Você está na página 1de 34

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

A CASERNA, Associação Civil sem fins Lucrativos, inscrita no CNPJ:


29.598.742/0001-42, com endereço físico no SCS, Quadra 02, Bloco “C”, Sala
225, Ed. São Paulo/Asa Sul, CEP: 70.314-900/Brasília-DF, por meio de seu
Presidente, CARLOS VICTOR FERNANDES VITÓRIO, vem, respeitosamente,
por seus advogados infra-assinado, devidamente constituído no instrumento
procuratório anexo (doc. 01), com endereço profissional no rodapé, no uso das
atribuições que lhe são conferidas pela Constituição da República, vem à
presença de Vossa Excelência, ajuizar, perante o Conselho Especial desse
Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

contra a Emenda à Lei Orgânica nº 51, de 18/03/08, onde foram acrescentados


os §§ 4º e 5º ao artigo 144 da “Constituição Distrital”, o que se faz por ocasião
de contrariedade para com os arts. 14; 19; 26; 71, § 1º, II e IV; 100, X; e 158, IV
e V, todos da mesma Lei Orgânica do Distrito Federal, promulgada em 8 de junho
de 1993.

I – DA LEGITIMIDADE ATIVA DA “CASERNA”:

Nos termos do art. 136, VI, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça


do Distrito Federal e dos Territórios, são legitimadas para a propositura de Ação
Direta de Inconstitucionalidade as entidades de classe com atuação distrital:
Art. 136. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade:

VI - a entidade sindical ou de classe com atuação no Distrito Federal, a qual


demonstrará que a pretensão por ela deduzida guarda relação de pertinência
direta com seus objetivos institucionais.

Esse é o caso da CASERNA.

Cuida-se a CASERNA de associação civil sem fins lucrativos, em defesa


de dignidade e respeito, também em defesa dos interesses sócio-econômico-
profissionais de seus associados (militares do Distrito Federal).

Assim, trata-se de associação que possui atuação em âmbito distrital.

A associação CASERNA possui mais de 3.000 associados espalhados


por todo o Distrito Federal, os quais, em maior parte, se fazem presente no grupo
do Telegram “CASERNA UNIDA PMDF/CBMDF”.

Ademais, é inegável a existência de pertinência temática entre o objeto da


presente ADI e o campo de atuação da CASERNA, haja vista a preservação e
ampliação dos interesses sócio-econômico-profissionais de seus associados ser
um de seus postulados.

O BRB deve ser analisado como uma sociedade de economia mista que
se sujeita ao regime privado de concessão de créditos, cujo objetivo é o lucro,
sendo assim, seus serviços bancários devem estar submetidos ao mercado, isto
é, à livre escolha do interessado.

Assim sendo, resta cabalmente demonstrada a legitimidade ativa ad


causam da CASERNA para a propositura da presente ADI.

II – DOS DISPOSITIVOS LEGAIS QUESTIONADOS:

No ano de 2008, por meio da Emenda à Lei Orgânica nº 51, de 18/03/08,


foram acrescentados os §§ 4º e 5º ao artigo 144 da “Constituição Distrital”,
contando com os seguintes dizeres:

4º Os pagamentos das remunerações, de qualquer natureza, devidas pelo


Distrito Federal aos servidores da administração direta, aos servidores das
autarquias e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, aos
empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista, bem
como aos empregados das demais entidades em que o Distrito Federal, direta
ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto, serão
efetuados pelo Banco de Brasília S/A – BRB, para concretizar-lhe e preservar-
lhe a função social.

§ 5º As disposições do parágrafo anterior se aplicam inclusive aos pagamentos


dos servidores cujas remunerações sejam custeadas por recursos oriundos de
repasses feitos pela União.

Ocorre que, ao que parece, há colisão para com a simetria das formas, vez
que o Distrito Federal invade competências da União, dentre outras coisas,
relativas a organizar e manter os órgãos de segurança pública do Distrito
Federal, bem como de legislar sobre direito civil, transferência de valores e
normas gerais sobre licitação (art. 14 da LODF):

Art. 14. Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas


reservadas aos Estados e Municípios, cabendo-lhe exercer, em seu território,
todas as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal.

Vê-se violação, ademais, ao princípio da impessoalidade ao criar nova


hipótese de dispensa de licitação (art. 19 da LODF):

Art. 19. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes do


Distrito Federal obedece aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação, participação popular,
transparência, eficiência e interesse público, e também ao seguinte:

Bem como descumpre o princípio da licitação (art. 26 da LODF):

Art. 26. Observada a legislação federal, as obras, compras, alienações e serviços


da administração serão contratados mediante processo de licitação pública, nos
termos da lei.

Há, juntamente, usurpação legislativa de poderes inerentes ao Chefe do


Executivo, o que viola a separação dos poderes (arts. 71, § 1º, II e IV; e 100, X):

Art. 71. A iniciativa das leis complementares e ordinárias, observada a forma e


os casos previstos nesta Lei Orgânica, cabe:

§ 1º Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal a iniciativa das


leis que disponham sobre:
II - servidores públicos do Distrito Federal, seu regime jurídico, provimento de
cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação, estruturação, reestruturação, desmembramento, extinção,


incorporação, fusão e atribuições das Secretarias de Governo, Órgãos e
entidades da administração pública;

Art. 100. Compete privativamente ao Governador do Distrito Federal:

X - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração do Distrito


Federal, na forma desta Lei Orgânica;

Também, indica-se, há inconstitucionalidade na reserva de mercado para


a comercialização de “folha de pagamento” em favor do Banco de Brasília S/A
(BRB), o que viola os princípios da livre concorrência e da livre escolha do
consumidor (art. 158 da IV e V):

Art. 158. A ordem econômica do Distrito Federal, fundada no primado da


valorização do trabalho e das atividades produtivas, em cumprimento ao que
estabelece a Constituição Federal, tem por fim assegurar a todos existência
digna, promover o desenvolvimento econômico com justiça social e a melhoria
da qualidade de vida, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

Lembrar que aqui não se discute ser o BRB ente de fomento ao


desenvolvimento do Distrito Federal, mas que, como sociedade de economia
mista, deve se sujeitar ao regime privado quanto à concessão de um serviço,
especialmente quando na busca evidente de lucro (art. 173, § 1º, II, da CR/88).

Contratos de exclusividade pactuados entre instituição financeira e ente


federado violam os princípios da livre concorrência e da livre escolha do
consumidor. Os serviços bancários prestados pelo BRB devem se submeter ao
mercado, isto é, à livre escolha do interessado.

III – DO CABIMENTO DA ADI:

De acordo com o art. 8º, I, “n”, da Lei nº 11.697/2008, compete ao Tribunal


de Justiça do Distrito Federal e Territórios processar e julgar as ações diretas de
inconstitucionalidade contra leis distritais, quando o parâmetro do controle é a
Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF).

In casu, estão preenchidos os requisitos, já que a norma impugnada é


distrital, qual seja, Emenda à Lei Orgânica nº 51, de 18/03/08:

EMENDA À LEI ORGÂNICA Nº 51, DE 2008.

Publicação DODF nº 054, de 19/03/08 – Pág. 1.

Acrescenta os parágrafos 4º e 5º ao artigo 144 da Lei Orgânica do Distrito


Federal.

A MESA DIRETORA DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL, nos


termos do art. 70, § 2º, da Lei Orgânica, promulga a seguinte emenda ao texto
da referida Lei:

Art. 1º São acrescentados os parágrafos 4º e 5º ao art. 144 da Lei Orgânica do


Distrito Federal, com as seguintes redações:

Art. 144. .......................................................................................

§ 4º Os pagamentos das remunerações, de qualquer natureza, devidas pelo


Distrito Federal aos servidores da administração direta, aos servidores das
autarquias e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, aos
empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista, bem
como aos empregados das demais entidades em que o Distrito Federal, direta
ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto, serão
efetuados pelo Banco de Brasília S/A – BRB, para concretizar-lhe e preservar-
lhe a função social.

