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CAMPUS AUGUSTINÓPOLIS
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
AUGUSTINÓPOLIS - TO
2021
LORENA DOS SANTOS SILVA
AUGUSTINÓPOLIS - TO
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da Universidade Estadual do
Tocantins
O infanticídio indígena, denominado assim pelos autores, se refere ao ato de assassinar crianças
indígenas. fato que é praticado pela própria tribo, sejam os pais ou demais integrantes. A razão
para tal se baseia em crenças e costumes específicos de cada grupo. O ato é compreendido como
uma expressão cultural. Ocorre que a cultura indígena é amplamente protegida pela
Constituição Federal de 1988, visando a proteção e preservação. Todavia, o referido costume é
conflitante ao direito à vida, também amparado pela Magna Carta e ainda pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que ampara esse direito a qualquer ser humano,
independentemente de sua condição. O presente estudo teve como objetivo geral abordar o
conflito entre o direito à vida e a proteção a cultura, através da análise de livros, relatos, notícias,
instrumentos internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, como,
também, a Constituição Federal. O método a ser desenvolvido foi a pesquisa bibliográfica. Para
atender aos objetivos utilizou-se a pesquisa exploratória, e na abordagem a pesquisa qualitativa.
Como considerações finais, chegou-se no pensamento de que a prática de infanticídio não pode
ser justificada pela tutela Constitucional de defesa as práticas culturais, porque o direito à vida
antecede demais direitos e deve ser somado ao princípio da dignidade da pessoa humana,
ficando assim, mais forte. As pessoas devem ter o direito a viver, e além disso, o direito a viver
dignamente. Chegou-se à conclusão, também, que o Projeto de Lei 119/2015 não deve ser tido
como única solução, sendo necessária, a concretização de políticas de natureza sanitária e
médica, integrando assim, o assistencialismo no seio das tribos indígenas.
Indigenous infanticide, so called by the authors, refers to the act of murdering indigenous
children. conduit that is exercised by the village itself, being able to see or not the parents, and
when not the parents, the members of the village. this happens based on the unique beliefs and
customs of each people. The fact is understood as a cultural expression. however, the
indigenous tradition is largely protected by the Federal Constitution of 1988, which seeks
mainly the protection and preservation of peoples. However, this custom clashes with the right
to life, also protected by the Constitution and the Universal Declaration of Human Rights, which
defends this right to any human being regardless of their condition. this study aimed to talk
about the conflict between the right to life and the protection of culture, through the analysis of
books, reports, news, international instruments, such as the Universal Declaration of Human
Rights, as well as the Constitution. The scientific method to be implemented was the
bibliographic research. For the objectives, exploratory research and a qualitative approach were
used. In the final considerations, it was thought that the practice of infanticide cannot be
justified by the constitutional protection of cultural practices, as the right to life is prior to other
rights and must be added to the principle of human dignity, thus strengthening itself. People
must have the right to live and, in addition, the right to live in dignity. It was also concluded
that Bill No. 119/2015 should not be seen as the only solution, as it is necessary to implement
health and medical policies, thus integrating assistance to the villages.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
2 BREVE EVOLUÇÃO DOS DIREITOS INDÍGENAS NO BRASIL ...................... 14
2.1 DIREITOS INDÍGENAS – BRASIL COLÔNIA........................................................... 14
2.2 DIREITOS INDÍGENAS - BRASIL IMPÉRIO ............................................................. 18
2.3 DIREITOS INDÍGENAS – BRASIL REPÚBLICA ...................................................... 21
3 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ...................................................................... 23
3.1 DIREITOS DOS ÍNDIOS ............................................................................................... 23
3.2 DIREITO À VIDA E A DIGNIDADE HUMANA ........................................................ 25
4 DISPOSITIVOS INTERNACIONAIS ........................................................................ 28
4.1 DIREITOS HUMANOS ................................................................................................. 28
4.2 DIREITOS DOS ÍNDIOS ............................................................................................... 31
5 INFANTICÍDIO ............................................................................................................ 34
6 INFANTICÍDIO INDIGENA ...................................................................................... 35
7 PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 119/2015 ........................................................ 43
7.1 OPINIÕES CONTRÁRIAS AO PROJETO DE LEI ..................................................... 46
7.2 OPINIÕES FAVORÁVEIS AO PROJETO DE LEI ...................................................... 47
8 A DESASSISTÊNCIA À SAÚDE ................................................................................ 49
9 METODOLOGIA ......................................................................................................... 53
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 55
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 58
ANEXOS ................................................................................................................................. 64
ANEXO A- PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 119/2015 ................................................. 64
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1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 adveio após um turbulento período de violação da vida humana,
tendo como base por esta razão, a defesa dos direitos humanos, os tratando como basilares e essenciais a
qualquer indivíduo, tais como dignidade da pessoa humana e direito à vida. Ocorre que, ao mesmo tempo,
a CF também determina, na mesma linha de raciocínio, a proteção a cultura dos diferentes povos
tradicionais. Isto, em decorrência histórica dos períodos sombrios ao qual tais povos foram submetidos.
No entanto, é na cultura de alguns desses povos tradicionais que existem tradições/práticas, que são
denominadas por alguns doutrinadores como “infanticídio indígena”.
