriga os índios ao
serviço público, sob orientação dos poderes locais, mediante
salário, e ao serviço militar, mas sem coação, e determina
prisão correcional de até seis dias; Permitiu a remoção e a
reunião de aldeias, o arrendamento de terras e o aforamento
para habitação; poderiam receber, pela Carta Sesmarias, terras
desvinculadas a aldeia depois de 12 anos de cultivo, se
tivessem um bom desenvolvimento industrial e
comportamental.

Lei das Terras de 1850 Oficializou o latifúndio, não permitindo o direito de posse,
para o registro das terras era necessária a apresentação de
doações de sesmarias ou a compra às províncias, o que acabou
excluindo pequenos lavradores independentes e muitas
aldeias indígenas
20

Quadro 2 – Leis do período Brasil Império


Conclusão

LEI/ANO REGULAMENTAVA

Ministério da Agricultura de A criação desse Ministério é a mudança da política indigenista


1860 para o seu âmbito de jurisdição, dezenas de aldeias indígenas
ainda em existência foram extintas formalmente, e os seus
habitantes condenados a virar posseiros sem-terra e a perder
suas características culturais específicas.
Fonte: adaptado de GOMES (2012, p.89)

Importante ressaltar que o Regimento das Missões, por ter cunho indigenista, trata-se de
um documento inédito no período Império, “[...] é o único documento indigenista geral do
Império. Detalhado ao extremo, é mais um documento administrativo do que um plano político.
Prolonga o sistema de aldeamentos e explicitamente o entende como uma transição para a
assimilação completa dos índios”. (CUNHA, 1992, p.139)

Essa fase ainda segue a premissa que o índio necessita ser controlado e convertido a
cidadão, no qual precisa deixar seus costumes e cultura para civilizar-se conforme a sociedade
dos colonos, vista como necessária ao processo de colonização. Dessa forma, ainda é mantida
a ideia de supremacia e rigidez em relação aos índios.

O Império já foi caracterizado como um período de paz e lento progresso. [...]


Em relação aos índios, foi consolidada a sua posição no quadro nacional como
de um ser incapaz tanto política quanto mental e juridicamente. Grande parte
de suas terras foi usurpada, até mesmo as já doadas anteriormente como
sesmarias que, não sendo registradas após 1850, perderam a sua validade aos
olhos do governo imperial e das províncias. [...] Até os liberais e os amigos
dos índios, como o general Couto de Magalhães, achavam que essa era a
maneira correta de se tratar os índios: como crianças, guiando-os na sua
vontade, admoestando-os e punindo-os nos seus erros, e procurando o melhor
para eles pelo trabalho, a obediência e a religião. Isso não eximia o Estado de
aplicar formas menos brandas de ensinamento, como o uso das polícias
provinciais e milícias particulares para atacar aldeias e dar lições punitivas aos
índios sob o pretexto de defender povoados e fazendas de seus ataques.
(GOMES, 2012, p. 90)

Além de tudo que já tinham passado no período colonial, os índios no período império
foram mais uma vez subjugados e deixados de lado ao serem tratados como seres incapazes de
21

raciocínio. Eles eram utilizados como servos, sendo desapossados das poucas terras que ainda
os restavam. Ademais, apenas começaram a ser tratados como pessoas com direitos e serem
considerados capazes de externar vontade, a partir do período Brasil República, como se mostra
adiante.

2.3 DIREITOS INDÍGENAS – BRASIL REPÚBLICA

Com a Proclamação da República de 15 de novembro de 1889, o Brasil se tornou uma


República Federativa. Todas as Constituições dessa época, em exceção a Constituição omissa
de 1891, reconheceram de alguma forma aos índios o direito sobre os territórios que eles
habitavam (GOMES, 2012).

O início desse período, em especifico as primeiras duas décadas, foram marcadas por
conflitos em decorrência da grande exploração econômica por novos territórios, como ferrovias,
estradas etc. Sem nenhuma regulamentação preocupada com a real situação indígena. Como
bem diz Ribeiro:

Nos primeiros vinte anos de vida republicana nada se fez para regulamentar
as relações com os índios, embora nesse mesmo período a abertura de
ferrovias através da mata, a navegação dos rios por barcos a vapor, a travessia
dos sertões por linhas telegráficas houvesse aberto muitas frentes de luta
contra os índios, liquidando as últimas possibilidades de sobrevivência
autônoma de diversos grupos tribais até então independentes. (RIBEIRO,
2017, p.15)

Conforme o tempo passava, não apenas a luta indígena era prolongada, como também
as chances de que os últimos povos preservados sobrevivessem. E embora as Constituições de
1934, 1937, 1946 e 1967 não demonstrassem interesse em tutelar os direitos dos índios, a
situação começava a mudar positivamente. De acordo com compilado de legislações dessa
época no quadro a seguir:
22

Quadro 3 – Leis do período Brasil República

Continua
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Constituição de No art. 129, assegura o respeito a posse de terras de silvícolas que
1934 estão permanentemente localizados, sendo vedado aliená-las.

Decreto n. 8.072, de Cria o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores


20 de junho de 1910 Nacionais, destinado a proteção e demarcação de terras; São criadas
13 inspetorias regionais. Devido à dificuldade em reconciliar os
trabalhadores rurais e os índios, em 1918 passou a cuidar somente
dos índios e alterou o nome para Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Código Civil de 1916 Exonera o índio da condição de órfão e da tutela dos juizados
respectivos, mas o condiciona a relativamente incapaz em certos atos.
Lei n. 5.484, de 27 de Regula a situação jurídica dos índios, os retirando da tutela
junho de 1928 orfanológica e colocando-os sob a tutela do Estado. Grupos indígenas
são classificados de acordo com o grau de relacionamento com a
sociedade brasileira
Constituição Federal Artigo 129 - “Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas
de 1934 se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto,
vedado aliená-las”.
Decreto Executivo n. Regulamento completo do SPI até então, em que passa a ser um órgão
736, de 6 de abril de da Inspetoria Especial de Fronteiras do Ministério do Exército;
1936 determina que os índios devem ser nacionalizados para serem
incorporados à nação brasileira; esclarece os meios para a
demarcação das terras indígenas.
Constituição de "Art. 154 – Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que
1937 se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, no entanto,
vedado aliená-las".
Decreto-Lei n. 1.794, Cria o Conselho Nacional de Proteção aos Índios, com a função de
de 22 de novembro apresentar sugestões ao Governo, mediante SPI, sobre as medidas
de 1939 relacionadas aos indígenas.
Constituição de Em seu art. 216, aborda sobre o respeito a posse das terras em que os
1946 silvícolas que estiverem localizados, não podendo as transferirem.
23

Quadro 3 – Leis do período Brasil República

Conclusão
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Constituição de "Art. 186 – É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras
1967 que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos
recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes".
Em 5 de dezembro de Veio com a finalidade de resolver as questões indígenas, para
1967 - Fundação transformar os índios em brasileiros, integrá-los à nação e assimilá-
Nacional do Índio los culturalmente ao seu povo.
(Funai)
Emenda "Art. 198 – As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos
Constitucional termos em que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse
número 1/ 1969 permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo
das riquezas e de todas as utilidades nelas existentes".
Lei n. 6.001 de 19 de Denominado Estatuto do Índio, é uma regulamentação da legislação
dezembro de 1973 brasileira sobre os índios, em seus aspectos jurídicos e
administrativos
Fonte: adaptado de GOMES (2012, p. 92), BRASIL (1934), BRASIL (1937), BRASIL (1946), BRASIL (1967) e
BRASIL (1969).

Pode-se aferir, seguindo os dispositivos legais acima, a importância da criação de órgãos


de cunho indigenista, que se constituíram em legado, como o SPI, a FUNAI, o Conselho
Nacional de Proteção aos Índios, com a finalidade de resolver os assuntos indígenas. Além do
direito a posse de terras que passou a ser reconhecido. E ainda trouxe o Estatuto do Índio, um
passo importante, marco o inicial da era que estava por vir com a Constituição de 1988, que
veio como um divisor de águas para a realidade que os índios ainda enfrentavam.
Importante ressaltar sobre a garantia aos índios a posse sobre as terras que ocupavam.
Tal preceito foi previsto pela primeira vez, constitucionalmente, pela Carta Magna de 1934,
sendo mantido até a Constituição de 1967. Porém, constava-se a proibição dos índios
negociarem as terras.

3 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

3.1 DIREITOS DOS ÍNDIOS


24

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) mudou totalmente o paradigma indígena, que


se mostrava até então, dotado de carências potencialmente irreparáveis. Dessa forma, ficou
legalizada a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios. Além do
reconhecimento aos “direitos originários” sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Ou
seja, não apenas foram concedidos direitos, mas, precipuamente, a Constituição reconheceu
esses direitos sobre os quais eles sempre deveriam ter sido titulares: como o de não perderem
as terras nas quais habitavam, não serem obrigados a negar a própria fala nativa, crenças e
tradições. Tal reconhecimento resolutivo, mesmo que tardio, soa como desculpas, acima de
tudo. No mesmo sentido, ANDRADE (2019, p. 1774) apresenta:

Foi somente a partir do ano de 1988 com a promulgação da Constituição


Federal, que os indígenas passaram a ter um tratamento especial, alcançando
uma nova perspectiva em relação aos seus direitos originários, passando a
reconhecer seus costumes, suas línguas, sua organização social, tradições, e
os direitos de usar suas terras.

Não devendo passar por despercebido, as normas constitucionais se concretizam como


uma das maiores revoluções normativas a nível de Brasil. Trata-se de direitos dotados de
inovação conceitual e superior em relação as Constituições e legislações antecessoras. Um dos
principais pontos de subjetividade a se destacar no destrinchar da revolucionária Constituição
de 1988 seria o abandono da perspectiva de desvalorização do índio, trazendo a ideia de que a
preservação da diversidade social tem contribuição para a sociedade e o Estado, pois se protege,
também, a natureza e os recursos naturais. Conforme dispõe o artigo 231 da CF/88, in verbis:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 1998)

Além disso, a Carta Manga de 1988 ainda assegura aos povos indígenas a utilização das
suas línguas e processos próprios de aprendizagem no ensino básico (artigo 210, § 2º, CF) e
que, também, as suas comunidades e organizações tenham legitimidade para ingressar em juízo
em defesa de seus direitos e interesses (artigo 232, CF), podendo também, manifestarem sua
cultura popular:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
25

§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e


afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional. (BRASIL, 1988)

A inovação de natureza humanista trouxe ao indígena uma tutela estatal rigorosa


tornando-o um dos principais personagens elencados pela Lei Maior, que reconheceu direitos
historicamente negados pelos seus colonizadores. E ainda, a CF/88 vai além, ao proteger toda
manifestação cultural, incluindo-se as tradições afro-brasileiras, bem como, as de qualquer
grupo que está envolvido no processo inclusão.
Dito isso, fica claro a alavancagem temporal da norma, o enorme salto no tempo. Ainda
mais quando fica exposto a condição real de vida dos povos indígenas antes e após a
Constituição Federal. Além de apresentar um grande progresso ao adotar em conjunto os
principais instrumentos internacionais, como: Convenção n° 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), Convenção Interamericana de Direitos Humanos, Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção pela Eliminação de Todos os Tipos de
Discriminação Racial (CASTILHO, 2018).