§ 5º As disposições do parágrafo anterior se aplicam inclusive aos pagamentos


dos servidores cujas remunerações sejam custeadas por recursos oriundos de
repasses feitos pela União.

Art. 2º Esta Emenda à Lei Orgânica entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 18 de março de 2008.

DEPUTADO ALÍRIO NETO

Presidente

DEPUTADO PAULO TADEU DEPUTADO WILSON LIMA


Vice-Presidente Primeiro Secretário

DEPUTADO BRUNELLI DEPUTADO DR. CHARLES

Segundo Secretário Terceiro Secretário

Por sua vez, os parâmetros de controle são os arts. 14; 19; 26; 71, § 1º, II
e IV; 100, X; e 158, IV e V, todas da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Ultrapassado o cabimento, urge expor as razões que fundamentam este


pedido.

IV – DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS:

1. Da violação ao princípio da simetria das formas (violação ao art. 14


da LODF):

As normas de reprodução obrigatória são aquelas que se inserem


compulsoriamente no texto constitucional estadual (distrital), como
consequência da subordinação à Constituição da República, que é a matriz da
ordem jurídica parcial dos Estados-membros.

São normas de preordenação!

Pelo fato de a capacidade de os Estados-Membros se auto organizarem


não decorrer do Poder Constituinte Originário (big bang jurídico), mas sim do
Decorrente, estes entes devem se ater ao princípio da simetria das formas, de
forma a reproduzir em suas constituições a normas de reprodução obrigatória
previstas pelo Poder Originário (no caso brasileiro, o que consta Constituição
Federal).

A tarefa do constituinte em relação a tais normas, portanto, limita-se a


inseri-las na ordem constitucional do Estado, por um processo de
transplantação. Assim, as normas de reprodução decorrem do caráter
compulsório da norma constitucional superior (art. 25, caput, da CR/88):

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que


adotarem, observados os princípios desta Constituição.
Como exemplos de normas de reprodução obrigatória podemos citar as
regras da Constituição Federal que tratam sobre organização político-
administrativa, competências, separação dos Poderes, servidores públicos,
processo legislativo, entre outras.

Dessa forma, a fim de assegurar um desenho institucional uniforme aos


entes políticos, além de estender as garantias normativas já previstas à União a
esses entes, visando a coesão do sistema federativo brasileiro e zelando pelo
princípio da separação de poderes, a Corte Constitucional desenvolveu o
princípio da simetria da seguinte forma:

No desate de causas afins, recorre a Corte, com frequência, ao chamado


princípio ou regra da simetria, que é construção pretoriana tendente a garantir,
quanto aos aspectos reputados substanciais, homogeneidade na disciplina
normativa da separação, independência e harmonia dos poderes, nos três
planos federativos. Seu fundamento mais direto está no art. 25 da CF e no art.
11 de seu ADCT, que determinam aos Estados-membros a observância dos
princípios da Constituição da República. Se a garantia de simetria no traçado
normativo das linhas essenciais dos entes da Federação, mediante revelação
dos princípios sensíveis que moldam a tripartição de poderes e o pacto
federativo, deveras protege o esquema jurídico-constitucional concebido pelo
poder constituinte, é preciso guardar, em sua formulação conceitual e aplicação
prática, particular cuidado com os riscos de descaracterização da própria
estrutura federativa que lhe é inerente. (...) Noutras palavras, não é lícito, senão
contrário à concepção federativa, jungir os Estados-membros, sob o título
vinculante da regra da simetria, a normas ou princípios da Constituição da
República cuja inaplicabilidade ou inobservância local não implique contradições
teóricas incompatíveis com a coerência sistemática do ordenamento jurídico,
com severos inconvenientes políticos ou graves dificuldades práticas de
qualquer ordem, nem com outra causa capaz de perturbar o equilíbrio dos
poderes ou a unidade nacional. A invocação da regra da simetria não pode, em
síntese, ser produto de uma decisão arbitrária ou imotivada do intérprete.

[ADI 4.298 MC, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 7-10-2009, P, DJE de 27-11-
2009.]

= ADI 1.521, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 19-6-2013, P, DJE de 13-8-2013

= ADI 6.337, rel. min. Rosa Weber, j. 24-8-2020, P, DJE de 22-10-2020

Na Lei Orgânica do Distrito Federal, verifica-se a existência da simetria


das formas com muita clareza em seu art. 14:
Art. 14. Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas
reservadas aos Estados e Municípios, cabendo-lhe exercer, em seu território,
todas as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal.

Acontece que o Distrito Federal, faz crer, ao acrescer os §§ 4º e 5º no


artigo 144 da “Constituição Distrital”, por meio da Emenda à Lei Orgânica nº 51,
de 18/03/08, desenvolve regra assimétrica ao modelo federal estatuído, pois
descumpre o referido princípio quando subtrai da União as seguintes
competências da União:

• Organizar e manter os órgãos de segurança pública do Distrito


Federal (art. 22, I, da CR/88):
• Direito civil (art. 22, I, da CR/88);
• Transferência de valores (art. 22, VII, da CR/88);
• Normas gerais de licitação e contratação (art. 22, XXVII, da CR/88);

Organizar e manter os órgãos de segurança

pública do Distrito Federal

Art. 21. Compete à União:

XIV - organizar e manter a polícia civil, a


polícia penal, a polícia militar e o corpo
de bombeiros militar do Distrito Federal,
bem como prestar assistência financeira
ao Distrito Federal para a execução de
serviços públicos, por meio de fundo
próprio;

A organização dos servidores cujas remunerações sejam custeadas por


recursos oriundos de repasses feitos pela União, são de competência desta, de
forma que não merece persistir na ordem cósmica jurídica o § 5º do art. 144 da
Lei Orgânica do Distrito Federal, haja vista a clara usurpação legislativa distrital:

Cumpre à União organizar e manter a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros


Militar do Distrito Federal, surgindo a inconstitucionalidade de diploma local
versando a matéria.

[ADI 1.045, rel. min. Marco Aurélio, j. 15-4-2009, P, DJE de 12-6-2009.]


Inclusive, assim já expos o Tribunal de Contas da União (Acórdão nº
684/2019 – Plenário):

57. Por conseguinte, parece de todo razoável o terceiro argumento apresentado


pela AGU no que se refere à interpretação do art. 4º da Lei 10.633/2002. Isto
porque, ao considerar que serão entregues ao GDF apenas “os recursos
destinados à assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde
e educação” – sendo que as verbas federais destinadas às folhas de
pagamentos da polícia civil, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do
Distrito Federal não transitam pela conta única do Distrito Federal, devendo ser
processadas através do sistema de administração de recursos humanos do
Governo Federal –, dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todos
os artigos da aludida norma, de forma que nenhuma disposição resulte
inoperativa ou supérflua

Lembrando que, sobre esse aspecto (processamento das folhas de


pagamento da polícia civil, da polícia penal, da polícia militar e do corpo de
bombeiros militar do Distrito Federal serem realizadas através do sistema de
administração de recursos humanos do Governo Federal), não houve
contestação por parte do Distrito Federal na Ação Cível Originária 3.258.

Cuida-se assim, o § 5º do art. 144 da LODF, de típico caso de


inconstitucionalidade nomodinâmica orgânica.