O infanticídio indígena consiste no ato da subtração da vida de uma criança indígena, seja por
parte da própria tribo em que convive, ou mesmo dos pais. A razão para isso consiste em crenças
específicas de cada tribo, que além de receber proteção constitucional, está isolada e distante dos olhos
estatais, possuindo alta margem de liberdade sobre os seus cultos. Isso pode ser um ponto positivo para a
preservação da diversidade e individualidade, e um ponto negativo em termos de assistência médica e
sanitária. Diante deste contexto, surge o seguinte problema: A ocorrência do infanticídio em tribos
indígenas brasileiras se justifica pelo amparo legal a preservação das culturas tradicionais?
O presente estudo teve como objetivo geral abordar o conflito entre o direito à vida e a
proteção à cultura no contexto indígena brasileiro. Por ser uma prática existente sem muito
conhecimento popular ou mesmo dados, realizou-se uma análise de dispositivos internacionais, tais
como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção nº169 da
Organização do trabalho, e, a nível nacional, a Constituição Federal e o Estatuto do índio. Tal
análise possui um viés principiológico, pois o direito à vida e a dignidade da pessoa humana
são usados como parâmetro base.
Como objetivos específicos, buscou-se externar apontamentos sobre o Projeto de Lei
1.057/2007 e o subsequente Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 119/2015 e sua contribuição para
a problemática deste trabalho. Atentou-se, também, para a questão da desassistência médica
como agravante na realidade indígena, indicando se seria ou não um fator contribuinte para a
prática do infanticídio, além expor as demais causas motivadoras deste fato.
O assunto é relevante, tanto a nível nacional, como a nível internacional, no ponto em
que o principal parâmetro de debate da problemática envolve o direito à vida, que é inerente a
qualquer ser humano. O tema envolve o equilíbrio entre a sociedade comum e as comunidades
tradicionais brasileiras, sobre qual aquela busca proteger e preservar. No entanto, o fato
intitulado como infanticídio indígena invoca a preocupação social com as crianças vítimas, o
que busca atrair a atenção estatal e demais instrumentos capazes de solucionar o problema.
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Ao se falar em direitos indígenas no Brasil, não há como se iniciar senão pelo período
Brasil colônia, momento historicamente lembrado pelo não reconhecimento de direitos
fundamentais. A referida turbulência ocasionada pela invasão europeia nas terras brasileiras
causou enorme impacto de natureza humanitária, onde foi instalada pelos portugueses uma
confusa preocupação sobre a situação indígena.
O que se tinha eram normas oriundas das Ordenações das Coroas de Portugal e Espanha
no sentido de orientar para que os povos nativos das terras brasileiras fossem bem tratados. Só
que em contrapartida, havia a previsão de escravização, castigos rigorosos e o envio
compulsório à Lisboa. PERRONE-MOISÉS (1992, p.115) dispara sobre essas legislações
como: “Contraditória, oscilante, hipócrita: são esses os adjetivos empregados, de forma
unanime, para qualificar a legislação e a política da Coroa portuguesa em relação aos povos
indígenas do Brasil colonial.”.
Havia essa política sobre um tratamento justo aos índios, enquanto sob o mesmo ímpeto,
normas de natureza questionável na época, trazia confusão. O que ficou nítido foram que apenas
as terras indígenas e mão de obra importavam aos colonos, rejeitando-se direitos e garantias
fundamentais que tardiamente vieram a ser reconhecidos pelo Brasil. Mas, considerando-se o
que tinha de legislação na época, tem-se que:
Então, mesmo sendo reconhecida a existência dos índios em terras brasileiras, eles não
eram vistos como pessoas de direitos. A norma presente na época até que possibilitaria aos
indígenas a aquisição ou alcance de direitos, porém, para que isso acontecesse, eles deviam
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negar o que sempre foram e passassem a viver, exclusivamente, a cultura, tradições e religião
dos portugueses, dentre outras condições impostas pelos colonos. O quadro a seguir trata dos
principais, dentre a mais diversas normas, alvarás, regimentos, leis e carta régias dispostas sobre
os indígenas.
Dessa forma, afere-se que as legislações relacionadas aos índios no período colonial
eram esparsas e contraditórias, que mesmo incoerente, não deixou de confiscar as vidas
indígenas e de proibir a prática da língua nativa. Além da possibilidade de declarar guerra contra
os índios, em que eram agredidos, realocados, aprisionados em cativeiros, dentre outras
medidas cruéis. Tal método perpetuado pelos indivíduos invasores se instaurava quando os
índios se tornavam empecilho ao processo de colonização.
Em nenhum momento houve direitos ou mesmo a liberdade real aos índios, visto que
apesar de haver liberdade declarada nas normativas da época, também era previsto o instituto
da guerra justa, sendo um instrumento bastante usado pelos portugueses para garantirem a
escravização em caso de resistência dos colonizados.
de tais pessoas. O que acabou prolongando por mais tempo não apenas a luta indígena, mas
também seu sofrimento. Mesmo que a Carta Magna não estabelecesse a real situação indígena
no País, vale salientar as demais normas que surgiram durante o período Brasil império.
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Regimento das Missões Instaura as Diretorias Gerais dos índios em cada província;
(Decreto n. 426 de 24 de dispõe sobre o regulamento, favorece a catequese, proíbe os
julho de 1845) maus-tratos e a servidão dos índios; obriga os índios ao
serviço público, sob orientação dos poderes locais, mediante
salário, e ao serviço militar, mas sem coação, e determina
prisão correcional de até seis dias; Permitiu a remoção e a
reunião de aldeias, o arrendamento de terras e o aforamento
para habitação; poderiam receber, pela Carta Sesmarias, terras
desvinculadas a aldeia depois de 12 anos de cultivo, se
tivessem um bom desenvolvimento industrial e
comportamental.
