Você está na página 1de 96

Dedico esta obra aos meus pais, Dogival e Verônica, meus

primeiros mestres na ciência da vida; às minhas irmãs, Cibelle


e Ani Maria, duas lindas flores em meu jardim; e à Raquel,
minha esposa, eterna namorada, meu amor e vida...

Pessoas a quem tanto amo, e sem as quais nada seria


possível.
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Ortotanásia – Princípios Éticos e Constitucionais da “Morte


Correta”.

Maceió: Clube de Autores, 2010.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser


utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma, seja
mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação, etc. – nem apropriada
ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa
autorização do autor.

2
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Agradeço primeiramente a Deus, minha fonte de força e paz,


e meu refúgio nos momentos mais difíceis... E ainda, a meus
pais, minhas irmãs, minha esposa, e todos os amigos e
mestres, sem os quais todo o esforço, garra e perseverança
seriam em vão.

A todos, meus mais sinceros e verdadeiros agradecimentos.

3
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

4
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

CONTEÚDO

1. Apresentação .................................................................... 7

2. Eutanásia: Noções Propedêuticas ............................... 11

2.1. Conceito e Classificação .................................. 12

2.2. Variáveis Conceituais ....................................... 15

2.3. Problemática Moral ........................................... 18

2.4. Problemática Legal ........................................... 21

3. Ortotanásia: a “Morte Correta” ..................................... 25

3.1. Principiologia Bioética ....................................... 28

3.1.1. Autonomia ......................................... 29

3.1.2. Beneficiência ..................................... 30

3.1.3. Não-Maleficiência ............................. 30

3.1.4. Justiça ............................................... 31

3.2. Principiologia Constitucional – A Dignidade da


Pessoa Humana ................................................................... 34

3.3. Responsabilidade Civil e Penal ........................ 39

5
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

4. Distinção prática entre Eutanásia e Ortotanásia


............................................................................................... 42

5. Conclusão ....................................................................... 45

6. Anexos

Anexo A – Declaração sobre a Eutanásia – Sagrada


Congregação para a Doutrina da Fé .................................... 48

Anexo B – Lei Estadual nº 10.241/99 – São Paulo .............. 59

Anexo C – Resolução nº 1.805/06 – Conselho Federal de


Medicina ............................................................................... 65

Anexo D – Código de Ética Médica ...................................... 68

7. Bibliografia ...................................................................... 95

6
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

1. APRESENTAÇÃO

Inicialmente, faz-se mister esclarecer que não é a


intenção da obra exaurir o tema da ortotanásia, mas apenas
traçar algumas considerações acerca de sua
conceitualização, historicidade e fundamentação ética e
constitucional, de modo que se possa justificar tal prática, com
base em normas de cunho axiológico, bem como situar a
ortotanásia diante de princípios constitucionais, mais
especificamente, o princípio da dignidade da pessoa humana,
o qual se mostra basilar para a fundamentação de tal prática,
sem olvidar, no entanto, de demais princípios constitucionais
concernentes ao tema, como a autonomia da vontade, a
justiça, e o direito subjetivo a uma boa qualidade de vida.

No que tange á qualidade de vida do ser humano, é


notório que a dor e o sofrimento permeiam a existência deste
desde seu nascimento. No entanto, o homem busca
incansavelmente livrar-se de tal estado, inerente á condição
humana, por diversos meios, seja pela busca incessante da
felicidade em fontes as mais diversas possíveis, ou, em última
análise, pela supressão da dor e da agonia em seus últimos
momentos de vida, quando acometido por algum tipo de
enfermidade grave. Supressão esta, cuja conseqüência, em
última análise, e na maioria das vezes, é a própria morte do
indivíduo, ato este conhecido como eutanásia.

7
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Casos de eutanásia como o da norte-americana Terri


Schiavo, a qual, após uma longa disputa judicial entre seu
esposo (favorável à eutanásia) e seus pais (contrários à
medida), que culminou com sua morte, por meio da eutanásia
passiva, em 31 de março de 2005, após 15 longos anos em
estado vegetativo; e ainda, o famigerado caso do espanhol
Ramón Sampedro, tetraplégico por 28 anos após sofrer uma
lesão cervical ao mergulhar numa praia, o qual solicitou à
justiça espanhola o direito de morrer por não suportar mais
viver naquele estado, o que lhe foi negado após cinco anos de
uma intensa luta judicial, culminando com sua morte, auxiliado
por seus amigos, no dia 15 de janeiro de 1998, por ingestão
de cianureto, ascendem ainda mais o debate em torno do
presente tema.

No entanto, a questão se faz muito mais antiga.


Carregada de valores culturais, sociais, e acima de tudo
religiosos, a eutanásia foi abordada de forma primeva, sem,
no entanto, possuir ainda a denominação atual, por filósofos
da Grécia Antiga, que se dividiam entre sua defesa, como no
1
caso de Platão , Epicuro e Sócrates, e sua condenação,
2 3
embasada por Aristóteles e Hipócrates , sendo, afora as
discussões filosóficas, praticada de maneira quase costumeira

1
PLATÃO. A República. Terceiro Livro, Livraria Exposição do Livro,
tradução de Eduardo Menezes. [s.n.t.].
2
ARISTÓTELES. A Ética de Nicômaco. Biblioteca Clássica, Vol.
XXXIII, 3. ed. São Paulo: Atena; 1950.
3
“Eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for
solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo.”

8
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

durante determinado período histórico, não só pelos


helênicos, mas também na Índia e com os Celtas.

A discussão, com o passar dos anos, evoluiu,


ganhando contornos os mais diversos. E o termo eutanásia
seguiu o mesmo caminho. Antes denominada como “a boa
morte”, “morte serena” ou “morte piedosa”, o termo passou a
designar simplesmente a abreviação da vida, perdendo boa
parte de se caráter piedoso e caridoso, sendo abominada e se
tornando um tabu dos círculos médicos, os quais procuram se
distanciar ao máximo de tal prática, a qual só passou a ser
abordada de maneira mais calorosa no Brasil apenas no início
do século XX, na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, com
inúmeras teses desenvolvidas sobre o assunto, ficando, após,
de certa forma adormecida no meio acadêmico até bem
pouco tempo, quando alguns casos, conforme os relatados
acima, retomaram a discussão.

Entretanto, surgiu mais recentemente uma nova


vertente no que concerne à prática eutanásica, e mais
especificamente no que diz respeito ao fim da vida,
denominada de ortotanásia, a qual preconiza a morte em seu
momento oportuno, e pode ser definida como a morte natural,
no momento correto, por meio da suspensão de tratamento
terapêutico cujo prosseguimento se mostra inútil ou fútil, em
um paciente que se encontra em estado terminal, acometido
por doença incurável, e afligido por dor ou sofrimento
alienante.

9
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Como tema desta obra, a ortotanásia recebeu um


enfoque eminentemente axiológico e constitucional, onde
foram também traçadas algumas noções gerais, evolução
histórica, distinção entre eutanásia e ortotanásia, e ainda, a
exposição dos principais posicionamentos doutrinários e
legais acerca do tema.

Observou-se, por fim, que a ortotanásia se mostrou


como a oportunidade da morte correta, sem ultrapassar os
limites da vida digna, apresentando-se ainda como uma ação
atípica, frente ao ordenamento jurídico-penal pátrio, e mais,
lícita, diante de princípios éticos e constitucionais, que versam
sobre a condição humana em sua dignidade, levando-se em
conta o equilíbrio entre os princípios da qualidade de vida e a
sacralidade do indivíduo, equilíbrio este que é, senão, a
principal finalidade do Direito.

10
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

2. EUTANÁSIA: NOÇÕES PROPEDÊUTICAS

Antes de adentrarmos nas revoltas águas do mar da


ortotanásia, necessário se faz que explanemos a eutanásia,
como ato mais próximo de nossa realidade, para só assim,
traçarmos determinados conceitos fundamentais que nos
auxiliarão no real entendimento da prática objeto da presente
obra.

Comumente confundida como uma prática única, a


eutanásia apresenta-se de diversas formas, a depender de
fatores distintos, como o modo de execução, a voluntariedade
do agente, e até mesmo quem se apresenta como agente de
tal ato, o que denota diversas acepções para a referida
prática.

Algumas destas peculiaridade servirão, conforme dito


anteriormente, para delinear e, principalmente, diferenciar, a
prática eutanásica da ortotanásia, de modo a fornecer um
melhor entendimento desta, ainda que tais limites se
apresentem deveras tênues, conforme segue.

11
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

2.1. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

A expressão eutanásia foi proposta pelo filósofo inglês


Francis Bacon, no ano de 1623, em sua obra “Historia vitae et
mortis” (História da Vida e da Morte), conceituando-a como o
4
“tratamento adequado às doenças incuráveis” .

Atualmente, pode-se denominar a eutanásia (do grego


eu: bom; e thanatos: morte) como o ato por meio do qual uma
pessoa causa, de maneira deliberada e motivada pela
compaixão e piedade, a morte de outra, que se encontra
afligida por grave sofrimento. No entanto, o termo se faz muito
mais amplo, e passível das mais diversas interpretações.

Tal prática, desde de tempos idos, já foi utilizada


pelas mais diversas culturas e povos, dentre os quais
podemos citar, com mais precisão, os helênicos, os indianos,
e ainda, os povos celtas.

Na Grécia Antiga, mais precisamente entre 500 e 300


a.C., a prática já causava grandes discussões filosóficas,
sociais, culturais e religiosas, gerando duas correntes: a
daqueles que aceitavam a prática da eutanásia, liderados por
Platão, Epicuro e Sócrates, e os contrários à medida, como
Aristóteles e Hipócrates – este último através de seu
juramento, célebre sustentáculo da profissão médica nos dias
atuais.

4
BACON, Francis. História da Vida e da Morte. [s.l.]: [s.n.], 1623.

12
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Em tal sociedade, a eutanásia se dava de maneira


mais comum com a eliminação dos recém-nascidos
deformados, velhos e enfermos, os quais eram jogados do
alto do monte Taijeto, abandonados para que perecessem
esquecidos da sociedade, ou ainda, por meio do conium
maculatum, bebida venenosa que, após a decisão do Senado,
era oferecida aos velhos e doentes incuráveis, em banquetes
cerimoniais.

Os indianos, mais precisamente os Brâmanes, a


exemplo dos antigos gregos, também elidiam os velhos e
enfermos, atirando-os no Rio Ganges, com suas narinas e
boca obstruídas com barro, para que assim viessem á óbito.

Assim também o faziam os celtas e tantos outros


povos da Idade Média, os quais ofereciam aos guerreiros
feridos em batalha um punhal, denominado misericodia, que
serviria para tirar-lhes a vida, evitando o sofrimento e a
desonra, por entenderem ser a morte a melhor opção para
aqueles que carregavam tal sorte, padeciam de algum mal
incurável, eram afligidos por grande sofrimento ou em os
quais a idade já se fazia avançada.

Quanto à classificação da eutanásia, esta se dá de


acordo com o critério considerado. Assim, pode ser
classificada como ativa, passiva, e de duplo efeito, no que se
refere aos meios de execução:

13
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

a) Ativa, quando por meio de uma ação positiva do


agente, no sentido de levar o paciente á morte;

b) Passiva, quando o modo de execução é uma


omissão, seja pela não inicialização de um tratamento
terapêutico, ou ainda, pela supressão dos meios ordinários à
sustentabilidade da vida do paciente;

c) De duplo efeito, quando a morte ocorre em


decorrência indireta de ações médicas que visem eliminar o
sofrimento de um paciente em estado terminal.

No que se refere á voluntariedade/consentimento do


paciente, pode ainda ser classificada em voluntária,
involuntária ou não voluntária:

a) Voluntária: ocorre a morte atendendo a vontade do


paciente;

b) Involuntária: a morte se dá contra a vontade do


paciente;

c) Não voluntária: o paciente não manifesta qualquer


posição em relação á prática.

E por fim, outra classificação adotada leva em


consideração o agente que pratica a eutanásia, classificando
esta em:

a) Eutanásia-homicídio: quando o médico ou familiar


provoca a morte do paciente;

14
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

b) Eutanásia-suicídio: conhecida como suicídio


assistido, tal prática se dá quando o próprio paciente provoca
a eutanásia.

Outras classificações são propostas por diversos


autores, entretanto, buscamos demonstrar apenas aquelas as
quais os critérios adotados se mostram relevantes, ao menos
para a caracterização da prática da eutanásia, como o agente,
o meio empregado, a voluntariedade (ou não) da vítima
(paciente), e principalmente, a intenção, que se apresenta, in
casu, com o intuito de abreviar uma vida, ainda que a
motivado por compaixão.

2.2. VARIÁVEIS CONCEITUAIS

Após a definição do que seja a eutanásia, e sua


classificação pela doutrina, se faz premente que se
estabeleça quais as principais variáveis da prática da
eutanásia, pois, para alguns autores, as práticas listadas a
seguir não configuram práticas autônomas em relação á
eutanásia, mas apenas, variáveis conceituais desta. Para
tanto, utilizamos termos como distanásia, mistanásia, suicídio
e suicídios assistido.