Direito civil:

Art. 22. Compete privativamente à União


legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal,


processual, eleitoral, agrário, marítimo,
aeronáutico, espacial e do trabalho;

A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) define os contratos junto a


Instituições Financeiras para a exploração econômica da Folha de Pagamento
das Entidades Públicas como um ativo especial intangível de tais entidades:

Nota Técnica nº 1777/2007/CCONT/STN

“a receita auferida com a terceirização do pagamento da folha de salários e


outros benefícios dos servidores ou pensionistas resulta do potencial econômico
associado ao ato de gestão discricionário do ente público devendo ser
classificada na categoria econômica Receita Corrente, gerando impacto no
patrimônio do ente proporcionalmente ao período de vigência do contrato”
“classificação orçamentária: 1990.99.00 - Outras Receitas Correntes”

Portaria SOF nº 39, de 11 de agosto de 2008

“Inclui a Classificação por NR denominada “1990.22.00 - Receita da


Terceirização da Folha de Pagamento dos Agentes Públicos”. Função: Registra
a receita contratual decorrente da terceirização da folha de pagamento dos
agentes públicos como contrapartida da prestação de serviços de
disponibilização de créditos em contas correntes e da concessão de
empréstimos e financiamentos com amortização consignada em folha de
pagamento.

Subsumindo, com isso, à classificação de bem público apresentada pelo


inciso II do artigo 99 do Código Civil:

Art. 99. São bens públicos:

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou


estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal,
inclusive os de suas autarquias;

Sendo um bem, ou ativo, dito especial, carrega implicitamente a ideia de


afetação, inalienabilidade.

A afetação de um bem público está diretamente relacionada com os


princípios da indisponibilidade do interesse público e da continuidade dos
serviços públicos (art. 100 do CC):

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são
inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei
determinar.

Assim, em se tratando de bem especial, portanto, afetado e inalienável,


por isso, não havendo que se falar em transferência de propriedade, o que se
pode transacionar é apenas a exploração temporária do ativo (o potencial
econômico da prestação de serviços de pagamento de remuneração e
similares).

Contudo, o que se depreende dos §§ 4º e 5º do art. 144 da LODF é o


contrário de temporário, tendo caráter de perpetuidade, até mesmo, de
transferência de propriedade, transferência não admitida pelo direito civil (art.
100 do CC).

Aqui ainda não se pode esquecer que a competência legislativa sobre


direito civil é privativa da União (art. 22, I):

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,


aeronáutico, espacial e do trabalho;

Intepretação essa confirmada pela jurisprudência pretoriana:

Lei 8.842/2020 e Decreto 47.173/2020, do Estado do Rio de Janeiro. (...) Os atos


normativos questionados, ao interferirem na relação obrigacional estabelecida
entre as instituições de crédito e os tomadores de empréstimos, adentraram na
competência privativa da União, prevista no art. 22, I e VII, da Constituição
Federal, para legislar sobre direito civil e política de crédito. Precedentes. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei 8.842/2020 e, por arrastamento, do Decreto
47.173/2020, ambos do Estado do Rio de Janeiro.

[ADI 6.495, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 23-11-2020, P, DJE de 3-12-2020.]

= ADI 6.475, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 14-5-2021, P, DJE de 27-4-2021.

Arremata-se assim haver inconstitucionalidade nomodinâmica orgânica


dos §§ 4º e 5º do art. 144 da LODF, ou seja, descumprimento de regras inerentes
à competência à produção do ato, qual seja, lei distrital legislando sobre direito
civil (transferência de propriedade de bem público de uso especial à empresa
pública comercial).

Transferência de valores:

Art. 22. Compete privativamente à União


legislar sobre:

VII - política de crédito, câmbio, seguros


e transferência de valores;

Políticas de crédito e transferência de valores estão na orbita de domínio


da União, de modo que legislação distrital que determine destinação específica
de pagamentos de seus serviçais não se legitima, haja vista esbulhar poder do
ente Federal:

A Lei 6.704/2015 do Estado do Piauí disciplina a transferência dos depósitos


judiciais em dinheiro referentes a processos judiciais – tributários ou não
tributários, realizados em processos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado
do Piauí –, bem como dos depósitos em processos administrativos,
independentemente de o Estado ser ou não parte, para conta única do Poder
Executivo. Finalidade de custeio da previdência social, pagamento de
precatórios e amortização da dívida com a União. Veiculação de normas que
caracterizam a usurpação da competência da União para legislar sobre: (i) o
Sistema Financeiro Nacional (art. 21, VIII, CF); (ii) a política de crédito e
transferência de valores (art. 22, VII e 192, CF); (iii) direito civil e processual (art.
22, I); e (iv) normas gerais de direito financeiro (art. 24, I, CF) – atuação além
dos limites de sua competência suplementar, ao prever hipóteses e finalidades
não estabelecidas na norma geral editada pela União.

[ADI 5.392, rel. min. Rosa Weber, j. 16-9-2020, P, DJE de 5-10-2020.]

A Lei distrital 919/1995 tratou de operação de crédito de instituição financeira


pública, matéria de competência privativa da União, nos termos dos arts. 21, VIII,
e 22, VII, da Constituição. A relevância das atividades desempenhadas pelas
instituições financeiras, sejam públicas ou privadas, demanda a existência de
uma coordenação centralizada das políticas de crédito e de regulação das
operações de financiamento, impedindo os Estados de legislarem livremente
acerca das modalidades de crédito praticadas pelos seus bancos públicos.

[ADI 1.357, rel. min. Roberto Barroso, j. 25-11-2015, P, DJE de 1º-2-2016.]

Aponta-se outra inconstitucionalidade nomodinâmica orgânica dos §§ 4º


e 5º do art. 144 da LODF, ou seja, descumprimento de regras inerentes à
competência à produção do ato, qual seja, lei distrital legislando transferência de
valores (pagamento da folha de salários dos servidores por meio do BRB).

Normas gerais de licitação e contratação:

Art. 22. Compete privativamente à União


legislar sobre:

XXVII - normas gerais de licitação e


contratação, em todas as modalidades,
para as administrações públicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios,
obedecido o disposto no art. 37, XXI, e
para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, nos
termos do art. 173, § 1°, III;

Será juntamente delineada no tópico “da violação ao princípio da


impessoalidade ao criar nova hipótese de dispensa de licitação (violação ao arts.
19 e 26 da LODF)”.

2. Da violação ao princípio da impessoalidade ao criar nova hipótese


de dispensa de licitação (violação aos arts. 19 e 26, ambos da LODF):

Nos termos da Constituição, a exploração de atividades econômicas cabe,


como regra, à iniciativa privada, um dos postulados fundamentais do regime
capitalista:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência;

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade


econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei.

Admitindo, o mesmo Livro Constitucional, apenas em caráter excepcional,


a possibilidade de o Estado exercer atividade econômica em sentido estrito:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta


de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.

A leitura do texto indica claramente que a regra é que o Estado não


explora atividades econômicas, podendo fazê-lo, contudo, em caráter especial,
quando estiverem presentes os pressupostos nele consignados (previsão
constitucional ou permissão legal, verificado, nesse último caso, os imperativos
da segurança nacional ou relevante interesse coletivo).
Mesmo quando explore atividade econômica, o Estado está preordenado,
mediata ou imediatamente, à execução de atividade que traduza benefício para
a coletividade, vale dizer, que retrate interesse público.

Disso, claro e evidente fica que não trata a prestação de serviços de


pagamento de remuneração e similares de atividade que retrate interesse
público.

Portanto, a concessão da exclusividade da exploração do potencial


econômico dos serviços de pagamento de remuneração e similares de um órgão
público, mesmo que por instituição financeira oficial, deve ser licitada (art. 37,
XXI, da CR/88):

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,


compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas
que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações.

Inclusive, assim expôs o Conselho Nacional de Justiça, na Consulta


0002999-23.2018.2.00.0000:

CONSULTA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO.


CREDENCIAMENTO DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PARA
CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE GESTÃO DE FOLHA DE PAGAMENTO
PELOS TRIBUNAIS. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO
DA INVIABILIDADE DA LICITAÇÃO PELA FALTA DE INTERESSE NO
MERCADO E VANTAGEM NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO POR MAIS DE UM
EXECUTOR. ADOÇÃO DE REGRAS OBJETIVAS E IMPARCIAIS NO EDITAL
DE CREDENCIAMENTO. GARANTIA DE IGUALDADE DE CONDIÇÕES A
TODOS INTERESSADOS HABILITADOS.MANUTENÇÃO DE CADASTRO
SISTEMÁTICO, IMPESSOAL E ABERTO A FUTUROS INTERESSADOS.
ANÁLISE PERIÓDICA E SISTÊMICA DOS PARÂMETROS UTILIZADOS PARA
O CALCULO DA TAXA DE REMUNERAÇÃO PARA DETERMINAÇÃO DO
CREDENCIAMENTO COMO MODALIDADE DE CONTRATAÇÃO MAIS
VANTAJOSA PELOS TRIBUNAIS.

