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NATAL/RN
2017
BRUNA UTYAMA FELICIANO
NATAL/RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Bruna Utyama Feliciano.
A problemática da erotização infantil à luz da doutrina da proteção integral
/ Bruna Utyama Feliciano. - Natal, RN, 2017.
67f.
Child eroticizing is a constant in the present reality of Brazilian society where the
eroticized body is often shown through several different cultural artifacts. In fact, one
can see representations regarding sexuality, body and gender provided by the media
end up interfering with the child identity formation considering they have not organized
all diffuse impulses and erotic impressions into a coherent whole yet. Therefore this
research will try to settle the limits of sexuality whenever children are somehow
involved. Consequently the present discussion is in the contradiction we face in
Brazilian society since the same society that creates laws for childhood protection
legitimates certain social practices through the media, songs, movies, etc., in which
the child public is shown seductively being and behaving extremely eroticized. Thus
the problem of child eroticizing in Brazil is analyzed taking into account what the Full
Protection Doctrine establishes, overall characterized by the person condition
appreciation in development peculiar condition, considering children as true subjects
of rights.
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10
5 CONCLUSÃO..........................................................................................................61
REFERÊNCIAS..........................................................................................................64
10
1. INTRODUÇÃO
1 OLIVEIRA, José Sebastião de; DOMINGO, Cíntia Oliveira. Do direito à absoluta prioridade na
efetivação dos direitos da criança e do adolescente: o papel das políticas públicas no cumprimento
deste desiderato. p. 9-10. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=31ab328e47c4ea3f>. Acesso em: 04 out. 2017.
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execução de infrações penais. Paralelamente a isso, outro fator que teve grande
influência na criação do rótulo de que criança pobre seria sinônimo de delinquente,
também chamada de menor, foi a invenção do primeiro Tribunal para Menores de
Illinois, nos Estados Unidos, em 1899 que, consequentemente, desencadeou a
criação da Doutrina do Menor em Situação Irregular.2
Desse modo, até o século XX, a defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes foi adotada de forma difusa, precária e judicial, visto que as ações
protetivas possuíam nítido caráter repressivo e autoritário. Outrossim, nessa época,
as crianças eram consideradas meros objetos de políticas filantrópicas, religiosas e
assistenciais que se revelavam insuficientes no combate dos problemas existentes.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, houve o aprimoramento da defesa dos
direitos humanos, na medida em que o ser humano, individualmente considerado,
passou a ser colocado no primeiro plano do direito internacional público, espaço que
outrora era reservado apenas aos Estados Nacionais. Assim, dentro da concepção
atual acerca dos direitos humanos, a dignidade passou a ser apontada como
fundamento não só dessas garantias, mas do sistema jurídico como um todo.
Por sua vez, a dignidade da pessoa humana seria uma qualidade intrínseca,
distintiva e irrenunciável reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor de
respeito, pelo Estado e sociedade, assegurando-o contra todo ato de cunho
degradante e desumano. Outrossim, garantiria ao indivíduo condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, com a preservação de sua integridade física e
moral, além de propiciar a sua participação ativa e corresponsável nos destinos da
própria existência e dos demais seres humanos, mediante o devido respeito aos
demais seres que integram a coletividade da qual faz parte.3
À vista do exposto, após as nefastas consequências das guerras mundiais,
constatou-se a necessidade de ofertar uma proteção integral, com prioridade absoluta,
para crianças e adolescentes, pelo fato natural de serem pessoas em situação
especial, em fase de desenvolvimento, faltando-lhes maturidade física e intelectual,
além de encontrarem-se vulneráveis frente à omissão da família, da sociedade e do
estado. Desse modo, para além da proteção jurídica ofertada a todos os seres
2 SOUZA, Jadir Cirqueira de. A Efetividade dos Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo:
Editora Pillares, 2008. p. 58.
3 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 8. ed. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2010. p. 70.
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humanos, eles ainda seriam merecedores de direitos próprios e especiais, bem como
de uma assistência especializada, diferenciada e integral.
Destarte, o início do amparo qualificado dos direitos das crianças e
adolescentes, deu-se, especialmente, com a criação da Organização das Nações
Unidas (ONU), em 1945, e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1946. No que lhe diz respeito, a
UNICEF assumiu como missão a promoção integral da proteção dos direitos das
crianças e dos adolescentes, inclusive com o estabelecimento de regras jurídicas
internacionais uniformes, com o propósito de garantir o bem-estar e completo
desenvolvimento do público infanto-juvenil.
Não obstante, em que pese a proteção jurídica da criança ter se aperfeiçoado
a partir da criação da ONU, é possível destacar algumas iniciativas anteriores em favor
da proteção da infância: a Convenção aprovada, em 1919, pela Conferência
Internacional do Trabalho, que adotou idade mínima para o trabalho; a Convenção
para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, adotada pela Liga das Nações,
em 1921; a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, em 1924,
considerada marco histórico, tendo em vista que declarou a necessidade de proclamar
uma proteção especial à criança; e o Congresso Pan-Americano da Criança, que deu
origem ao Instituto Interamericano da Criança, em 1927.
Por seu turno, em 1959, por meio da resolução 1386 (XIV) da AGNU, houve
a criação da Declaração dos Direitos da Criança, composta por dez princípios que
reafirmaram o propósito de proporcionar às crianças, antes e após o nascimento, os
cuidados necessários diante de sua imaturidade. Ademais, a referida declaração
manifestou o início da nova concepção da criança como sujeito, titular de direitos e
obrigações próprios da sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Assim,
tem-se como algumas das garantias presentes na declaração: o direito de ser criada
num ambiente de afeto e segurança e, sempre que possível, sob os cuidados e as
responsabilidades dos genitores; receber educação; ser resguardada contra todas as
formas de negligência, crueldade e exploração; bem como, a proteção contra
quaisquer atos que possam ocasionar alguma forma de discriminação.4
4 RICHTER, Daniela; TERRA, Rosane Mariano da Rocha Barcelos; VIEIRA, Gustavo Oliveira. A
Proteção Internacional da Infância e Juventude: Perspectivas, Contextos e Desafios. In: PES, João
Hélio Ferreira (coord.). Direitos Humanos: crianças e adolescentes. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2012. p.