O termo distanásia provém do grego (dis: ruim; e


thanatos: morte), e significa a morte ruim, com dor, de

15
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

maneira ansiosa e sofrida, ou seja, uma violenta deformidade


do processo natural de morte.

Traduz-se na manutenção da vida, através de meios


extraordinários, daquele indivíduo que se encontra com uma
doença incurável, visando apenas a obstinação terapêutica,
ainda que não haja uma ação positiva do agente no sentido
de abreviar a vida do enfermo, sendo conhecida nos meios
médico-hospitalares como “futilidade médica” ou tratamento
inútil.
5
Já a mistanásia, proposta por Leonard Martin ,
apresenta-se como “a morte miserável e dolorosa, fora e
antes do seu tempo”. Envolvendo fatores mais sociais que
propriamente a retirada da vida por meio de uma ação do
agente, a mistanásia apresenta, basicamente, quatro tipos: a
ausência de condições mínimas de vida e sobrevivência da
população; a falta de socorro à população que se encontra à
margem do sistema de saúde; os erros médicos; e as práticas
de eliminação dos indivíduos indesejados, como a praticada
na Alemanha do Terceiro Reich.

Por suicídio (sui: de si), tem-se o ato voluntário de tirar


a própria vida. Tal ato se dá por livre vontade do agente, ou
ainda, pela falta de discernimento (ou a precariedade deste),
e é muito comum em pacientes que se encontram afligidos

5
MARTIN, Leonard. Eutanásia e distanásia. In: Costa SIF, Oselka
G, Garrafa V (org). Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal
de Medicina; 1998. p. 171-192.

16
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

por grave sofrimento e/ou doença grave, os quais, fazendo


uso inclusive da própria língua, por exemplo, tentam dar fim à
própria vida, mordendo-a e sufocando-se.

Já o suicídio assistido, como o próprio termo


responde, é o auxílio à morte, onde um indivíduo ajuda um
outro a cometer suicídio, seja por meio de ações, como o
convencimento, a persuasão ou o encorajamento, seja
através da prescrição ou indicação de medicamentos que
possuam tais finalidades.

Apesar de guardas similaridades com o suicídio e a


eutanásia propriamente dita, o suicídio assistido diferencia-se,
basicamente, em razão da pessoa que realiza o ato. No
suicídio, conforme expresso acima, a própria pessoa é o
agente responsável pela morte. Na eutanásia, guardada
certas peculiaridades, um indivíduo mata outro, de forma
direta. No entanto, na hipótese do suicídio assistido, uma
pessoa ajuda, auxilia, outra a se matar, o que levanta,
indubitavelmente, questões acerca da culpa do agente em
relação à vontade do enfermo.

Teria o agente a totalidade da culpa? Se o enfermo


possuía, ao tempo da ação, a totalidade de suas faculdades
mentais, quem o auxilia divide a culpa com ele? Tais questões
permeiam o campo acerca da problemática proposta, na
medida em que é a culpa do agente, seja na eutanásia, e
também na ortotanásia, a principal premissa autorizadora, ou
não, de tais práticas.

17
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

No entanto, antes de discutida a culpa do agente, a


contenda primeira seria quanto à moralidade da pratica em
comento, ou seja, quanto aos argumentos morais de tal ação,
contrários e favoráveis, como veremos mais adiante.

2.3. PROBLEMÁTICA MORAL

Feitas as devidas considerações semânticas acerca


da eutanásia, surge, então, a questão bioética referente aos
argumentos autorizadores e contrários da prática da
eutanásia.

Aqueles que são contrários á prática da eutanásia


apresentam, no bojo da discussão, argumentos de
legitimidade indubitável, destacando-se, dentre eles, o
princípio da sacralidade da vida.

De acordo com esta premissa maior, a vida humana


seria um bem sagrado, concedido por Deus. E, sendo um
bem que foi concedido por alguém superior aos seus
detentores, não vos seria dado o direito de interrompê-la, o
que se coaduna com o pensamento das tradições religiosas
em geral, mormente na Igreja Católica, conforme se
depreende do conteúdo da Declaração sobre a Eutanásia

18
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

(Anexo A), emitida em 1980, em reunião da Sagrada


6
Congregação Para a Doutrina da Fé , nos seguintes termos:

[...] Ora, é necessário declarar uma vez


mais, com toda a firmeza, que nada ou
ninguém pode autorizar a que se dê
a morte a um ser humano inocente
seja ele feto ou embrião, criança ou
adulto, velho, doente incurável ou
agonizante. E também a ninguém é
permitido requerer este gesto homicida
para si ou para um outro confiado à sua
responsabilidade, nem sequer consenti-
lo explícita ou implicitamente. Não há
autoridade alguma que o possa
legitimamente impor ou permitir. Trata-
se, com efeito, de uma violação da lei
divina, de uma ofensa à dignidade da
pessoa humana, de um crime contra a
vida e de um atentado contra a
humanidade.

Pode acontecer que dores prolongadas


e insuportáveis, razões de ordem
afectiva ou vários outros motivos, levem
alguém a julgar que pode legitimamente
pedir a morte para si ou dá-la a outros.
Embora em tais casos a
responsabilidade possa ficar atenuada
ou até não existir, o erro de juízo da
consciência — mesmo de boa fé — não
modifica a natureza deste gesto
homicida que, em si, permanece
sempre inaceitável. As súplicas dos
doentes muito graves que, por vezes,

6
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ.
Declaração Sobre a Eutanásia. Disponível em:
<http://www.vatican.va/roman_curia/congregation//document/rcfaith_
doc_19800505_euthanasia_po.html>. Acesso em: 07 jul. 2010.

19
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

pedem a morte, não devem ser


compreendidas como expressão duma
verdadeira vontade de eutanásia;
nestes casos são quase sempre
pedidos angustiados de ajuda e de
afecto. Para além dos cuidados
médicos, aquilo de que o doente tem
necessidade é de amor, de calor
humano e sobrenatural, que podem e
devem dar-lhe todos os que o rodeiam,
pais e filhos, médicos e enfermeiros.
(Grifo Nosso)

Entretanto, existem também, na doutrina


especializada, argumentos de bastante credibilidade que
pugnam pela realização da eutanásia, destacando-se,
essencialmente, os princípios da qualidade de vida e
autonomia do indivíduo.

Entendido como um princípio geral, a qualidade de


vida atua no sentido de valorizar a vida humana, desde que
esta seja provida de determinadas qualidades sócio-
históricas, aceitas e determinadas pelo próprio indivíduo, o
qual se apresenta como o principal interessado na vida, e,
assim o sendo, o único apto a decidir também sobre a sua
morte.

Adentra-se, agora, no campo da autonomia como


outro argumento favorável à realização da eutanásia.

Autônomo seria, então, aquele indivíduo que “(...) age


livremente de acordo com um plano escolhido por ele mesmo,
da mesma forma que um governo independente administra

20
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

7
seu território e define suas políticas” , devendo ser assim
respeitada a liberdade de escolha do enfermo no que diz
respeito à manutenção ou não de sua vida.

No entanto, tal manifestação de vontade do enfermo


padece de críticas em demasia, por parte dos estudiosos do
assunto, os quais avençam que a autonomia, nestes casos,
deve ser relativa, mitigada pela própria condição do agente,
física e psicológica. Não possuindo este, assim, qualquer
possibilidade de exprimir sua vontade livre, longe de vícios,
ainda mais se tal vontade recai sobre a possibilidade de por
fim à sua própria vida.

O debate então prossegue, fomentando discussões


que fogem da seara ético-filosófica, recaindo nas leis e
normas jurídicas, determinantes da vida em sociedade,
conforme se explana mais adiante.

2.4. PROBLEMÁTICA LEGAL

Oportuno se faz, neste momento, que se trace os


meandros da legislação pátria no que se refere a prática da
eutanásia.

7
BEUCHAMP, TL; CHILDRESS, JF. Princípios de ética
biomédica. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 138.

21
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Inegável que, no caso da eutanásia, estar-se-á diante


de um ato de antecipação da morte, da finitude de uma vida,
ainda que a motivação seja a piedade e a compaixão.

Todavia, ainda que se reconheça que estamos diante,


em tal situação, de uma ação que causa, conscientemente, a
morte de um indivíduo, e que, a despeito da negativa por
parte da população médica em geral, é praticada no dia-a-dia
dos hospitais do mundo todo (de forma mascarada), tal ação,
por mais incrível que possa parecer, não é contemplada pela
legislação penal pátria.

Verificando-se a ocorrência de eutanásia, e restando


esta não tipificada, haverá de ser aplicada causa de
diminuição de pena pelo crime de homicídio, contida no §1º
do artigo 121 do Código Penal:

Art. 121 – Matar alguém:


Pena: reclusão de seis a vinte anos.
§1º - Se o agente comete o crime
impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um
terço. (Grifo Nosso)

Podendo ocorrer ainda a prática de suicídio assistido


ou auxílio ao suicídio, constante no artigo 122 do Código
Penal, caso se verifique a participação material de outrem, de

22
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

modo a fornecer os meios adequados para a consecução de


tal fim, conforme reza o referido artigo:

Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a


se suicidar ou prestar-lhe auxílio para
que o faça:
Pena: reclusão, de dois a seis anos, se
o suicídio se consuma; ou reclusão, de
um a três anos, se da tentativa resulta
lesão corporal de natureza grave.

Todavia, ainda que a eutanásia não esteja prevista


pela legislação penal de forma explícita, vale lembrar o que
dispõe o Código de Deontologia Médica (Resolução nº
1.154/84, do Conselho Federal de Medicina), em seu artigo
29, ao afirmar que “é vedado ao médico, no exercício de sua
profissão, contribuir para apressar a morte do paciente ou
usar meios artificiais quando comprovada a morte cerebral”,
combinando com o disposto no Código de Ética Médica
(Resolução nº 1.931/09, do Conselho Federal de Medicina),
em seu artigo 41, o qual proíbe ao médico “abreviar a vida do
paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante
legal”.

Entretanto, vale ressaltar que ainda se encontra em


tramitação no Senado Federal, desde 1996, o Projeto de Lei
nº 125/1996, o qual prevê a criminalização da eutanásia.
Segundo o anteprojeto, que alteraria os parágrafos do artigo

23
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

121 do Código Penal, o crime de eutanásia estaria tipificado


em seu §3º, assim disposto:

Art. 121 – Matar alguém:


Pena: reclusão de seis a vinte anos.
[...]
§3º - Se o autor do crime agiu por
compaixão, a pedido da vítima
imputável e maior, para abreviar-lhe
sofrimento físico insuportável, em razão
de doença grave:
Pena: reclusão de três a seis anos.

Por fim, a par de todo o exposto, a presente obra


posiciona-se contrária à prática da eutanásia, visto que resta
à eutanásia a condição, inexorável, de crime contra a vida,
ainda que lhe falte apenas, para tanto, uma tipificação por
parte da legislação penal pátria.

É claramente ação atentatória ao direito á vida, sejam


quais forem as circunstâncias, ainda que, em última análise,
motivada por compaixão e piedade.

Assim, para combater a prática da eutanásia é que se


apresenta o conceito de ortotanásia, como um meio de atuar
corretamente frente ao processo de morte, na fase terminal de
uma enfermidade, sem antecipar a morte, mas, antes de tudo,
cuidando da vida.

24
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

3. ORTOTANÁSIA: A “MORTE CORRETA”

Após traçarmos, nos capítulos anteriores, as linhas


definidoras da eutanásia, seu conceito, classificação, varáveis
e problemática, iniciamos agora nossa jornada pelos
meandros da ortotanásia, com o fito de desmembrá-la da
prática anterior, de modo a melhor compreendê-la, para, só
assim, melhor defendê-la.

Por ortotanásia (do grego orto: correto; e thanatos:


morte) entende-se o ato por meio do qual o médico deixa de
prestar um tratamento, que se mostraria fútil ou inútil, em um
paciente que se encontra em estado terminal, ou seja, que vai
morrer num período relativamente curto de tempo (de três a
seis meses, de acordo com as expectativas médicas atuais),
independentemente das ações médicas colocadas em prática.
Paciente este, acometido por doença incurável, ao menos
diante das possibilidades técnico-científicas da medicina
atual, e ainda, afligido por dor ou sofrimento alienante.

Confundida, equivocadamente, como um tipo de


eutanásia, a ortotanásia guarda particularidades que a
denotam como a utilização dos meios adequados no
tratamento de uma pessoa que está morrendo, combatendo-
se a “tecnolatria” utilizada nos hospitais, evidenciada em
tratamentos fúteis.