Lei das Terras de 1850 Oficializou o latifúndio, não permitindo o direito de posse,
para o registro das terras era necessária a apresentação de
doações de sesmarias ou a compra às províncias, o que acabou
excluindo pequenos lavradores independentes e muitas
aldeias indígenas
20
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Importante ressaltar que o Regimento das Missões, por ter cunho indigenista, trata-se de
um documento inédito no período Império, “[...] é o único documento indigenista geral do
Império. Detalhado ao extremo, é mais um documento administrativo do que um plano político.
Prolonga o sistema de aldeamentos e explicitamente o entende como uma transição para a
assimilação completa dos índios”. (CUNHA, 1992, p.139)
Essa fase ainda segue a premissa que o índio necessita ser controlado e convertido a
cidadão, no qual precisa deixar seus costumes e cultura para civilizar-se conforme a sociedade
dos colonos, vista como necessária ao processo de colonização. Dessa forma, ainda é mantida
a ideia de supremacia e rigidez em relação aos índios.
Além de tudo que já tinham passado no período colonial, os índios no período império
foram mais uma vez subjugados e deixados de lado ao serem tratados como seres incapazes de
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raciocínio. Eles eram utilizados como servos, sendo desapossados das poucas terras que ainda
os restavam. Ademais, apenas começaram a ser tratados como pessoas com direitos e serem
considerados capazes de externar vontade, a partir do período Brasil República, como se mostra
adiante.
O início desse período, em especifico as primeiras duas décadas, foram marcadas por
conflitos em decorrência da grande exploração econômica por novos territórios, como ferrovias,
estradas etc. Sem nenhuma regulamentação preocupada com a real situação indígena. Como
bem diz Ribeiro:
Nos primeiros vinte anos de vida republicana nada se fez para regulamentar
as relações com os índios, embora nesse mesmo período a abertura de
ferrovias através da mata, a navegação dos rios por barcos a vapor, a travessia
dos sertões por linhas telegráficas houvesse aberto muitas frentes de luta
contra os índios, liquidando as últimas possibilidades de sobrevivência
autônoma de diversos grupos tribais até então independentes. (RIBEIRO,
2017, p.15)
Conforme o tempo passava, não apenas a luta indígena era prolongada, como também
as chances de que os últimos povos preservados sobrevivessem. E embora as Constituições de
1934, 1937, 1946 e 1967 não demonstrassem interesse em tutelar os direitos dos índios, a
situação começava a mudar positivamente. De acordo com compilado de legislações dessa
época no quadro a seguir:
22
Continua
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Constituição de No art. 129, assegura o respeito a posse de terras de silvícolas que
1934 estão permanentemente localizados, sendo vedado aliená-las.
Conclusão
LEI/ANO REGULAMENTAVA
Constituição de "Art. 186 – É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras
1967 que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos
recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes".
Em 5 de dezembro de Veio com a finalidade de resolver as questões indígenas, para
1967 - Fundação transformar os índios em brasileiros, integrá-los à nação e assimilá-
Nacional do Índio los culturalmente ao seu povo.
(Funai)
Emenda "Art. 198 – As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos
Constitucional termos em que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse
número 1/ 1969 permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo
das riquezas e de todas as utilidades nelas existentes".
Lei n. 6.001 de 19 de Denominado Estatuto do Índio, é uma regulamentação da legislação
dezembro de 1973 brasileira sobre os índios, em seus aspectos jurídicos e
administrativos
Fonte: adaptado de GOMES (2012, p. 92), BRASIL (1934), BRASIL (1937), BRASIL (1946), BRASIL (1967) e
BRASIL (1969).
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 1998)
Além disso, a Carta Manga de 1988 ainda assegura aos povos indígenas a utilização das
suas línguas e processos próprios de aprendizagem no ensino básico (artigo 210, § 2º, CF) e
que, também, as suas comunidades e organizações tenham legitimidade para ingressar em juízo
em defesa de seus direitos e interesses (artigo 232, CF), podendo também, manifestarem sua
cultura popular:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
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Dessa forma, os índios passaram a respirar mais aliviados, e a ter onde respirarem (arts.
231 e 232, CF), pois assegurou-se a eles as terras que já habitavam, assim como o direito a
viverem de acordo com as suas tradições e costumes, preservando-se a cultura desses povos
(art. 215, §1º, CF). Mas para que isso fosse cumprido, a Constituição estabeleceu como um dos
guardiões da defesa dos interesses indígenas o Ministério Público Federal.
Federal, esses direitos estão correlacionados ao respeito mútuo dos indivíduos, no qual
determina as normas e condutas indispensáveis regidas pelo ordenamento jurídico brasileiro,
predispondo o dispositivo, in verbis: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
(BRASIL, 1988).
A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos
os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de
todos os demais direitos. (MORAES, 2020, p.113)
Dessa forma, a Carta Magna assegura o direito à vida, determinando ao Estado que
ampare o ser humano, que vai além de garantir a existência da pessoa, mas que contribua na
subsistência e integridade, a fim de uma vida digna, ideia inédita no Brasil.
Ainda, conforme alude o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal: “Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”
(BRASIL, 1998). Logo, pode-se aferir desde então que os direitos são inerentes a todo e
qualquer ser humano em conjunto com os ordenamentos internacionais que o Brasil faça parte,
nesse sentindo será abordado sobre as legislações internacionais.
