Você está na página 1de 12

A NECESSIDADE IMPERIOSA DO BIODIREITO E DA BIOÉTICA1

Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do
Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.

Alguns vislumbram o Biodireito como mero modismo sem função ou objeto próprio
de estudo. Busca-se resolver as inusitadas lides pela aplicação da Bioética e do direito
existente, todavia tal recurso não atende adequadamente as necessidades da realidade
contemporânea.
Obviamente nos socorrem as legislações especiais orientadas por princípios próprios
e que devem guardar harmonia com o ordenamento jurídico vigente, vindo à este se integrar
completamente.
É microssistema não galgando êxito em se constituir num ramo jurídico autônomo.
Aliás, tal técnica não é sequer inédita no direito pátrio pois o mesmo se sucedeu com a
legislação previdenciária, agrária, habitacional, securitária, ambiental e do consumidor.
A Bioética foi termo criado e posto em circulação em 1971 através do oncolista norte-
americano Van R. Potter “Biothics, Bridge to the Future” (Bioética, a ponte para o futuro) com
a sua difusão célere, o vocábulo ganhou acepção específica e científica como uma “nova”
dimensão da pesquisa no campo dos estudos acadêmicos e, a menos de uma década, surgiu
como disciplina autônoma em uma universidade italiana.
Em 1983 se iniciou o ensino da disciplina da bioética na Faculdade de Medicina e
Cirurgia da Universidade Católica do Sagrado Coração em Roma.
A Bioética lato sensu passou então a designar os problemas éticos gerados pelos
avanços nas ciências biológicas e médicas.
Que alcançaram seu clímax com a grande divulgação da mídia sobre o poder do
homem em interferir validamente nos processos de nascimento e morte, que até então se
apresentando como “momentos não dominados” pelo controle humano.
Essa possibilidade de controle da vida despertou a curial necessidade de estabelecer
o limite para a atuação científica.
In stricto sensu, a Bioética é “ética da vida” que é definida pela Enciclopédia da
Bioética de 1978 como: “estudo sistemático da conduta humana nas áreas das ciências da
vida e do cuidado da saúde, quando esta conduta se examina à luz dos valores e dos
princípios morais.”
É setor da ética aplicada e que promove a reflexão sobre os dilemas morais, sociais,
jurídicos e antropológicos propostos em face do grande desenvolvimento tecnológico
contemporâneo.
Esta tendência eugênica impulsionou ações sociais e políticas moralmente
regressivas como a adotada nos EUA onde se esterilizaram pessoas, em sua maioria contra
sua vontade, por ser consideradas delinquentes ou retardados mentais, e, mais tarde com os