A Assembleia Constituinte convocada para elaborar a nova Constituição


abriu-se para a contribuição e participação de índios, do movimento indígena,
de antropólogos individualmente (inclusive eu mesmo), das ongs laicas e
religiosas e da Associação Brasileira de Antropologia. Por essa participação e
pelo clima favorável aos direitos de minorias em geral, o resultado foi
extremamente positivo para os povos indígenas, garantindo-lhes seus direitos
com mais clareza. A Constituição Federal de 1988, além de vários artigos
concernentes aos índios como cidadãos e como uma das minorias da nação,
produziu um artigo fundamental que trata de seus direitos específicos e um
seguinte sobre a obrigação do Ministério Público Federal de lhes assistir
juridicamente em especial. (GOMES, 2012, p.112)

Dessa forma, os índios passaram a respirar mais aliviados, e a ter onde respirarem (arts.
231 e 232, CF), pois assegurou-se a eles as terras que já habitavam, assim como o direito a
viverem de acordo com as suas tradições e costumes, preservando-se a cultura desses povos
(art. 215, §1º, CF). Mas para que isso fosse cumprido, a Constituição estabeleceu como um dos
guardiões da defesa dos interesses indígenas o Ministério Público Federal.

3.2 DIREITO À VIDA E A DIGNIDADE HUMANA

Os direitos fundamentais aos brasileiros estão contemplados no art. 5º da Constituição


26

Federal, esses direitos estão correlacionados ao respeito mútuo dos indivíduos, no qual
determina as normas e condutas indispensáveis regidas pelo ordenamento jurídico brasileiro,
predispondo o dispositivo, in verbis: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
(BRASIL, 1988).

Com o decorrer da história, as Constituições tinham em seu início como prioridade,


regulamentar sobre a estrutura estatal. No entanto, depois de todo o processo histórico no final
do século XIX e durante o século XX, dos quais as Constituições passaram, a CF cidadã acabou
por estabelecer e se preocupar, bem no início de seu texto, sobre a situação do ser humano, das
pessoas, da coletividade.

Se as constituições anteriores começavam disciplinando a estrutura estatal e


só depois enunciavam os direitos fundamentais, a Carta de 88 faz o oposto,
principiando pela consagração dos direitos das pessoas. A inversão não foi
gratuita. Trata-se de modelo adotado em diversas constituições europeias do
2º pós-guerra, que indica a absoluta prioridade dos direitos fundamentais em
nosso sistema jurídico. Tal prioridade, por outro lado, se entrevê também na
elevação dos direitos fundamentais à qualidade de cláusulas pétreas (art. 60,
§4º, inciso IV, CF), o que ocorreu pela primeira vez na história de nosso
constitucionalismo. Como cláusulas pétreas, os direitos são garantidos como
“trunfos”, postos ao abrigo da vontade das maiorias políticas, mesmo as mais
qualificadas. (SARMENTO, 2016, p. 72)

A CF de 88 veio a ser benevolente, tratando sobre os direitos irrenunciáveis,


fundamentais e indispensáveis, como o direito à vida e a dignidade da pessoa humana com
preceitos únicos e essenciais a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer que seja sua
condição.

A vida é o bem jurídico mais importante dentre todos os direitos


constitucionalmente tutelados, afinal, estar vivo é um pressuposto elementar
para se usufruir dos demais direitos e liberdades garantidos na Constituição
Federal. [...] Esse direito costuma ser apresentado doutrinariamente em duas
perspectivas: (i) o direito de continuar vivo, ou seja, de não ser morto; e (ii)
o direito a ter uma vida digna. A primeira consiste no direito da pessoa de
estar e permanecer viva, garantindo que sua existência física não será
violada nem pelo Estado nem por outros particulares. [...] No que se refere à
proteção a vida digna, que expande o conceito de viver para além da simples
subsistência física, temos uma intima e indissociável relação com a dignidade
da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil
(art. 1º, III, CF/88). Nesse contexto, resguardar uma vida com dignidade é
tarefa multifacetária, que exige que o Estado assegure ao indivíduo o acesso à
27

bens e utilidades necessárias para uma vida apropriada, forneça serviços


essenciais (como o de educação, o de saúde, etc.) [...] (MASSON, 2016 p.
212-213) (grifo do autor).

Essa Revolução Jurídica ocorreu em decorrência da instabilidade causada pelos


períodos de pós-guerra e, também, de escravidão, acabando por impulsionar a busca por
reconhecimento dos direitos essenciais a vida humana e o mínimo existencial para uma vida
digna.

O sistema de direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988 é incisivo, e deu


ênfase a igualdade ao garantir isonomia nas liberdades públicas e existenciais, fortalecidas nos
incisos do artigo 5º da CF os direitos individuais e coletivos, como a liberdade de expressão,
religião e o direito à privacidade, além dos direitos sociais dispostos no artigo 6º da CF como a
saúde, educação, lazer, proteção à infância etc. ressalta-se que, para gozo de todos esses direitos,
se faz necessário estar vivo. Por isso, logicamente, o direito à vida é tão importante. Conforme
é observado a seguir:

A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos
os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de
todos os demais direitos. (MORAES, 2020, p.113)

Dessa forma, a Carta Magna assegura o direito à vida, determinando ao Estado que
ampare o ser humano, que vai além de garantir a existência da pessoa, mas que contribua na
subsistência e integridade, a fim de uma vida digna, ideia inédita no Brasil.

Em suma, a dignidade da pessoa humana significa, por um lado, a garantia da


autodeterminação, estendida a todos os homens, sem distinção. Nessa
perspectiva, consubstancia-se na aplicação do princípio da igualdade. Por
outro lado, implica um complexo de direitos e deveres atribuídos ao indivíduo,
ao Estado e a terceiros, relacionado com a vedação da submissão a tratamentos
degradantes e com a obrigatoriedade de implementação, por parte do Estado,
de condições que permitam o pleno desenvolvimento das capacidades
humanas, dos pontos de vista individual e coletivo, observadas as
peculiaridades de cada sociedade.
[...]
Em conclusão, na qualidade de princípio, a dignidade da pessoa humana deve
ser realizada, em cada situação concreta, o máximo possível, em todas as suas
acepções (preservação da igualdade, impedimento à degradação e coisificação
28

da pessoa, garantia de um patamar material para a subsistência do ser


humano), ou naquela que for pertinente à hipótese considerada. (CASTILHO,
2018, p. 308-317)

Em síntese, a dignidade da pessoa humana é imprescindível, e busca garantir a todos os


indivíduos uma existência mínima de sobrevivência. É como se fosse a continuidade do direito
à vida. Não bastando, então, somente o direito à vida, mas em cooperação com a dignidade da
pessoa humana.

Ainda, conforme alude o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal: “Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”
(BRASIL, 1998). Logo, pode-se aferir desde então que os direitos são inerentes a todo e
qualquer ser humano em conjunto com os ordenamentos internacionais que o Brasil faça parte,
nesse sentindo será abordado sobre as legislações internacionais.

4 DISPOSITIVOS INTERNACIONAIS

4.1 DIREITOS HUMANOS

As guerras mundiais acarretaram genocídios em diversas partes do mundo, isso, quando


não geravam opressão as diversas minorias que se encontravam em situação de vulnerabilidade.
O pós-guerra foi marcado por uma atmosfera mundial de sensibilização e conscientização sobre
o valor do ser humano.
Na tentativa de consolidar as garantias necessárias a qualquer ser humano, seja de qual
nação for, a fim de centralizar esta pessoa humana como sujeito dotado de direito básicos.
Nasce, assim, a preocupação mundial com o status do ser humano, os direitos humanos. Nesse
mesmo sentido: “Essa concepção é fruto da internacionalização dos direitos humanos, que
constitui um movimento recente na história, surgindo, a partir do Pós-Guerra, como resposta às
atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo.” (PIOVESAN, 2019, p. 64).

A Organização das Nações Unidas (ONU), oficializada em 1945, surgiu com o intuito
de manter a segurança coletiva e a paz mundial por conseguinte, com o propósito de evitar as
atrocidades passadas, que não reincidisse e ainda “[...] com a árdua missão de estabelecer regras
a serem observadas pelos Estados perante os indivíduos sujeitos ao seu poder e perante os
29

demais Estados e, também, de criar mecanismos que garantissem a eficácia daquelas regras”,
(CASTILHO, 2018, p. 171).

Entretanto, a Carta da ONU deixou de estabelecer os “direitos humanos e liberdades


fundamentais” que devem ser promovidos e estimulados. Repassando esse dever à Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas
e proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela ONU:

[..] Era o estabelecimento de um ideário arduamente construído durante pelo


menos 2.500 anos visando a garantir para qualquer ser humano, em qualquer
país e sob quaisquer circunstâncias, condições mínimas de sobrevivência e
crescimento em ambiente de respeito e paz, igualdade e liberdade. (BRASIL,
2018)

Pode-se notar, que o fundamento presente acima é o da dignidade da pessoa humana, no


ponto em que busca se trazer a ideia de que o ser humano tem que receber condições mínimas
para sobrevivência e crescimento, o que corrobora com a questão da universalidade da
dignidade da pessoa humana, a qual é inerente a qualquer ser humano. Trata-se de um
documento importante e, ao mesmo tempo, inovador, com a dignidade da pessoa humana como
protagonista de direitos humanos, concluindo-se conforme consta em seu preâmbulo:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os


membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...]

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos


resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e
que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade
de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da
necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum
[...] (ONU, 1948)

E no decorrer dos seus artigos ratifica a universalidade e indivisibilidade dos direitos


humanos, consagrando também os direitos econômicos, sociais e culturais, em especifico os
arts. 1º ao 3º:

Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade.
30

Artigo 2. 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as


liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política,
jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer
se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer
sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo 3. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança


pessoal. (ONU, 1948)

A DUDH é um marco histórico, haja vista que somente a partir de sua promulgação que
os direitos humanos passaram a ser vistos como universais e indivisíveis, conforme os artigos
acima expostos, a fim de proteger, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.

[...] Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos


humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a
titularidade de direitos, considerando o ser humano um ser essencialmente
moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, está como valor intrínseco
à condição humana. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e
políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e
culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são.
Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível,
interdependente e interrelacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos
civis e políticos com o catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.
(PIOVESAN, 2019, p.69)

Destarte, a manutenção e proteção aos direitos essenciais ao ser humano foram pontos
fortemente defendidos pela Declaração, além de ser uma base para os novos documentos que
vieram a ser promulgados. Nessa mesma linha de raciocínio, CASTILHO (2018), aponta
algumas Convenções, Tratados e Pactos Internacionais posteriores a DUDH:

• Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, no mesmo


ano da DUDH, em 1948;

• Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Racial em 1965;

• Em 1966, a ONU adotou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o


Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;
31

• A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra


as Mulheres, em 1979;

• Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em 1982;

• A Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989;

• Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa


Rica - Decreto n.º 678, de 1992;

• Em 1996, o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares;

• Em 1999, a Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do


Terrorismo;

• A Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões


Culturais em 2005;

• E, em 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Levando em consideração o que foi abordado, não restam dúvidas sobre a importância
da precursora Declaração Universal dos Direitos Humanos, tanto em questão dos direitos e
garantias que trouxe em seu bojo em relação a dignidade da pessoa humana, quanto como
inspiração para novas legislações. Importante ressaltar que o Brasil mantém relações
internacionais, e entre vários princípios, há, conforme art. 4º, II, da CF, a primazia dos direitos
humanos.