4 DISPOSITIVOS INTERNACIONAIS
A Organização das Nações Unidas (ONU), oficializada em 1945, surgiu com o intuito
de manter a segurança coletiva e a paz mundial por conseguinte, com o propósito de evitar as
atrocidades passadas, que não reincidisse e ainda “[...] com a árdua missão de estabelecer regras
a serem observadas pelos Estados perante os indivíduos sujeitos ao seu poder e perante os
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demais Estados e, também, de criar mecanismos que garantissem a eficácia daquelas regras”,
(CASTILHO, 2018, p. 171).
A DUDH é um marco histórico, haja vista que somente a partir de sua promulgação que
os direitos humanos passaram a ser vistos como universais e indivisíveis, conforme os artigos
acima expostos, a fim de proteger, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.
Destarte, a manutenção e proteção aos direitos essenciais ao ser humano foram pontos
fortemente defendidos pela Declaração, além de ser uma base para os novos documentos que
vieram a ser promulgados. Nessa mesma linha de raciocínio, CASTILHO (2018), aponta
algumas Convenções, Tratados e Pactos Internacionais posteriores a DUDH:
Levando em consideração o que foi abordado, não restam dúvidas sobre a importância
da precursora Declaração Universal dos Direitos Humanos, tanto em questão dos direitos e
garantias que trouxe em seu bojo em relação a dignidade da pessoa humana, quanto como
inspiração para novas legislações. Importante ressaltar que o Brasil mantém relações
internacionais, e entre vários princípios, há, conforme art. 4º, II, da CF, a primazia dos direitos
humanos.
Uma das mais importantes utilidades dos pactos, tratados, e acordos internacionais, é a
função de servir como inspiração para a criação de normas dos países. Isso, porque tais textos
internacionais são decorrentes de uma atenção mundial sobre determinado tema. E no caso dos
índios, não poderia ser diferente. Textos externos contribuíram para que essa transição pudesse
ser mais bem implementada no país. Como se vê a seguir.
A Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelecida em
1919 proveniente do Tratado de Versalhes, em decorrência ao fim da 1ª Guerra Mundial, veio
com objetivo de promover a justiça social. Atuou em conjunto a Liga das Nações Unidas e a
partir de 1945, após a Segunda Guerra Mundial, passou a integrar a ONU. (CASTILHO, 2018)
A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho
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Conquanto, a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas é outro
importante diploma internacional sobre os direitos dos povos indígenas, se tratando de um
grande avanço, foi adotada pela ONU em 2007, em que ratifica os direitos fundamentais dos
povos indígenas.
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A declaração das nações unidas que aborda sobre os direitos dos povos
indígenas, é outro documento relevante na área da cultura, reconhecendo suas
tradições e costumes. Pois, esta declaração é documento importante para as
populações indígenas, visto que, seus bens culturais e conhecimentos
tradicionais, tem sido alvo de apropriação pela indústria, sobretudo a
biotecnológica, para a formulação de novos produtos, sem que haja o prévio
conhecimento destas sociedades. Esta declaração foi adotada em 2007 por
meio da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, com a
aprovação do Brasil. Este documento, gerou novo ânimo para os indígenas do
Brasil, e também a consciência de seu papel em relação ao nosso país e os
demais, pois a palavra final é deles. (ANDRADE, 2019, p. 2117)
Por conseguinte, essa Declaração trouxe um vigor aos direitos dos povos indígenas no
âmbito internacional, como à livre determinação, à autonomia ou ao autogoverno, acesso a
saúde e educação, de não sofrer com a compreensão forçada ou a restrição de sua cultura. E
ainda é exigido aos países que estabelecer formas de prevenção e ressarcimento de qualquer ato
ou consequência de privá-los de seus valores culturais ou sua identidade étnica, como reforça
no decorrer da declaração, dentre elas o art. 5º:
fundamentais, trouxe importantes dispositivos dos quais o Brasil é membro, com base em tais
textos externos, foram essenciais para a reafirmação da proteção a igualdade, liberdade,
dignidade, individualidade cultural desses povos.
5 INFANTICÍDIO
O homicídio está disposto no art. 121 do Código Penal (CP), e consiste na subtração da
vida, podendo ocorrer de forma dolosa ou culposa, nesta observadas a negligência, imprudência
ou a imperícia. Já o delito denominado infanticídio, previsto no art. 123 do CP, in verbis,
“Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena
- detenção, de dois a seis anos.”, consiste no ato da mãe matar o próprio filho durante o parto
ou logo após, sob a influência do estado puerperal.
Além de que, a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificado pelo Brasil por meio
do Decreto nº 99.710/1990, estabelece proteção especial e direitos a todas as crianças, sem
distinção, devendo ainda ser adotado medidas a fim de erradicar práticas tradicionais
prejudiciais à saúde das crianças.
Então toda pessoa, notoriamente crianças também, são seres capazes de direitos e
deveres na ordem civil, iniciando a personalidade civil desde o nascimento. Tendo o direito à
vida, a dignidade humana e demais preceitos garantidos, constitucionalmente. Dito isso, como
ficaria a questão indígena, onde ocorre fato denominado como infanticídio, estaria a
Constituição descriminalizando tal fato ao garantir a prática das tradições indígenas?
6 INFANTICÍDIO INDIGENA
É certo, como já dito antes, que a proteção a cultura e as práticas indigenistas estão
amparadas pela Constituição, convenções e declarações internacionais, que ao proteger esses
povos tradicionais acaba por admitir uma sociedade com suas próprias regras e isolada da
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sociedade não indígena, mas devendo haver equilíbrio entre ambas as civilizações.