25
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Para fins de retirada de um determinado tratamento


fútil, de modo a se evitar a distanásia, já definida
anteriormente como uma deformidade do processo natural de
morte, tal futilidade deve ser entendida como a relação falha
entre tratamento e terapêutica, ou seja, se um tratamento não
possui nenhuma probabilidade terapêutica, deve ser
considerado fútil, visto que é desprovido de qualquer
finalidade útil no que diz respeito a reduzir sintomas, bloquear
a evolução da doença ou promover condições para o
restabelecimento do organismo do paciente.

A ortotanásia teria, desta forma, o mister de favorecer


ao doente que já entrou na fase final de sua doença, e
também àqueles que o cercam, através da possibilidade de
enfrentar o destino com tranqüilidade, pois a morte não é uma
doença a curar, mas algo que faz parte da própria vida, e,
uma vez aceito este fato que a cultura ocidental moderna
teima em esconder e se esmera em negar, abre-se a
possibilidade de trabalhar a distinção entre curar e cuidar,
entre manter a vida, quando isto for o procedimento correto, e
permitir que a pessoa morra, quando for o inevitável.

O que se busca, afinal, é o não encurtamento da vida


do paciente, com o plus de que se deixe transcorrer, da
maneira mais natural, e o mais importante, do modo menos
doloroso, ou menos sofrido, o processo de morte já iniciado
naquele paciente desesperançado pelos conhecimentos da
medica atual.

26
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

E é neste processo de atuação correta frente á morte


que a ética é tão importante quanto o componente técnico,
visto que o ideal é realizar a integração do conhecimento
científico, habilidade técnica e sensibilidade ética numa única
abordagem, pois, diante dos enormes progressos da biologia
e da medicina, há uma imperativa necessidade de assegurar
respeito aos direitos humanos.

Ética esta que insurge de maneira mais clara e óbvia


quando diante da decisão de retirar ou não o tratamento
daquele indivíduo que se encontra num estágio onde, diante
das possibilidades médicas atuais, está fadado à morte,
inexoravelmente, num curto espaço de tempo.

Para tanto é que foi devidamente regulamentado pelo


Conselho Federal de Medicina, no Código de Ética Médica
(Resolução nº 1.931/09, do Conselho Federal de Medicina),
em seu artigo 41, parágrafo único, que “nos casos de doença
incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações
diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando
sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou,
na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”

Todavia, para tornar mais diáfano o debate acerca da


principiologia ética que rege e autoriza a ortotanásia, faz-se
necessário que se esclareça quais são estes princípios
axiológicos que coadunam ação e moral.

27
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

3.1. PRINCIPIOLOGIA BIOÉTICA

8
De acordo com Marilena Chaui , a ética é um termo
que, de maneira geral, “tenta investigar e definir uma vida
normal”, sendo bioética um neologismo, nascido na década
de 70, para designar, lato sensu, a “ética da vida”, uma
espécie de preocupação da adequação e utilização dos
conhecimentos médicos na vida dos pacientes.

Duas são as correntes teóricas que tentam explicar as


bases analíticas das questões éticas em geral. A
conseqüencialista e a deontológica.

Para os conseqüencialistas as ações humanas podem


ser certas ou erradas, a depender das conseqüências destas,
não possuindo, assim, um valor em si mesmas.

Já para os deontologistas, determinadas ações


possuem em si um valor de certo ou errado,
independentemente das conseqüências, principalmente no
que se refere á morte.

Entretanto, apesar de possuírem visões tão diferentes


acerca do valor de cada ação, ambas as correntes teóricas
convergem no que se refere a quatro pontos aceitos

8
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ed.
Ática, 2002.

28
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

hodiernamente como princípios bioéticos autorizadores da


ortotanásia: a autonomia, a beneficiência, a não maleficiência
e a justiça.

3.1.1. AUTONOMIA

Entende-se como autonomia a capacidade de auto


determinar-se, de acordo com suas vontades.

Especificamente no que pertine aos debates bioéticos,


mormente na relação médico-paciente diante da ortotanásia,
a autonomia é apresentada como fundamental, no sentido de
prover ao paciente o consentimento livre e esclarecido sobre
todos os procedimentos utilizados, de forma que este possa
entender os riscos e benefícios do diagnóstico e da terapia,
para assim decidir de acordo, ou não, com os procedimentos
propostos.

Estando este livre para decidir que não deseja


procedimentos extraordinários e onerosos para a manutenção
da vida.

Tal princípio se funde com a regra contida no artigo 15


do Código Civil, o qual afirma que “ninguém pode ser
constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
médico ou a intervenção cirúrgica”.

29
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

3.1.2. BENEFICIÊNCIA

De acordo com a tradição hipocrática, o princípio ético


da beneficiência se expressa pelo dever do médico em
restaurar a saúde e aliviar o sofrimento.

No entanto, a beneficiência vai além disto, sendo


ainda dever do médico beneficiar o paciente.

Ou seja, supondo que o enfermo encontre-se


acometido por doença incurável grave, e afligido por grave
sofrimento, nada resta ao médico, já que não pode prestar-lhe
a cura, senão proporcionar àquele uma existência digna, sem
utilizar meios extraordinários que tornem a existência e o fim
da vida uma experiência menos ansiosa e sofrida.

3.1.3. NÃO MALEFICIÊNCIA

Entendido como ato/dever médico de não prejudicar o


paciente (primum non nocere), o princípio da não
maleficiência apregoa que o médico deve sopesar os riscos e
benefícios dos procedimentos terapêuticos indicados,
objetivando não prejudicar o paciente.

30
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Sabe-se que todos as intervenções médicas possuem


algum risco, no entanto, estes são, em sua maioria, mínimos,
diante dos benefícios alcançados.

Todavia, isto não é observado nas Unidades de


Tratamento Intensivo – UTI’s, onde por vezes se mantém
suportes avançados de vida em pacientes que não
vislumbram uma recuperação com qualidade de vida,
trazendo apenas riscos e sofrimentos a estes.

Em outras palavras, se um determinado paciente tem


seu estado considerado como irrecuperável, não há que se
falar em benefício ao se introduzir um suporte avançado de
vida que induza a iatrogenia.

3.1.4. JUSTIÇA

O sentido de justiça empregado neste princípio ético


faz referência à imparcialidade e eqüidade, de modo a não
proporcionar para uns aquilo que não se pode fazê-lo a todos.

Pretende-se, com tal princípio, delinear a idéia de que


as decisões acerca de quais indivíduos poderão dispor de
determinados recursos hospitalares não devem recair em
fatores meramente econômicos.

É do conhecimento de todos que é impossível utilizar,


para todos os pacientes em potencial, os recursos disponíveis

31
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

numa UTI. Desta feita, como decidir, sem levar em


consideração os fatores econômicos, quem poderá ou não
dispor daqueles recursos?

A solução moralmente aceita pode ser encontrada na


observância do real estado de cada paciente, ou seja, tal
decisão de não aceitar na UTI pacientes em estado terminal,
visto que seu estado não vislumbra, por parte da iátrica atual
qualquer possibilidade de recuperação, pode ser moralmente
lícita, desde que divulgado tal critério para a população e
equipe médico-hospitalar.

Observa-se que a ética passa, assim, a ser um fator


essencial, quando se propõe a retirada de um tratamento. O
norte para a adoção de critérios morais que justifiquem a
retirada terapêutica. Critérios essenciais, segundo Provar
(1990), para o sucesso de tal abordagem, quais sejam:

- Clareza: todas as partes envolvidas no processo


devem ter a clara compreensão do diagnóstico, prognóstico,
objetivos terapêuticos e demais critérios utilizados na retirada
do tratamento;

- Comunicação: deve haver constante comunicação


entre os profissionais envolvidos naquele caso, de modo a
fornecer um quadro mais eficaz para a observação de
mudanças e possíveis evoluções do caso;

32
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

- Cuidado: efetivo reconhecimento dos inevitáveis


impedimentos emocionais, tanto de familiares quanto da
equipe médica, e até mesmo do próprio paciente, quando da
retirada do tratamento;

- Fechamento: todas as informações acerca do caso


devem ser amplamente revisadas após a morte do paciente,
principalmente no que se refere aos aspectos éticos da
decisão.

A proposta de critérios acima descrita contempla toda


a situação fática, do início á finalização do caso, com a
conseqüente morte do paciente. É, pois, uma maneira de se
estabelecer os meios necessários para uma melhor atuação,
tanto da equipe médica quanto da família, frente à
ortotanásia.

Entretanto, tais princípios (bio)éticos não podem (e


não devem) atuar isoladamente quando se versa sobre a
terminalidade da vida de um ser humano, visto que, não
apenas princípios éticos influenciam na vida comum, mas
também, e de maneira mais impositiva, a ordem jurídica
vigente, em especial àquela expressa pela Lei Maior de um
Estado, em conjunto com as leis hierarquicamente inferiores,
como se depreende das linhas subseqüentes.

33
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

3.2. PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL –

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O principal problema enfrentado pelo médico, quando


diante de um paciente, refere-se ao dever de assegurar a visa
sem violar princípios éticos e/ou legais, e isto se apresenta de
modo mais acentuado no momento da morte.

Neste diapasão, há quem fale em “direito à morte”,


referindo-se não ao direito de se dar ou provocar a morte,
mas sim, ao direito de morrer com a dignidade inerente à
condição humana.

Como princípio basilar no estudo da ortotanásia, a


dignidade humana, ou dignidade da pessoa humana, como o
é entendido normalmente, é conceito relativamente recente,
ante o fato de que, para os gregos, o homem não era
entendido como tal, mas sim, como um animal, político ou
social, mas, repita-se, animal, a exemplo de todo o
pensamento Aristotélico.

O homem só encontra, assim, sua dignidade


reconhecida, a partir do Cristianismo, e sua filosofia patrística
e escolástica, as quais proclamam o conceito de pessoa,
intimamente ligado à subjetividade, do que se conclui que o
homem passa a ser visto como um ser único, distinto do
Estado, possuindo, desta feita, direitos específicos, ligados a
cada homem, em sua individualidade.

34
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

De acordo com a Suprema Corte Norte-Americana, no


caso Terri Schiavo, apenas à guisa de exemplo, o que foi
assegurado ultrapassou o direito à vida. Chegando ao direito
a uma vida digna, sem sofrimento. O que se pretende
assegurar com o direito à vida digna sobrepuja, a fortiori, a
vida em si, resguardando, em última análise, a dignidade.

A dignidade da pessoa humana apresenta-se como


espécie de fonte normativa para a aplicação de demais
princípios, a norma hipotética fundamental, como se
depreende das demais codificações que serviram de espelho
9
à nossa, a exemplo da Constituição de Portugal de 1976 , da
10
Constituição Espanhola de 1978 , e em especial na Lei
Fundamental Alemã de 1949, a qual, em seu artigo 1º, dispõe
que:

Art. 1º - 1. A dignidade da pessoa


humana é inviolável. Constitui
obrigação de todas as autoridades do
Estado o seu respeito e proteção. 2. O
povo alemão reconhece, em
conseqüência, os direitos invioláveis e
inalienáveis do homem como

9
Art. 1º - Portugal é uma República soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada
na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. (Grifo Nosso)
10
Art. 10 – A dignidade da pessoa humana, os direitos invioláveis
que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o
respeito à lei e aos direitos do semelhante constituem o fundamento
da ordem política e da paz social.

35
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

fundamento de toda comunidade


humana, da paz e da justiça do mundo.

E do modo como resta presente na Constituição da


11
República de 1988, em seu artigo 1º, inciso III , o princípio da
dignidade humana, ou dignidade da pessoa humana,
harmoniza-se perfeitamente com o exposto acima, e com as
demais fontes comparadas de Direito Constitucional
internacional, no sentido de fonte para demais princípios,
como a inviolabilidade da vida, podendo ser apreendido, em
seu sentido mais amplo, como:

[...] um valor espiritual e moral inerente


à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação
consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável
que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que

11
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana.

36
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

merecem todas as pessoas enquanto


12
seres humanos.

Contudo, ao lucubrar no estudo do referido princípio,


constatamos que este, de acordo com o feliz ensinamento do
13
célebre Miguel Reale , apresenta três concepções distintas:
individualismo, transpersonalismo e personalismo.

Para o individualismo, ao proteger e realizar o


interesse do indivíduo chega-se ao bem comum, ou, interesse
coletivo. O indivíduo passa, assim, a ter maior valor que o
social, sendo seus direitos denominados, segundo Canotilho
(1993) direito de autonomia e de defesa, verdadeiras
barreiras, pois, à intervenção estatal no meio da sociedade.

Em contrapartida, para o transpersonalismo, ocorre o


caminho inverso, onde, apenas realizando o bem comum,
atinge-se o interesse individual. Realiza-se, assim, a
dignidade humana, não no indivíduo, mas no todo.

E, entre as duas correntes perfunctoriamente acima


descritas, surge o personalismo. Nesta, rejeita-se os extremos
oferecidos, buscando-se uma união entre os valores
individuais e coletivos, com o objetivo de, casuisticamente,

12
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São
Paulo: Atlas, 2003, p. 50.
13
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
1996, p. 277.