4.2 DIREITOS DOS ÍNDIOS

Uma das mais importantes utilidades dos pactos, tratados, e acordos internacionais, é a
função de servir como inspiração para a criação de normas dos países. Isso, porque tais textos
internacionais são decorrentes de uma atenção mundial sobre determinado tema. E no caso dos
índios, não poderia ser diferente. Textos externos contribuíram para que essa transição pudesse
ser mais bem implementada no país. Como se vê a seguir.
A Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelecida em
1919 proveniente do Tratado de Versalhes, em decorrência ao fim da 1ª Guerra Mundial, veio
com objetivo de promover a justiça social. Atuou em conjunto a Liga das Nações Unidas e a
partir de 1945, após a Segunda Guerra Mundial, passou a integrar a ONU. (CASTILHO, 2018)
A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho
32

(Convenções e Recomendações), o Brasil está entre os membros fundadores da OIT e participa


da Conferência Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião, sendo atualmente
ratificada no Brasil pelo Decreto nº 10.088/2019. E sua grande notoriedade no âmbito
internacional se dá por tratar os indígenas e suas tribos. (BRASIL, 2019)
A Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (1919),
determina ao direito interno a preservação dos valores culturais, sociais, religiosos e espirituais
específicos da população indígena, sendo dever do Estado garantir a disponibilização de tais
direitos sociais, econômicos e culturais, respeitando a identidade social, individual e cultural.

São diversos esses direitos, como o de titularidade do seu território tradicional,


de autonomia, de viver de acordo com os próprios costumes e tradições, de ser
consultado sobre as decisões da sociedade que os afetam, dentre vários outros.
No plano internacional, o principal diploma que estatui tais direitos é a
Convenção nº 169 da OIT, que trata dos povos indígenas e tribais, estes
últimos definidos como aqueles “cujas condições sociais, culturais e
econômicos os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que
estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes e tradições
ou por legislação especial”. (SARMENTO, 2016, p. 281)

Outro documento importante é a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural,


cuja publicação se deu pela ONU em 2001, aprovada por 185 países, com a finalidade de
determinar a diversidade étnico-cultural como bem comum dos povos, além de promover
auxílio e políticas referentes a preservação dos direitos e cultura dos povos. (ANDRADE, 2019)

Logo, a diversidade cultural é um dos meios de desenvolvimento, em especial


a uma existência moral e espiritual satisfatória, ampliando a escolhas para
todos, (Art. 3). Desse modo, o artigo 4º, esclarece que defender a diversidade
cultural é uma obrigação ética, inseparável do respeito ao princípio da
dignidade humana. Pois precisa-se respeitar os direitos humanos e as garantias
fundamentais, em especial os direitos das pessoas que pertencem as minorias,
tais como, os povos indígenas. Ressalta-se que ninguém pode utilizar a
diversidade cultural para transgredir os direitos humanos que são garantidos
no plano internacional, nem para reduzir seu alcance: (ANDRADE, 2019, p.
2441)

Conquanto, a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas é outro
importante diploma internacional sobre os direitos dos povos indígenas, se tratando de um
grande avanço, foi adotada pela ONU em 2007, em que ratifica os direitos fundamentais dos
povos indígenas.
33

A declaração das nações unidas que aborda sobre os direitos dos povos
indígenas, é outro documento relevante na área da cultura, reconhecendo suas
tradições e costumes. Pois, esta declaração é documento importante para as
populações indígenas, visto que, seus bens culturais e conhecimentos
tradicionais, tem sido alvo de apropriação pela indústria, sobretudo a
biotecnológica, para a formulação de novos produtos, sem que haja o prévio
conhecimento destas sociedades. Esta declaração foi adotada em 2007 por
meio da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, com a
aprovação do Brasil. Este documento, gerou novo ânimo para os indígenas do
Brasil, e também a consciência de seu papel em relação ao nosso país e os
demais, pois a palavra final é deles. (ANDRADE, 2019, p. 2117)

Por conseguinte, essa Declaração trouxe um vigor aos direitos dos povos indígenas no
âmbito internacional, como à livre determinação, à autonomia ou ao autogoverno, acesso a
saúde e educação, de não sofrer com a compreensão forçada ou a restrição de sua cultura. E
ainda é exigido aos países que estabelecer formas de prevenção e ressarcimento de qualquer ato
ou consequência de privá-los de seus valores culturais ou sua identidade étnica, como reforça
no decorrer da declaração, dentre elas o art. 5º:

Artigo 5. Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas


próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais,
mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso o
desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado. (ONU,
2007)

Importante citar também a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das


Expressões Culturais de 2005, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 6.177/2007, que
em seu artigo 2º – “Princípios Diretores”, aponta que devem ser garantidos os direitos humanos
em detrimento da cultura:

1. Princípio do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais


A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem
garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais, tais como a
liberdade de expressão, informação e comunicação, bem como a possibilidade
dos indivíduos de escolherem expressões culturais. Ninguém poderá invocar
as disposições da presente Convenção para atentar contra os direitos do
homem e as liberdades fundamentais consagrados na Declaração Universal
dos Direitos Humanos e garantidos pelo direito internacional, ou para limitar
o âmbito de sua aplicação. (BRASIL, 2007)

Em suma, o Direito Internacional, no que se refere a reafirmação dos direitos indígenas


34

fundamentais, trouxe importantes dispositivos dos quais o Brasil é membro, com base em tais
textos externos, foram essenciais para a reafirmação da proteção a igualdade, liberdade,
dignidade, individualidade cultural desses povos.

5 INFANTICÍDIO

O homicídio está disposto no art. 121 do Código Penal (CP), e consiste na subtração da
vida, podendo ocorrer de forma dolosa ou culposa, nesta observadas a negligência, imprudência
ou a imperícia. Já o delito denominado infanticídio, previsto no art. 123 do CP, in verbis,
“Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena
- detenção, de dois a seis anos.”, consiste no ato da mãe matar o próprio filho durante o parto
ou logo após, sob a influência do estado puerperal.

É o caso clássico do infanticídio, em que a mãe, sob influência do estado


puerperal, mata o próprio filho, durante o parto ou logo após (art. 123 do CP).
Caso outras pessoas colaborem com a mãe no ato de matar o bebê, respondem
também por infanticídio, embora não estejam no estado puerperal e tampouco
sejam a mãe da criança. É que tais aspectos, por serem elementares de caráter
pessoal, comunicam-se aos eventuais comparsas. (ESTEFAM;
GONÇALVES, 2020, p. 700-701)

O sujeito ativo desse delito a priori é a mãe, entretanto há a possibilidade do sujeito


ativo ser outra pessoa, “desde que o faça em coautoria com a mãe da vítima, ou que participe
do crime desta. Isso ocorre em virtude da comunicabilidade dos elementares do tipo penal,
regulamentada no artigo 30 do CP”, ocorrendo até se o terceiro instigar a mãe em estado
puerperal ou se ajudar diretamente na morte, sendo necessário a perícia médico-legal para a
comprovação do estado puerperal, conforme aborda GILABERTE (2021, p. 121).

E ainda, no artigo 227 da CF/88, é elencado os responsáveis para assegurar os direitos


as crianças, sendo eles a família, sociedade e Estado:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
35

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,


violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1998)

Interessante atentar-se para a Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente),


que em seu art. 7º estabelece: “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (BRASIL, 1990). E
também o Código Civil, que assevera em seus artigos 1º e 2º, respectivamente “Toda pessoa é
capaz de direitos e deveres na ordem civil” e “A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”
(BRASIL, 2002).

O Brasil tem na proteção dos direitos humanos um dos fundamentos do Estado


Democrático de Direito. No que tange a crianças e adolescentes, o legislador
constituinte particularizou entre os direitos fundamentais aqueles que se
mostram indispensáveis à formação do indivíduo ainda em desenvolvimento,
elencando-os no caput do artigo 227 [...] (CAMACHO, 2017, p.67)

Além de que, a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificado pelo Brasil por meio
do Decreto nº 99.710/1990, estabelece proteção especial e direitos a todas as crianças, sem
distinção, devendo ainda ser adotado medidas a fim de erradicar práticas tradicionais
prejudiciais à saúde das crianças.

Então toda pessoa, notoriamente crianças também, são seres capazes de direitos e
deveres na ordem civil, iniciando a personalidade civil desde o nascimento. Tendo o direito à
vida, a dignidade humana e demais preceitos garantidos, constitucionalmente. Dito isso, como
ficaria a questão indígena, onde ocorre fato denominado como infanticídio, estaria a
Constituição descriminalizando tal fato ao garantir a prática das tradições indígenas?

6 INFANTICÍDIO INDIGENA

É certo, como já dito antes, que a proteção a cultura e as práticas indigenistas estão
amparadas pela Constituição, convenções e declarações internacionais, que ao proteger esses
povos tradicionais acaba por admitir uma sociedade com suas próprias regras e isolada da
36

sociedade não indígena, mas devendo haver equilíbrio entre ambas as civilizações.
Dessa forma, no que tange a normas penais e eventuais penalizações, tem-se que no caso
de crimes cometidos por indígenas, conforme dispõe o Estatuto do Índio nos artigos 56 e 57 a
pena terá que ser atenuada, e em sua aplicação o Juiz deverá considerar “o grau de integração
do silvícola”, conforme o modo de vivência e se essa forma se dá de maneira isolada ou em
vias de integração ou integrados.

Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser
atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do
silvícola.
Parágrafo único. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se
possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do
órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do
condenado.
Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as
instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus
membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em
qualquer caso a pena de morte. (BRASIL, 1973)

Assim, para responsabilização, é observado se o índio possuía conhecimento sobre a


cultura social comum de onde se praticou o delito, e ainda busca pela sanção mais benéfica,
estando isto previsto, na Resolução nº 287/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), art.
1º: “Estabelecer procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas
ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito
criminal do Poder Judiciário.” (CNJ, 2019), trazendo em seu bojo a busca pela aplicação da
sanção mais benéfica e sobre a importância da perícia antropológica e procedimentos
necessários aos índios.
Percebe-se, por parte do Estado, uma preocupação adicional com o índio, pois mesmo
havendo punição devida a critério do juiz na apuração do caso, ao infrator é oportunizado o
cumprimento da pena em regime carcerário especial, estando à disposição de órgão federal. Ou
seja, ficando o Ministério Público Federal no dever de fiscalizar se as normas amparadoras dos
direitos indígenas estão sendo respeitadas.
Chegando ao ponto em questão que vai invocar a problemática deste trabalho, tem-se
que é autorizado a tribo executar sanções disciplinares ou penais em desfavor de seus membros,
mas desde que não haja desumanidade. Restando assim protegida e preservada a cultura
indígena e contribuindo para o equilíbrio entre ambas as sociedades, a civil e a indígena, isto é
assegurado pelo artigo 9º da Convenção nº 169 da OIT. Ocorre que, a problemática em questão
gira em torno do denominado infanticídio indígena, prática amplamente repudiada aos olhos da
37

sociedade comum. E bem definida a seguir:

Assim, nos ateremos especialmente à criança indígena que, em determinadas


etnias e certas situações, morre de maneira sumária como se sua significância
fosse inferior à manutenção da homogeneidade do grupo, representada por
preceitos ligados ao hábito tradicional com características ancestrais e que
permanece viva no século XXI. Segundo acreditam, a preservação dessas
crianças, consideradas intoleráveis do ponto de vista da tradição, atrai
maldição para o grupo. (CAMACHO, 2017, p.21)

Portanto, antes de abordar sobre a prática de assassinar menores em seio indígena,


denominada como “infanticídio indígena”, preliminarmente, é importante salientar o
entendimento que as aldeias possuem sobre a ideia de vida e ser humano. Como por exemplo,
a necessidade de o recém-nascido possuir certos requisitos para gozar do status de “ser social”,
dos quais se não possuir, será considerado não como um ser integrante do grupo, mas como
algo sem personalidade, conforme é mais bem apresentado por ANDRADE (2019, p.556) a
seguir:

Nas populações indígenas brasileiras, pessoalidade é uma característica dos


indivíduos que possuem “alma” ou “vitalidade”, na maioria das vezes
entendido como uma de muitas características espirituais do eu, e o único que
pode a vir separar do corpo de uma pessoa [...] assim, na visão dos indígenas
pessoalidade e humanidade não são entendidas como qualidades isomórficas.
Desta feita, na ótica do indígena, o recém-nascido não possui personalidade
humana, porém sim, neste momento é iniciado o processo no qual os atributos
humanos irão de forma gradual sendo incorporados, e para este bebê adquirir
um nome é necessário que este apresente potencial de ser social, ou seja, ter a
capacidade de andar, se expressar e comer com certa liberdade.