50-51.
16
Insta salientar que, embora a Declaração dos Direitos da Criança tenha tido
grande influência no surgimento de outros documentos em prol dos infantes, os
direitos estabelecidos no próprio documento possuíam apenas natureza moral, de
princípios programáticos. Isto é, não representavam verdadeiras obrigações para os
Estados signatários, mas sugestões que eles teriam a faculdade de colocar em
prática.
Posteriormente, em 1979, a ONU estabeleceu o ano internacional da criança,
com uma programação que colocou em debate a urgência de uma rede de proteção
especial à criança e ao adolescente. Outrossim, em 1985, a AGNU estabeleceu as
regras de Beijyng, consideradas como normas mínimas à administração da infância e
juventude.
Finalmente, dez anos após o ano internacional da criança e, diante do amplo
reconhecimento da necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial,
consolidada em diversos instrumentos internacionais – quais sejam, Declaração de
Genebra de 1924, Declaração dos Direitos da Criança, Declaração Universal dos
Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos
artigos 23 e 24), bem como Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (especialmente no artigo 10) – em 20 de novembro de 1989, a Assembleia
Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança, tida como
Carta Magna para as crianças de todo o mundo, que, no ano seguinte, foi oficializada
como lei internacional.
A Convenção sobre os Direitos da Criança se tornou o instrumento de direitos
humanos mais aceito na história universal, ratificado por 196 países, sendo os
Estados Unidos o único país a não ratificar o documento. Por oportuno, cabe
esclarecer que enquanto uma declaração internacional, embora importante, não
vincula ou obriga os Estados signatários a incluírem as normas internacionais em sua
legislação pátria, visto que possui natureza de simples recomendação, a convenção
internacional tem natureza vinculativa, ou seja, obrigatória e requer seu cabal
reconhecimento legislativo.
Desse modo, a Convenção surge como instrumento que complementa a
Declaração dos Direitos da Criança, retomando seus princípios, bem como
estabelecendo compromissos e medidas específicas, com o objetivo de adquirir um
caráter coativo em relação àqueles países signatários, obrigando-os a realizar
efetivamente os direitos nela expressos. Num cenário ideal, portanto, o direito
17
internacional e o direito interno se integrariam para uma proteção mais eficaz dos
direitos da criança e do adolescente. 5
Insta ressaltar que para dar força às provisões da aludida convenção, também
foram adotados dois protocolos facultativos, quais sejam, um protocolo relativo à
venda de crianças, prostituição e pornografia infantil, que se tornou válido em
18.01.2002, e outro protocolo que faz menção à inclusão de crianças em conflitos
armados, que passou a vigorar em 12.02.2002.
Assim, notavelmente, a Convenção reconhece sem distinção de raça, cor,
sexo, língua, religião, opinião pública, origem nacional ou social, posição econômica
e nascimento, que toda a criança tem direito a um desenvolvimento harmonioso e
sadio em um ambiente familiar repleto de felicidade, amor e compreensão. Firma,
ademais, que deverá haver a cooperação internacional, mediante responsabilidade
dos estados-partes, para que este direito efetivamente se realize.6
É pertinente esclarecer, ainda, que a Convenção sobre os Direitos da Criança
definiu, objetivamente, criança como pessoa que possua menos de dezoito anos de
idade, excetuando-se os jovens que alcancem antes a maioridade em razão das leis
aplicáveis. Dessa forma, até que atinjam tal idade, esses indivíduos são incapazes de
assumir responsabilidade plena por seus atos, uma vez que não integralizaram seu
desenvolvimento físico e mental. Destarte, foi reconhecido em âmbito internacional
que as expressões criança e adolescente abrangem os indivíduos que não
completaram dezoito anos de idade, salvo nos casos expressos.
Além do mais, com o advento da referida Convenção, modificou-se a forma
de tratamento reservada aos jovens. Com isso, houve o abandono da ideia de crianças
como objeto de proteção, sob a doutrina da situação irregular – a qual concebia que
os jovens não possuíam qualquer possibilidade de participação ativa nas decisões
que os envolviam, legitimando a submissão à intervenção protecionista ou repressiva
estatal.7 Dessa forma, a partir do marco jurídico em questão, foi consagrada a
chamada doutrina da proteção integral, que se caracteriza, sobretudo, pela
5 Ibidem, p. 55.
6 ONU. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Convenção Sobre Os Direitos da Criança.
Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm>.
Acesso em: 17 set. 2017.
7 CORTE I.D.H., Condição Jurídica e Direitos Humanos da Criança. Opinião Consultiva OC-17/02
de 28 de agosto de 2002. Série A Nº 17. p. 15.
18
8 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 18. ed. Editora
Jus Podium, 2017. p. 26.
9 COMISSÃO I. D. H. Relatório sobre Castigo Corporal e os Direitos Humanos das Crianças e
Adolescentes. 2009. p. 7.
10 Ibidem.
19
relacionava a esses indivíduos. Desse modo, como poderá ser observado na linha
evolutiva da proteção desses direitos no Brasil, a mudança de uma visão punitiva para
uma protetiva foi deveras recente.
Com isso, no período colonial, eram aplicadas no Brasil-Colônia as
Ordenações do Reino de Portugal, as quais traziam uma posição patriarcal, cuja
autoridade máxima dentro da família era o pai, que deveria ser respeitado pelos seus
filhos. Ainda nesse período, para que os portugueses conseguissem dominar e
conquistar os índios, utilizaram a ajuda dos jesuítas para catequizar as crianças
índias, de maneira a levar a educação e entendimento português aos seus pais.