37
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

encontrar a melhor solução para ambos, indivíduo e


sociedade.

Inegável concluir que, assim, que o equilíbrio do


homem com o meio só será alcançado se respeitas as
circunstâncias de cada caso, ponderando-se o que cabe a
cada um, sem esquecer, todavia, valores que, prima facie,
sobrepõem-se aos demais, como é o caso da pessoa
humana.

A dignidade humana é vista, assim, como a


determinação de direitos específicos a cada ser humano. Um
aporte ético para a fundamentação de todos os demais
direitos fundamentais, de modo a assegurar ao homem, uma
condição de “invulnerabilidade” mínima assegurada pela
ordem jurídica, a qual não deve ser alterada, qualquer que
seja a situação em que o indivíduo se encontre.

Deduz-se, ainda, e por fim, que, com base no


princípio da dignidade da pessoa humana, se existe um direito
á visa digna e sem sofrimentos, haverá também, de certo, um
direito à morte digna, decente, e sem agonias, como se
apresenta na ortotanásia.

Decisão esta que, se tomada, há de ser respeitada,


por ser este o mais sagrado de todos os direitos, conforme as

38
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

14
sábias palavras de Troplong : “s’il y a quelque chose de
15
sacré parmi lês hommes c’est la volonté des mourants” .

3.3. RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Como foi dito anteriormente, na ortotanásia, o estado


do paciente não vislumbra, por parte do conhecimento
médico-científico atual, qualquer tipo de cura e/ou tratamento
útil à sua recuperação, não ocorrendo, portanto, um
encurtamento da vida deste, mas sim, deixa-se que o
processo de morte se desenvolva da maneira mais natural
possível, minimizando apenas o sofrimento do paciente por
meio da analgesia.

Assim, não há que se falar em responsabilidade civil,


visto que, de acordo com a Lei Civil, em seu artigo 15,
“ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de
vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.

Não se pode vislumbrar, pois, que haja violação de


direito por meio de uma ação ou omissão de aplicar ou não
um tratamento que se apresenta como fútil ou inútil à

14
TROPLONG. Donations, entre-vifs et testaments, In:
MONTEIRO, W. de B. Curso de Direito Civil – Direito das
Sucessões. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 100.
15
“Se há qualquer coisa de sagrado entre os homens é a vontade de
morrer”.

39
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

recuperação do paciente, restando, desta forma, impossível


estabelecer um conceito de prejuízo para este.

De maneira análoga, no que tange à seara penal, não


há que se falar também em homicídio, auxílio ao suicídio ou
omissão de socorro, pois, diante da inevitabilidade do
resultado morte, decorrente de doença incurável e/ou estado
terminal, após o uso de meios extraordinários que nada fazem
senão prolongar a existência sofrida e sem qualquer
dignidade, a conduta médica se apresenta como atípica, face
à inexigibilidade de qualquer outra conduta, não se falando,
sequer, em eutanásia.

Quanto á omissão de socorro qualificada, avençada


na hipótese de ortotanásia, não há que se cogitar, visto que
há de se comprovar o liame entre a não-intervenção do
agente e a morte da vítima. Ora, se a morte da vítima se deu
face a existência de doença grave e incurável, estando aquela
já em estado terminal, e, frise-se, sendo qualquer tratamento
considerado fútil ou inútil para a recuperação do paciente, a
conduta do médico em não aplicar tal tratamento não pode
ser considerada crime, pois, conforme o exposto, ninguém
pode ser obrigado a submeter-se a tratamento médico.

Contudo, afora a não regulamentação penal da prática


da ortotanásia, há uma luz para aqueles que corroboram com
tal prática, como a Lei Estadual nº 10.241/99, do Estado de
São Paulo, a qual prevê no artigo 2º, incisos VII e XXIII, a
hipótese de ortotanásia, nos seguintes termos:

40
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Artigo 2º - São direitos dos usuários dos


serviços de saúde no Estado de São
Paulo:
[...]
VII - consentir ou recusar, de forma
livre, voluntária e esclarecida, com
adequada informação, procedimentos
diagnósticos ou terapêuticos a serem
nele realizados;
[...]
XXIII - recusar tratamentos dolorosos
ou extraordinários para tentar prolongar
a vida.

E ainda, conforme já foi dito anteriormente, a norma


contida no Código de Ética Médica, em seu artigo 41,
parágrafo único, que assim dispõe:

Art. 41. [...]


Parágrafo único. Nos casos de doença
incurável e terminal, deve o médico
oferecer todos os cuidados paliativos
disponíveis sem empreender ações
diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em
consideração a vontade expressa do
paciente ou, na sua impossibilidade, a
de seu representante legal.

À vista de todo o exposto, o que se observa é que a


sociedade, para a qual devem ser feitas as leis, atendendo as
suas necessidades, reclama por um resgate da dignidade do

41
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

homem em seus últimos momentos de vida, propiciando


àqueles que padecem em decorrência de um mal incurável, já
se encontrando em seus momentos terminais, a possibilidade
de morrer com dignidade, de modo a receber todos os
cuidado necessários no sentido de aliviar-lhe a dor e o
sofrimento, sem que necessariamente se responsabilize-se
alguém por tal prática.

4. DISTINÇÃO PRÁTICA ENTRE EUTANÁSIA E


ORTOTANÁSIA

Após as devidas conceituações de eutanásia e


ortotanásia, se faz ainda oportuno estabelecermos de modo
mais palpável quais os principais fatores que nos forçam a
diferenciar uma da outra.

Apresentando-se a eutanásia como a ação ou


omissão por meio da qual retira-se a vida de um indivíduo, a
fim de aliviar-lhe a dor e o sofrimento, concluímos ser tal
prática um homicídio, ainda que motivado por qualquer valor
social ou moral, pois o que é retirado do paciente são os
meios ordinários de manutenção à sua vida.

O paciente sofre, é verdade, mas sua vida se mantém


ordinariamente. Nestes moldes, a prática da eutanásia é,
senão, ato de intromissão à vida.

42
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Doutra feita, o compromisso com o bem-estar do


indivíduo, do doente crônico e terminal, envolve,
fundamentalmente, direito. O direito de não ser abandonado,
de um tratamento paliativo com o fim de aliviar sua dor, e de
não ser tratado como algo cuja vida possa ser encurtada, ou
mesmo prolongada, à custa de mais sofrimento, apenas de
acordo com as convenções da família ou equipe médica, os
quais podem passar a idolatrar a vida em si, esquecendo-se
do seu detentor.

E, com a conjunção de tais direitos, pode-se falar não


apenas em saúde ou cura, mas também na possibilidade de
morrer de maneira salutar, sem abreviar a vida prolongá-la de
modo sofrível, rejeitando assim as ciladas da eutanásia e da
distanásia, desenvolvendo o conceito de ortotanásia, ou a
“arte do bem morrer”.

O que se busca na ortotanásia, contrariamente à


eutanásia, não é abreviar a vida do paciente para lhe causar
menos sofrimento, ou ainda, um “lavar as mãos”, mas sim,
cuidar para que este receba, em seus últimos momentos de
vida, cuidados paliativos, sem que seja necessário causar-lhe
ainda mais sofrimento, desde que seu estado não vislumbre,
por parte da medicina, qualquer chance de cura.

Por meio da ortotanásia, se um doente terminal de


câncer sofre uma parada renal, ou seus órgãos entram em
falência, por exemplo, o médico, com o consentimento da
família, do responsável, ou até mesmo do próprio paciente,

43
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

não prolonga, através de recursos extraordinários, a vida do


mesmo, por meio da fada obstinação terapêutica.

Ministrar-se-á, em tais casos, analgésicos e sedativos,


além de um acompanhamento psicológico adequado, com
uma equipe multidisciplinar, cuidando para que não sinta dor,
desconforto, ansiedade, sofrimento, proporcionando-lhe
algum conforto e um final de vida digno e tranqüilo.

Não há, assim, repita-se, e apenas para frisar-se


melhor, o encurtamento da vida, seja por meio de uma ação
(eutanásia ativa) ou omissão (eutanásia passiva), visto que
qualquer ação médica seria fútil ou inútil, no sentido de que
em nada contribuirá para uma melhora no quadro geral da
saúde do enfermo.

Em suma, não se trata, pois, na ortotanásia, de


antecipar a morte, como na eutanásia e suas vertentes, mas
sim, de aguardá-la em seu momento oportuno, através do uso
dos meios corretos para tal, de modo a respeitar não só os
princípios constitucionais, em especial a dignidade da pessoa
humana, mas também princípios como a autonomia, a
beneficiência, a não maleficiência e a justiça, bases não
apenas de um ordenamento jurídico ou um sistemas de
normas axiológicas, mas também, e de maneira mais
preponderante, para uma efetivação de uma vida digna, seja
em seu ápice, ou na sua terminalidade.

44
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

5. CONCLUSÃO

Importar-se com quem está morrendo pode ser a um


só tempo um processo simples e complexo. O cuidado com
os pacientes terminais é complexo por que morrer é uma
experiência multidimensional, multifatorial, para a pessoa cuja
vida está terminando.

A avaliação e a gerência de sintomas físicos tais


como a neuropatia, requer uma séria de considerações
anatômicas, psicológicas e farmacológicas, por parte de todos
os envolvidos neste processo, da equipe médica à família, o
que já torna, pos si só, todo o processo algo intricado, e, por
seu turno, complexo.

Entretanto, cada uma destas tarefas clínicas é


abrangida dentro de uma orientação simples e direta no
cuidado com aqueles que estão morrendo, e com suas
famílias. Tal cuidado é organizado basicamente em torno de
dois objetivos principais: aliviar o sofrimento e proporcionar
uma qualidade de vida, neste último caso, não só para o
paciente, mas também para todos aqueles que o cercam.

O alívio do sofrimento, aquele estado de aflição


severa associada com uma ameaça percebida à integridade
do indivíduo, deve ser o principal objetivo do médico, em
qualquer enfermidade, mas especificamente, e de maneira

45
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

mais intensa, naquelas enfermidades causadoras de grande


dor.

Conseqüentemente, o alívio do sofrimento já


proporcionará, de per si, uma melhor qualidade de vida e bem
estar, tornando a vida mais digna.

Todavia, a questão primordial será como proporcionar


o alívio do sofrimento e uma qualidade de vida sem cometer
nenhum ato arbitrário e desvalioso, onde, a melhor resposta
para tal anseio veio a ser a ortotanásia.

A questão máxima será a de proporcionar qualidade


de vida e uma morte digna, quando esgotados todos os meios
ordinários, sejam clínicos, visando a uma melhora de seu
estado de saúde, sejam de manutenção da vida, sem
acarretar assim, maiores sofrimentos físicos e psicológicos,
ao enfermo e à família.

Ao final, a ortotanásia se apresenta como a decisão


mais acertada, desde que observados determinados
elementos subjetivos (terminalidade do paciente, grave
sofrimento, doença incurável) e objetivos (indisponibilidade de
tratamentos que possam oferecer um avanço no quadro
clínico do paciente sem lhe proporcionar mais sofrimento).

Não se trata, pois, de lutar contra a ciência e seus


avanços, ou até mesmo, desrespeitá-la, mas sim, de
encontrarmos o ponto de equilíbrio entre homem e ciência,
principalmente quando tomamos por base a sociedade

46
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

ocidental, unida à tradição hipocrática, onde médico e


paciente assumem verdadeira posição de hierarquia, onde
não são respeitadas, na maioria das vezes, as vontades,
opiniões e crenças destes.

Segundo certos princípios religiosos, pode-se afirmar


que o detentor da vida não é o homem, mas sim, Deus. Uns
concordarão, outros não, entretanto, não se discutem
dogmas, normas, ou princípios religiosos. Estamos, sim, no
campo da ciência jurídica, e, segundo esta, o que rege a vida
do homem em sua vida terra, ainda será a Constituição
Federal e demais leis vigentes. E, segundo estas leis
vigentes, a ortotanásia se apresentou como a melhor
alternativa no que tange a respeitar a dignidade do homem e
sua autodeterminação.

Façamos, portanto, com que, ao chegar a hora da


morte, que não é algo a ser curado, mas aceitado, a mesma
traga em seu íntimo a dignidade imprescindível de nossa
condição humana, escoltando, consigo, não apenas toda uma
vida com dignidade, mas também, uma morte rodeada de tais
princípios (dignidade e liberdade), sem sofrimento, seja para o
paciente, seja para aqueles ao seu redor.

Uma morte, acima de tudo, digna.

47
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

ANEXO A

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

DECLARAÇÃO SOBRE A EUTANÁSIA

INTRODUÇÃO

Os direitos e valores inerentes à pessoa humana têm um


lugar importante na problemática contemporânea. A este
propósito, o II Concílio Ecuménico do Vaticano reafirmou
solenemente a eminente dignidade da pessoa humana e
muito particularmente o seu direito à vida. Por isso, denunciou
os crimes contra a vida, como são « toda a espécie de
homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o próprio
suicídio voluntário » (Const. Past. Gaudium et Spes, n. 27).