Recapitulando, a prática do infanticídio ocorre quando a mãe, em conjunto ou sozinha,


assassina o neonato durante ou após o parto, sob influência do estado puerperal. Em se tratando
da prática de matar crianças indígenas devido ao juízo de valor étnico-cultural, popularmente
denominado infanticídio indígena, CAMACHO (2017, p.40) assevera que:

Muitos são os nomes dados à prática ameríndia de matar crianças, embora não
seja verificada em todas as etnias. Dentre esses estão infanticídio indígena,
homicídio, interditos de vida e também, sacrifício. Em uma visão jurídica, o
termo infanticídio indígena seria inapropriado, uma vez que o chamado
infanticídio, segundo o Código Penal Brasileiro, é o ato de a mãe, em estado
puerperal, matar o filho nascente ou neonato, constituindo aí crime previsto.
Assim, o protagonismo da mãe e seu estado puerperal são condições sine qua
non para a tipificação do crime.
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Esse “sacrifício”, dependendo do costume da tribo, pode ser motivado devido: ao


nascimento de gêmeos, aos filhos de mães solteiras, relações extraconjugais, o não
reconhecimento do pai do nascido como filho, quando possui deficiências ou até se forem
marcados por sinais de nascença.

O mesmo tratamento pode ocorrer a crianças que não têm o sexo desejado pelo grupo,
recém-nascidos “portadores de má-sorte” ou bebês desnutridos, tidos como “frutos de
maldição”. Essa prática pode acontecer até com crianças a jovens, de 2 a 15 anos de idade, que
são os que se tem relatos. Os recém-nascidos podem ser mortos por meio de envenenamento,
maus-tratos, soterramento e até desnutrição, como assevera o ex-deputado Henrique Afonso,
autor do Projeto de Lei 1.057/2007, em entrevista à Agência Senado (2021).

A doutrina e a jurisprudência abordam o infanticídio como um crime a ser


realizado durante o parto, ou logo após este, o que muitas das vezes não ocorre
nestas situações, visto que existem registros de crianças sendo mortas com
idade de 3, 4, 11 e até 15 anos de idade, e pelas mais diversas formas. Destaca-
se, que existe uma certa dificuldade em realizar um estudo estatístico
aprofundado sobre a quantidade de crianças indígenas que são vitimadas por
meio de tal prática a cada ano. Grande parte das mortes tem sido descritas
como caso de desnutrição ou por outras causas incompreensíveis, ocultando
desta forma dados oficiais, “Muitas das mortes por infanticídio vêm
mascaradas nos dados oficiais como morte por desnutrição ou por outras
causas misteriosas (causas mal definidas - 12,5%, causas externas - 2,3%,
outras causas – 2,3%)”, sobre esta prática, o que se nota é que grande parte
deste fato é descrevido por missionários, pesquisas antropológicas e ONGs.
Reitera-se que no Brasil, ainda não existem dados ou estudos oficiais a
respeito da prática do assassinato do recém-nascido pelas sociedades
indígenas no Brasil, de forma que, existem algumas pesquisas isoladas e
nenhuma delas ainda consegue representar a integralidade dos povos
indígenas no Estado brasileiro. (ANDRADE, 2019, p.584)

Isto posto, não existem registros oficiais nos órgãos governamentais, como a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) ou a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) acerca dos casos de
infanticídio indígena no Brasil, todavia, há registros documentados da prática entre grupos
indígenas ao longo dos anos através de documentários, livros, entrevistas com sobreviventes do
infanticídio ou pessoas que presenciaram os ocorridos.

Mesmo com as dificuldades decorridas da pequena quantidade populacional e


da baixa apuração de óbitos, por causa da prática de eliminar e as dificuldades
em registrar estas informações, observa-se que entre os anos de 1970 e 1999
as taxas de mortalidade tiveram variações entre 5 e 10 mortes por mil
habitantes, sendo a mortalidade do sexo feminino menor do que a do
masculino. Ainda nestes mesmos anos, o nível médio da mortalidade infantil
foi de 18,3 mortes por mil nascimentos vivos. E a idade média da população
39

é de jovens com 47% com menos de 15 anos de idade e 11% de maiores de 50


anos de idade. Todavia, nos últimos anos as relações dos Yanomamis com
pesquisadores se intensificaram bastante e essa nova condição de contato
ocasionou uma mudança no contexto social da prática do crime de eliminação
do indígena criança. Dados mais atuais da (FUNASA) e do Diretório de Saúde
(DSEI) – Yanomami, dos anos 2000 a 2010, nos apresentam informações
sobre a mortalidade infantil por infanticídio. Por 10 anos foram analisados os
números de casos de mortalidade infantil, e notou-se um grande aumento na
região Yanomami – Toototopi e com menores números temos as regiões de
Ajuricaba, Alto Padauri e Maia. [...] E sendo assim, o assassinato voluntário
dos filhos passou a constituir um dado importante para o declínio desta
população que começou a afetá-los. Em segundo lugar, os novos profissionais
da saúde e professores da própria comunidade Yanomami e suas lideranças
políticas, passaram a obter conhecimento do sistema de valores da sociedade
brasileira, e que a prática do assassinato de crianças não é moralmente aceita
e ainda é considerada como um crime. (ANDRADE, 2019, p.745)

O infanticídio indígena é uma prática relatada desde o período Brasil colônia, sendo
parte enraizada da cultura indígena, na qual a vida da criança percorre um caminho turvo numa
corda bamba em busca da aprovação para viver. “Além do aborto, também era praticado o
infanticídio. Segundo BERTONI, tal prática era comum entre os Guarani” (BERTONI, Apup
COLAÇO, p. 27).
Dentre as várias caracterizações de delitos qualificáveis nesse sentido, como aborto,
infanticídio, ou mesmo homicídio, se davam em razões de crenças constituídas ao decorrer de
séculos. Passando a se tornar, como qualquer outra cultura, difícil de se desvencilhar de
determinado grupo. Passando a ser algo cotidiano na vida indígena.
Sendo um dos percussores audiovisuais a relatar sobre a prática do infanticídio indígena,
o documentário “Quebrando o Silêncio” da indígena Sandra Terena, lançado em 2009, conta
com depoimentos reais de indígenas, pais de vítimas, testemunhas e sobreviventes, que
vivenciaram e presenciaram essa prática, com cerca de doze tribos do Alto Xingu e do
Amazonas participantes, como os Kamayurá, Ikpeng, Bakairi:

Marité e Tximagu Ikpeng (Tiveram que deixar sua aldeia para salvar seus tri-
gêmeos): A gente não queria perder os bebês. A gente não quer perder os
bebês! A gente ama as crianças! Então, eu sempre dizia assim: as crianças não
têm culpa de chegar no mundo. Então, eu senti no coração que tenho que criar
os três! São os meus filhos, né?! E, resolvi criar os três. Eu vou criar... Daqui
a alguns anos eles vão estar maiores, e vou ter orgulho deles!

Paltu Kamayurá (Pai que perdeu um filho gêmeo enterrado vivo): Agora meu
pensamento não é mais como o deles, não é mais pensamento de antropólogo,
que já estudou sobre a cultura do índio... Eles falam: “Este índio, deixa...deixa
eles viverem assim. Esta é a cultura deles”. Não é! Porque a cultura...não pára!
Ela anda! O pensamento também anda igual ao da cultura. Por isso que hoje,
a gente... estamos... estamos querendo criar, pegar todas essas crianças.
40

[...]
Não é o Governo, ONG, que... vai trazer essa solução para nós. Quem vai
decidir somos nós. Nós estamos procurando apoio para eles. Através dessa
conversa entre nós, através disso o Governo tem que nos atender. Soltar a
grana aí, para conseguir alguma coisa para melhorar a situação do problema
dos povos indígenas. Não só aqui..., Mas, no Brasil inteiro!

Lucia Bakairi: Por que nós não temos direito? Por que nós não temos direito?
Por que dizem: “Não, é cultura”. Isto não é cultura! Falta de conhecimento!
(QUEBRANDO O SILÊNCIO, 2007)

Em síntese, pode-se aduzir sobre essa prática nas tribos, conforme o documentário
anteriormente citado, VALADARES e SOUZA (2015, p.1) e respectivamente os estados em
que se encontram, de acordo com os dados obtidos no site da FUNAI, o compilado abaixo:

Quadro 4 – Tribos indígenas que praticam infanticídio


TRIBOS ESTADOS
Amondaua, Uru-eu-uau-uau. Rondônia
Bakairi, Bororo, Ikpeng, Kaiabi, Kamayaurá, Mato Grosso
Kuikuro, Mehinaco,
Deni, Jarawara, Mayoruna, Suruwaha, Ticuna, Amazonas
Parintin, Waurá, Yawalapiti.
Jaminawa Acre
Paracanã Pará
Uaiuai Roraima
Tapirapé Mato Grosso e Tocantins
Yanomami Roraima e Amazonas
Fonte: adaptado de VALADARES; SOUZA (2015, p.1), QUEBRANDO O SILÊNCIO (2009) e FUNAI (2021).

Percebe-se de acordo com o quadro expositivo, que a maior concentração de tribos


adeptas a prática de infanticídio compõe o Estado do Amazonas e do Mato grosso. Já os demais
estados com uma ou duas tribos envolvidas na prática são: Acre, Pará, Roraima, Tocantins e
Rondônia. Ou seja, a maior concentração de tribos indígenas ocupa aqueles primeiros dois
Estados, tendo o primeiro nove tribos, e o segundo, oito.

Portanto, podemos perceber que essa prática cultural de assassinar crianças,


ainda hoje é praticada no Brasil por algumas tribos indígenas e pelos mais
variados motivos, tais como: “a incapacidade da mãe para se dedicar ao
cuidado e atenção necessária para mais um filho; capacidade ou incapacidade
41

do recém-nascido para sobreviver dentro do ambiente físico e sociocultural


em que ele ou ela nasceu; e a preferência por um sexo sobre o outro”. Só para
exemplificar, as formas de eliminar os recém-nascidos variam, estes podem
ser abandonados nas florestas, enterrados vivos, envenenados, com flechadas,
sufocados com folhas ou golpeados com facão. (ANDRADE, 2019, p.604)

E até em informações mais recentes, através de dados contidos em ANDRADE (2019)


e em relatos de noticiários, se confirma a prática nas tribos Yanomami, Amundawa, Ureu-
wauwau, Kamayurá e Suruwahá. Importante ressaltar que não se pode nem aduzir quais tribos
deixaram de exercer essa prática, haja vista que nunca se teve dados oficiais a respeito, sempre
foram através das vítimas ou familiares e de testemunhas, só assim para tornar assunto ao
conhecimento público.