Dessa forma, no que tange a normas penais e eventuais penalizações, tem-se que no caso
de crimes cometidos por indígenas, conforme dispõe o Estatuto do Índio nos artigos 56 e 57 a
pena terá que ser atenuada, e em sua aplicação o Juiz deverá considerar “o grau de integração
do silvícola”, conforme o modo de vivência e se essa forma se dá de maneira isolada ou em
vias de integração ou integrados.
Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser
atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do
silvícola.
Parágrafo único. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se
possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do
órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do
condenado.
Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as
instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus
membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em
qualquer caso a pena de morte. (BRASIL, 1973)
Muitos são os nomes dados à prática ameríndia de matar crianças, embora não
seja verificada em todas as etnias. Dentre esses estão infanticídio indígena,
homicídio, interditos de vida e também, sacrifício. Em uma visão jurídica, o
termo infanticídio indígena seria inapropriado, uma vez que o chamado
infanticídio, segundo o Código Penal Brasileiro, é o ato de a mãe, em estado
puerperal, matar o filho nascente ou neonato, constituindo aí crime previsto.
Assim, o protagonismo da mãe e seu estado puerperal são condições sine qua
non para a tipificação do crime.
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O mesmo tratamento pode ocorrer a crianças que não têm o sexo desejado pelo grupo,
recém-nascidos “portadores de má-sorte” ou bebês desnutridos, tidos como “frutos de
maldição”. Essa prática pode acontecer até com crianças a jovens, de 2 a 15 anos de idade, que
são os que se tem relatos. Os recém-nascidos podem ser mortos por meio de envenenamento,
maus-tratos, soterramento e até desnutrição, como assevera o ex-deputado Henrique Afonso,
autor do Projeto de Lei 1.057/2007, em entrevista à Agência Senado (2021).
Isto posto, não existem registros oficiais nos órgãos governamentais, como a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) ou a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) acerca dos casos de
infanticídio indígena no Brasil, todavia, há registros documentados da prática entre grupos
indígenas ao longo dos anos através de documentários, livros, entrevistas com sobreviventes do
infanticídio ou pessoas que presenciaram os ocorridos.
O infanticídio indígena é uma prática relatada desde o período Brasil colônia, sendo
parte enraizada da cultura indígena, na qual a vida da criança percorre um caminho turvo numa
corda bamba em busca da aprovação para viver. “Além do aborto, também era praticado o
infanticídio. Segundo BERTONI, tal prática era comum entre os Guarani” (BERTONI, Apup
COLAÇO, p. 27).
Dentre as várias caracterizações de delitos qualificáveis nesse sentido, como aborto,
infanticídio, ou mesmo homicídio, se davam em razões de crenças constituídas ao decorrer de
séculos. Passando a se tornar, como qualquer outra cultura, difícil de se desvencilhar de
determinado grupo. Passando a ser algo cotidiano na vida indígena.
Sendo um dos percussores audiovisuais a relatar sobre a prática do infanticídio indígena,
o documentário “Quebrando o Silêncio” da indígena Sandra Terena, lançado em 2009, conta
com depoimentos reais de indígenas, pais de vítimas, testemunhas e sobreviventes, que
vivenciaram e presenciaram essa prática, com cerca de doze tribos do Alto Xingu e do
Amazonas participantes, como os Kamayurá, Ikpeng, Bakairi:
Marité e Tximagu Ikpeng (Tiveram que deixar sua aldeia para salvar seus tri-
gêmeos): A gente não queria perder os bebês. A gente não quer perder os
bebês! A gente ama as crianças! Então, eu sempre dizia assim: as crianças não
têm culpa de chegar no mundo. Então, eu senti no coração que tenho que criar
os três! São os meus filhos, né?! E, resolvi criar os três. Eu vou criar... Daqui
a alguns anos eles vão estar maiores, e vou ter orgulho deles!
Paltu Kamayurá (Pai que perdeu um filho gêmeo enterrado vivo): Agora meu
pensamento não é mais como o deles, não é mais pensamento de antropólogo,
que já estudou sobre a cultura do índio... Eles falam: “Este índio, deixa...deixa
eles viverem assim. Esta é a cultura deles”. Não é! Porque a cultura...não pára!
Ela anda! O pensamento também anda igual ao da cultura. Por isso que hoje,
a gente... estamos... estamos querendo criar, pegar todas essas crianças.
40
[...]
Não é o Governo, ONG, que... vai trazer essa solução para nós. Quem vai
decidir somos nós. Nós estamos procurando apoio para eles. Através dessa
conversa entre nós, através disso o Governo tem que nos atender. Soltar a
grana aí, para conseguir alguma coisa para melhorar a situação do problema
dos povos indígenas. Não só aqui..., Mas, no Brasil inteiro!
Lucia Bakairi: Por que nós não temos direito? Por que nós não temos direito?
Por que dizem: “Não, é cultura”. Isto não é cultura! Falta de conhecimento!