Recentemente a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé


chamou a atenção para a doutrina católica sobre o aborto
provocado.[1] Agora, a mesma Sagrada Congregação julga
oportuno apresentar a doutrina da Igreja sobre o problema da
eutanásia.

Com efeito, embora neste campo continuem sempre válidos


os princípios afirmados pelos últimos Sumos Pontífices,[2] os
progressos da medicina fizeram aparecer nestes anos mais
recentes novos aspectos do problema da eutanásia que
reclamam ulteriores esclarecimentos precisos no plano ético.

Na sociedade hodierna, onde mesmo os valores fundamentais


da vida humana frequentemente são postos em causa, a
modificação da cultura influi no modo de considerar o
sofrimento e a morte; a medicina aumentou a sua capacidade
de curar e de prolongar a vida em condições que, por vezes,

48
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

levantam problemas de carácter moral. Assim, os homens que


vivem num tal clima interrogam-se com angústia sobre o
significado da velhice extrema e da morte. E chegam mesmo
a perguntar a si mesmos se não terão o direito de procurar,
para si e os seus semelhantes, uma « morte suave » que lhes
abrevie os sofrimentos e seja, a seus olhos, mais conforme
com a dignidade humana.

Diversas Conferências Episcopais puseram a esta Sagrada


Congregação para a Doutrina da Fé quesitos a este respeito.
Depois de consultar peritos sobre os diversos aspectos da
eutanásia, a Congregação intenta com a presente Declaração
responder aos Bispos, para os ajudar a orientar rectamente os
fiéis e oferecer-lhes elementos de reflexão que possam
apresentar às autoridades civis a propósito deste gravíssimo
problema.

A matéria proposta neste documento diz respeito, antes de


mais, àqueles que põem a sua fé e a sua esperança em
Cristo que, pela sua vida, morte e ressurreição, deu um
sentido novo à existência e especialmente à morte dos
cristãos, segundo as palavras de S. Paulo: « Se vivemos,
vivemos para o Senhor e, se morremos, morremos para o
Senhor. Portanto, na vida e na morte, pertencemos ao Senhor
» (Rm 14, 8; cf. Flp. 1, 20).

Quanto aos que professam outras religiões, são muitos os


que admitirão como nós que a crença — se na verdade a
compartilham — num Deus Criador, Providente e Senhor da
vida, dá uma dignidade eminente a toda a pessoa humana e
lhe garante o respeito.

E espera-se também que a presente Declaração possa


encontrar o consenso de tantos homens de boa vontade que,
para além das diferenças filosóficas e ideológicas, possuem
uma viva consciência dos direitos da pessoa humana. Estes
direitos foram, aliás, muitas vezes proclamados, no decurso
dos últimos anos, em declarações de Entidades
Internacionais; [3] e porque se trata aqui de direitos

49
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

fundamentais de toda a pessoa humana, é evidente que não


se pode recorrer a argumentos tirados do pluralismo político
ou da liberdade religiosa, para lhes negar o valor universal.

I. VALOR DA VIDA HUMANA

A vida humana é o fundamento de todos os bens, a fonte e a


condição necessária de toda a actividade humana e de toda a
convivência social. Se a maior parte dos homens considera
que a vida tem um carácter sagrado e admite que ninguém
pode dispor dela a seu bel-prazer os crentes vêem nela
também um dom do amor de Deus, que eles têm a
responsabilidade de conservar e fazer frutificar. Desta última
consideração se derivam as seguintes consequências:

1. ninguém pode atentar contra a vida de um homem


inocente, sem com isso se opor ao amor de Deus para com
ele, sem violar um direito fundamental que não se pode
perder nem alienar, sem cometer um crime de extrema
gravidade.[4]

2. todos os homens têm o dever de conformar a sua vida com


a vontade do Criador. A vida é-lhes confiada como um bem
que devem fazer frutificar já neste mundo, mas só encontrará
perfeição plena na vida eterna.

3. a morte voluntária ou suicídio, portanto, é tão inaceitável


como o homicídio: porque tal acto da parte do homem
constitui uma recusa da soberania de Deus e do seu desígnio
de amor. Além disto, o suicídio é, muitas vezes, rejeição do
amor para consigo mesmo, negação da aspiração natural à
vida, abdicação frente às obrigações de justiça e caridade
para com o próximo, para com as várias comunidades e para
com todo o corpo social — se bem que por vezes, como se
sabe, intervenham condições psicológicas que podem atenuar
ou mesmo suprimir por completo a responsabilidade.

É preciso no entanto distinguir bem entre suicídio e aquele


sacrifício pelo qual, por uma causa superior — como, a honra

50
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

de Deus, a salvação das almas ou o serviço dos irmãos —


alguém dá ou expõe a própria vida (cf. Jo. 15, 14).

II. A EUTANÁSIA

Para tratar de modo adequado o problema da eutanásia,


convém antes de mais, precisar o vocabulário.

Etimologicamente, a palavra eutanásia significava, na


antiguidade, uma morte suave sem sofrimentos atrozes. Hoje
já não se pensa tanto no significado originário do termo; mas
pensa-se sobretudo na intervenção da medicina para atenuar
as dores da doença ou da agonia, por vezes, mesmo com
risco de suprimir a vida prematuramente. Acontece ainda que,
o termo está a ser utilizado num sentido mais particular, com
o significado de « dar a morte por compaixão », para eliminar
radicalmente os sofrimentos extremos, ou evitar às crianças
anormais, aos incuráveis ou doentes mentais, o
prolongamento de uma vida penosa, talvez por muitos anos,
que poderia vir a trazer encargos demasiado pesados para as
famílias ou para a sociedade.

É necessário, portanto, dizer claramente em que sentido se


usa este termo no presente documento.

Por eutanásia, entendemos uma acção ou omissão que, por


sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de
eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se, portanto, ao nível
das intenções e ao nível dos métodos empregados

Ora, é necessário declarar uma vez mais, com toda a firmeza,


que nada ou ninguém pode autorizar a que se dê a morte a
um ser humano inocente seja ele feto ou embrião, criança ou
adulto, velho, doente incurável ou agonizante. E também a
ninguém é permitido requerer este gesto homicida para si ou
para um outro confiado à sua responsabilidade, nem sequer
consenti-lo explícita ou implicitamente. Não há autoridade
alguma que o possa legitimamente impor ou permitir. Trata-
se, com efeito, de uma violação da lei divina, de uma ofensa à

51
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

dignidade da pessoa humana, de um crime contra a vida e de


um atentado contra a humanidade.

Pode acontecer que dores prolongadas e insuportáveis,


razões de ordem afectiva ou vários outros motivos, levem
alguém a julgar que pode legitimamente pedir a morte para si
ou dá-la a outros. Embora em tais casos a responsabilidade
possa ficar atenuada ou até não existir, o erro de juízo da
consciência — mesmo de boa fé — não modifica a natureza
deste gesto homicida que, em si, permanece sempre
inaceitável. As súplicas dos doentes muito graves que, por
vezes, pedem a morte, não devem ser compreendidas como
expressão duma verdadeira vontade de eutanásia; nestes
casos são quase sempre pedidos angustiados de ajuda e de
afecto. Para além dos cuidados médicos, aquilo de que o
doente tem necessidade é de amor, de calor humano e
sobrenatural, que podem e devem dar-lhe todos os que o
rodeiam, pais e filhos, médicos e enfermeiros.

III. O CRISTÃO PERANTE O SOFRIMENTO


E O USO DOS MEDICAMENTOS ANALGÉSICOS

A morte não se dá sempre em condições dramáticas e depois


de sofrimentos insuportáveis. Nem se deve pensar
unicamente nos casos extremos. Existem numerosos e
concordes testemunhos que permitem pensar que a própria
natureza está ordenada de tal modo que facilita, no momento
da morte, separações que seriam terrivelmente dolorosas
para um homem em plena saúde. Assim uma doença
prolongada, uma velhice avançada, uma situação de solidão e
abandono, podem criar condições psicológicas que tornam
mais fácil a aceitação da morte.

No entanto, deve reconhecer-se que a morte, muitas vezes


precedida ou acompanhada de sofrimentos atrozes e de
duração desgastante, será sempre um acontecimento natural
angustiante para o coração do homem.

52
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

A dor física é certamente um elemento inevitável da condição


humana; no plano biológico, é como que uma advertência de
utilidade incontestável; mas repercutindo-se também na vida
psicológica do homem, muitas vezes torna-se
desproporcionada à sua utilidade biológica, e pode assumir
dimensões tais que gerem o desejo de eliminar a mesma dor,
custe o que custar.

Segundo a doutrina cristã, a dor, sobretudo nos últimos


momentos da vida, assume um significado particular no plano
salvífico de Deus; é, com efeito, uma participação na Paixão
de Cristo e união com o sacrifício redentor que Ele ofereceu
em obediência à vontade do Pai. Por isso, não deve
surpreender que alguns cristãos desejem moderar o uso dos
medicamentos analgésicos, para aceitar voluntariamente, ao
menos uma parte dos seus sofrimentos e se associar assim
com plena consciência aos sofrimentos de Cristo crucificado
(cf. Mt. 27, 34). Não seria conforme à prudência, porém, impor
como norma geral uma atitude heróica. Pelo contrário, a
prudência humana e cristã aconselhará para a maior parte
dos doentes o uso dos medicamentos capazes de suavizar ou
suprimir a dor, mesmo que surjam efeitos secundários, como
torpor ou menor lucidez. Quanto àqueles que não podem
exprimir-se, poder-se-á razoavelmente presumir que desejem
receber estes calmantes e administrar-lhos de acordo com o
conselho do médico.

Entretanto o uso intensivo de medicamentos analgésicos não


está isento de dificuldades, porque o fenómeno da habituação
obriga geralmente a aumentar a dose para lhes assegurar a
eficácia. Convém recordar aqui uma declaração de Pio XII
que conserva ainda todo o seu valor. A um grupo de médicos
que lhe tinha feito a pergunta se « a supressão da dor e da
consciência por meio de narcóticos (...) é permitida pela
religião e pela moral ao médico e ao paciente (mesmo ao
aproximar-se a morte e se se prevê que o uso dos narcóticos
lhes abreviará a vida », o Papa respondeu: « se não existem
outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada
impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais,

53
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

sim ».[5] Neste caso, é claro que a morte não é de nenhum


modo querida ou procurada, embora, por um motivo razoável,
se corra o risco de morrer; a intenção é simplesmente acalmar
eficazmente a dor, usando para isso os medicamentos
analgésicos de que a medicina dispõe.

Contudo, os medicamentos analgésicos que produzem nos


doentes a perda da consciência, merecem uma particular
atenção. Com efeito, é muito importante que os homens
possam satisfazer não só os seus deveres morais e as suas
obrigações familiares, mas também e, acima de tudo,
preparar-se com plena consciência para o encontro com
Cristo. Por isso, Pio XII adverte que « não é lícito privar o
moribundo da consciência, se não há um motivo grave ».[6]

IV. O USO PROPORCIONADO DOS MEIOS


TERAPÊUTICOS

Hoje é muito importante proteger, no momento da morte, a


dignidade da pessoa humana e a concepção cristã da vida
contra um « tecnicismo » que corre o perigo de se tornar
abusivo. De facto, há quem fale de « direito à morte »,
expressão que não designa o direito de se dar ou mandar
provocar a morte como se quiser, mas o direito de morrer com
toda a serenidade, na dignidade humana e cristã. Sob este
ponto de vista, o uso dos meios terapêuticos pode, às vezes,
levantar alguns problemas.

Em muitos casos a complexidade das situações pode ser tal


que faça surgir dúvidas sobre o modo de aplicar os princípios
da moral. As decisões pertencerão, em última análise, à
consciência do doente ou das pessoas qualificadas para falar
em nome dele, como também aos médicos, à luz das
obrigações morais e dos diferentes aspectos do caso.

É dever de cada um cuidar da sua saúde ou fazer-se curar.


Aqueles que têm o cuidado dos doentes devem fazê-lo
conscienciosamente e administrar-lhes os remédios que se
julgarem necessários ou úteis.

54
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Ma será preciso, em todas as circunstâncias, recorrer a todos


os meios possíveis? Até agora, os moralistas respondiam que
nunca se era obrigado a usar meios « extraordinários ». Esta
resposta, que continua a ser válida em princípio, pode talvez
parecer hoje menos clara, já pela imprecisão do termo, já pela
rápida evolução da terapêutica. Por isso, há quem prefira falar
de meios « proporcionados » e « não proporcionados ». De
qualquer forma, poder-se-á ponderar bem os meios pondo o
tipo de terapêutica a usar, o grau de dificuldade e de risco, o
custo e as possibilidades de aplicação, em confronto com o
resultado que se pode esperar, atendendo ao estado do
doente e às suas forças físicas e morais.