1. Consulta acerca da possibilidade de credenciamento de instituições


financeiras para contratação de serviços de gestão de folha de pagamento,
desde que atendidos os parâmetros mínimos estabelecidos pelos tribunais.
2. Cabe conhecer e responder afirmativamente à consulta para esclarecer
ser possível o credenciamento de instituições financeiras para prestação de
serviços de gestão da folha de pagamento pelos Tribunais, desde que tal
modalidade seja a mais vantajosa para os Tribunais.

3. É necessário que os Tribunais comprovem, de forma fundamentada e


em processo formal, a inviabilidade da licitação pela falta de interesse no
mercado na prestação do serviço, de forma exclusiva, devido ao decréscimo
total do valor do ativo decorrente da portabilidade das contas salário e/ou a
possibilidade de prestação do serviço por mais de um executor de forma mais
vantajosa para a administração.

4. As regras a serem adotadas no edital de credenciamento devem ser


objetivas e imparciais, a fim de garantir a igualdade de condições entre todos os
interessados habilitados que cumprirem os requisitos previamente definidos.

5. Os Tribunais devem manter aberto o cadastro de credenciamento a


futuras instituições financeiras interessadas e analisar, de forma periódica e
sistêmica, se o credenciamento perdura como modalidade de contratação mais
vantajosa para administração.

6. Consulta conhecida e respondida.

Na mesma direção, o STF, no Agravo Regimental na Reclamação 3.872-


6, exarou o entendimento quanto à indispensabilidade da licitação

É bem verdade, no entanto, que o Estado pode e deve racionalizar a execução


dos pagamentos de que se cuida, o que supõe sejam eles feitos em determinada
ou determinadas instituições bancárias. Por outro lado, daí decorre a criação de
uma base de depósitos a que o mercado atribui certo valor. Isso não pode ser
ignorado no modo de produção social capitalista, onde o mercado se impõe
hegemonicamente sobre o social. A realidade é assim; inútil supormos que as
razões do mercado não afetam a esfera estatal. Fazendo uso de um vocábulo
criado no bojo do economês, aquela base de depósitos é “precificável”. Ela não
pode, porém, ser negociada de sorte a privilegiar-se determinada
instituição financeira privatizada.

Assim, a seleção da instituição financeira habilitada ou das instituições


financeiras habilitadas à realização dos pagamentos de que se trata também há
de ser empreendida mediante licitação, sem comprometimento do princípio da
isonomia. Vale dizer, sem comprometimento das condições de concorrência
entre instituições financeiras --- refiro-me neste passo aos preceitos veiculados
pelos artigos 5º, caput e 170, IV da Constituição do Brasil, desdobramento do
derradeiro deles sendo encontrado no §2º do artigo 18 da Lei nº 4.595/64.
A fortalece essa compreensão, cabe trazer à baila caso semelhante
julgado pela Colenda Corte:

Usurpa a competência da União para legislar sobre normais gerais de licitação


norma estadual que prevê ser dispensável o procedimento licitatório para
aquisição por pessoa jurídica de direito interno, de bens produzidos ou serviços
prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública, e que
tenha sido criado especificamente para este fim específico, sem a limitação
temporal estabelecida pela Lei 8.666/1993 para essa hipótese de dispensa de
licitação.

[ADI 4.658, rel. min. Edson Fachin, j. 25-10-2019, P, DJE de 11-11-2019.]

É o caso aqui em tela, porque, ao estabelecer que os pagamentos das


remunerações dos servidores distritais devem ser efetuados pelo Banco de
Brasília S/A (BRB), a norma orgânica distrital amplia hipótese de dispensa de
licitação em dissonância do que estabelece a Lei 8.666/1993.

Também cabe dizer que ao não se tratar de atividade que retrate interesse
público, não é possível conceder à instituição financeira oficial que pretenda
explorar com exclusividade a prestação dos serviços de pagamento de
remuneração e similares a prerrogativa estabelecida no art. 173 da Constituição
Federal, ficando esta, por conseguinte, excluída também da prerrogativa definida
no inciso IX do art. 75 da Lei 14.133/2021:

Art. 75. É dispensável a licitação:

IX - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens


produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integrem a
Administração Pública e que tenham sido criados para esse fim específico,
desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;

Compreensão endossada, inclusive, pelo TJDFT e pelo Supremo, basta


rememorar o que fora decidido no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário
com Agravo 884.000/DF:

O acórdão do Tribunal de origem não divergiu do entendimento que vem sendo


firmado pela Suprema Corte no sentido de que os contratos de exclusividade
pactuados entre instituição financeira e ente federado violam os princípios
da livre concorrência e da livre escolha do consumidor.
Para mais, o Banco de Brasília S/A (BRB) não foi criado para o fim
específico de dar suporte ao Distrito Federal nos serviços de pagamento de
remuneração e similares, ao contrário, a finalidade de tal sociedade de economia
mista é a de explorar atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços em regime concorrencial com empresas
privadas.

Com efeito, em casos gerais e regulares, o Tribunal de Contas da União


tem se manifestado no sentido de que as empresas estatais que desempenham
atividade econômica sujeitas à livre concorrência não podem ser beneficiadas
com as dispensas de licitação previstas nos incisos VIII e XVI do art. 24 da Lei
nº 8.666/93 (Acórdãos nºs 496/99, 314/2001, 869/2006, 2399/2006 e 1705/2007,
3219/2010, todos do Plenário).

Como consequência, depreende-se que os §§ 4º e 5º do art. 144 da LODF


são contidos de inconstitucionalidade nomoestática, no que tange a afronta a
preceitos gerais inerentes à atividade econômica, além de violar o princípio da
impessoalidade ao criar nova hipótese de dispensa de licitação; bem como de
inconstitucionalidade nomodinâmica orgânica, ao invadir competência privativa
da União para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos.

3. Da violação à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo


(violação aos arts. 71, § 1º, II e IV e 100, X, normas da LODF):

Os §§ 4º e 5º do art. 144 da LODF obrigam o Poder Executivo distrital a


efetuar o pagamento da “folha” por meio do Banco de Brasília, contudo, às vezes,
cuida-se de ofensa ao princípio da reserva da Administração, situação, inclusive,
violadora da separação dos poderes:

A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de


auto-organização e de autogoverno – art. 25, caput –, impõe a obrigatória
observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo
legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do chefe
do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa.

[ADI 1.594, rel. min. Eros Grau, j. 4-6-2008, P, DJE de 22-8-2008.]

= ADI 291, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 7-4-2010, P, DJE de 10-9-2010


Poder constituinte estadual. Autonomia (ADCT, art. 11). Restrições
jurisprudenciais inaplicáveis ao caso. É da jurisprudência assente do Supremo
Tribunal que afronta o princípio fundamental da separação e independência dos
poderes o trato em constituições estaduais de matéria, sem caráter
essencialmente constitucional – assim, por exemplo, a relativa à fixação de
vencimentos ou à concessão de vantagens específicas a servidores públicos –,
que caracterize fraude à iniciativa reservada ao Poder Executivo de leis
ordinárias a respeito: precedentes. A jurisprudência restritiva dos poderes da
assembleia constituinte do Estado-membro não alcança matérias às quais, delas
cuidando, a Constituição da República emprestou alçada constitucional.

[ADI 104, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 4-6-2007, P, DJ de 24-8-2007.]