(QUEBRANDO O SILÊNCIO, 2007)
Em síntese, pode-se aduzir sobre essa prática nas tribos, conforme o documentário
anteriormente citado, VALADARES e SOUZA (2015, p.1) e respectivamente os estados em
que se encontram, de acordo com os dados obtidos no site da FUNAI, o compilado abaixo:
Como o caso do índio Kakatsa Kamayura, que em entrevista à Agência Senado (2021),
relata que foi salvo por uma mulher desconhecida da prática do infanticídio. Ele conta que o
seu pai não o reconhecia como filho e que isso bastou como gatilho para que sua mãe tentasse
matá-lo. Essa história é interessante no ponto em que Kakatsa busca superação desse trauma ao
coordenar o projeto Tekonoe, cuja finalidade é a de impedir que outras crianças tenha a vida
ceifada. Essas práticas acarretaram ainda a criação de Organizações não Governamentais como
a ATINI – Voz pela vida, a fim de “garantir a socorro a todas essas crianças em risco”.
Apesar desta prática se estender até os dias em que se deu a produção deste trabalho,
ocorrer por preceitos específicos das aldeias, além de acarretar os assassinatos de crianças
indefesas, ainda geram consequências aos familiares, que costumam sofrer com a perda da
criança, como bem colocado por Barreto:
1.057/2007, e em seguida, alterado pelo Projeto de Lei da Câmara nº 119/2015 que institui
dever do Estado agir quando esses costumes incorrerem em violações a direitos humanos,
reafirmando o respeito aos costumes tradicionais dos povos indígenas, conforme será
esmiuçado abaixo.
Como exposto no trabalho, a prática de atos que põe fim a vida de recém-nascidos e
jovens indígenas baseado em crenças, e tem chamado a atenção. Logo, o estado brasileiro
confeccionou inicialmente o Projeto de lei nº 1.057 de 11/05/2007, de iniciativa de Henrique
Afonso, que na época era Deputado Federal filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) do Acre.
O Projeto de lei 1.057/2007 proposto tinha em seu escopo a missão: “sobre o combate
a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas,
bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais”. Destaca-se que inicialmente
o projeto ficou conhecido como “Lei Muwaji” em homenagem ao caso de uma índia que se
opôs a sua tribo, os Suruwahas, para não matarem sua filha por ter nascido deficiente (BRASIL,
2007). O texto original submetido à apreciação do Plenário dispunha essa prática como
homicídios, conforme trecho:
Art. 2º. Para fins desta lei, consideram-se nocivas as práticas tradicionais que
atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como
I. homicídios de recém-nascidos, em casos de falta de um dos genitores;
II. homicídios de recém-nascidos, em casos de gestação múltipla;
III. homicídios de recém-nascidos, quando estes são portadores de
deficiências físicas e/ou mentais;
IV. homicídios de recém-nascidos, quando há preferência de gênero;
V. homicídios de recém-nascidos, quando houver breve espaço de tempo entre
uma gestação anterior e o nascimento em questão;
VI. homicídios de recém-nascidos, em casos de exceder o número de filhos
considerado apropriado para o grupo;
VII. homicídios de recém-nascidos, quando estes possuírem algum sinal ou
marca de nascença que os diferencie dos demais;
VIII. homicídios de recém-nascidos, quando estes são considerados
portadores de má-sorte para a família ou para o grupo;
IX. homicídios de crianças, em caso de crença de que a criança desnutrida é
fruto
X. de maldição, ou por qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por
desnutrição; (BRASIL, 2007)
Ocorre que o projeto em questão põe em evidência o forte dilema que envolve
o tema do infanticídio indígena, tanto entre os povos indígenas, quanto no
meio acadêmico, que conta com duas correntes antropológicas distintas. Por
um lado, argumenta-se que não há valores universais que orientam a
humanidade, mas, sim, valores inerentes a cada cultura, que define seus
próprios padrões de bem e mal e os utiliza para julgar o comportamento dos
indivíduos desse grupo social. Neste caso, há uma contraposição a qualquer
processo de mudança por se considerar que as presentes normas culturais são
perfeitas em si. Por outro lado, o argumento utilizado é que o homem
compartilha alguns valores, independentemente de sua cultura.
[...]
Também importante ressaltar que a proposição em tela tem como foco
principal assegurar o exercício dos direitos à vida e à saúde de crianças
indígenas, e nisso é de inegável relevância e merece prosperar. Entretanto, de
acordo com os argumentos apresentados, faz-se necessário aperfeiçoá-la,
adotando uma redação calcada na Declaração sobre os Direitos das Pessoas
Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Lingüísticas,
como também adequá-la à técnica legislativa. (BRASIL, 2015)
Com a aprovação dessa emenda, os órgãos responsáveis pela política indigenista, como
a FUNAI, deveriam usar de todos os meios possíveis para proteger crianças, mulheres,
adolescentes, pessoas com deficiência e idosos indígenas de práticas que atentam contra a vida,
a saúde e a integridade físico-psíquica.
46
Em suma, essa proposta tem a finalidade de modificar o Estatuto do Índio para garantir
o direito à vida, à saúde e à integridade física, abrangendo adolescentes, crianças, pessoas com
deficiência, mulheres e idosos indígenas. Além da responsabilização dos órgãos de assistência
indígena. Não é especificado a pena e nem a possibilidade de adoção, apenas aborda sobre o
afastamento da criança da comunidade, colocação em lugar seguro e posteriormente, se
possível, realizar o reingresso da criança a sua comunidade de origem.
Inclui também, o rol de ações que põe risco a vida, como: abuso sexual, escravidão,
estupro individual ou coletivo, tortura, violência doméstica e abandono de vulnerável. Em
suma, o projeto já foi aprovado por duas comissões temáticas e pelo Plenário da Câmara,
chegando no ano de 2015 ao Senado Federal.