Para facilitar a aplicação destes princípios gerais podemos


dar os seguintes esclarecimentos precisos:

— Se não há outros remédios, é lícito com o acordo do


doente, recorrer aos meios de que dispõe a medicina mais
avançada, mesmo que eles estejam ainda em fase
experimental e não seja isenta de alguns riscos a sua
aplicação. Aceitando-os, o doente poderá dar também provas
de generosidade ao serviço da humanidade.

É também permitido interromper a aplicação de tais meios,


quando os resultados não correspondem às esperanças neles
depositadas. Mas, para uma tal decisão, ter-se-á em conta o
justo desejo do doente e da família, como também o parecer
de médicos verdadeiramente competentes;

são estes, na realidade, que estão em melhores condições do


que ninguém, para poderem julgar se o investimento de
instrumentos e de pessoal é desproporcionado com os
resultados previsíveis, e se as técnicas postas em acção
impõem ao paciente sofrimentos ou contrariedades sem
proporção com os benefícios que delas pode receber.

— É sempre lícito contentar-se com os meios normais que a


medicina pode proporcionar. Não se pode, portanto, impor a
ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora

55
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

já em uso, ainda não está isenta de perigos ou é demasiado


onerosa. Recusá-la não equivale a um suicídio; significa,
antes, aceitação da condição humana, preocupação de evitar
pôr em acção um dispositivo médico desproporcionado com
os resultados que se podem esperar, enfim, vontade de não
impor obrigações demasiado pesadas à família ou à
colectividade.

— Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios


usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar
a tratamentos que dariam somente um prolongamento
precário e penoso da vida, sem contudo, interromper os
cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes.
Por isso, o médico não tem motivos para se angustiar, como
se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo.

CONCLUSÃO

As normas contidas na presente Declaração estão inspiradas


por um profundo desejo de servir o homem segundo o
desígnio do Criador. Se, por um lado, a vida é um dom de
Deus, pelo outro, a morte é inelutável; é necessário, portanto,
que, sem antecipar de algum modo a hora da morte, se saiba
aceitá-la com plena responsabilidade e com toda a dignidade.
É verdade que a morte marca o termo da nossa existência
terrena mas, ao mesmo tempo, abre também a via para a vida
imortal. Por isso, todos os homens devem preparar-se
cuidadosamente para este acontecimento, à luz dos valores
humanos, e os cristãos mais ainda à luz da sua fé.

Aqueles que exercem profissões destinadas a cuidar da


saúde pública, nada hão-de negligenciar para colocar ao
serviço dos doentes e dos moribundos toda a sua
competência; mas lembrem-se de lhes prestar também o
conforto muito mais necessário de uma bondade imensa e de
uma ardente caridade. Um tal serviço aos homens é também
um serviço prestado a Cristo Senhor que disse: « O que
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o
fizestes » (Mt. 25, 40).

56
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

O Sumo Pontífice João Paulo II, no decorrer da Audiência


concedida ao abaixo assinado Cardeal Prefeito, aprovou esta
Declaração, decidida em reunião ordinária da Sagrada
Congregação para a Doutrina da Fé, e ordenou a sua
publicação. Roma, da Sede da Sagrada Congregação para a
Doutrina da Fé, 5 de Maio de 1980.

FRANJO
Card.

SEPER
Prefeito

Fr. Jerónimo Hamer, O.P.


Arceb. tit. de Lorium Secretário

Notas

[1] Declaração sobre o aborto provocado, 18 de Novembro de


1974: AAS 66 (1974), pp. 730-747.

[2] Pio PP. XII, Discurso aos Congressistas da União


Internacional das Ligas Femininas Católicas, 11 de Setembro
de 1947: AAS 39 (1947), p. 483; Alocução à União Católica
Italiana de Obstetrícia, 29 de Outubro de 1951: AAS 43
(1951), pp. 835-854; Discurso aos membros da Secção
Internacional de Documentação de Medicina Militar, 19 de
Outubro de 1953: AAS 45 (1953), pp. 744-754; Discurso aos
participantes no IX Congresso da Sociedade Italiana de
Anestesiologia, 24 de Fevereiro de 1957: AAS 49 (1957), p.
146; cf. também Alocução sobre a «Reanimação », 24 de
Novembro de 1957: AAS 49 (1957), pp. 1027-1033. PAULO
PP. VI, Discurso aos membros da Comissão Especial das
Nações Unidas para a Questão do «Apartheid », 22 de Maio
de 1974: AAS 66 (1974), p. 346. JOÃO PAULO PP. II,

57
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Alocução aos Bispos dos Estados Unidos, 5 de Outubro de


1979: .AAS 71 (1979), p. 1225.

[3] Pense-se em particular na recomendação 779 (1976)


relativa aos direitos dos doentes e dos moribundos, da
Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na sua
XXVII sessão ordinária. Cf. SIPECA, n. 1, Março de 1977, pp.
14-15.

[4] Deixam-se completamente de parte as questões da pena


de morte e da guerra, que exigiriam considerações
específicas estranhas ao tema desta Declaração.

[5] Pio PP. XII, Discurso de 24 de Fevereiro de 1957: AAS 49


(1957), p. 147.

[6] Ibid., p. 145; cf. Alocução de 9 de Setembro de 1958: AAS


50 (1958), p. 694.

58
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

ANEXO B

Lei Estadual nº 10.241, de 17 de março de 1999 – São


Paulo

Dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das


ações de saúde no Estado e dá outras providências.

O Governador do Estado de São Paulo:

Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu


promulgo a seguinte Lei:

Artigo 1º - A prestação dos serviços e ações de saúde aos


usuários, de qualquer natureza ou condição, no âmbito do
Estado de São Paulo, será universal e igualitária, nos termos
do artigo 2º da Lei Complementar n. 791, de 9 de março de
1995.

Artigo 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no


Estado de São Paulo:

I - ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso;

II - ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome;

III - não ser identificado ou tratado por:

a) números;

b) códigos; ou

c) de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso;

59
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

IV - ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais,


através da manutenção do sigilo profissional, desde que não
acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública;

V - poder identificar as pessoas responsáveis direta e


indiretamente por sua assistência, através de crachás visíveis,
legíveis e que contenham:

a) nome completo;

b) função;

c) cargo; e

d) nome da instituição;

VI - receber informações claras, objetivas e compreensíveis


sobre:

a) hipóteses diagnósticas;

b) diagnósticos realizados;

c) exames solicitados;

d) ações terapêuticas;

e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas


diagnósticas e terapêuticas propostas;

f) duração prevista do tratamento proposto;

g) no caso de procedimentos de diagnósticos e terapêuticos


invasivos, a necessidade ou não de anestesia, o tipo de
anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, as
partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e

60
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

conseqüências indesejáveis e a duração esperada do


procedimento;

h) exames e condutas a que será submetido;

i) a finalidade dos materiais coletados para exame;

j) alternativas de diagnósticos e terapêuticas existentes, no


serviço de atendimento ou em outros serviços; e

l) o que julgar necessário;

VII - consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e


esclarecida, com adequada informação, procedimentos
diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados;

VIII - acessar, a qualquer momento, o seu prontuário médico,


nos termos do artigo 3º da Lei Complementar n. 791, de 9 de
março de 1995;

IX - receber por escrito o diagnóstico e o tratamento indicado,


com a identificação do nome do profissional e o seu número
de registro no órgão de regulamentação e controle da
profissão;

X - vetado:

a) vetado;

b) vetado;

c) vetado;

d) vetado;

e) vetado; e

61
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

f) vetado;

XI - receber as receitas:

a) com o nome genérico das substâncias prescritas;

b) datilografadas ou em caligrafia legível;

c) sem a utilização de códigos ou abreviaturas;

d) com o nome do profissional e seu número de registro no


órgão de controle e regulamentação da profissão; e

e) com assinatura do profissional;

XII - conhecer a procedência do sangue e dos hemoderivados


e poder verificar, antes de recebê-los, os carimbos que
atestaram a origem, sorologias efetuadas e prazo de validade;

XIII - ter anotado em seu prontuário, principalmente se


inconsciente durante o atendimento:

a) todas as medicações, com suas dosagens, utilizadas; e

b) registro da quantidade de sangue recebida e dos dados


que permitam identificar a sua origem, sorologias efetuadas e
prazo de validade;

XIV - ter assegurado, durante as consultas, internações,


procedimentos diagnósticos e terapêuticos e na satisfação de
suas necessidades fisiológicas:

a) a sua integridade física;

b) a privacidade;

c) a individualidade;

62
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

d) o respeito aos seus valores éticos e culturais;

e) a confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal;


e

f) a segurança do procedimento;

XV - ser acompanhado, se assim o desejar, nas consultas e


internações por pessoa por ele indicada;

XVI - ter a presença do pai nos exames pré-natais e no


momento do parto;

XVII - vetado;

XVIII - receber do profissional adequado, presente no local,


auxílio imediato e oportuno para a melhoria do conforto e bem
estar;

XIX - ter um local digno e adequado para o atendimento;

XX - receber ou recusar assistência moral, psicológica, social


ou religiosa;

XXI - ser prévia e expressamente informado quando o


tratamento proposto for experimental ou fizer parte de
pesquisa;

XXII - receber anestesia em todas as situações indicadas;

XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para


tentar prolongar a vida; e

XXIV - optar pelo local de morte.

63
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

§ 1º - A criança, ao ser internada, terá em seu prontuário a


relação das pessoas que poderão acompanhá-la
integralmente durante o período de internação.

§ 2º - A internação psiquiátrica observará o disposto na Seção


III do Capítulo IV do Título I da Segunda Parte da Lei
Complementar n. 791, de 9 de março de 1995.

Artigos 3º a 5º - Vetados.

Artigo 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua


publicação.

64
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

ANEXO C

Resolução CFM nº 1.805/06 - Tratamento a paciente em


fase de doença terminal

RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006

(Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169)

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é


permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe
os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam
ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral,
respeitada a vontade do paciente ou de seu representante
legal.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições


conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957,
alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004,
regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de
1958, e

CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao


mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica,
cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu
alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo
prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam
legalmente;

CONSIDERANDO o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal,


que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como
um dos fundamentos da República Federativa do Brasil;

65
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

CONSIDERANDO o art. 5º, inciso III, da Constituição Federal,


que estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”;

CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-estar


dos pacientes;

CONSIDERANDO que o art. 1° da Resolução CFM n° 1.493,


de 20.5.98, determina ao diretor clínico adotar as providências
cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu
médico assistente responsável, desde a internação até a alta;

CONSIDERANDO que incumbe ao médico diagnosticar o


doente como portador de enfermidade em fase terminal;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em reunião plenária


de 9/11/2006,

RESOLVE:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender


procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do
doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante
legal.

§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a


seu representante legal as modalidades terapêuticas
adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e


registrada no prontuário.

§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o


direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados


necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento,

66
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico,


social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta
hospitalar.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua


publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Brasília, 9 de novembro de 2006

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE

Presidente

LÍVIA BARROS GARÇÃO

Secretária-Geral

67
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

ANEXO D

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM Nº 1.931, DE 17 DE SETEMBRO DE


2009

Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set.


2009. Seção I, p. 90-2

Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 13 out.


2009. Seção I, p. 173 – RETIFICAÇÃO (em vigor a partir de
13/04/2010)

Aprova o Código de Ética Médica.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das


atribuições conferidas pela Lei n.º 3.268, de 30 de setembro
de 1957, regulamentada pelo Decreto n.º 44.045, de 19 de
julho de 1958, modificado pelo Decreto n.º 6.821, de 14 de
abril de 2009 e pela Lei n.º 11.000, de 15 de dezembro de
2004, e, consubstanciado nas Leis n.º 6.828, de 29 de outubro
de 1980 e Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999; e

CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao


mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica,
cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu
alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo
prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam
legalmente;

CONSIDERANDO que as normas do Código de Ética Médica


devem submeter-se aos dispositivos constitucionais vigentes;

68
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

CONSIDERANDO a busca de melhor relacionamento com o


paciente e a garantia de maior autonomia à sua vontade;

CONSIDERANDO as propostas formuladas ao longo dos


anos de 2008 e 2009 e pelos Conselhos Regionais de
Medicina, pelas Entidades Médicas, pelos médicos e por
instituições científicas e universitárias para a revisão do atual
Código de Ética Médica;

CONSIDERANDO as decisões da IV Conferência Nacional de


Ética Médica que elaborou, com participação de Delegados
Médicos de todo o Brasil, um novo Código de Ética Médica
revisado.

CONSIDERANDO o decidido pelo Conselho Pleno Nacional


reunido em 29 de agosto de 2009;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em sessão plenária


de 17 de setembro de 2009.

RESOLVE:

Art. 1º Aprovar o Código de Ética Médica, anexo a esta


Resolução, após sua revisão e atualização.

Art. 2º O Conselho Federal de Medicina, sempre que


necessário, expedirá Resoluções que complementem este
Código de Ética Médica e facilitem sua aplicação.