Não existem números precisos. De acordo com a assessoria de imprensa da


Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), cabe à Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) identificar esses casos, uma vez que se trata de um traço cultural. Já
a FUNAI alega que os dados devem ser obtidos na FUNASA, que gerencia as
atividades dos distritos sanitários nas aldeias. O pouco que se sabe sobre o
assunto provém de fontes como missões religiosas, estudos antropológicos ou
algum coordenador de posto de Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI)
que repasse as informações para a imprensa, antes que elas sejam enviadas ao
Ministério da Saúde e lá se transformem em ‘mortes por causas mal definidas’
ou ‘externas’ (SANTOS, 2007, p. 381).

Como o caso do índio Kakatsa Kamayura, que em entrevista à Agência Senado (2021),
relata que foi salvo por uma mulher desconhecida da prática do infanticídio. Ele conta que o
seu pai não o reconhecia como filho e que isso bastou como gatilho para que sua mãe tentasse
matá-lo. Essa história é interessante no ponto em que Kakatsa busca superação desse trauma ao
coordenar o projeto Tekonoe, cuja finalidade é a de impedir que outras crianças tenha a vida
ceifada. Essas práticas acarretaram ainda a criação de Organizações não Governamentais como
a ATINI – Voz pela vida, a fim de “garantir a socorro a todas essas crianças em risco”.

Sob o mesmo pano de fundo do multiculturalismo e seus limites, discute-se


no Brasil a delicadíssima questão do “infanticídio” indígena. Há etnias
brasileiras que aceitam e, em alguns casos, até prescrevem a eliminação de
determinadas crianças recém-nascidas. As mulheres da etnia Yanomami, por
exemplo, dão à luz na floresta e, em seguida ao parto, decidem se recolhem
ou não o neném do solo, só o considerando efetivamente nascido quando isto
acontece. Quando ocorre o abandono e óbito do recém-nascido, o fato não é
percebido como um homicídio, pois, pela cultura do grupo, o nascimento não
chegou a ocorrer. Em um contexto como este, surge a questão sobre a
legitimidade da intervenção estatal para evitar a morte do recém-nascido em
face do dever de respeito à diferença cultural. (SARMENTO, 2016, p.288)
42

Outro caso de grande notoriedade é o da índia Kayutiti Lulu Kamayurá, da tribo


dos Kamayurá, no Xingu, e filha de criação de Damares Alves, Ministra da Mulher, Família e
Direitos Humanos. Disposto na notícia de ATINI (2019), em que o tio biológico da índia relata
que ela seria morta por ser filha de mãe solteira, e que tinha sido até cavado um buraco para
enterrá-la. Sendo salva por uma enfermeira que estava pela região a serviço e foi criada por sua
tia, entretanto, a tribo ainda não a aceitou.

Portanto, a prática do assassinato de recém-nascido parece ser


majoritariamente ligada ao assassinato assistido/coagido; assassinato
relacionado a negligência; assassinato relacionado ao abuso; assassinato
relacionado à enfermidade mental da genitora e o seu perfil psicológico, que
em geral ocorre pela coerção dos próprios membros da comunidade, em outros
casos ocorre pelos genitores e familiares, e ainda, em muitas vezes existe um
ciclo de violência em que as mães se tornam incapazes de proteger o seu
próprio recém-nascido. Portanto, os menores que não se amoldam ao modelo
aceitável pela comunidade, estão fadados a eliminação, se não conseguirem
algum tipo de inserção na sua coletividade, adquirindo desta forma sérios
problemas de socialização. Deste modo, além do peso que o mito desempenha
nestas tribos indígenas, ao passo que as crianças que nascem com alguma
deficiência são vistas como uma maldição ou castigo para aquela tribo, junta-
se questões do cotidiano, como a preferência por filhos que possuam boa saúde
e estejam futuramente prontos para desempenharem ações como a pesca, a
caça e a plantação. (ANDRADE, 2019, p.629)

Apesar desta prática se estender até os dias em que se deu a produção deste trabalho,
ocorrer por preceitos específicos das aldeias, além de acarretar os assassinatos de crianças
indefesas, ainda geram consequências aos familiares, que costumam sofrer com a perda da
criança, como bem colocado por Barreto:

Faz parte da tradição cultural de algumas das tribos indígenas brasileiras a


rejeição de crianças portadoras de alguma deficiência (algumas etnias incluem
gêmeos e filhos de mães solteiras). Na maioria das vezes, ocorre o homicídio
destas crianças. Porém, apesar de se tratar de uma antiga tradição cultural, isso
não impede que os pais sofram ao cometerem este ato. Alguns se suicidam
logo após, por não suportarem a tristeza e a depressão; outros resistem às
pressões e se negam a praticar o ato. (BARRETO, 2008, p. 121)

Dessa forma, o infanticídio indígena traz uma disparidade entre os preceitos


constitucionais, o que seria de maior importância no bojo nacional, o direito à vida ou a defesa
das crenças indígenas? Haja vista que ambos ainda possuem respaldo no âmbito internacional
em que o Brasil é signatário, tanto o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, quanto aos
povos indígenas, no que tange a sua individualidade social, cultural, política e religiosa.
Nessa vertente, buscando-se erradicar essa conduta, foi apresentado o Projeto de Lei nº
43

1.057/2007, e em seguida, alterado pelo Projeto de Lei da Câmara nº 119/2015 que institui
dever do Estado agir quando esses costumes incorrerem em violações a direitos humanos,
reafirmando o respeito aos costumes tradicionais dos povos indígenas, conforme será
esmiuçado abaixo.

7 PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 119/2015

Como exposto no trabalho, a prática de atos que põe fim a vida de recém-nascidos e
jovens indígenas baseado em crenças, e tem chamado a atenção. Logo, o estado brasileiro
confeccionou inicialmente o Projeto de lei nº 1.057 de 11/05/2007, de iniciativa de Henrique
Afonso, que na época era Deputado Federal filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) do Acre.
O Projeto de lei 1.057/2007 proposto tinha em seu escopo a missão: “sobre o combate
a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas,
bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais”. Destaca-se que inicialmente
o projeto ficou conhecido como “Lei Muwaji” em homenagem ao caso de uma índia que se
opôs a sua tribo, os Suruwahas, para não matarem sua filha por ter nascido deficiente (BRASIL,
2007). O texto original submetido à apreciação do Plenário dispunha essa prática como
homicídios, conforme trecho:

Art. 2º. Para fins desta lei, consideram-se nocivas as práticas tradicionais que
atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como
I. homicídios de recém-nascidos, em casos de falta de um dos genitores;
II. homicídios de recém-nascidos, em casos de gestação múltipla;
III. homicídios de recém-nascidos, quando estes são portadores de
deficiências físicas e/ou mentais;
IV. homicídios de recém-nascidos, quando há preferência de gênero;
V. homicídios de recém-nascidos, quando houver breve espaço de tempo entre
uma gestação anterior e o nascimento em questão;
VI. homicídios de recém-nascidos, em casos de exceder o número de filhos
considerado apropriado para o grupo;
VII. homicídios de recém-nascidos, quando estes possuírem algum sinal ou
marca de nascença que os diferencie dos demais;
VIII. homicídios de recém-nascidos, quando estes são considerados
portadores de má-sorte para a família ou para o grupo;
IX. homicídios de crianças, em caso de crença de que a criança desnutrida é
fruto
X. de maldição, ou por qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por
desnutrição; (BRASIL, 2007)

Com o intuito de “respeitar as práticas tradicionais indígenas, desde que estejam


44

coerentes com os direitos humanos fundamentais”(BRASIL, 2007), o projeto tratava sobre a


obrigação de qualquer pessoa que vinha e ter conhecimento de que uma criança indígena
corresse o risco de morte, em comunicar à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), à
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ao Conselho Tutelar ou a qualquer autoridade policial
ou judiciária disponível, a sua omissão acarretaria pena de um a seis meses de detenção ou
multa.
E havendo a persistência dos pais ou da tribo, a criança seria retirada da família e levada
a um abrigo provisório, se não fosse possível a sua reintegração a comunidade deveria ser
encaminhado à adoção.
Ocorrida audiência pública em 05/09/2007 com a Comissão de Direitos Humanos e
Minorias, no qual foram abordados os prós e contras do Projeto de Lei, em que poderia acarretar
interferências no ciclo de convivência indígena. O documento foi aprovado pela Comissão, que
em relatório solicitou alterações no projeto, sendo a relatora a Deputada Janete Rocha Pietá.

Ocorre que o projeto em questão põe em evidência o forte dilema que envolve
o tema do infanticídio indígena, tanto entre os povos indígenas, quanto no
meio acadêmico, que conta com duas correntes antropológicas distintas. Por
um lado, argumenta-se que não há valores universais que orientam a
humanidade, mas, sim, valores inerentes a cada cultura, que define seus
próprios padrões de bem e mal e os utiliza para julgar o comportamento dos
indivíduos desse grupo social. Neste caso, há uma contraposição a qualquer
processo de mudança por se considerar que as presentes normas culturais são
perfeitas em si. Por outro lado, o argumento utilizado é que o homem
compartilha alguns valores, independentemente de sua cultura.
[...]
Também importante ressaltar que a proposição em tela tem como foco
principal assegurar o exercício dos direitos à vida e à saúde de crianças
indígenas, e nisso é de inegável relevância e merece prosperar. Entretanto, de
acordo com os argumentos apresentados, faz-se necessário aperfeiçoá-la,
adotando uma redação calcada na Declaração sobre os Direitos das Pessoas
Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Lingüísticas,
como também adequá-la à técnica legislativa. (BRASIL, 2015)

Com isso, teve parecer favorável da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e da


Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, pela “constitucionalidade, juridicidade,
técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação com as devidas alterações”, a votação da redação
final ocorreu em 26/08/2015 em Sessão Deliberativa Extraordinária, sendo remetido ao Senado
Federal (BRASIL, 2015).
Por conta das modificações, o projeto de lei foi alterado para Projeto de Lei da Câmara
nº 119/2015, passando a ser uma proposta de emenda ao Estatuto do Índio, abrangendo a recém-
nascidos, crianças e adolescentes, e já se referindo a essa prática como infanticídio ou
45

homicídio, conforme trecho abaixo:

Art. 1º A Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, passa a vigorar acrescida


do seguinte art. 54-A:
“Art. 54-A. Reafirma-se o respeito e o fomento às práticas tradicionais
indígenas, sempre que elas estejam em conformidade com os direitos
fundamentais estabelecidos na Constituição Federal e com os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos de que a República
Federativa do Brasil seja parte.
[...]
2º Os órgãos responsáveis pela política indigenista deverão usar todos os
meios disponíveis para a proteção das crianças, dos adolescentes, das
mulheres, das pessoas com deficiência e dos idosos indígenas contra práticas
que atentem contra a vida, a saúde e a integridade físico-psíquica, tais como:
I – infanticídio ou homicídio;
II - abuso sexual, ou estupro individual ou coletivo;
III - escravidão;
IV - tortura, em todas as suas formas;
V - abandono de vulneráveis;
VI - violência doméstica.
[...]
§ 4º Deverão os órgãos responsáveis pela política indigenista desenvolver
projetos e programas que visem, em especial, à proteção e à defesa de: I –
recém-nascidos, crianças e adolescentes rejeitados por um dos genitores,
familiares e/ou pelo grupo; II – recém-nascidos, crianças, adolescentes e
mulheres em casos de gestação múltipla; III – qualquer membro da etnia com
deficiência física e/ou mental; IV – recém-nascidos, crianças e adolescentes
rejeitados em virtude do sexo não desejado pela família ou grupo; V – recém-
nascidos, crianças e adolescentes, quando houver breve espaço de tempo entre
uma gestação anterior e o nascimento em questão; VI – recém-nascidos,
crianças e adolescentes, em casos que excedam o número de filhos
considerado apropriado para o grupo; VII – recém-nascidos, crianças e
adolescentes, quando esses possuírem algum sinal ou marca de nascença que
os diferencie dos demais; VIII – recém-nascidos, crianças e adolescentes
quando esses forem considerados portadores de má sorte para a família ou
para o grupo; IX – recém-nascidos, crianças e adolescentes desnutridos, seja
por falta de alimentos ou por terem sido impedidos de se alimentarem pela
ideia de que eles sejam portadores de má sorte para a família ou para o grupo;
X – recém-nascidos, crianças e adolescentes, filhos de pai ou mãe solteiros
e/ou viúvos e gestantes por etnia e/ou aldeia, proporcionando a elas
acompanhamento; [...] (BRASIL, 2015).