Já no período imperial, o Estado passou a se preocupar com os infratores,
menores ou não. Dessa forma, o Código Penal do Império determinou que os menores
de 14 anos eram considerados inimputáveis, no entanto, caso os que se
encontrassem na faixa dos 7 aos 14 anos possuíssem discernimento, eles poderiam
ser encaminhados para as casas de correção. Ademais, o movimento crescente de
abandono de crianças presente na Europa acaba sendo refletido no Brasil e, como
forma de solucioná-lo, no século XIX, surge a Roda dos Expostos11. No que tange à
educação, o ensino obrigatório passou a ser regulamentado no ano de 1854, todavia,
a Lei não era aplicada para todas as crianças, pois o acesso era negado aos negros,
bem como àquelas crianças que viessem a apresentar doenças contagiosas ou ainda
não tivessem sido vacinadas. Logo, a falta de acesso à saúde acarretava o não acesso
à educação.12
Por sua vez, no período republicano, os menores de 9 anos eram
considerados inimputáveis, sendo que os que se encontrassem entre nove e quatorze
anos de idade passariam pela análise do discernimento. Outrossim, nessa época, as
casas de recolhimento foram inauguradas, com o objetivo de defender a sociedade
dos menores, e eram subdivididas entre Escolas de Prevenção, destinadas a educar
menores em situação de abandono, e Escolas de Reforma e Colônias Correcionais,
que tinham o objetivo de recuperar os menores que estavam em conflito com a lei.
11 Mantidas pelas Santas Casas de Misericórdia, a Roda dos Expostos era constituída por um cilindro
oco de madeira que girava em torno do próprio eixo com uma abertura em uma de suas faces, que era
colocada em uma espécie de janela por onde eram depositados os bebês, de maneira se proteger o
anonimato das mães. Somente veio a ser abolida no ano de 1927 com o advento do Código de
Menores.
12 VILAS-BÔAS, Renata Malta. Compreendendo a criança como sujeito de direito: a evolução
histórica de um pensamento. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11583>. Acesso em:
set 2017.
20
13 Art. 1º. O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de
idade será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste
Código
14 VILAS-BÔAS, op. cit.
15 SOUZA, op. cit., p. 71.
16 Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que
eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI - autor de infração penal.
21
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer
título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia,
independentemente de ato judicial.
Cabe ressaltar que as questões que não se enquadrassem no supracitado artigo seriam analisadas
pelos magistrados da Vara de Família, sob a incidência do Código Civil.
18 VILAS-BÔAS, op. cit.
19 ISHIDA, op. cit. p. 24-25.
22
a proteção com prioridade absoluta não mais seria obrigação exclusiva da família e
do Estado, mas se trataria de um verdadeiro dever social, visto que as crianças e
adolescentes devem ser protegidos em razão de serem pessoas em condição peculiar
de desenvolvimento.
Com isso, o referido artigo, mais que uma recomendação, trata-se
verdadeiramente de uma diretriz nas relações da criança e do adolescente com a
família, sociedade e Estado. Ademais, a palavra prioridade denota a precedência dos
seus direitos em confronto com outros, devendo existir um regime especial de
proteção.20
Com efeito, foi inserido na Constituição um sistema de proteção especial para
o público infanto-juvenil, reconhecendo sua condição peculiar de ser que ainda não
desenvolveu completamente sua personalidade humana e está em processo de
amadurecimento físico, psíquico, intelectual, emocional, moral e social. Desse modo,
crianças e adolescentes encontram-se em situação especial de maior vulnerabilidade,
ensejadora da outorga de um regime especial de salvaguardas, que lhes proporcione
a construção plena de suas potencialidades humanas.21
Esse sistema especial de proteção na Constituição Federal é composto pelo
§ 3º22 do artigo 227, no entanto, não se encerra apenas nele. Deveras, ele inclui todo
20 Ibidem.
21 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os
direitos humanos. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 109.
22 Art. 227, §3º:
especial.
25 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
26 § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
seus descendentes.
28 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
30 Art. 208, § 3º: Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes
32 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. São Paulo: Revista do Tribunais,
2015. p. 50.
33 SOUZA, op. cit. p. 25.
25
34 Artigo 3º da CDC: 1. Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou
privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão
primacialmente em conta o interesse superior da criança.
35 ISHIDA, op. cit. p. 31-32.
26
36 SAUT, Roberto Diniz. O Direito da criança e do adolescente e sua proteção pela rede de garantias.
Revista Jurídica - CCJ/FURB, Blumenau, v. 11, nº 21, p. 45 - 73, jan/jun. 2007. p. 47.
37 CORTE I.D.H., op. cit. p. 7.
27
45 FELIPE, Jane. Afinal, quem é mesmo pedófilo?. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p. 201-223, 2006.
p. 204-205.
46 BRANCHER, op. cit. p. 7.
32
47 FELIPE, Jane. “Vinde a mim as criancinhas”: pedofilização e a construção de gênero nas mídias
contemporâneas. In: PELÚCIO, Larissa... [et. al] (organizadores). Olhares plurais para o cotidiano:
gênero, sexualidade e mídia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 92.
48 FELIPE Jane; PRESTES, Liliane Madruga. Erotização dos corpos infantis, pedofilia e
pedofilização na contemporaneidade. Disponível em: <
http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/2538/820>. Acesso
em: 04 out. 2017. p.1.
33
51 MARÍN-DIAZ, Dora Lilia. Morte da Infância Moderna ou Construção da Quimera Infantil?. Educação
& Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 193-214, set/dez, 2010. p. 195.
52Ibidem, p. 194.