Art. 3º O Código anexo a esta Resolução entra em vigor cento


e oitenta dias após a data de sua publicação e, a partir daí,
revoga-se o Código de Ética Médica aprovado pela Resolução
CFM n.º 1.246, publicada no Diário Oficial da União, no dia 26
de janeiro de 1988, Seção I, páginas 1574-1579, bem como
as demais disposições em contrário.

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE

69
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Presidente

LÍVIA BARROS GARÇÃO

Secretária-Geral

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA

PREÂMBULO

I – O presente Código de Ética Médica contém as normas que


devem ser seguidas pelos médicos no exercício de sua
profissão, inclusive no exercício de atividades relativas ao
ensino, à pesquisa e à administração de serviços de saúde,
bem como no exercício de quaisquer outras atividades em
que se utilize o conhecimento advindo do estudo da Medicina.

II - As organizações de prestação de serviços médicos estão


sujeitas às normas deste Código.

III - Para o exercício da Medicina, impõe-se a inscrição no


Conselho Regional do respectivo Estado, Território ou Distrito
Federal.

IV - A fim de garantir o acatamento e a cabal execução deste


Código, o médico comunicará ao Conselho Regional de
Medicina, com discrição e fundamento, fatos de que tenha
conhecimento e que caracterizem possível infração do
presente Código e das demais normas que regulam o
exercício da Medicina.

V - A fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas


neste Código é atribuição dos Conselhos de Medicina, das
comissões de ética e dos médicos em geral.

VI - Este Código de Ética Médica é composto de 25 princípios


fundamentais do exercício da Medicina, 10 normas
diceológicas, 118 normas deontológicas e quatro disposições

70
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

gerais. A transgressão das normas deontológicas sujeitará os


infratores às penas disciplinares previstas em lei.

Capítulo I

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser


humano e da coletividade e será exercida sem discriminação
de nenhuma natureza.

II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser


humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de
zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

III - Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico


necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de
forma justa.

IV - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito


desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e
bom conceito da profissão.

V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus


conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em
benefício do paciente.

VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e


atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus
conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o
extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar
tentativa contra sua dignidade e integridade.

VII - O médico exercerá sua profissão com autonomia, não


sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames
de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as
situações de ausência de outro médico, em caso de urgência

71
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à


saúde do paciente.

VIII - O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob


nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem
permitir quaisquer restrições ou imposições que possam
prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

IX - A Medicina não pode, em nenhuma circunstância ou


forma, ser exercida como comércio.

X - O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros


com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.

XI - O médico guardará sigilo a respeito das informações de


que detenha conhecimento no desempenho de suas funções,
com exceção dos casos previstos em lei.

XII - O médico empenhar-se-á pela melhor adequação do


trabalho ao ser humano, pela eliminação e pelo controle dos
riscos à saúde inerentes às atividades laborais.

XIII - O médico comunicará às autoridades competentes


quaisquer formas de deterioração do ecossistema, prejudiciais
à saúde e à vida.

XIV - O médico empenhar-se-á em melhorar os padrões dos


serviços médicos e em assumir sua responsabilidade em
relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação
referente à saúde.

XV - O médico será solidário com os movimentos de defesa


da dignidade profissional, seja por remuneração digna e justa,
seja por condições de trabalho compatíveis com o exercício
ético-profissional da Medicina e seu aprimoramento técnico-
científico.

72
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

XVI - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de


hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a
escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos
a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e
da execução do tratamento, salvo quando em benefício do
paciente.

XVII - As relações do médico com os demais profissionais


devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na
independência de cada um, buscando sempre o interesse e o
bem-estar do paciente.

XVIII - O médico terá, para com os colegas, respeito,


consideração e solidariedade, sem se eximir de denunciar
atos que contrariem os postulados éticos.

XIX - O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e


nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes
de relação particular de confiança e executados com
diligência, competência e prudência.

XX - A natureza personalíssima da atuação profissional do


médico não caracteriza relação de consumo.

XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de


acordo com seus ditames de consciência e as previsões
legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes,
relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por
eles expressos, desde que adequadas ao caso e
cientificamente reconhecidas.

XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o


médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e
terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob
sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.

73
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

XXIII - Quando envolvido na produção de conhecimento


científico, o médico agirá com isenção e independência,
visando ao maior benefício para os pacientes e a sociedade.

XXIV - Sempre que participar de pesquisas envolvendo seres


humanos ou qualquer animal, o médico respeitará as normas
éticas nacionais, bem como protegerá a vulnerabilidade dos
sujeitos da pesquisa.

XXV - Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas


tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas
gerações presentes quanto nas futuras, o médico zelará para
que as pessoas não sejam discriminadas por nenhuma razão
vinculada a herança genética, protegendo-as em sua
dignidade, identidade e integridade.

Capítulo II

DIREITOS DOS MÉDICOS

É direito do médico:

I - Exercer a Medicina sem ser discriminado por questões de


religião, etnia, sexo, nacionalidade, cor, orientação sexual,
idade, condição social, opinião política ou de qualquer outra
natureza.

II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas


as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a
legislação vigente.

III - Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas


das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do
exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente
ou a terceiros, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos
competentes e, obrigatoriamente, à comissão de ética e ao
Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.

74
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

IV - Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública


ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas
ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem
como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará
imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao
Conselho Regional de Medicina.

V - Suspender suas atividades, individualmente ou


coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a
qual trabalhe não oferecer condições adequadas para o
exercício profissional ou não o remunerar digna e justamente,
ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo
comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional
de Medicina.

VI - Internar e assistir seus pacientes em hospitais privados e


públicos com caráter filantrópico ou não, ainda que não faça
parte do seu corpo clínico, respeitadas as normas técnicas
aprovadas pelo Conselho Regional de Medicina da pertinente
jurisdição.

VII - Requerer desagravo público ao Conselho Regional de


Medicina quando atingido no exercício de sua profissão.

VIII - Decidir, em qualquer circunstância, levando em


consideração sua experiência e capacidade profissional, o
tempo a ser dedicado ao paciente, evitando que o acúmulo de
encargos ou de consultas venha a prejudicá-lo.

IX - Recusar-se a realizar atos médicos que, embora


permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua
consciência.

X– Estabelecer seus honorários de forma justa e digna.

Capítulo III

RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

75
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

É vedado ao médico:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão,


caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre


pessoal e não pode ser presumida.

Art. 2º Delegar a outros profissionais atos ou atribuições


exclusivos da profissão médica.

Art. 3º Deixar de assumir responsabilidade sobre


procedimento médico que indicou ou do qual participou,
mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.

Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato


profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que
solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu
representante legal.

Art. 5º Assumir responsabilidade por ato médico que não


praticou ou do qual não participou.

Art. 6º Atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias


ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser
devidamente comprovado.

Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e


emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a
risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão
majoritária da categoria.

Art. 8º Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo


temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do
atendimento de seus pacientes internados ou em estado
grave.

76
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 9º Deixar de comparecer a plantão em horário


preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de
substituto, salvo por justo impedimento.

Parágrafo único. Na ausência de médico plantonista


substituto, a direção técnica do estabelecimento de saúde
deve providenciar a substituição.

Art. 10. Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a


Medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas
quais se pratiquem atos ilícitos.

Art. 11. Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou


ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro
no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem
como assinar em branco folhas de receituários, atestados,
laudos ou quaisquer outros documentos médicos.

Art. 12. Deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições


de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo
comunicar o fato aos empregadores responsáveis.

Parágrafo único. Se o fato persistir, é dever do médico


comunicar o ocorrido às autoridades competentes e ao
Conselho Regional de Medicina.

Art. 13. Deixar de esclarecer o paciente sobre as


determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua
doença.

Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou


proibidos pela legislação vigente no País.

Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de


transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização,
fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia
genética.

77
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

§ 1º No caso de procriação medicamente assistida, a


fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência
de embriões supranumerários.

§ 2º O médico não deve realizar a procriação medicamente


assistida com nenhum dos seguintes objetivos:

I – criar seres humanos geneticamente modificados;

II – criar embriões para investigação;

III – criar embriões com finalidades de escolha de sexo,


eugenia ou para originar híbridos ou quimeras.

§ 3º Praticar procedimento de procriação medicamente


assistida sem que os participantes estejam de inteiro acordo e
devidamente esclarecidos sobre o mesmo.

Art. 16. Intervir sobre o genoma humano com vista à sua


modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer
ação em células germinativas que resulte na modificação
genética da descendência.

Art. 17. Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas


emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e
de atender às suas requisições administrativas, intimações ou
notificações no prazo determinado

Art. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos


Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-
los.

Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou


função de direção, os direitos dos médicos e as demais
condições adequadas para o desempenho ético-profissional
da Medicina.

78
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos,


religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador
ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado
da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores
meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e
cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do
paciente ou da sociedade.

Art. 21. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou


infringir a legislação pertinente.

Capítulo IV

DIREITOS HUMANOS

É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu


representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a
ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração,


desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma
ou sob qualquer pretexto.

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito


de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar,
bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Art. 25. Deixar de denunciar prática de tortura ou de


procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-
las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer
meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as
facilitem.

Art. 26. Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa,


considerada capaz fisica e mentalmente, em greve de fome,
ou alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das

79
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese


de risco iminente de morte, tratá-la.

Art. 27. Desrespeitar a integridade física e mental do paciente


ou utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou
sua consciência em investigação policial ou de qualquer outra
natureza.

Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente


em qualquer instituição na qual esteja recolhido,
independentemente da própria vontade.

Parágrafo único. Caso ocorram quaisquer atos lesivos à


personalidade e à saúde física ou mental dos pacientes
confiados ao médico, este estará obrigado a denunciar o fato
à autoridade competente e ao Conselho Regional de
Medicina.

Art. 29. Participar, direta ou indiretamente, da execução de


pena de morte.

Art. 30. Usar da profissão para corromper costumes, cometer


ou favorecer crime.

Capítulo V

RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES

É vedado ao médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu


representante legal de decidir livremente sobre a execução de
práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de
iminente risco de morte.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de


diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a
seu alcance, em favor do paciente.

80
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus


cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência,
quando não haja outro médico ou serviço médico em
condições de fazê-lo.

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o


prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo
quando a comunicação direta possa lhe provocar dano,
devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu
representante legal.

Art. 35. Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do


prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número
de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos
médicos.

Art. 36. Abandonar paciente sob seus cuidados.

§ 1º Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom


relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho
profissional, o médico tem o direito de renunciar ao
atendimento, desde que comunique previamente ao paciente
ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade
dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias
ao médico que lhe suceder.

§ 2º Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos


seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser
este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a
assisti-lo ainda que para cuidados paliativos.

Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem


exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou
emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo,
devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o
impedimento.

81
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Parágrafo único. O atendimento médico a distância, nos


moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob
regulamentação do Conselho Federal de Medicina.

Art. 38. Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus


cuidados profissionais.

Art. 39 Opor-se à realização de junta médica ou segunda


opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante
legal.

Art. 40. Aproveitar-se de situações decorrentes da relação


médico-paciente para obter vantagem física, emocional,
financeira ou de qualquer outra natureza.

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste


ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal,


deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos
disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em
consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua
impossibilidade, a de seu representante legal.

Art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir


livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre
esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e
risco de cada método.

Capítulo VI

DOAÇÃO E TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E TECIDOS

É vedado ao médico:

Art. 43. Participar do processo de diagnóstico da morte ou da


decisão de suspender meios artificiais para prolongar a vida

82
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

do possível doador, quando pertencente à equipe de


transplante.

Art. 44. Deixar de esclarecer o doador, o receptor ou seus


representantes legais sobre os riscos decorrentes de exames,
intervenções cirúrgicas e outros procedimentos nos casos de
transplantes de órgãos.

Art. 45. Retirar órgão de doador vivo quando este for


juridicamente incapaz, mesmo se houver autorização de seu
representante legal, exceto nos casos permitidos e
regulamentados em lei.

Art. 46. Participar direta ou indiretamente da comercialização


de órgãos ou de tecidos humanos.

Capítulo VII

RELAÇÃO ENTRE MÉDICOS

É vedado ao médico:

Art. 47. Usar de sua posição hierárquica para impedir, por


motivo de crença religiosa, convicção filosófica, política,
interesse econômico ou qualquer outro, que não técnico-
científico ou ético, que as instalações e os demais recursos da
instituição sob sua direção, sejam utilizados por outros
médicos no exercício da profissão , particularmente se forem
os únicos existentes no local.

Art. 48. Assumir emprego, cargo ou função para suceder


médico demitido ou afastado em represália à atitude de
defesa de movimentos legítimos da categoria ou da aplicação
deste Código.

Art. 49. Assumir condutas contrárias a movimentos legítimos


da categoria médica com a finalidade de obter vantagens.

83
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 50. Acobertar erro ou conduta antiética de médico.