O dispositivo impugnado, ao atribuir à instituição financeira depositária dos


recursos do Estado a iniciativa de repassar, automaticamente, às contas dos
órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal
de Contas as dotações orçamentárias a eles destinadas, caracteriza ofensa ao
art. 84, II, da CF/1988 (de observância obrigatória pelas unidades federadas),
que confere, privativamente, ao chefe do Poder Executivo, a direção superior da
administração estadual.

[ADI 1.901, rel. min. Ilmar Galvão, j. 3-2-2003, P, DJ de 9-5-2003.]

= ADI 1.914, rel. min. Cezar Peluso, j. 15-4-2009, P, DJE de 7-8-2009

Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos:


iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio
da simetria.

[ADI 2.029, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 4-6-2007, P, DJ de 24-8-2007.]

= ADI 3.791, rel. min. Ayres Britto, j. 16-6-2010, P, DJE de 27-8-2010

Decreto 4.010, de 12-11-2001. Pagamento de servidores públicos da


administração federal. Liberação de recursos. Exigência de prévia autorização
do presidente da República. Os arts. 76 e 84, I, II e VI, a, todos da CF, atribuem
ao presidente da República a posição de chefe supremo da administração
pública federal, ao qual estão subordinados os ministros de Estado. Ausência de
ofensa ao princípio da reserva legal, diante da nova redação atribuída ao inciso
VI do art. 84 pela EC 32/2001, que permite expressamente ao presidente da
República dispor, por decreto, sobre a organização e o funcionamento da
administração federal, quando isso não implicar aumento de despesa ou criação
de órgãos públicos, exceções que não se aplicam ao decreto atacado.

[ADI 2.564, rel. min. Ellen Gracie, j. 8-10-2003, P, DJ de 6-2-2004.]


É o que parece ser o caso das normas aqui impugnadas (§§ 4º e 5º do
art. 144 da LODF), primeiro por ser matéria sem caráter essencialmente
constitucional; segundo por caracterizar fraude à iniciativa reservada ao Poder
Executivo.

4. Da violação aos princípios da livre concorrência e da livre escolha


do consumidor (violação ao art. 158 da IV e V da LODF):

A Lei Orgânica do Distrito Federal, em relação simétrica para com a


Constituição, preconiza o direito ao exercício de atividade econômica lícita e o
da livre concorrência, direitos que impedem a adoção de medidas constritivas
desproporcionais e indiretas que acabem por autoflagelar os fundamentos da
república e os princípios inerentes à ordem econômica (arts. 2º, IV, e 158, IV e
V, normas da LODF):

Art. 2º O Distrito Federal integra a união indissolúvel da República Federativa do


Brasil e tem como valores fundamentais:

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art. 158. A ordem econômica do Distrito Federal, fundada no primado da


valorização do trabalho e das atividades produtivas, em cumprimento ao que
estabelece a Constituição Federal, tem por fim assegurar a todos existência
digna, promover o desenvolvimento econômico com justiça social e a melhoria
da qualidade de vida, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

Da ratio decidendi da Súmula 647 do STF se extrai, por analogia, a regra


de fundo de direito de que ofende o princípio da livre concorrência lei ou qualquer
outra espécie legislativa tendente a restringir, limitar ou impedir a livre
concorrência, em quaisquer de suas linhas refratárias.

É o que ocorre quando o Distrito Federal, por meio da Emenda à Lei


Orgânica nº 51, de 18/03/08, acrescenta os §§ 4º e 5º ao artigo 144 da Lei
Orgânica do Distrito Federal.
A Emenda à Lei Orgânica nº 51 insulta diversas previsões da Lei
12.529/2011 cujo objetivo é estruturar do Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência (SBDC).

Para tanto, basta conferir que a seleção do Banco de Brasília para atuar
como a única instituição financeira autorizada a efetuar o pagamento dos
servidores distritais, mesmo que por um meio oblíquo e transverso, confere a tal
instituição, inevitavelmente, a dominação de mercado relevante.

Por consequência lógico-jurídica, isso limita e prejudica a livre


concorrência, erigida a status de princípio da ordem econômica e financeira, nos
termos do art. 158, IV, da LODF (idem art. 170, IV, da CR/88).

Assim, não é forçoso reconhecer que tal prática, apesar de veiculada por
Lei Orgânica, tende a arruinar, paulatinamente, os outros potenciais
fornecedores de serviços da espécie, o que não é desejável, configurando até
mesmo em infrações à ordem econômica (Lei 12.529/2011):

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa,


os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre


iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

§ 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de


empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de
mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado
relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores
específicos da economia.

§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem


hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da
ordem econômica:

IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento


de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou
serviços;
VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar
ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens
ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção
de bens ou serviços ou à sua distribuição;

Com efeito, o que busca a Lei nº 12.529/2011 é, justamente prevenir, de


uma forma ou de outra, o domínio relevante do mercado de bens ou serviços e
a reserva de mercado, por consectário, busca assegurar materialmente e com
máxima efetividade, inclusive, sob o foco do Estado Democrático de Direito, a
livre iniciativa e a livre concorrência, sob que de não o fazendo, a contrário senso,
resvalar na indesejável desigualdade econômica.

Desta feita, perceptível é que os acrescentados §§ 4º e 5º ao artigo 144


da Lei Orgânica do Distrito Federal estão em sentido diametralmente opostos,
posto que permite o Banco de Brasília, por simples vontade legislativa, operar,
com total exclusividade e irrestritamente toda a sorte de transações em que
figure o Distrito Federal e seus serviçais.

Isso, além de levar a claro domínio de mercado, faz ferir e fere a liberdade
de escolha do agente público consumidor de optar por outras frentes bancárias,
de vez que o subjuga por imposição legal.

Nesta toada, repare o precedente histórico do STF, em caso análogo:

Serviços de Telecomunicações. Exploração. Edição de Listas ou Catálogos


Telefônicos e Livre Concorrência. Se, por um lado, a publicação e distribuição
de listas ou catálogos telefônicos constituía um ônus das concessionárias de
serviço de telefonia – que podem cumpri-lo com ou sem a veiculação de
publicidade – não se pode dizer que estas tinham exclusividade para fazê-
lo. O artigo 2º da L. 6.874/80 (‘A edição ou divulgação das listas referidas
no § 2º do art. 1º desta Lei, sob qualquer forma ou denominação, e a
comercialização da publicidade nelas inserta são de competência
exclusiva da empresa exploradora do respectivo serviço de
telecomunicações, que deverá contratá-las com terceiros, sendo
obrigatória, em tal caso, a realização de licitação’) era inconstitucional –
tendo em vista a Carta de 1969 – na medida em que institui reserva de
mercado para a comercialização das listas telefônicas em favor das
empresas concessionárias. RE desprovido.

(RE nº 158.676/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Octavio Galloti, Redator


para acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 5/10/07)
Aténs de seguir, deve-se abrir espaço a esclarecer que as instituições
financeiras, públicas ou privadas, são alçadas pelas normas consumeristas:

As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das


normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. "Consumidor", para
os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica
que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.

[ADI 2.591 ED, rel. min. Eros Grau, j. 14-12-2006, P, DJ de 13-4-2007.]

= AI 745.853 AgR, rel. min. Luiz Fux, j. 20-3-2012, 1ª T, DJE de 17-4-2012

Noutra esfera de verificação, ao proporcionar odioso desnivelamento da


concorrência e da ofensiva dominação do mercado, de forma a privilegiar e
prestigiar o BRB, os §§ 4º e 5º do artigo 144 da Lei Orgânica do Distrito Federal
afrontam a ordem econômica até em perspectiva criminal (art. 4º da Lei nº
8.137/1990):

Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou


parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de
empresas;

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes,


visando:

a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou


produzidas;

b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de


empresas;

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de


fornecedores.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Cabe enfatizar também que o Sistema Financeiro Nacional não pode se


subordinar à pretensão distrital delineada informados §§ 4º e 5º do artigo 144 da
Lei Orgânica do Distrito Federal, ao contrário, sob o aspecto Financeiro Nacional,
deve o Distrito Federal completa subordinação para com a União:
A Lei distrital 919/1995 tratou de operação de crédito de instituição financeira
pública, matéria de competência privativa da União, nos termos dos arts. 21, VIII,
e 22, VII, da Constituição. A relevância das atividades desempenhadas pelas
instituições financeiras, sejam públicas ou privadas, demanda a existência de
uma coordenação centralizada das políticas de crédito e de regulação das
operações de financiamento, impedindo os Estados de legislarem livremente
acerca das modalidades de crédito praticadas pelos seus bancos públicos.