53 Ibidem, p. 206.
54 Ibidem, p. 204.
35
Evidência de tal processo seria tanto a homogeneização das formas de vestir, comer
e divertir-se de adultos e crianças, quanto o incremento da delinquência, o consumo
de drogas e a atividade sexual entre e com os infantes.55
Com isso, haveria uma cultura infantil em andamento, criada pelas
corporações multinacionais com o objetivo de conquistar novos consumidores,
fazendo dessa cultura uma pedagogia do prazer, ou seja, um cenário de
aprendizagem, onde essas corporações operam como educadoras e formadoras da
identidade infantil a partir do desejo. Não obstante, atrelado aos interesses comerciais,
ainda haveria interesses sociais e políticos que, muitas vezes, promovem o racismo,
a discriminação pela classe social, bem como dinâmicas de gênero hegemonicamente
machistas.56
Com efeito, diante de uma sociedade que constantemente produz novas
identidades sexuais e de gênero, a partir da objetificação de seus corpos, bem como
levando-se em consideração a velocidade das transformações sociais e psicológicas,
impulsionadas pelas transformações tecnológicas, a criança de hoje torna-se
completamente diferente da de algumas décadas atrás – em virtude de estar inserida
num contexto cultural e social distinto.
Portanto, pode-se concluir que as formas de se conceber a infância variam
conforme a época e a sociedade, uma vez que, para além do fator biológico – que
aponta para características anatômicas e fisiológicas específicas às crianças – cada
contexto cultural é capaz de criar uma maneira particular de concepção de criança.
Isto se dá em virtude de a infância encontrar-se em constante processo de
ressignificação e transformação, se adaptando ao tempo, à classe social, ao gênero
e à cultura em que estão inseridas, visto que o seu próprio papel na sociedade resulta
de uma complexa rede de valores e regras sociais.
Como pôde ser observado, o conceito de infância é uma construção
cultural/social, logo, a divisão do ciclo de vida em períodos varia de acordo com
determinada cultura ou sociedade. Isto porque, objetivamente, não há nenhum
momento definível em que uma criança passa a se tornar adulta e o adulto torna-se
idoso.57Diante disso, necessário se fazem os esclarecimentos acerca dos aspectos
55
Ibidem, p. 196.
56
Ibidem, p. 203.
57
FELDMAN, Ruth Duskin; MARTORELL, Gabriela; PAPALIA, Diane E. Desenvolvimento humano.
12. ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2013. p. 39.
36
58
Ibidem, p. 43.
59
Ibidem, p. 37.
37
60 Ibidem, p. 65.
61 ALVES, Mónica Almeida. Marketing Infantil: um estudo sobre a influência da publicidade televisiva
nas crianças. 2011. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
Coimbra, 2011. p. 2.
62 Ibidem.
38
Cabe destacar que para haver a progressão através dos estágios, dois fatores
externos/ambientais são importantes, quais sejam, a transmissão social, isto é, as
informações que a criança obtém de outras pessoas, e experiência, que diz respeito
às oportunidades da criança de influenciar o ambiente ao seu redor e de observar os
resultados de suas próprias ações.63Outrossim, em que pese certo grau de
amadurecimento cerebral ser necessário para cada estágio, apenas o
desenvolvimentos cerebral, por si só, não pode fazer uma criança progredir para o
estágio seguinte. Todos os fatores causais – equilibração, amadurecimento,
transmissão social e experiência – devem interagir para que o desenvolvimento
cognitivo prossiga.64
Ainda de acordo com Piaget, os estágios de aprendizagem e desenvolvimento
da criança são essenciais para a construção e a formação da sua personalidade; esta
entendida como os padrões permanentes do indivíduo de resposta aos outros e ao
ambiente, bem como suas interações com eles. 65 Nesse sentido, para esse estudioso,
a infância deveria ser preenchida com ensinamentos equilibrados sobre a vida e a
realidade, utilizando-se da linguagem figurativa e artística, tendo em vista que são os
ensinamentos primários que auxiliarão na construção das concepções de mundo,
perspectivas, valores e, inclusive, o entendimento sobre a sexualidade e o
desenvolvimento da afetividade dos infantes.
É oportuno esclarecer que no campo da psicologia, em especial da
psicanálise, o humano precisa atingir a sua condição de sujeito, pois esta não lhe é
dada desde o nascimento. Assim, para a criança ultrapassar a condição de objeto, ela
deverá aprender a arranjar-se com o que vem do outro.66 Isto é, para que surja o
sujeito é preciso que haja, pela criança, uma separação do lugar de objeto, aquele
tido como complemento do outro, da carência e desamparo inicial. Este é, pois, um
dos maiores trabalhos da criança: acender à condição e sujeito, não aceitando mais
ser o que completa o outro, nem o que é por ele complementado. 67 Assim, é que o
63 BEE, Helen; BOYD, Denise. A criança em desenvolvimento. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
p. 170.
64 Ibidem, p. 177.
65 BREI, Vinicius Andrade; GARCIA, Luciana Burnett; STREHLAU, Suzane. A Influência do Marketing
na Erotização Precoce Infantil Feminina. Teoria e Prática em Administração, Rio de Janeiro, v. 1, n.
1, p. 97-116, 2011. p. 100.
66 HELENO, Camila Teixeira; RIBEIRO, Simone Monteiro (organizadoras). Criança e adolescente:
sujeitos de direitos. Belo Horizonte: Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, 2010. p. 37.