Com a aprovação dessa emenda, os órgãos responsáveis pela política indigenista, como
a FUNAI, deveriam usar de todos os meios possíveis para proteger crianças, mulheres,
adolescentes, pessoas com deficiência e idosos indígenas de práticas que atentam contra a vida,
a saúde e a integridade físico-psíquica.
46

Em suma, essa proposta tem a finalidade de modificar o Estatuto do Índio para garantir
o direito à vida, à saúde e à integridade física, abrangendo adolescentes, crianças, pessoas com
deficiência, mulheres e idosos indígenas. Além da responsabilização dos órgãos de assistência
indígena. Não é especificado a pena e nem a possibilidade de adoção, apenas aborda sobre o
afastamento da criança da comunidade, colocação em lugar seguro e posteriormente, se
possível, realizar o reingresso da criança a sua comunidade de origem.
Inclui também, o rol de ações que põe risco a vida, como: abuso sexual, escravidão,
estupro individual ou coletivo, tortura, violência doméstica e abandono de vulnerável. Em
suma, o projeto já foi aprovado por duas comissões temáticas e pelo Plenário da Câmara,
chegando no ano de 2015 ao Senado Federal.
Em novembro de 2016 foi realizada mais uma audiência pública promovida pela
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), o qual gerou grandes
debates, contra e a favor desse projeto de lei, e conforme Relatório da CDH, contou com a
participação de: Maira Barreto, doutora pela Universidade de Salamanca; Sandra Terena,
diretora e produtora do documentário "Quebrando o Silêncio"; Fernando Pessoa de
Albuquerque, representante da SESAI; Josué Palmari, líder do Movimento Indígenas a Favor
da Vida; Kakatsa Kamayura, líder do projeto Tekonoe; Artur Nobre Mendes, representante da
FUNAI; e Marianna Assunção F. Holanda, pesquisadora associada à Cátedra Unesco de
Bioética e Mestre em Antropologia Social (BRASIL, 2016).
Desde 15/10/2019, o projeto se encontra distribuído ao Senador Marcos Rogério, na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para emissão de relatório. Caso seja aprovado sem
mudanças pela Casa, o texto segue para sanção presidencial, estando disposto na “lista de
inciativas prioritárias para o governo” entregue pelo Presidente Jair Bolsonaro em fevereiro de
2021, conforme relata a Agência Câmara de Notícias (BRASIL, 2021).
Entendido sobre o semblante do referido projeto de lei, é mister e, não poderia deixar
de ser abordado, acerca dos debates em torno do projeto. Favoráveis ou em oposição? A seguir
mais detalhes sobre essa discussão.

7.1 OPINIÕES CONTRÁRIAS AO PROJETO DE LEI

Dentre os debates contra ao Projeto de Lei nº 119/2015, tem-se em entrevista à Agência


Senado (2021), relatos de importantes figuras a respeito, como por exemplo: Artur Nobre
Mendes, antropólogo e ex-presidente da Funai. Ele define a base do projeto como “uma série
47

de pressupostos falsos”, que tem influência religiosa, que ainda possui “caráter discriminatório”
por se referir a prática de infanticídio como “única e exclusiva dos povos e das sociedades
indígenas”. E ainda relata que:

O infanticídio cometido por alguns grupos, nas raras vezes em que ocorre, diz
respeito às reais possibilidades de sobrevivência da criança, da sua
possibilidade de se desenvolver como ser social pleno. Essa decisão é algo que
causa extrema dor, tristeza e desespero. É possível construir junto a essas
comunidades indígenas outras formas e soluções sem agredi-las, sem
criminalizá-la. (BRASIL, 2021).

Outra especialista contra a aprovação do Projeto de lei é a antropóloga e doutora em


Bioética pela Universidade de Brasília, Marianna Holanda, que em entrevista ao Senado (2021),
ressalta quanto a falta do aval de entidades relevantes a respeito do projeto de lei, como a
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Abip), o Conselho Nacional de Política Indigenista
(CNPI) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), e que os
dados no Brasil sobre infanticídio “não são alarmantes”, e que tal proposta tem o objetivo de
criminalizar os próprios povos indígenas. Além de ainda abordar:

A mortalidade de crianças indígenas se dá́ , em grande parte, pela dificuldade


de assistência à saúde. As principais causas são desnutrição, diarreia, viroses,
infecções respiratórias, falta de saneamento básico. Sabemos que pneumonia,
diarreia e gastroenterite são doenças facilmente tratáveis, desde que essas
crianças tenham acesso as políticas de saúde (BRASIL, 2021).

A antropóloga acredita que a falta atenção as políticas de saúde básica aos indígenas, e que essa
razão causaria por si só, mais problemas que a própria prática de infanticídio, que segundo ela
não tais dados não alarmantes se comparados as mortes por precariedade na saúde. A seguir, os
votos em consonância ao projeto.

7.2 OPINIÕES FAVORÁVEIS AO PROJETO DE LEI

Em conformidade, há inicialmente Henrique Afonso, autor do percussor Projeto de Lei


nº 1.057/2007, e apresenta uma série de “práticas tradicionais nocivas” que, segundo ele, são
adotadas em comunidades indígenas “por razões culturais”. Entre elas, o homicídio de recém-
nascidos por meio de envenenamento, soterramento, desnutrição e maus-tratos. De acordo com
o texto, algumas tribos “atentam contra a vida” de bebês pelo simples fato de serem gêmeos,
48

filhos de mães solteiras ou marcados por sinais de nascença ou deficiências. O mesmo


tratamento é praticado em desfavor a crianças que não têm o sexo desejado pelo grupo, recém-
nascidos “portadores de má-sorte” ou bebês desnutridos, tidos como “frutos de maldição”.
(BRASIL, 2021), e ainda relata que:

O Estado brasileiro deve atuar no sentido de amparar todas as crianças,


independentemente de origens, gênero, etnia ou idade, como sujeitos de
direitos humanos que são. Obviamente, as tradições são reconhecidas, mas
não estão legitimadas a justificar violações a direitos humanos. Práticas
tradicionais nocivas, que se encontram presentes em diversos grupos sociais e
étnicos do nosso país, não podem ser ignoradas e merecem enfrentamento, por
mais delicado que seja. (BRASIL, 2021).

Telmário Mota, senador e relator do PLC 119/2015 também é a favor do texto, no


parecer favorável da CDH em 2019, o senador argumenta que “crenças e práticas tradicionais
indígenas ocasionalmente implicam atos lesivos aos direitos fundamentais”, devendo ser
julgado pelo Congresso, sem adiamento. Alega ainda que:

Embora difícil a decisão, não devemos adiá-la. Temos de decidir, de uma vez
por todas, se vamos ficar presos a formas tradicionalistas de pensamento e
ação ou se vamos avançar rumo à inclusão de todas as nossas populações.
Portanto, sem hesitar, afirmamos que a modernização do Brasil requer a
extensão do respeito aos direitos humanos a todo local e a todas as vidas
brasileiras – e os indígenas são brasileiros, inclusive sob a forma da lei,
conforme o art. 5º de seu Estatuto. Ademais, estou seguro de que, se tratarmos
de melhorar as condições de vida das populações indígenas, a necessidade de
agir contra direitos fundamentais, o que às vezes a tradição indígena
aparentemente sugere, há de se desvanecer por si mesma. Mas, enquanto isso
não ocorre, direitos fundamentais têm sido desrespeitados entre nós, o que
causa danos à consciência nacional – e devemos agir para defender os
vulneráveis que possam ser alvejados por tradições que merecem ser
reavaliadas. (BRASIL, 2019)

Mota coloca como argumento principal a questão absoluta do direito à vida e a


dignidade, que não deve ser relativizada em favor da cultura, sendo isso, para ele, um “avanço
rumo à inclusão de todas as populações”. Uma modernização brasileira que tem como alicerce
o respeito aos direitos humanos. Marcos Rogério, senador e relator em Plenário do projeto
aprovado pela Câmara em 2015, relatou em Sessão realizada em 02/12/2019:
49

Eu tive a oportunidade de ser o Relator dessa matéria na Câmara dos


Deputados. Nós adotamos todas as cautelas em relação a esse tema. Aqui, não
há criminalização do índio, aqui há proteção da vida. É preciso separar isso.
O projeto não trata de criminalização do índio, porque, por mais que nós
reprovemos isso e por mais que a Constituição trate da vida como um bem
jurídico, com proteção absoluta... Se há uma proteção absoluta na Constituição
Federal, é à vida, que é um bem inviolável, indisponível. Também à do índio
– não há exceção na Constituição, se a vida é de índio ou não índio. (BRASIL,
2019, p. 2313)

Todavia, além das duas vertentes (contrários e a favoráveis) do projeto de lei, é


importante pontuar que além do direito à vida garantido constitucionalmente, também é
assegurado a vida digna a todos os povos, como o acesso à educação, saúde, saneamento, etc.
Em relação a saúde que iremos abordar adiante, a falta de assistências aos povos tradicionais.

8 A DESASSISTÊNCIA À SAÚDE

Assistência a vida digna engloba o direito a saúde, a educação, e outras, conforme


previsão Constitucional do art. 6º, atribuída a todos os brasileiros, sem distinção. Sendo assim
assegurado aos povos indígenas, dispostos ainda ao Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas criado em 1999, por meio da Lei nº 9.836/99, Lei Arouca.

No entanto, é notória a falta de acesso as assistências básicas, o Conselho Indigenista


Missionário (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), publicou
em 2020 o Relatório de Violência aos Indígenas com dados de 2019. O acesso a saúde é
precário, havendo falta de remédios, de médicos, saneamento básico, estrutura precária da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) o que eleva um tratamento que seria simples,
para um estado grave e consequentemente a óbito.