[ADI 1.357, rel. min. Roberto Barroso, j. 25-11-2015, P, DJE de 1º-2-2016.]

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei estadual nº 14.235/03, do Estado


do Paraná, que (I) proíbe o Poder Executivo estadual de iniciar, renovar,
manter, em regime de exclusividade a qualquer instituição bancária
privada, as contas dos depósitos do sistema de arrecadação dos tributos
estaduais, sistema de movimentação de valores e pagamentos SIAF - Sistema
Integrado de Administração Financeira e Conta do Tesouro Geral do
Estado/conta receita, conta única, contas dos fundos e programas, contas dos
depósitos e movimentação das entidades da administração indireta e fundações
públicas, bem como as disponibilidades dos fundos estaduais e pagamentos do
funcionalismo público, sem a realização de respectivo processo licitatório (art. 1º
da Lei impugnada); (II) obriga o Poder Executivo estadual a manter toda a
movimentação financeira descrita no art. 1º da Lei impugnada em instituição
financeira oficial, nos termos dos arts. 164 e 240, das Constituições Federal e
Estadual, respectivamente; (III) determina caber ao Poder Executivo estadual a
revogar, imediatamente, todos os atos e contratos firmados nas condições
previstas no artigo 1º desta Lei. 3. Potencial ofensa ao princípio da reserva
da Administração. Precedentes: ADI 2364, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de
14.12.2001; ADI nº 1901, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 9.5.2003; ADI 1846,
Rel. Min. Carlos Velloso(Informativo STF nº 116). 4. Plausibilidade da tese
segundo a qual a lei impugnada estaria a incidir sobre espaço reservado à
lei nacional (art. 164, § 3º, da Constituição). Precedentes: ADI 2600, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ de 25.10.2002; ADI 2661, Rel. Min. Celso de Mello,
DJ de 23.8.2002. 5. Potencial ofensa ao princípio da segurança jurídica. 6.
Cautelar deferida.

(STF, ADI 3075 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado
em 19/12/2003, DJ 18-06-2004 PP-00044 EMENT VOL-02156-01 PP-00104
RTJ VOL-00191-01 PP-00129)

Principalmente quando se evidência a existência de dispositivo na Lei


4.595/1964 (Lei do Sistema Financeiro Nacional) a coibir abusos acerca das
condições de concorrência entre instituições financeiras
Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País
mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto
do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 2º O Banco Central da Republica do Brasil, no exercício da fiscalização que


lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições
financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena (Vetado) nos
termos desta lei.

A propósito da concorrência entre os bancos, vale a pena conferir decisão


da Colenda Corte em caso muito próximo:

Decreto distrital 30.008/2009. Estabelecimento de norma para a consignação em


folha de pagamento de empregados pertencentes ao quadro de pessoal das
empresas públicas e sociedades de economia mista do Distrito Federal.
Exclusividade de concessão de empréstimo consignado pactuado entre
determinada instituição financeira e o ente federado. (...) os contratos de
exclusividade pactuados entre instituição financeira e ente federado violam
os princípios da livre concorrência e da livre escolha do consumidor.

[ARE 884.000 AgR-segundo, rel. min. Dias Toffoli, j. 8-6-2018, 2ª T, DJE de 26-
6-2018.]

A Lei 4.595/1964 vai além:

Art. 45. As instituições financeiras públicas não federais e as privadas estão


sujeitas, nos termos da legislação vigente, à intervenção efetuada pelo Banco
Central da República do Brasil ou à liquidação extrajudicial.

Percebe-se, que com tal pratica legislativa, o ente político do Distrito


Federal pode, em tese, dar aso, até mesmo, à intervenção efetuada pelo Banco
Central da República do Brasil.

Sem exclusão, essas foram as teses levantadas pelo Tribunal de Justiça


cearense para declarar inconstitucional, Agravo de Instrumento 0027065-
74.2013.8.06.0000, lei estatual idêntica às normas aqui impugnadas (Lei
cearense 15.241 de 06/12/2012):

Lei Nº 15241 DE 06/12/2012

O Governador do Estado do Ceará.

Faço saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:


Art. 1º. Os pagamentos de bens e serviços de qualquer natureza prestados aos
Órgãos da Administração Direta, Indireta, Autárquica ou Fundacional, do Poder
Executivo, a partir do dia 1º de janeiro de 2013, serão realizados exclusivamente
na instituição financeira vencedora do certame licitatório a ser realizado pelo
Governo do Estado do Ceará e que terá como objeto a prestação de serviços
bancários.

Parágrafo único. Excetuam-se dessa exclusividade os casos em que, por razões


de normas internas, o Banco julgue inadequado proceder com o pagamento em
nome do favorecido ou pagamentos esporádicos que não justifiquem a conta de
depósito.

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2013.

Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário.

PALÁCIO DA ABOLIÇÃO, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em


Fortaleza, 06 de dezembro de 2012.

Cid Ferreira Gomes

GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ

Carlos Mauro Benevides Filho

SECRETÁRIO DA FAZENDA

Inconformado, o Estado do Ceará ajuizou, no STF, pedido de suspensão


de liminar, com requerimento de medida liminar, contra decisão do Tribunal
cearense, contudo, a medida liminar fora indeferida pelo Ministro Joaquim
Barbosa (Suspensão de Liminar 727 Ceará – DJ 21.10.2013):

De acordo com a legislação local, o contratado é obrigado a firmar relação


jurídica com entidade privada, para receber os valores devidos por força do
contrato administrativo. Os serviços prestados pela entidade privada, bancários,
deveriam estar submetidos ao mercado, isto é, à livre escolha do interessado.

Essa verdadeira mandate clause é incompatível com a Constituição, na medida


em que a liberdade individual de escolha é direito fundamental. Ausentes as
hipóteses legais de monopólio constitucional, concessão ou delegação, o Estado
não pode obrigar o cidadão a contratar serviços ou a consumir bens específicos,
providos por entidades privadas previamente identificadas (a mandate clause).

Ante o exposto, nego a concessão da medida liminar pleiteada (art. 38 da Lei


8.038/1990 e art. 21, § 1º do RISTF).
Ato sequente, Ceará interpôs agravo regimental da referida decisão, no
entanto, após parecer contrário da Procuradoria-Geral da República e instado a
se manifestar, o ente político retirou seu interesse no julgamento do agravo.

Por fim, de modo a deixar clara a tese da inconstitucionalidade dos §§ 4º


e 5º do artigo 144 da Lei Orgânica do Distrito Federal, importante é reviver trecho
do genial voto do Ministro Eros Grau na 3.872-6:

(...)

Quanto à prestação de serviço de pagamento a fornecedores do Estado e da


remuneração dos servidores do Estado, não poderia ser contratada entre o
Estado e o banco. E isso porque o beneficiário da prestação desses serviços não
é o Estado; quem dele desfruta são os credores, os fornecedores e os servidores
do Estado.

Assim, o que o Estado pretende é criar uma clientela cativa em benefício do


Banco. Em rigor, não poderia alienar carteira de clientes que não lhe pertence,
até porque a cria à custa de indevida imposição aos credores.