67 Ibidem, p. 38.
39
tempo da infância, como o tempo para essa transformação, precisa ser garantido,
precisa ser um direito, posto que é justo neste tempo que o trabalho de se descolar
dessa posição de objeto se realiza.68
Com efeito, entre os 15 e 24 meses a criança parece criar a consciência da
sua própria identidade ou autoconsciência, ou seja, adquire compreensão cognitiva
de que possui uma identidade reconhecível, separada e diferente dos demais. Nessa
toada, a autoconsciência é necessária para que a criança possa estar consciente de
ser o foco da atenção, como também identificar-se com o que outras pessoas estão
sentindo. Já por volta dos 3 anos, tendo adquirido autoconsciência e mais algum
conhecimento sobre os padrões e regras aceitos pela sua sociedade, a criança torna-
se mais apta a avaliar seus próprios pensamentos, planos, desejos e comportamentos
com relação àquilo que é considerado socialmente apropriado.69 Cabe destacar,
ainda, que o senso de identidade possui um aspecto social, em virtude de a criança
incorporar a sua autoimagem a compreensão da forma como os outros a enxergam. 70
Acerca da sexualidade, no final do século XIX e início do século XX, Freud,
com a Psicanálise, contesta a ideia da inocência da criança e aponta a sexualidade
infantil, provocando protestos na sociedade conservadora do final do século XIX. Não
obstante, o conceito de sexualidade para Freud é bem específico, pois ela não
designaria apenas as atividades e o prazer que dependem do funcionamento do
aparelho genital, mas leva em consideração uma série de excitações e de atividades
presentes desde a infância, que relacionam prazer à satisfação de uma necessidade
fisiológica fundamental (respiração, fome, função de excreção, etc.).71
Nessa perspectiva, a noção freudiana de sexualidade defende a ideia de que
a sexualidade humana não é instintiva, uma vez que o homem busca o prazer e a
satisfação através de diversas modalidades, que seriam baseadas em sua própria
vivência e ultrapassariam as necessidades fisiológicas fundamentais. Assim, mesmo
que a sexualidade se inicie com o nascimento, sua conquista dependeria de um longo
percurso, durante a construção da subjetividade da criança. Ademais, para esse autor,
a sexualidade das crianças seria perverso-polimorfa, pois se afasta do modelo genital
de relação sexual, procurando formas de prazer derivadas de qualquer área ou órgão
72 ZORNING, Silvia Maria Abu-Jamra. As teorias sexuais infantis na atualidade: algumas reflexões.
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 13, n. 1, p. 73-77, jan/mar, 2008. p. 74.
73 Ibidem, p. 76.
74 Ibidem, p. 73.
75 MUZZETI, Luci Regina; REIS, Fernanda. Sexualidade e infância: contribuições da educação sexual
de agir dos adultos, quanto das crianças. Desse modo, a mídia apresenta-se como
um meio para diversos tipos de aprendizagem, desde formas sobre como enxergar e
tratar o próprio corpo, até modos de compreender as diferenças de gênero, sendo,
portanto, uma importante fonte de referências simbólicas para o processo de
composição dos corpos na contemporaneidade.78
Não obstante, a mídia, enquanto meio de grande importância social,
representa um dos principais estimulantes no processo de erotização na infância,
tendo em vista que as crianças são mais sensíveis, ou menos protegidas, aos seus
estímulos. Diante disso, tal fato pode ocorrer por influência dos estímulos eróticos que
esses meios produzem, inundando massivamente, principalmente por intermédio da
televisão, os infantes com uma sexualidade adulta, induzindo-os a uma estimulação
erótica que ainda não possuem condições de absorver completamente.
Isto posto, com o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias e
modalidades de comunicação, tem sido possível introduzir novas possibilidades de
experimentação do desejo afetivo-sexual, criando novas estratégias de prazer
pautadas pela lógica do consumo, onde o sexo é acionado como atrativo e a criança
colocada como possibilidade de experimentação do desejo sexual adulto.
O que se percebe é que o público infantil, visto como potenciais pequenos
consumidores, representa um mercado em ascensão, sendo alvo constante de
investimentos. Outrossim, ao mesmo tempo em que as crianças têm sido vistas como
veículo de consumo, torna-se cada vez mais comum a ideia da infância como objeto
a ser apreciado, desejado e sexualizado, criando-se uma erótica infantil, ou seja, uma
erotização da imagem da criança, amplamente veiculada pela mídia.79
Com isso, as representações sobre sexualidade, corpo e gênero veiculadas
pela mídia acabam interferindo na formação das identidades infantis da atualidade.
Os corpos vêm sendo instigados a uma crescente erotização, amplamente veiculada
através da TV, do cinema, da música, em jornais, revistas, propagandas, outdoors, e,
por intermédio da Internet – tendo sido possível vivenciar novas modalidades de
exploração dos corpos e da sexualidade. Nessa perspectiva, o referido processo de
erotização tem produzido efeitos significativos na construção das identidades de
gênero e identidades sexuais infantis, especialmente com relação às meninas, cujas
78 FELIPE, Jane; GUIZZO, Bianca. Erotização dos corpos infantis na sociedade de consumo. Pro-
Posições, Campinas, v. 14, n. 3 (42), p. 119-132, set./dez, 2003. p. 121.
79 Ibidem, p. 124.
43
80 Ibidem, p. 129.
81 GUTJAHR, Mayara; JOHN, Valquíria Michela. Erotização precoce: uma análise das representações
da infância nas páginas do suplemento infantil Folhinha. REVISTA AÇÃOMIDIÁTICA, Paraná, v. 2, n.
2, 2012. p. 4.
44
a criança não possui estrutura física e psicológica formada para defender seus
direitos, controlar seus impulsos, reivindicar respeito, nem identificar
espontaneamente um desejo de relacionar-se sexualmente. Portanto, ao induzir os
infantes a desejarem determinadas coisas, bem como a adotarem valores distorcidos
e artificiais, a mídia acaba contribuindo para o atropelamento da fase da infância,
mudando o curso natural do desenvolvimento infantil que vigorou durante a
modernidade.
Diante do exposto, passa-se à contextualização da erotização infantil no
cenário brasileiro, fazendo uma abordagem crítica à luz do que defende a doutrina da
proteção integral, que foi recepcionada e constitucionalizada pelo ordenamento
jurídico brasileiro.
47
88 FELIPE, Jane; GUIZZO, Bianca. Erotização dos corpos infantis na sociedade de consumo. Pro-
Posições, Campinas, v. 14, n. 3 (42), p. 119-132, set./dez, 2003. p. 120.
89 FELIPE, Jane. “Vinde a mim as criancinhas”: pedofilização e a construção de gênero nas mídias
contemporâneas. In: PELÚCIO, Larissa... [et. al] (organizadores). Olhares plurais para o cotidiano:
gênero, sexualidade e mídia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 89.