Em 2019, foram registrados pelo Cimi 31 casos de morte por desassistência


nas comunidades indígenas, nos estados do Acre (11), Amazonas (7), Bahia
(1), Pará (3), Rondônia (1), Roraima (2) e Tocantins (6). No Acre não há
saneamento básico nas aldeias e a estrutura precária da Secretaria Especial de
Saúde Indígena (Sesai) leva a uma completa desassistência aos povos. Faltam
médicos nas equipes de saúde, somando-se ao fato de que não há
medicamentos e equipamentos necessários, como barco, motor e combustível,
para o deslocamento das equipes e para os agentes de saúde removerem os
pacientes graves para as sedes dos municípios. Devido à falta de assistência
na aldeia e à falta de transporte para a remoção, muitos indígenas vão a óbito
sem o diagnóstico do que causou a morte. Este foi o caso do óbito de uma
mulher, que apresentava quadro de diarreia e vômito, mas cuja causa da morte
permanece desconhecida. [...] O Ministério da Saúde confirma que os casos
50

de malária na Terra Indígena (TI) Yanomami aumentaram 70% em relação ao


ano anterior, e que pelo menos quatro indígenas foram a óbito por causa da
doença. (CIMI, 2020, p. 187)

A desassistência sanitária teve um impacto muito grande na mortalidade indígena


infantil, já que a criança fica sem o mínimo necessário e está sujeita aos demais problemas de
saúde, sem remédios e assistência médica e sanitária adequada. Os casos por desassistência no
âmbito da saúde também foram alarmantes:

No ano de 2019, foram registrados pelo Cimi 85 casos relativos à


desassistência na área da saúde. Trata-se de dados parciais, visto que, em
geral, o registro de informações relativas à saúde indígena, está a cargo da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e no âmbito dos Distritos
Sanitários Especiais de Saúde (Dsei). Mesmo limitados, os dados de que
dispomos dão um panorama nacional sobre o descaso no atendimento à saúde
indígena no ano de 2019. Registramos casos nos estados do Acre (9), Amapá
(2), Amazonas (22), Distrito Federal (2), Maranhão (8), Mato Grosso (8),
Mato Grosso do Sul (4), Pará (9), Paraná (2), Rondônia (4), Roraima (5), Santa
Catarina (5), São Paulo (2), Sergipe (1) e Tocantins (2). (CIMI, 2020, p.170)

A questão da desassistência à saúde indígena não é um problema atual, desde o governo


do ex-presidente Luiz Inácio da Silva em 2010, houve uma grande pressão por segmentos do
movimento indígena e pelas ongs em geral. Em consequência, foi determinada a criação, por
medida provisória, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) dentro do Ministério da
Saúde. A alteração da Funasa para essa secretaria especial demorou mais de um ano, entretanto
os problemas ainda persistiram.
Vale destacar a reportagem da Rede Globo em 2014, acerca do infanticídio indígena,
em que expuseram a prática e opinião de especialistas e nativos, como a do antropólogo João
Pacheco sobre as crianças indígenas que nascem com deficiência físicas e incapacidade, que
são tidas como marginais na tribo, não podendo ser taxado o infanticídio indígena com
crueldade. A índia Silvia Waiãpi assevera sobre a falta de remédios e estruturas na aldeia, as
dificuldades que a tribo enfrenta na falta de acesso ao básico. (GLOBO COMUNICAÇÃO E
PARTICIPAÇÕES S.A, 2014)

Os índios sofrem pessoalmente com o atendimento, a trasladação para


hospitais, a indiferença das equipes médicas, os tempos de recuperação. Eles
reclamam, invadem as sedes regionais, exigem a presença do secretário da
Sesai. Quanto tempo mais será necessário para se estabilizar a assistência de
saúde aos índios está ainda por ser determinado. (GOMES,2012, p.118)
51

De acordo com o Relatório do Cimi, o documento destaca um aumento nos registros de


mortalidade de crianças até cinco anos de vida, o número elevou de 591, em 2018, para 825, no
ano seguinte, o salto se deu principalmente nos estados de Amazonas com 248 casos, Roraima
133, e Mato Grosso com 100 casos.

Com base na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), o Conselho


Indigenista Missionário (Cimi) obteve dados oficiais relativos à mortalidade
na infância - relativos a mortes de crianças de 0 a 5 anos. Os dados parciais,
fornecidos pela Sesai, dão conta da morte de 825 crianças nos estados do Acre
(66), Alagoas (3), Amazonas (248), Amapá (9), Bahia (16), Ceará (3),
Maranhão (29), Minas Gerais e Espírito (24), Mato Grosso do Sul (51), Mato
Grosso (100), Pará (49), Paraíba (4), Pernambuco (17), Paraná (11), Rio
Grande do Sul (18), Rondônia (7), Roraima (133), Santa Catarina (7), São
Paulo (6) e Tocantins (24).
[...]
O estado do Amazonas registrou o maior número de óbitos de crianças
indígenas, com 248 ocorrências, seguido de Roraima, 133 óbitos. Mato Grosso
vem a seguir, com o registro de 100 óbitos de crianças, especialmente entre o
povo Xavante, com 71 mortes. Diversas mortes ocorreram por doenças
tratáveis, como broncopneumonia, desnutrição, diarreia, malária ou
pneumonia. Um total de 114 crianças vieram a óbito por diferentes tipos de
pneumonia. Outras 53 morreram por diarreia e gastroenterite de origem
infecciosa presumível. O órgão de assistência à saúde registrou também 28
óbitos de crianças por morte sem assistência. Nos estados do Acre e do Mato
Grosso do Sul foram registrados 5 óbitos por influenza/gripe. Apesar de
parciais, os dados demonstram aumento na mortalidade de crianças de 0 a 5
anos, em relação aos anos de 2017 e 2018. (CIMI, 2020, p.186)

ANDRADE (2019, p.2933), ainda discorre sobre qual seria uma das soluções ao
infanticídio indígena: “Bem como, uma maior participação de médicos e profissionais da saúde,
instalando centros médicos nas aldeias”. Em entrevista transcrita e anexa em ANDRADE
(2019) do líder Xamã Yanomami Davi Kopekanawa pelo Procurador de Justiça do Estado de
Roraima, Edson Damas, revela-se que um dos motivos da continuidade do infanticídio indígena
é decorrente da tribo não conseguir cuidar dos recém-nascidos que precisam de mais cuidados,
tendo em vista que nem o básico é fornecido.

A falta de assistência mínima, que tem relação direta ao princípio da dignidade da pessoa
humana, é um fator determinante para que em alguns casos, o infanticídio seja praticado. Ao
ser indagado a respeito de uma forma para erradicar essa prática, Davi Kopenawa afirma que:

Davi Kopenawa: Para parar tem que ter apoio nosso, com governo, com a
Funai, Isa, diocese tambem, funasa, área da saúde, se tiver bom apoio forte,
52

melhoraria muito, pois apoio fraco, o medicamento não tem, os médicos não
chega para tratar as crianças, os médicos não anda nas comunidades para fazer
tratamento, remédio bom e medico bom, o médico amigo do índio que gosta
de cuidar criança, fala com pai e fala com mãe, fala com jovem para não fazer
mais.(ANDRADE, 2019, p.3320)

Kopenawa revela uma ótica educacional e acredita que a assistência não apenas traria
estrutura médica e medicamentos aos índios, mas também educação. Pode ser aduzido que um
dos motivos da continuidade do infanticídio, além da questão de costume e cultura, está
diretamente ligado à desassistência médica aos povos indígenas, que continuam morrendo por
doenças simples que tem tratamento. Nesse exato e oportuno ponto é que surge uma reflexão
importante em torno dessa pesquisa: Apenas o prosseguimento do Projeto de Lei da Câmara nº
119/2015 resolveria o problema?
53

9 METODOLOGIA

Para a execução deste trabalho, a escolha adequada de pesquisa a ser utilizada foi
indispensável, pois trata-se de uma etapa primordial para a sua concretização. Além disso, é
através desta que se alcançou os objetivos desejados, dentre estes, a resposta da problematização
do trabalho em questão.
Quanto aos procedimentos técnicos, a escolha da pesquisa bibliográfica se fez
necessário para a efetivação deste, por ser considerada um procedimento formal com método
de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico. “Dessa forma, a pesquisa
bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia
o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras”
(LAKATOS, MARCONI, 2010, p.183).
Importante ressaltar sobre a complexidade em obter dados, sobre a prática denominada
como infanticídio indígena. Dessa forma, para o desenvolvimento do tema, foram usados como
fontes, devido a precariedade informacional sobre o assunto, notícias, relatos, livros, artigos e
documentários relacionados ao tema.
Ainda, para melhor desenvolvimento deste trabalho, foi utilizado o uso da abordagem
qualitativa, a qual tem a função de fortalecer a pesquisa.

[...] aborda a distinção entre leis e teorias do ponto de vista de sua


característica “qualitativa”: a possibilidade de as primeiras, que domina de
“leis experimentais”, formularem relações entre características observáveis,
ou experimentalmente determináveis, de um objeto de estudo ou classe de
fenômenos, ao contrário das segundas, denominadas “leis teóricas” ou,
simplesmente, “teoria”. (LAKATOS, MARCONI, 2010, p. 109)

E para atender aos objetivos, utilizou-se a Pesquisa Exploratória, que serve para
fortalecer um argumento e complementar as informações. A coleta de dados se prosseguiu,
devido à importância desta, em livros, dispositivos legais, artigos, notícias, sites institucionais
e documentários relacionados ao tema disposto.

Tal tipo de pesquisa ajuda o pesquisador a compreender ou aprimorar o


conhecimento sobre um determinado assunto, de modo que, após o seu
término, seus resultados possam levar a outras pesquisas com novas
abordagens. Devido a isso, uma pesquisa de cunho exploratório é muito
comum quando se faz um estudo bibliográfico. (CARVALHO, et al, 2019,
p.33)
54

Portanto, foram combinados diversos estudos feitos em diferentes métodos, sendo eles
experimentais, assim ampliando e preenchendo as lacunas do trabalho, utilizando-se da
pesquisa bibliográfica, a qual teve como principais fontes: ANDRADE (2019), CAMACHO
(2017), GOMES (2012), SARMENTO (2016) e CASTILHO (2018).
55

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, foram apresentados, preliminarmente, em âmbito nacional e internacional,


dispositivos normativos favoráveis aos indígenas e as suas práticas culturais, todavia, há
também a primazia constitucional e universal da proteção a vida e a dignidade humana. A partir
desses parâmetros, gera o conflito com a prática do infanticídio indígena. No entanto, a vida
deve ser assegurada em todos os aspectos, não apenas com a sanção do Projeto de Lei da Câmara
119/2015, como também em atenção especial para estas sociedades, para que detenham o
mínimo existencial e digno, gerando benefícios basilares para todos.
Dessa forma, frente a tudo o que foi apresentado neste trabalho, tem-se que a ocorrência
do infanticídio em tribos indígenas brasileiras não se justifica pelo amparo legal da Constituição
Federal a defesa da cultura dos povos tradicionais. Isso, porque o direito à vida antecede todo e
qualquer direito, sendo condição para se adquirir os demais direitos. Sendo, no rol dos bens
tutelados, a vida, o bem mais importante. Conquistado após históricos atentados a vida humana.
Posto isso, há de se mencionar que em todas as transformações normativas que a história
brasileira sofreu, não houve lei que se preocupasse mais com a vida humana do que Constituição
Federal de 1988, que fez questão de destacar em seus primeiros artigos, direitos basilares
inerentes a qualquer pessoa, independentemente de sua condição. Convém destacar, que tais
conquistas vieram a partir de uma sensibilização mundial sobre as atrocidades praticadas nas
guerras. O que contribuiu para que o ser humano não tivesse preço, mas um valor
inquestionável.
É de suma importância justificar, ainda, que a proteção à vida não deve ser o único
direito a se pesar nesse conflito, pois a Constituição não apenas defende a vida, como também
determina que seja respeitada o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos
mais importantes em todo o ordenamento jurídico brasileiro. E se refere a um vestuário básico,
lazer, educação, saúde, alimentação, dentre vários outros.
Então, não bastando que alguém tenha somente a vida assegurada, sendo necessário que
este alguém obtenha todos os benefícios elencados anteriormente. É o que Masson (2016),
chama de tarefa multifacetada, que seria uma espécie de tarefas múltiplas (prestação de
educação, saúde etc.) onde o Estado é obrigado a oportunizar a toda e qualquer pessoa (fazendo
parte, obviamente, as crianças indígenas) assistência básica em todas as áreas de necessidade
humana.
Dado isso, não basta que o Estado criminalize o infanticídio indígena, ou mesmo que
retenha as crianças indígenas do seu seio natural. O Estado precisa instituir políticas de
56

socialização e de conhecimento, educação, no meio indígena, para que esses atos seculares não
sejam mais praticados. É certo reafirmar, que nesse conflito, deve-se sobressair o direito a poder
viver, e muito além disse, a viver dignamente. O que invoca uma questão bastante importante,
também: a desassistência. Tem-se, de acordo com o que foi disposto, que a desassistência de
natureza médica e sanitária dificulta a resolução do problema ora apresentado, agravando os
sintomas do infanticídio.