V – DA NÃO NATUREZA DE DISPONIBILIDADE DE CAIXA:

Antes de discorrer sobre a cautelar, importa cristalizar, evidenciar com


bastante transparência, que disponibilidade de caixa não se confunde com
depósito bancário de salário, vencimento ou remuneração de servidor público:

A disponibilidade de caixa é conceito técnico contábil e, evidentemente, não se


confunde com verbas que, segundo os registros contábeis, são predestinadas e
postas à disposição de terceiros, seja pessoal, fornecedores, etc., os quais
poderão levantar a quantia à vista ou, dependendo, se se tratar de servidor
público, na data correspondente ao pagamento. Portanto, não integram a noção
de disponibilidade de caixa, que é exatamente uma diferença entre certos ativos
e passivos em que essas verbas são incluídas.

[Rcl 3.872 AgR, rel. min. Carlos Velloso, j. 14-12-2003, P, DJ de 12-5-2006.]

Disponibilidade de caixa não se confunde com depósito bancário de salário,


vencimento ou remuneração de servidor público, sendo certo que, enquanto a
disponibilidade de caixa se traduz nos valores pecuniários de propriedade do
ente da federação, os aludidos depósitos constituem autênticos pagamentos de
despesas, conforme previsto no artigo 13 da Lei 4.320/64”

[RE 444.056 AgR, rel. min. Carlos Velloso, j. 03-10-2005.]


De modo a não se sucumbir aos preceitos do artigo 164, § 3º, da
Constituição Federal:

O depósito de salário ou de remuneração de servidor público em instituição


financeira privada não afronta o artigo 164, § 3º, da Constituição Federal, pois
não se enquadra no conceito de disponibilidade de caixa. Precedentes. Agravo
regimental a que se nega seguimento.

[AI 837.677 AgR, rel. min. Rosa Weber, j. 3-4-2012, 2ª T, DJE de 8-5-2012.]

VI – DA MEDIDA CAUTELAR:

Diante do exposto, requer a CASERNA que seja concedida medida


cautelar, com o fito de suspender, até o julgamento definitivo da ação, os §§ 4º
e 5º do artigo 144 da Lei Orgânica do Distrito Federal.

No caso em tela, reputar-se-ão preenchidos os requisitos do art. 300 do


Código de Processo Civil, que justificam a concessão de tutela de urgência, a
saber: a probabilidade do direito; e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil
do processo.

O fumus boni iuris está configurado em face dos argumentos expostos ao


longo desta peça, que demonstram que os §§ 4º e 5º do artigo 144 da Lei
Orgânica do Distrito Federal violam a própria LODF, bem como, reflexamente, a
Constituição, especialmente os postulados da livre iniciativa, livre concorrência
e defesa do consumidor, criando uma clientela cativa em benefício do Banco de
Brasília.

A fumaça do bom direito se mostra com ainda mais intensidade quando


se verifica as vastas jurisprudências aqui colacionadas, até mesmo julgado deste
Egrégio Tribunal de Justiça (ADI 2014 00 2 015667-8) corroboram a tese da
inconstitucionalidade.

O periculum in mora, por sua vez, reside na irreversibilidade do dano à


integridade da liberdade econômica, uma vez que os §§ 4º e 5º do artigo 144 da
Lei Orgânica do Distrito Federal, violando os princípios da livre concorrência e
da livre escolha do consumidor.
Continuando como esta, a competitividade entre as instituições
financeiras resta prejudicada, aspecto que demonstra evidente monopólio de um
serviço com geração de lucro à instituição em detrimento do cliente.

O contratante não pode escolher o serviço mais atrativo, considerado o


universo de instituições bancárias existentes no país. A competitividade é fator
fundamental para a redução de custos e ampliação da base de direitos aos
clientes.

Trata-se de evidente monopólio de um serviço que traz ao BRB


expressivos lucros em detrimento do cliente, mesmo que a restrição diga respeito
somente ao pagamento da remuneração dos servidores do Distrito Federal, tanto
é que certamente a referida instituição apresentará irresignada com relação a
esta petição.

Deve-se perceber que os contratos de exclusividade pactuados entre


instituição financeira e ente federado violam os princípios da livre concorrência
e da livre escolha do consumidor (STF-ARE 884.000).

Não há que se fazer distinção pelo fato de ser o BRB ente de fomento ao
desenvolvimento do Distrito Federal, uma vez que se trata de sociedade de
economia mista, que, nos termos do art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal,
deve se submeter ao regime jurídico próprio das empresas privadas (STF-AgR
RE 884.000/DF; STF-SL 727/CE; e STF-Rcl 3.872-6/DF).

Noutro passo, de dever informar que o BRB se utiliza dessa


inconstitucional exclusividade para descontar parcelas de empréstimos
bancários comuns nas contas-salários dos servidores, situação que contraria a
Constituição (art. 7º, X):

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social:

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

Contrário à Lei (art. 45 da Lei 8.112/1990):

Art. 45. Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto
incidirá sobre a remuneração ou provento.
§ 1º Mediante autorização do servidor, poderá haver consignação em folha de
pagamento em favor de terceiros, a critério da administração e com reposição
de custos, na forma definida em regulamento.

§ 2º O total de consignações facultativas de que trata o § 1o não excederá a 35%


(trinta e cinco por cento) da remuneração mensal, sendo 5% (cinco por cento)
reservados exclusivamente para:

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito;


ou

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

E também à jurisprudência (REsp 1.021.578):

"Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será a instituição
privada autorizada a fazê-lo. - Ainda que expressamente ajustada, a retenção
integral do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a
instituição bancária enseja a reparação moral".

Explicando melhor a jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça


entende que não havendo autorização (ou sendo esta cancelada) do titular da
conta-corrente, qualquer desconto realizado por instituição bancária é ilícito
(REsp 1.872.441):

São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em


conta-corrente (não conta-salário – grifo nosso), ainda que utilizada para
recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e
enquanto esta autorização perdurar (havendo cancelamento, ilícito serão os
descontos – Resolução 4.790 do BACEN – grifo nosso), não sendo aplicável,
por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que
disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.

A esse propósito, registre-se que a Resolução do Bacen 3.695, de


26/3/2009 já preceituava que a realização de débitos em conta-corrente haveria
de ser condicionada à prévia autorização do cliente, o que foi aprimorada pela
Resolução 4.480, de 25/4/2016, estabelecendo, para tanto, os critérios a serem
observados pelas instituições financeiras, nos termos abaixo reproduzidos:

Art. 1º Esta resolução dispõe sobre procedimentos relativos à movimentação e


à manutenção de contas de depósitos, sem prejuízo das disposições constantes
da regulamentação aplicável à matéria.
(...)

Art. 3º É vedada às instituições financeiras a realização de débitos em contas de


depósitos e em contas de pagamento sem prévia autorização do cliente.
(Redação do caput dada pela Resolução Nº 4480 DE 25/04/2016).

§ 1º A autorização referida no caput deve ser fornecida por escrito ou por meio
eletrônico, com estipulação de prazo de validade, que poderá ser indeterminado,
admitida a sua previsão no próprio instrumento contratual de abertura da conta
de depósitos.

§ 2º O cancelamento da autorização referida no caput deve surtir efeito a partir


da data definida pelo cliente ou, na sua falta, a partir da data do recebimento pela
instituição financeira do pedido pertinente.

Art. 4º Ficam as instituições financeiras obrigadas a acatar as solicitações de


cancelamento da autorização de débitos automáticos em conta de depósitos à
vista, apresentadas pelos clientes desde que não decorram de obrigações
referentes a operações de crédito contratadas com a própria instituição
financeira.

Com o desiderato de aprimorar a regulação a respeito da forma de


pagamento em comento, a fim de assegurar a liberdade de escolha do titular da
conta quanto ao uso dessa ferramenta, o BACEN editou a Resolução 4.790, de
26/3/2020, que dispôs "sobre procedimentos para autorização e cancelamento
de autorização de débitos em conta de depósitos e em conta-salário", nos
seguintes moldes, no que importa à presente discussão:

Art. 1º Esta Resolução estabelece procedimentos para autorização e


cancelamento de autorização de débitos em conta de depósitos e em conta de
registro de que trata a Resolução nº 3.402, de 6 de setembro de 2006 (conta-
salário).