48
apropriado para determinada faixa etária, fica a cargo, principalmente, das famílias.
No entanto, ao transferir essa responsabilidade apenas para o âmbito doméstico,
despolitiza-se o tema, pois esta é uma discussão que as políticas públicas, os diversos
segmentos da sociedade civil, bem como a escola deveriam abraçar a fim de promover
uma visão crítica dos temas que envolvem tais questões.90
Fato é que, em nossa sociedade, corpos masculinos e femininos não têm sido
percebidos e valorizados da mesma forma, existindo uma tendência em hierarquizá-
los, de modo que o masculino ainda se encontra em posição mais vantajosa. Levando
isso em consideração, a construção social da identidade feminina está calcada em
grande parte, nos dias atuais, na objetificação do corpo, o qual é cirúrgico, esculpido
e produzido, verdadeiro fetiche de consumo. Não obstante, as práticas corporais e
estéticas em torno do embelezamento também têm legitimado projeções e padrões
corporais para as crianças, em especial para as meninas, que em suas falas e
comportamentos demonstram grande preocupação com a aparência.
Com efeito, muito do conteúdo midiático voltado às meninas investe na ideia
de cultivo à beleza como algo inerente ao feminino, aliada sempre ao supérfluo, ao
consumo desenfreado, na tentativa de reafirmar a beleza e a vaidade como uma
essência feminina.91 Ademais, é possível verificar que a representação de pureza e
ingenuidade, suscitada pelas imagens infantis, tem sido substituída por outra
extremamente erotizada, principalmente com relação às meninas.
Diante disso, é comum que a mídia mostre as meninas manifestando-se num
misto de inocência e erotização, o que produz uma contradição entre a inocência
infantil, vista como algo que precisa ser conservado, e a erotização, que é
recorrentemente estimulada.92 A despeito disso, tal processo de erotização tem
produzido efeitos significativos na construção das identidades de gênero e identidades
sexuais das crianças, especialmente as do sexo feminino. Por conseguinte, o discurso
do prazer voyeurista, erotizado e sedutor é uma forma de objetivação das meninas, o
que mostra como a história do indivíduo se confunde também com a história de sua
90Ibidem, p. 93.
91 FELIPE, Jane; GUIZZO, Bianca. Erotização dos corpos infantis na sociedade de consumo. Pro-
Posições, Campinas, v. 14, n. 3 (42), p. 119-132, set./dez, 2003. p. 128.
92 DORNELES, Leni Vieira. Sobre Meninas no Papel: inocentes/ erotizadas? As meninas hoje.
Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 175-192, set/dez, 2010. p. 186.
49
objetivação, que produz formas de subjetivação que influenciam no modo pelo qual
as pessoas se enxergam.93
Dentro dessa lógica, as crianças, em especial as meninas, têm sido colocadas
em contato com o desejo sexual adulto, bem como têm sido estimuladas a produzirem
seus corpos, de acordo com os ditames culturais de embelezamento vigentes em
nossa sociedade. Com isso, o referido processo traz consigo reiterados apelos a
erotização dos corpos das meninas, em um movimento que a doutora em Educação
da UFRGS e especialista nas áreas de Sexualidade e Relações de Gênero, Jane
Felipe de Souza, chama de pedofilização como prática social contemporânea.
Insta salientar que o conceito de pedofilização não deve ser confundido com
o de pedofilia, pois esta é entendida como uma parafilia, em que o sujeito adulto sente
desejo sexual por crianças. Por sua vez, o conceito de pedofilização é mais amplo e
pretende problematizar a conivência dos corpos infantis com a erotização. Assim, ao
abordar a erotização dos corpos infantis, a Dra. Jane Felipe não nega toda e qualquer
possibilidade erótica dos sujeitos infantis, nem defende a ideia de que os corpos
infantis sejam assexuados, tendo em vista que os infantes aprendem rapidamente que
o corpo pode ser fonte de prazer, de dor, de experiências múltiplas.
Com efeito, o que essa estudiosa procura destacar e problematizar é qual tipo
de projeto que, enquanto produtores de determinada cultura, estamos a desenvolver
para as crianças. Isso porque os infantes começam a aprender desde cedo qual é o
valor atribuído a determinados corpos nesta sociedade e notam que alguns corpos e
comportamentos são mais valorizados que outros. Desse modo, a sociedade ocidental
atual coloca como centro um estereótipo de corpo belo que deve ser alcançado, o
erotizando, de forma que os sujeitos muitas vezes são avaliados de acordo com a sua
capacidade de sedução.
Diante disso, o conceito de pedofilização tem por objetivo problematizar as
contradições percebidas na sociedade brasileira, pois ao mesmo tempo em que se
criam leis para proteção da infância contra os maus-tratos, a negligência, o abandono,
a violência/abuso sexual, a exploração sexual comercial e a pedofilia, por outro lado,
essa mesma sociedade legitima determinadas práticas sociais, seja através da mídia,
93 Ibidem, p. 185.
50
94 FELIPE Jane; PRESTES, Liliane Madruga. Erotização dos corpos infantis, pedofilia e
pedofilização na contemporaneidade. Disponível em: <
http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/2538/820>. Acesso
em: 04 out. 2017. p. 8.
95 FELIPE, Jane. Afinal, quem é mesmo pedófilo?. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p. 201-223,
2006. p. 220.
51
96 FELIPE, Jane. “Vinde a mim as criancinhas”: pedofilização e a construção de gênero nas mídias
contemporâneas. In: PELÚCIO, Larissa... [et. al] (organizadores). Olhares plurais para o cotidiano:
gênero, sexualidade e mídia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 87-88.
97 Dado obtido pelo banco de dados do Ministério da Saúde (Datasus), que reúne os registros de
maternidades e cartórios pelo site: PORTAL DA SAÚDE. Estatísticas Vitais. Disponível em: <
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&id=6936>. Acesso em: 24 out. 2017.