Art. 51. Praticar concorrência desleal com outro médico.

Art. 52. Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de


paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em
função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de
indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar
imediatamente o fato ao médico responsável.

Art. 53. Deixar de encaminhar o paciente que lhe foi enviado


para procedimento especializado de volta ao médico
assistente e, na ocasião, fornecer-lhe as devidas informações
sobre o ocorrido no período em que por ele se
responsabilizou.

Art. 54. Deixar de fornecer a outro médico informações sobre


o quadro clínico de paciente, desde que autorizado por este
ou por seu representante legal.

Art. 55. Deixar de informar ao substituto o quadro clínico dos


pacientes sob sua responsabilidade ao ser substituído ao fim
do seu turno de trabalho.

Art. 56. Utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir


que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos.

Art. 57. Deixar de denunciar atos que contrariem os


postulados éticos à comissão de ética da instituição em que
exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao
Conselho Regional de Medicina.

Capítulo VIII

REMUNERAÇÃO PROFISSIONAL

É vedado ao médico:

84
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 58. O exercício mercantilista da Medicina.

Art. 59. Oferecer ou aceitar remuneração ou vantagens por


paciente encaminhado ou recebido, bem como por
atendimentos não prestados.

Art. 60. Permitir a inclusão de nomes de profissionais que não


participaram do ato médico para efeito de cobrança de
honorários.

Art. 61. Deixar de ajustar previamente com o paciente o custo


estimado dos procedimentos.

Art. 62. Subordinar os honorários ao resultado do tratamento


ou à cura do paciente.

Art. 63. Explorar o trabalho de outro médico, isoladamente ou


em equipe, na condição de proprietário, sócio, dirigente ou
gestor de empresas ou instituições prestadoras de serviços
médicos.

Art. 64. Agenciar, aliciar ou desviar, por qualquer meio, para


clínica particular ou instituições de qualquer natureza,
paciente atendido pelo sistema público de saúde ou dele
utilizar-se para a execução de procedimentos médicos em sua
clínica privada, como forma de obter vantagens pessoais.

Art. 65. Cobrar honorários de paciente assistido em instituição


que se destina à prestação de serviços públicos, ou receber
remuneração de paciente como complemento de salário ou de
honorários.

Art. 66. Praticar dupla cobrança por ato médico realizado.


Parágrafo único. A complementação de honorários em serviço
privado pode ser cobrada quando prevista em contrato.

85
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 67. Deixar de manter a integralidade do pagamento e


permitir descontos ou retenção de honorários, salvo os
previstos em lei, quando em função de direção ou de chefia.

Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de


farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer
organização destinada à fabricação, manipulação, promoção
ou comercialização de produtos de prescrição médica,
qualquer que seja sua natureza.

Art. 69. Exercer simultaneamente a Medicina e a Farmácia ou


obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela
comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou
implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de
influência direta em virtude de sua atividade profissional.

Art. 70. Deixar de apresentar separadamente seus honorários


quando outros profissionais participarem do atendimento ao
paciente.

Art. 71. Oferecer seus serviços profissionais como prêmio,


qualquer que seja sua natureza.

Art. 72. Estabelecer vínculo de qualquer natureza com


empresas que anunciam ou comercializam planos de
financiamento, cartões de descontos ou consórcios para
procedimentos médicos.

Capítulo IX

SIGILO PROFISSIONAL

É vedado ao médico:

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude


do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever
legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

86
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Parágrafo único. Permanece essa proibição:

a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o


paciente tenha falecido;

b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa


hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e
declarará seu impedimento;

c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará


impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a
processo penal.

Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente


menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes
legais, desde que o menor tenha capacidade de
discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar
dano ao paciente.

Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir


pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na
divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação
em geral, mesmo com autorização do paciente.

Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do


exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos
dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio
puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.

Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre


as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados,
além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso
consentimento do seu representante legal.

Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar


o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.

87
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de


honorários por meio judicial ou extrajudicial.

Capítulo X

DOCUMENTOS MÉDICOS

É vedado ao médico:

Art. 80. Expedir documento médico sem ter praticado ato


profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não
corresponda à verdade.

Art. 81. Atestar como forma de obter vantagens.

Art. 82. Usar formulários de instituições públicas para


prescrever ou atestar fatos verificados na clínica privada.

Art. 83. Atestar óbito quando não o tenha verificado


pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao
paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista,
médico substituto ou em caso de necropsia e verificação
médico-legal.

Art. 84. Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha


prestando assistência, exceto quando houver indícios de
morte violenta.

Art. 85. Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários


por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob
sua responsabilidade.

Art. 86. Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu


representante legal quando aquele for encaminhado ou
transferido para continuação do tratamento ou em caso de
solicitação de alta.

88
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada


paciente.

§ 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários


para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada
avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e
número de registro do médico no Conselho Regional de
Medicina.

§ 2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da


instituição que assiste o paciente.

Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar


de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de
lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo
quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros.

Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo


quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender
ordem judicial ou para a sua própria defesa.

§ 1º Quando requisitado judicialmente o prontuário será


disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz.

§ 2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria


defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo
profissional.

Art. 90. Deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu


paciente quando de sua requisição pelos Conselhos
Regionais de Medicina.

Art. 91. Deixar de atestar atos executados no exercício


profissional, quando solicitado pelo paciente ou por seu
representante legal.

Capítulo XI

89
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

AUDITORIA E PERÍCIA MÉDICA

É vedado ao médico:

Art. 92. Assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação


médico-legal quando não tenha realizado pessoalmente o
exame.

Art. 93. Ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa


de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações
capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que
atue ou tenha atuado.

Art. 94. Intervir, quando em função de auditor, assistente


técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou
fazer qualquer apreciação em presença do examinado,
reservando suas observações para o relatório.

Art. 95. Realizar exames médico-periciais de corpo de delito


em seres humanos no interior de prédios ou de dependências
de delegacias de polícia, unidades militares, casas de
detenção e presídios.

Art. 96. Receber remuneração ou gratificação por valores


vinculados à glosa ou ao sucesso da causa, quando na
função de perito ou de auditor.

Art. 97. Autorizar, vetar, bem como modificar, quando na


função de auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos
ou terapêuticos instituídos, salvo, no último caso, em
situações de urgência, emergência ou iminente perigo de
morte do paciente, comunicando, por escrito, o fato ao médico
assistente.

Art. 98. Deixar de atuar com absoluta isenção quando


designado para servir como perito ou como auditor, bem
como ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua
competência.

90
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Parágrafo único. O médico tem direito a justa remuneração


pela realização do exame pericial.

Capítulo XII

ENSINO E PESQUISA MÉDICA

É vedado ao médico:

Art. 99. Participar de qualquer tipo de experiência envolvendo


seres humanos com fins bélicos, políticos, étnicos, eugênicos
ou outros que atentem contra a dignidade humana.

Art. 100. Deixar de obter aprovação de protocolo para a


realização de pesquisa em seres humanos, de acordo com a
legislação vigente.

Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante


legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a
realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as
devidas explicações sobre a natureza e as consequências da
pesquisa.

Parágrafo único. No caso do sujeito de pesquisa ser menor de


idade, além do consentimento de seu representante legal, é
necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de
sua compreensão.

Art. 102. Deixar de utilizar a terapêutica correta, quando seu


uso estiver liberado no País.

Parágrafo único. A utilização de terapêutica experimental é


permitida quando aceita pelos órgãos competentes e com o
consentimento do paciente ou de seu representante legal,
adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis
consequências.

91
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 103. Realizar pesquisa em uma comunidade sem antes


informá-la e esclarecê-la sobre a natureza da investigação e
deixar de atender ao objetivo de proteção à saúde pública,
respeitadas as características locais e a legislação pertinente.

Art. 104. Deixar de manter independência profissional e


científica em relação a financiadores de pesquisa médica,
satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens
pessoais.

Art. 105. Realizar pesquisa médica em sujeitos que sejam


direta ou indiretamente dependentes ou subordinados ao
pesquisador.

Art. 106. Manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas


médicas, envolvendo seres humanos, que usem placebo em
seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo
para a doença pesquisada.

Art. 107. Publicar em seu nome trabalho científico do qual não


tenha participado; atribuir-se autoria exclusiva de trabalho
realizado por seus subordinados ou outros profissionais,
mesmo quando executados sob sua orientação, bem como
omitir do artigo científico o nome de quem dele tenha
participado.

Art. 108. Utilizar dados, informações ou opiniões ainda não


publicados, sem referência ao seu autor ou sem sua
autorização por escrito.

Art. 109. Deixar de zelar, quando docente ou autor de


publicações científicas, pela veracidade, clareza e
imparcialidade das informações apresentadas, bem como
deixar de declarar relações com a indústria de medicamentos,
órteses, próteses, equipamentos, implantes de qualquer
natureza e outras que possam configurar conflitos de
interesses, ainda que em potencial.

92
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 110. Praticar a Medicina, no exercício da docência, sem o


consentimento do paciente ou de seu representante legal,
sem zelar por sua dignidade e privacidade ou discriminando
aqueles que negarem o consentimento solicitado.

Capítulo XIII

PUBLICIDADE MÉDICA

É vedado ao médico:

Art. 111. Permitir que sua participação na divulgação de


assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de
massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento
e educação da sociedade.

Art. 112. Divulgar informação sobre assunto médico de forma


sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico.

Art. 113. Divulgar, fora do meio científico, processo de


tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja
expressamente reconhecido cientificamente por órgão
competente.

Art. 114. Consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer


meio de comunicação de massa.

Art. 115. Anunciar títulos científicos que não possa comprovar


e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja
qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina.

Art. 116. Participar de anúncios de empresas comerciais


qualquer que seja sua natureza, valendo-se de sua profissão.

Art. 117. Apresentar como originais quaisquer idéias,


descobertas ou ilustrações que na realidade não o sejam.

93
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

Art. 118. Deixar de incluir, em anúncios profissionais de


qualquer ordem, o seu número de inscrição no Conselho
Regional de Medicina.

Parágrafo único. Nos anúncios de estabelecimentos de saúde


devem constar o nome e o número de registro, no Conselho
Regional de Medicina, do diretor técnico.

Capítulo XIV

DISPOSIÇÕES GERAIS

I - O médico portador de doença incapacitante para o


exercício profissional, apurada pelo Conselho Regional de
Medicina em procedimento administrativo com perícia médica,
terá seu registro suspenso enquanto perdurar sua
incapacidade.

II - Os médicos que cometerem faltas graves previstas neste


Código e cuja continuidade do exercício profissional constitua
risco de danos irreparáveis ao paciente ou à sociedade
poderão ter o exercício profissional suspenso mediante
procedimento administrativo específico.

III - O Conselho Federal de Medicina, ouvidos os Conselhos


Regionais de Medicina e a categoria médica, promoverá a
revisão e atualização do presente Código quando
necessárias.

IV - As omissões deste Código serão sanadas pelo Conselho


Federal de Medicina.

94
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

7. Bibliografia

ANGHER, Anne Joyce (org.) Vade Mecum Acadêmico de


Direito. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2006.

ARISTÓTELES. A Ética de Nicômaco. Biblioteca Clássica,


Vol. XXXIII, 3. ed. São Paulo: Atena, 1950.

BACON, Francis. História da Vida e da Morte. [s.l.]: [s.n.],


1623.

BEAUCHAMP, TL; CHILDRESS, JF. Princípios de ética


biomédica. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed.


Coimbra: Almedina, 1993.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ed.


Ática, 2002.

JIMÉNES DE ASÚA, Luiz. Liberdad para amar y derecho a


morir. Buenos Aires: Losada, 1942.

MARTIN, Leonard. Eutanásia e distanásia. In: Costa SIF,


Oselka G, Garrafa V (org.). Iniciação à bioética. Brasília:
Conselho Federal de Medicina, 1998.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13. ed. São


Paulo: Atlas, 2003.

MORALES, Royo-Villanova. Concepto y Eutanásia.


Zaragoza: La Academia, 1928.

PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul.


Problemas atuais de bioética. São Paulo: Loyola, 2002.

95
Ortotanásia
Princípios éticos e constitucionais da “morte correta”

POTTER, Van Rensselaer. Bioethics, the science of


survival. Perspectivs in biology and medicine. [s.l.]: [s.n.],
1970.

PROVAR, Gail. Withdrawing and withholding therapy:


putting ethics into practice. J Clin Ethics, [s.l.]: [s.n.], 1990.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo:


Saraiva, 1996.

SAMPEDRO, Ramón. Cando eu caia. Vigo: Edicions Xerais


de Galícia, 1998.

SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. Vol. I e II. São Paulo:


Loyola, 1996.

TROPLONG. Donations, entre-vifs et testaments. In:


MONTEIRO, W. de B. Curso de Direito Civil – Direito das
Obrigações. São Paulo, Ed. Saraiva, 1995.

96

Você também pode gostar