[...]

Art. 3º A realização de débitos nas contas mencionadas no art. 1º depende de


prévia autorização do seu titular.

§ 1º A autorização de débitos em conta pode ser formalizada na instituição


depositária ou por meio da instituição destinatária.

§ 2º A autorização referida no caput deve:

I - ter finalidade específica;


II - discriminar a conta a ser debitada;

III - ser fornecida por escrito ou por meio eletrônico; e

IV - estipular o prazo, que poderá ser indeterminado.

§ 3º A autorização referida no caput pode especificar datas para a realização de


débitos.

§ 4º Admite-se, quando se tratar de autorização de débitos formalizada pelo


cliente na instituição depositária, a discriminação de mais de uma conta para a
realização de débitos, respeitada a ordem de precedência definida pelo titular.

[...]

Art. 14. Fica facultada, em contratos de operação de crédito e de arrendamento


mercantil financeiro, a inclusão de cláusula que preveja:

I - redutor incidente sobre a taxa de juros remuneratórios estipulada, na hipótese


de o titular autorizar o pagamento das obrigações contratuais por meio de débito
em conta; e

II - exclusão do redutor de que trata o inciso I, na hipótese de cancelamento da


autorização de débitos, por iniciativa do titular, sem a correspondente indicação
de outra autorização que a substitua. Parágrafo único. No caso de previsão da
cláusula contratual de que trata este artigo, os contratos de operações de crédito
ou de arrendamento mercantil financeiro deverão informar as taxas de juros
remuneratórios e o Custo Efetivo Total (CET) aplicáveis em cada uma das
hipóteses previstas nos incisos I e II do caput.

O banco detentor da conta-salário somente poderá realizar o desconto


das prestações de empréstimos e financiamentos diretamente na conta-salário
se houver autorização, prévia e formal, dada pelo empregado.

Disso, verifica-se que a irreversibilidade do dano e o perigo da demora


são, portanto, patentes.

VII – DOS PEDIDOS:

Diante do exposto, tendo se observado que as normas impugnadas


concedem evidente monopólio de um serviço que traz ao BRB expressivos lucros
em detrimento dos concorrentes e dos clientes, mesmo que a restrição diga
respeito somente à “folha de pagamento”, requer a CASERNA:

• A notificação do PRESIDENTE DA CÂMARA LEGISLATIVA DO


DISTRITO FEDERAL, por intermédio de seu representante, para que,
como órgão responsável pela elaboração dos dispositivos ora
impugnados se manifestem, querendo, no prazo de cinco dias, sobre o
pedido de concessão de medida cautelar, com base no art. 10 da Lei nº
9.868/1999;
• A concessão de medida cautelar, com base no art. 10 da Lei nº
9.868/1999, para suspender a total eficácia da Emenda à Lei Orgânica
nº 51, de 18/03/08, onde foram acrescentados os §§ 4º e 5º ao artigo 144
da “Constituição Distrital”, haja vista guardar completa contrariedade para
com os arts. 14; 19; 26; 71, § 1º, II e IV; 100, X; e 158, IV e V, todos da
mesma Lei Orgânica do Distrito Federal, bem como, não somente, mas
principalmente, para com o STF-AgR RE 884.000/DF; a STF-SL 727/CE;
a STF-Rcl 3.872-6/DF; e TJDFT-ADI 2014 00 2 015667-8, de sorte que:
o Os servidores do Distrito Federal não mais sejam obrigados a
firmar relação jurídica com o Banco de Brasília para receberem
suas remunerações, ficando à livre escolha do interessado, pois os
serviços bancários, independentemente do sujeito prestador
(público ou privado), devem estar submetidos ao mercado.
Ausentes as hipóteses legais de monopólio constitucional,
concessão ou delegação, o Estado não pode obrigar o cidadão a
contratar serviços ou a consumir bens específicos, providos por
entidades privadas previamente identificadas (STF-AgR RE
884.000/DF; a STF-SL 727/CE; a STF-Rcl 3.872-6/DF; e TJDFT-
ADI 2014 00 2 015667-8); ou
o A escolha da entidade a efetuar o pagamento da “folha” seja
realizada pelo órgão ou entidade para com o qual o servidor guarde
vinculo, respeitando, assim, o princípio da reserva da
Administração e da separação dos poderes (STF-ADI 1.594; STF-
ADI 291; STF-ADI 104; STF-ADI 1.901; STF-ADI 1.914; STF-ADI
2.029; STF-ADI 3.791; e STF-ADI 2.564); ou
o A determinação de instauração de licitação, de modo a preservar
a impessoalidade e o princípio da licitação, bem como os preceitos
da livre concorrência e da livre escolha do consumidor, de modo
que o potencial econômico dos serviços de pagamento de
remuneração e similares de órgãos públicos possam ser
estendidos a todas as instituições bancárias que se qualifiquem
para tal (CNJ-Consulta 0002999-23.2018.2.00.0000; ADI 4.658; e
TCU-Acórdãos nºs 496/99, 314/2001, 869/2006, 2399/2006 e
1705/2007, 3219/2010, todos do Plenário) ; ou
o Exclusivamente no que tange ao contido no § 5º do artigo 144 da
LODF, os pagamentos dos servidores cujas remunerações sejam
de custeadas por recursos oriundos de repasses feitos pela União
sejam pagos conforme orientações deste ente político, não do ente
distrital (STF-ADI 1.045; TCU-Acórdão 684/2019; e STF-ACO
3.258); ou
o Em caso de entendimento contrário às cautelares anteriores, haja
determinação para que, enquanto não julgue o mérito desta ação,
o Banco de Brasília (BRB):
▪ Sendo conta-salário – abstenha-se de reter qualquer
extensão dos vencimentos e/ou proventos dos servidores
distritais, principalmente quando inexistente previa e atual
autorização para isso, devendo o BRB buscar a satisfação
de seus créditos pelas vias judiciais (art. 7º, X, da CR/88;
art. 45 da Lei 8.112/1990; e REsp 1.021.578); e/ou
▪ Sendo conta-corrente – permita ao servidor a faculdade de
revogar o ajuste ao seu alvedrio, assumindo, naturalmente,
as consequências contratuais dessa opção, não podendo,
havendo tal revogação, a instituição bancária continuar a
realizar descontos de parcelas de empréstimos (STJ-REsp
1.872.441; BACEN-Resolução 3.695; e BACEN-
Resolução 4.790).
• A notificação do Procurador-Geral do Distrito Federal para se manifestar
sobre o mérito da presente ação, no prazo de quinze dias, nos termos do
Art. 8º da Lei nº 9.868/1999 e da exigência constitucional do art. 103, §
3º;
• A notificação da Procuradoria-Geral de Justiça, para ofertar parecer sobre
o pedido, na condição de custos legis, nos termos do art. 103, § 1º da
Carta Política;
• A procedência do pedido de mérito para que seja declarada a
inconstitucionalidade da totalidade da Emenda à Lei Orgânica nº 51, de
18/03/08, onde foram acrescentados os §§ 4º e 5º ao artigo 144 da
“Constituição Distrital”, haja vista guardar completa contrariedade para
com os arts. 14; 19; 26; 71, § 1º, II e IV; 100, X; e 158, IV e V, todos da
mesma Lei Orgânica do Distrito Federal, bem como, não somente, mas
principalmente, para com o STF-AgR RE 884.000/DF; a STF-SL 727/CE;
a STF-Rcl 3.872-6/DF; e TJDFT-ADI 2014 00 2 015667-8.

Dá-se à causa o valor de R$100,00 em face da impossibilidade de aferir proveito


econômico.

Nestes termos, pede-se o deferimento.

Brasília, 21 de julho de 2022.

ADRIANA VALERIANO DE SOUSA

OAB//DF 60.849

Você também pode gostar