52
observa queda nos nascimentos tanto entre adolescentes, quanto entre mulheres
adultas.
Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) no Brasil, um dos motivos que causam essa ausência de
diminuição na taxa de fecundidade é a ausência de educação sexual. Para essa
Organização, a educação sobre sexualidade e gênero deve começar desde os cinco
anos, para meninas e meninos. Ocorre que o ensino de temas envolvendo
sexualidade e prevenção à gravidez sofreu enorme retrocesso no Brasil desde 2011,
quando a polêmica envolvendo o material educativo Escola sem Homofobia – tachado
popularmente de "kit gay"98 – gerou o recolhimento de todo o suporte didático para
educação sexual, que era distribuído desde 2003.99
Assim, diante de um ambiente muito mais sensualizado do que o de outrora,
a orientação da UNESCO é que os assuntos sobre o conhecimento do corpo e por
que se sente o desejo sejam adaptados a cada faixa etária, a fim de fornecer meios
de as crianças saberem como se proteger de uma gravidez, como postergar sua vida
sexual, como se resguardar de doenças ou até mesmo como identificar abusos
sexuais. Ademais, para a UNESCO no Brasil, aprofundar o debate sobre sexualidade
e gênero contribui para uma educação mais inclusiva, equitativa e de qualidade, sendo
de grande importância a educação, uma vez que é compreendida como canal
formador de cidadãos que respeitem as várias dimensões humanas e sociais sem
preconceitos e discriminações.100
Nesse sentido, a educação acontece numa variedade de locais sociais, além
do espaço escolar, sendo as pedagogias culturais também responsáveis por produzir
conhecimentos e ensinar modos de ser e estar no mundo. Há, portanto, a necessidade
de se ampliar a discussão em torno da sexualidade e das relações de gênero, pois
estas são compostas de relações de poder, de modo a desafiar o público infanto-
juvenil a pensar nas formas como os sujeitos estão sendo produzidos e como suas
98 Para entender sobre o kit: SOARES, Wellington. Conheça o "kit gay" vetado pelo governo
federal em 2011. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-
pelo-governo-federal-em-2011>. Acesso em: 27 out. 2017.
99 SCHREIBER, Mariana. 'Sinto saudade de ser criança': em uma década, gravidez de meninas de
101 FELIPE, Jane. Afinal, quem é mesmo pedófilo?. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p. 201-223,
2006. p. 222.
102 MUZZETI, Op. cit. p 646.
103 Ibidem, p. 642.
104 Ibidem, p. 644.
54
locais. Até então, o funk era produzido na periferia para consumo direto da própria
periferia, independente de intermediários. A partir dos anos 90, houve a consolidação
do funk nacional, com músicas com letras totalmente em português e, após o período
de consolidação nacional, o funk encontrou espaços nunca antes imaginados.108
Com efeito, nos anos 2000, o funk passa a ocupar recintos distintos de seus
bailes de origem e, com um ritmo dançante, se populariza por todo o país. Ademais,
malgrado o conteúdo sexual e erotizado estar presente desde sempre, as músicas de
letras mais explícitas foram classificadas posteriormente como “funk proibidão”, de
modo a serem distinguidas dos demais tipos utilizados, tendo em vista o impacto que
suas letras causavam.109
Destarte, pode-se afirmar que o gênero musical conhecido como funk possui
em suas composições referências explícitas a práticas sexuais, sem sutilezas, nas
quais os órgãos genitais são mencionados, bem como os atos sexuais em suas mais
variadas formas são proclamados, sendo as músicas acompanhadas de coreografias
sensuais, que remetem à exibição dos corpos femininos. Trata-se, portanto, de um
repertório repleto de referências explícitas ao exercício da sexualidade.110
Como é possível perceber, o corpo erotizado é constantemente colocado em
discurso através de diferentes artefatos culturais, sendo que um dos que mais tem
ampliado significativamente seu campo de ação, no que tange à espetacularização da
sexualidade, trata-se da música. Ocorre que, enquanto artefatos culturais, as músicas
estão a transmitir modos de ser e sentir, expressando concepções de mundo de
determinada época e cultura, auxiliando na constituição dos sujeitos. Outrossim, elas
evidenciam, entre outras coisas, formas de representar homens e mulheres e suas
relações afetivo sexuais.111
Nesse sentido, nada há de oculto nas mensagens que são transmitidas às
crianças, através dessas canções com conteúdo erótico. Cabe esclarecer, por
oportuno, que o erótico não se restringe apenas ao exercício das práticas sexuais,
mas abrange também um conjunto de práticas e estratégias que produz sentidos
sobre as práticas sexuais. Isto é, que remetem ao entendimento de que as práticas
2006. P. 218.
111 Ibidem, p. 217.
56
sexuais são banais, bem como que os prazeres relacionados ao sexo devem ser
vividos intensamente por todos indistintamente.112
Destarte, atualmente, as crianças – principalmente das periferias – acabam
sendo bombardeadas pelas produções das grandes corporações midiáticas,
tornando-se expectadoras ativas e produzindo seus próprios significados quanto aos
referidos conteúdos musicais. Por conseguinte, movimento comum é o aparecimento
dos chamados MCs mirins, crianças e adolescentes que interpretam a música funk
brasileira nas redes de Internet e em shows ao vivo, tornando-se famosas.
A denúncia realizada por alguns cidadãos, que pediam a avaliação legal
acerca da exposição dos funkeiros mirins, suscitou a ação investigativa do Ministério
Público de São Paulo recaindo sobre algumas crianças – por exemplo, MCs Pedrinho,
Pikachu, Brinquedo e Melody – na pessoa de seus responsáveis, entre 2014 e 2015.