Em novembro de 2016 foi realizada mais uma audiência pública promovida pela
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), o qual gerou grandes
debates, contra e a favor desse projeto de lei, e conforme Relatório da CDH, contou com a
participação de: Maira Barreto, doutora pela Universidade de Salamanca; Sandra Terena,
diretora e produtora do documentário "Quebrando o Silêncio"; Fernando Pessoa de
Albuquerque, representante da SESAI; Josué Palmari, líder do Movimento Indígenas a Favor
da Vida; Kakatsa Kamayura, líder do projeto Tekonoe; Artur Nobre Mendes, representante da
FUNAI; e Marianna Assunção F. Holanda, pesquisadora associada à Cátedra Unesco de
Bioética e Mestre em Antropologia Social (BRASIL, 2016).
Desde 15/10/2019, o projeto se encontra distribuído ao Senador Marcos Rogério, na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para emissão de relatório. Caso seja aprovado sem
mudanças pela Casa, o texto segue para sanção presidencial, estando disposto na “lista de
inciativas prioritárias para o governo” entregue pelo Presidente Jair Bolsonaro em fevereiro de
2021, conforme relata a Agência Câmara de Notícias (BRASIL, 2021).
Entendido sobre o semblante do referido projeto de lei, é mister e, não poderia deixar
de ser abordado, acerca dos debates em torno do projeto. Favoráveis ou em oposição? A seguir
mais detalhes sobre essa discussão.
de pressupostos falsos”, que tem influência religiosa, que ainda possui “caráter discriminatório”
por se referir a prática de infanticídio como “única e exclusiva dos povos e das sociedades
indígenas”. E ainda relata que:
O infanticídio cometido por alguns grupos, nas raras vezes em que ocorre, diz
respeito às reais possibilidades de sobrevivência da criança, da sua
possibilidade de se desenvolver como ser social pleno. Essa decisão é algo que
causa extrema dor, tristeza e desespero. É possível construir junto a essas
comunidades indígenas outras formas e soluções sem agredi-las, sem
criminalizá-la. (BRASIL, 2021).
A antropóloga acredita que a falta atenção as políticas de saúde básica aos indígenas, e que essa
razão causaria por si só, mais problemas que a própria prática de infanticídio, que segundo ela
não tais dados não alarmantes se comparados as mortes por precariedade na saúde. A seguir, os
votos em consonância ao projeto.
Embora difícil a decisão, não devemos adiá-la. Temos de decidir, de uma vez
por todas, se vamos ficar presos a formas tradicionalistas de pensamento e
ação ou se vamos avançar rumo à inclusão de todas as nossas populações.
Portanto, sem hesitar, afirmamos que a modernização do Brasil requer a
extensão do respeito aos direitos humanos a todo local e a todas as vidas
brasileiras – e os indígenas são brasileiros, inclusive sob a forma da lei,
conforme o art. 5º de seu Estatuto. Ademais, estou seguro de que, se tratarmos
de melhorar as condições de vida das populações indígenas, a necessidade de
agir contra direitos fundamentais, o que às vezes a tradição indígena
aparentemente sugere, há de se desvanecer por si mesma. Mas, enquanto isso
não ocorre, direitos fundamentais têm sido desrespeitados entre nós, o que
causa danos à consciência nacional – e devemos agir para defender os
vulneráveis que possam ser alvejados por tradições que merecem ser
reavaliadas. (BRASIL, 2019)
8 A DESASSISTÊNCIA À SAÚDE
ANDRADE (2019, p.2933), ainda discorre sobre qual seria uma das soluções ao
infanticídio indígena: “Bem como, uma maior participação de médicos e profissionais da saúde,
instalando centros médicos nas aldeias”. Em entrevista transcrita e anexa em ANDRADE
(2019) do líder Xamã Yanomami Davi Kopekanawa pelo Procurador de Justiça do Estado de
Roraima, Edson Damas, revela-se que um dos motivos da continuidade do infanticídio indígena
é decorrente da tribo não conseguir cuidar dos recém-nascidos que precisam de mais cuidados,
tendo em vista que nem o básico é fornecido.
A falta de assistência mínima, que tem relação direta ao princípio da dignidade da pessoa
humana, é um fator determinante para que em alguns casos, o infanticídio seja praticado. Ao
ser indagado a respeito de uma forma para erradicar essa prática, Davi Kopenawa afirma que:
Davi Kopenawa: Para parar tem que ter apoio nosso, com governo, com a
Funai, Isa, diocese tambem, funasa, área da saúde, se tiver bom apoio forte,
52
melhoraria muito, pois apoio fraco, o medicamento não tem, os médicos não
chega para tratar as crianças, os médicos não anda nas comunidades para fazer
tratamento, remédio bom e medico bom, o médico amigo do índio que gosta
de cuidar criança, fala com pai e fala com mãe, fala com jovem para não fazer
mais.(ANDRADE, 2019, p.3320)
Kopenawa revela uma ótica educacional e acredita que a assistência não apenas traria
estrutura médica e medicamentos aos índios, mas também educação. Pode ser aduzido que um
dos motivos da continuidade do infanticídio, além da questão de costume e cultura, está
diretamente ligado à desassistência médica aos povos indígenas, que continuam morrendo por
doenças simples que tem tratamento. Nesse exato e oportuno ponto é que surge uma reflexão
importante em torno dessa pesquisa: Apenas o prosseguimento do Projeto de Lei da Câmara nº
119/2015 resolveria o problema?