Com a desassistência não há dignidade, então, para que as crianças indígenas recebam
proteção estatal, efetivamente, não apenas servirá como apoio o Projeto de Lei da Câmara
119/2015, sendo necessário, também, que as tribos indígenas brasileiras tenham acesso a
médicos, demais profissionais da saúde, remédios, e um sistema básico de saneamento.

O índio Davi Kopekanawa foi bastante pertinente no comentário que fez em sua
oportuna entrevista, no qual afirma que somente a partir da integração dos médicos nas aldeias
indígenas, aqueles poderiam auxiliar estes a não procederem a prática do denominado
infanticídio indígena. É plenamente perceptível nessas palavras, a possibilidade de iniciativa de
processo educacional.

E sabe-se que, todo processo de transformação social envolve, acima de tudo,


amadurecimento e educação, com adição de, principalmente, tempo. Fazendo com que a
população indígena passe a ter uma nova visão sobre a inclusão das crianças com deficiência,
desnutrição, ou demais condições incapacitantes. Dessa forma, com o Estado materializando
políticas de assistencialismo em conjunto com o Projeto de Lei 119/2015, no que tange aos
recém-nascidos e crianças envolvidas, o problema principal de que trata este trabalho passa a
ser passível de solução.

As práticas do infanticídio podem se justificar por inúmeros motivos, por seguimento


cultural ou em consequência a desassistência, todavia, o devido cumprimento de todos os
órgãos de proteção indígena em conjunto as legislações, resultarão em um impacto positivo a
vida dos índios. Haja vista que dentre as inúmeras opiniões de especialistas sobre essas
ocorrências, a preocupação em comum de todos é referente ao melhor para a vida indígena.

Vale ressaltar, que são diversas as causas e meios com que se é realizado o infanticídio
indígena. As formas de dar fim a vida de um recém-nascidos variam, segundo Andrade (2019),
podendo ser abandonados em florestas, envenenados, enterrados ainda com vida, ou mesmo
com flechadas, asfixiados ou a golpes de facão. as causas são as mais diversas, entre nascer
57

com deficiência, gêmeo, filho de mãe solteira, ou mesmo, quando a criança tem dificuldade
para se desenvolver.

Nesses casos, é perceptível uma conexão com o tema da desassistência. Pois o que
garante que uma criança cresça com saúde é a devida assistência estatal. Então, a considerável
razão por trás das atitudes resultantes em infanticídio seriam sanáveis apenas com assistência
médica e sanitária no seio das aldeias indígenas.

Não obstante, a devida assistência e conhecimento poderão assim surtar em efeitos


positivos, a fim de contribuir para a erradicação do infanticídio indígena no Brasil, além do
devido cumprimento constitucional da premissa máxima do direito a vida e a existência digna,
ou seja, além da proibição dessa prática, há necessidade do devido amparo do Estado aos povos
tradicionais.
58

REFERÊNCIAS

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cultura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

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64

ANEXOS

ANEXO A- PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 119/2015

SENADO FEDERAL
PROJETO DE LEI DA CÂMARA

Nº 119, DE 2015
(Nº 1.057/2007, na Casa de origem)

Acrescenta o art. 54-A à Lei nº 6.001, de 19 de


dezembro de 1973, que dispõe sobre o
Estatuto do Índio.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º A Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, passa a vigorar


acrescida do seguinte art. 54-A:

“Art. 54-A. Reafirma-se o respeito e o fomento às


práticas tradicionais indígenas, sempre que elas estejam em
conformidade com os direitos fundamentais estabelecidos
na Constituição Federal e com os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos de que a República
Federativa do Brasil seja parte.

§ 1º É dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos


Municípios bem como das autoridades responsáveis pela
políticaindigenista zelar pela garantia do direito à vida, à saúde
e à integridade física e psíquica das crianças, dos adolescentes,
65

das mulheres, das pessoas com deficiência e dos idosos


indígenas deacordo com a legislação brasileira, inclusive com
o auxílio de entidades e associações não governamentais.

..............................................................................................

2º Os órgãos responsáveis pela política indigenista


deverão usar todos os meios disponíveis para a proteção das
crianças, dos adolescentes, das mulheres, das pessoas com
deficiência e dos idosos indígenas contra práticas que atentem
contra a vida, a saúde e a integridade físico-psíquica, tais
como:

I – infanticídio ou homicídio;

II – abuso sexual, ou estupro individual ou coletivo;

III – escravidão;

IV – tortura, em todas as suas formas;

V – abandono de vulneráveis;

VI – violência doméstica.
§ 3º Os órgãos responsáveis pela política indigenista também
deverão garantir a proteção e o auxílio a qualquer pessoa,
inclusive a membros das etnias que decidirem não permitir
expor ou submeter crianças, adolescentes, mulheres,
pessoas com deficiência e idosos a práticas que coloquem em
risco a vida, a saúde e a integridade física e psíquica deles.

§ 4º Deverão os órgãos responsáveis pela política


indigenista desenvolver projetos e programas que visem, em
especial, à proteção e à defesa de:

I – recém-nascidos, crianças e adolescentes rejeitados por


um dos genitores, familiares e/ou pelo grupo;

II – recém-nascidos, crianças, adolescentes e mulheres


em casos de gestação múltipla;
III – qualquer membro da etnia com deficiência física e/ou
mental;
IV – recém-nascidos, crianças e adolescentes rejeitados
66

em virtude do sexo não desejado pela família ou grupo;

V – recém-nascidos, crianças e adolescentes, quando


houver breve espaço de tempo entre uma gestação
anterior e o nascimento em questão;

VI – recém-nascidos, crianças e adolescentes, em casos


que excedam o número de filhos considerado apropriado para o
grupo;

VII – recém-nascidos, crianças e adolescentes, quando


esses possuírem algum sinal ou marca de nascença que os
diferencie dos demais;

VIII – recém-nascidos, crianças e adolescentes quando


essesforem considerados portadores de má sorte para a família
ou parao grupo;

IX – recém-nascidos, crianças e adolescentes


desnutridos, seja por falta de alimentos ou por terem sido
impedidos de se alimentarem pela ideia de que eles sejam
portadores de má sorte para a família ou para o grupo;

..............................................................................................

X – recém-nascidos, crianças e adolescentes, filhos de pai


oumãe solteiros e/ou viúvos e gestantes por etnia e/ou aldeia,
proporcionando a elas acompanhamento; e

XI – idosos.
§ 5º Os órgãos públicos, sobretudo o responsável direto
pela saúde indígena, dentro de suas atribuições e em suas
estruturas regionais, deverão manter cadastro atualizado de
mulheres gestantes por etnia e/ou aldeia e
proporcionar a elas acompanhamento e proteção durante
todo o período gestacional e, ao verificarem que a criança gerada
corre risco de vida, poderão, com anuência da gestante, removê-
la da aldeia, atendendo as especificidades de cada etnia.

§ 6º Os órgãos responsáveis pela saúde indígena deverão


direcionar atenção especial às mulheres indígenas com
gravidez de risco e às gestantes que sejam solteiras, viúvas, que
67

foram abandonadas pelos companheiros ou que estiverem


gerando:

I – mais de uma criança, no caso de gestação gemelar ou


gestação múltipla;

II – criança diagnosticada com deficiência ou


qualquer problema de saúde;

III – criança cuja paternidade seja duvidosa;

IV – criança considerada como excesso no número de


filhosadequado para o grupo;

V – criança gerada em decorrência de estupro ou abuso


sexual;

VI – criança que seja, por medo, ideia, ou


superstição, considerada indesejada.

§ 7º É dever de todo cidadão que tenha conhecimento das


situações de risco informar, notificar, comunicar ações e/ou
atos que violam a vida, a saúde e a integridade física e psíquica
de gestantes, nascituros, recém-nascidos, crianças,
adolescentes, pessoa com deficiência, mulheres e idosos
indígenas, por qualquer motivação, sob pena de ser
responsabilizado na forma das leis vigentes.

§ 8º As autoridades descritas no § 1° deste artigo serão


igualmente responsabilizadas, na forma das leis vigentes,
quando não adotarem, de maneira imediata, as medidas cabíveis
para a proteção e defesa das crianças, adolescentes, mulheres,
pessoas com deficiência e idosos indígenas em situação de
risco.

§ 9º O comunicante de atos e ações que violam a vida, a


saúde, a integridade física e psíquica dos indígenas terá
garantidaa preservação de sua identidade se assim desejar.

§ 10. Sem prejuízo das prerrogativas dos órgãos e


autoridades constituídos para a defesa das crianças,
adolescentes, mulheres, pessoas com deficiência e idosos no
Brasil, caberão às ouvidorias dos órgãos que desenvolvem a
68

política indigenista:

..............................................................................................

I – receber as notificações e comunicados de infanticídio,


homicídio, escravidão, tortura, abandono, abuso e exploração
sexual, estupro, atentado violento ao pudor, maus-tratos e
outros tipos de violência contra crianças, adolescentes, pessoas
com deficiência, mulheres ou idosos indígenas;

II – encaminhar imediatamente as notificações


e comunicados ao Ministério Público e às demais
autoridades competentes para a devida apuração da notícia de
violação dos direitos dos recém-nascidos, crianças,
adolescentes, pessoas com deficiência, mulheres ou idosos
indígenas tipificada no inciso I deste parágrafo.

§ 11. Após a apuração dos fatos, preferencialmente


acompanhada de estudos antropológicos e psicológicos,
se constatada a disposição dos genitores, dos familiares ou do
grupoem persistirem em práticas que coloquem em risco a vida,
a saúdeou a integridade física dos vulneráveis, deverão os
orgãos e autoridades competentes promover a retirada
provisória deles do convívio da família ou do respectivo grupo
e determinar a sua colocação em lugar seguro, observando as
especificidades de cada etnia.

..............................................................................................

§ 12. Após afastados definitivamente os riscos, é dever


das autoridades indicadas no § 11 fazer gestões para promover
o reingresso dos vulneráveis em suas comunidades de
origem sempre que possível.”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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