Por sua vez, o Ministério Público abriu uma investigação sobre a atuação de crianças
e adolescentes no chamado funk proibidão, em virtude desse estilo apresentar letras
e danças com apologia ao sexo, às drogas e ao crime, sendo consideradas
inadequadas para menores.113
Assim, o Ministério Público de São Paulo, no inquérito civil 103/2015, alegou
que a exposição dos funkeiros mirins viola a dignidade de crianças e adolescentes por
parte de seus produtores e dos publicadores na internet, além do direito ao respeito
consistente na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral desses "artistas
mirins", cuja imagem, identidade, autonomia, valores, ideias e crenças também
acabam sendo afrontados. 114
Portanto, visualiza-se que, nesse meio, as crianças cantam e desempenham
coreografias inadequadas para suas faixas etárias, em especial pelo forte conteúdo
erótico e de apelos sexuais, com termos depreciativos, apologia a drogas, a crimes e
prostituição. Os repertórios ainda podem ser agressivo e menosprezar a mulher,
112 SILVA, Clara Beatriz Santos Pereira da. O consumo cultural das músicas pop com conteúdos
eróticos: constituindo identidades infantis na contemporaneidade. 2016. 124 f. Dissertação (Mestrado)
- Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2016. p. 30.
113 MALDONADO, Helder. Promotor explica investigação dos funkeiros mirins: "Brasil é
democrático, mas não é um bordel". Disponível em: <https://diversao.r7.com/pop/promotor-explica-
investigacao-dos-funkeiros-mirins-brasil-e-democratico-mas-nao-e-um-bordel-13062017>. Acesso em:
29 out. 2017.
114 CARTA CAPITAL. Justiça investiga Mc Melody e os “MCs mirins”. Disponível em:
<http://justificando.cartacapital.com.br/2015/04/27/justica-investiga-mc-melody-e-os-mcs-mirins/>.
Acesso em: 30 out. 2017.
57
117 SOARES, Ana Carolina. Promotores tentam enquadrar pais de funkeiros por exploração de
menores. Disponível em: <https://vejasp.abril.com.br/cidades/funk-cantores-mirins-justica-mc-
melody/>. Acesso em: 30 out. 2017.
118 DIAS, Op. cit. p. 50.
119 Ibidem, p. 461.
120 Ibidem.
59
121 Art. 249 do ECA: Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou
decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência
122 DIAS, Op. cit. p. 462.
123 Ibidem, p. 470.
124 Ibidem.
125 Ibidem, p. 471.
60
Quanto aos deveres dos genitores, segundo o art. 227 da Constituição Federal,
compreendem a obrigação de sustento, guarda e educação dos filhos, cabendo
assegurar-lhes vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura,
dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, além de não poder
submetê-los à discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Por sua vez, a doutrina faz distinção entre perda e extinção do poder familiar,
sendo a perda medida imperativa e que abrange toda a prole – pois representa um
reconhecimento judicial que o titular do poder familiar não está capacitado para o seu
exercício – oriunda de uma sanção imposta por sentença judicial, por infringência de
um dever mais relevante, enquanto a extinção ocorre pela morte, emancipação ou
extinção do sujeito passivo. Dessa forma, de acordo com o art. 1.635 do CC, o poder
familiar é extinto pela morte dos pais ou do filho; pela emancipação; pela maioridade;
pela adoção do filho por terceiros; e em virtude de decisão judicial. Já no que diz
respeito à perda, conforme o art. 1.638 do CC, perde-se judicialmente o poder familiar
quando comprovada a ocorrência de castigo imoderado; abandono; prática de atos
contrários à moral e aos bons costumes; e reiteração de falta aos deveres inerentes
ao poder familiar. Insta salientar que as hipóteses expostas não são taxativas, mas
exemplificativas.
Cabe mencionar que a perda da autoridade parental por ato judicial leva à
extinção do poder familiar, isto é, ao término definitivo, ao fim do poder familiar. No
entanto, inclina-se a doutrina em admitir a possibilidade de haver a revogação da
medida, considerando que a perda do poder familiar não deve implicar em
impossibilidade permanente, podendo os pais recuperá-lo em procedimento judicial
de caráter contencioso, desde que comprovem a cessação das causas que
determinaram.126
Ante o exposto, como o princípio da proteção integral dos interesses da
criança, por imperativo constitucional, deve guiar qualquer medida que envolva o
público infantil, caso seja verificado que o direito à dignidade e ao desenvolvimento
integral das crianças que são Mcs mirins não são respeitados pelos genitores, e, que
pelo contrário, há uma exploração dos menores, com intuito lucrativo, seria hipótese
de análise judicial para a possível admissibilidade de suspensão ou perda do poder
familiar, em tais circunstâncias.
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BEE, Helen; BOYD, Denise. A criança em desenvolvimento. 12. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2011.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. São Paulo: Revista do
Tribunais, 2015.
FELIPE, Jane. Afinal, quem é mesmo pedófilo?. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p.
201-223, 2006.
GUTJAHR, Mayara; JOHN, Valquíria Michela. Erotização precoce: uma análise das
representações da infância nas páginas do suplemento infantil Folhinha. REVISTA
AÇÃOMIDIÁTICA, Paraná, v. 2, n. 2, 2012.
JÚNIOR, Hermes Siedler da Conceição; PES, João Hélio Ferreira. Os Direitos das
Crianças e Adolescentes no Contexto Histórico dos Direitos Humanos. In: PES, João
Hélio Ferreira (coord.). Direitos Humanos: crianças e adolescentes. 2. Ed. Curitiba:
Juruá, 2012. p. 19-42.
Desafios. In: PES, João Hélio Ferreira (coord.). Direitos Humanos: crianças e
adolescentes. 2. Ed. Curitiba: Juruá, 2012. p. 43-68.
SAUT, Roberto Diniz. O Direito da criança e do adolescente e sua proteção pela rede
de garantias. Revista Jurídica - CCJ/FURB, Blumenau, v. 11, nº 21, p. 45 - 73,
jan/jun. 2007.
SILVA, Clara Beatriz Santos Pereira da. O consumo cultural das músicas pop com
conteúdos eróticos: constituindo identidades infantis na contemporaneidade. 2016.
124 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós Graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.
VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014.