53
9 METODOLOGIA
Para a execução deste trabalho, a escolha adequada de pesquisa a ser utilizada foi
indispensável, pois trata-se de uma etapa primordial para a sua concretização. Além disso, é
através desta que se alcançou os objetivos desejados, dentre estes, a resposta da problematização
do trabalho em questão.
Quanto aos procedimentos técnicos, a escolha da pesquisa bibliográfica se fez
necessário para a efetivação deste, por ser considerada um procedimento formal com método
de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico. “Dessa forma, a pesquisa
bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia
o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras”
(LAKATOS, MARCONI, 2010, p.183).
Importante ressaltar sobre a complexidade em obter dados, sobre a prática denominada
como infanticídio indígena. Dessa forma, para o desenvolvimento do tema, foram usados como
fontes, devido a precariedade informacional sobre o assunto, notícias, relatos, livros, artigos e
documentários relacionados ao tema.
Ainda, para melhor desenvolvimento deste trabalho, foi utilizado o uso da abordagem
qualitativa, a qual tem a função de fortalecer a pesquisa.
E para atender aos objetivos, utilizou-se a Pesquisa Exploratória, que serve para
fortalecer um argumento e complementar as informações. A coleta de dados se prosseguiu,
devido à importância desta, em livros, dispositivos legais, artigos, notícias, sites institucionais
e documentários relacionados ao tema disposto.
Portanto, foram combinados diversos estudos feitos em diferentes métodos, sendo eles
experimentais, assim ampliando e preenchendo as lacunas do trabalho, utilizando-se da
pesquisa bibliográfica, a qual teve como principais fontes: ANDRADE (2019), CAMACHO
(2017), GOMES (2012), SARMENTO (2016) e CASTILHO (2018).
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10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
socialização e de conhecimento, educação, no meio indígena, para que esses atos seculares não
sejam mais praticados. É certo reafirmar, que nesse conflito, deve-se sobressair o direito a poder
viver, e muito além disse, a viver dignamente. O que invoca uma questão bastante importante,
também: a desassistência. Tem-se, de acordo com o que foi disposto, que a desassistência de
natureza médica e sanitária dificulta a resolução do problema ora apresentado, agravando os
sintomas do infanticídio.
Com a desassistência não há dignidade, então, para que as crianças indígenas recebam
proteção estatal, efetivamente, não apenas servirá como apoio o Projeto de Lei da Câmara
119/2015, sendo necessário, também, que as tribos indígenas brasileiras tenham acesso a
médicos, demais profissionais da saúde, remédios, e um sistema básico de saneamento.
O índio Davi Kopekanawa foi bastante pertinente no comentário que fez em sua
oportuna entrevista, no qual afirma que somente a partir da integração dos médicos nas aldeias
indígenas, aqueles poderiam auxiliar estes a não procederem a prática do denominado
infanticídio indígena. É plenamente perceptível nessas palavras, a possibilidade de iniciativa de
processo educacional.
Vale ressaltar, que são diversas as causas e meios com que se é realizado o infanticídio
indígena. As formas de dar fim a vida de um recém-nascidos variam, segundo Andrade (2019),
podendo ser abandonados em florestas, envenenados, enterrados ainda com vida, ou mesmo
com flechadas, asfixiados ou a golpes de facão. as causas são as mais diversas, entre nascer
57
com deficiência, gêmeo, filho de mãe solteira, ou mesmo, quando a criança tem dificuldade
para se desenvolver.
Nesses casos, é perceptível uma conexão com o tema da desassistência. Pois o que
garante que uma criança cresça com saúde é a devida assistência estatal. Então, a considerável
razão por trás das atitudes resultantes em infanticídio seriam sanáveis apenas com assistência
médica e sanitária no seio das aldeias indígenas.
REFERÊNCIAS
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cultura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
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indígenas no Brasil: desafios no século XXI. Curitiba: Letra da Lei, 2013.
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Dante Accioly. 19/02/2021. Disponível em:
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59
BRASIL. Agência Senado. Telmário Mota defende punição para infanticídio em aldeias
indígenas. Iara Farias Borges. 19/02/2021. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2021/02/telmario-mota-defende-punicao-para-
infanticidio-em-aldeias-indigenas>. Acesso em: 10 jun. 2021.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Projeto de Lei
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TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva
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ANEXOS
SENADO FEDERAL
PROJETO DE LEI DA CÂMARA
Nº 119, DE 2015
(Nº 1.057/2007, na Casa de origem)
..............................................................................................
I – infanticídio ou homicídio;
III – escravidão;
V – abandono de vulneráveis;
VI – violência doméstica.
§ 3º Os órgãos responsáveis pela política indigenista também
deverão garantir a proteção e o auxílio a qualquer pessoa,
inclusive a membros das etnias que decidirem não permitir
expor ou submeter crianças, adolescentes, mulheres,
pessoas com deficiência e idosos a práticas que coloquem em
risco a vida, a saúde e a integridade física e psíquica deles.
..............................................................................................
XI – idosos.
§ 5º Os órgãos públicos, sobretudo o responsável direto
pela saúde indígena, dentro de suas atribuições e em suas
estruturas regionais, deverão manter cadastro atualizado de
mulheres gestantes por etnia e/ou aldeia e
proporcionar a elas acompanhamento e proteção durante
todo o período gestacional e, ao verificarem que a criança gerada
corre risco de vida, poderão, com anuência da gestante, removê-
la da aldeia, atendendo as especificidades de cada etnia.
política indigenista:
..............................................................................................
..............................................................................................