1
O presente texto foi elaborado em face de um Seminário de Biodireito e Bioética ministrado pela autora na
UNESA Campus Méier, em 15 de março de 2003.
sinistros programas nazistas de melhoria da raça ariana promovidos pela Alemanha de Adolf
Hitler.
Neste sentido, é igualmente censurável a utilização de armas nucelares e biológicas.
Também as antigas e polêmicas questões como o aborto e a eutanásia foram
realimentadas com o advento das técnicas de reprodução humana e a dos transplantes de
órgãos e tecidos.
Aproximadamente durante setenta anos tais problemas ocorreram sem que
houvesse uma expressiva discussão sobre os aspectos bioéticos.
O maior mérito da Bioética foi tentar ao menos sistematizar o tratamento jurídico e
social a tais questões e ainda traçar-lhes princípios e fins comuns.
Apesar de tantas importantes conquistas tecnológicas a humanidade foi incapaz de
criar um modelo organizacional capaz de inibir adequadamente práticas como a guerra
nuclear, a devastação ambiental do planeta e suas funestas consequências.
E um dos grandes dilemas é que as ciências sociais e os comportamentais não
evoluíram no mesmo diapasão das ciências naturais e biológicas.
É assim, a reflexão defasada e a imperiosa necessidade de reajustar os sistemas de
valores em função das estruturas da sociedade contemporânea.
A formulação dos princípios da bioética foi fruto de importante consenso, para
qualquer discussão sobre a eutanásia, dos transplantes de órgãos e tecidos humanos, da
experimentação em seres humanos, das técnicas de fertilização e reprodução assistida,
mesmo sobre a completa descoberta da codificação do genoma humano, e até sobre o
equilíbrio ambiental.
Os princípios éticos básicos editados pro Comissão Nacional em 1974, em 1978 foi
o chamado Informe Belmont, contendo três princípios:
a) o da autonomia ou do respeito as pessoas por suas opiniões e escolhas segundo valores
e crenças pessoais;
b) o da beneficência que se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os
benefícios e minimizar os riscos;
c) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, não podendo uma
pessoa ser tratada de forma distinta de outra, salvo haja entre ambas alguma diferença
relevante;
Tom L. Beauchamp e James Childress acrescentou outro princípio igualmente
relevante, o princípio da não-maleficência (segundo o qual não se deve causar mal ao
próximo) e, se diferencia assim do princípio da beneficência que envolve ações de tipo
positivo: prevenir ou eliminar o dano e promover o bem, mas se trata de um bem contínuo, de
modo que não há uma separação significante entre um e outro princípio.
Aliás, devem estes serem interpretados de forma que um seja complementar ao
outro.
Tais princípios visam reger experimentação em seres humanos até a prática clínica
e assistencial, de maneira obrigatória, não há regras prévias em caso de conflito de princípios
que deem prioridade a um sobre o outro, havendo a necessidade de um consenso entre todos
os envolvidos.
A reprodução humana passa a ser “assistida”, vindo a medicina e a biologia a
interferir decisivamente em um processo que até então era natural e aleatório, impondo , uma
revisão, se não a criação de um novo conceito de pessoa, pai, mãe e filho.
De sorte que todas as filiações foram amparadas juridicamente indistintamente pela
Constituição federal de 1988 sendo mesmo proibidas as designações discriminatórias
relativas à filiação.
E as técnicas de transplantes de órgãos e tecidos humanos vieram revolucionar o
prolongamento da vida e o conceito de morte.
Paradoxalmente, a eutanásia retorna como tema de debate, principalmente em nome
de um direito à morte digna.
Também a possibilidade biológica e cirúrgica de mudança de sexo abala categorias
jurídicas que pareciam imutáveis, exigindo exaustivo e tormentoso trabalho de harmonização
entre o direito e as recentes exigências sociais e morais.
Até admitir-se-á tais alterações e quais seus limites e efeitos?
A descoberta do sequenciamento do genoma humano nos acena com enormes
benefícios que são capazes de produz um autêntico milagre tecnológico através das
chamadas “células-tronco”.
Mas, infelizmente, não comporta a sua totalidade dos bens jurídicos envolvidos.
Ramón Martín Mateo salienta que a dimensão moral das ciências da vida, não
deviam ter restrições severas, mas devem condicionar o exercício da inteligência para coibir
experimentos e certas práticas da medicina.
Umas regras de inspiração religiosa baseada no respeito a vida ou no livre-arbítrio e,
outras regras baseadas nos próprios riscos da descoberta, como na hipótese de novas
bactérias ou vírus.
As adequações extracientíficas em geral se operam naturalmente, o que nem sempre
é suficiente, devendo ser esclarecidos de forma externa e uniforme.
Para tanto, devem ficar estabelecidos os valores que a sociedade, em um momento
histórico determinado, consagrou como relevantes, fundamentais e merecedores de proteção
jurídica.
Esta é a árdua tarefa do Direito, exigindo do jurista um esforço hermenêutico supremo
para adequar as normas existentes às novas situações, mantendo íntegro o sistema vigente;
Cabe ao Direito através da lei que é expressão da vontade da coletividade, definir a
ordem social, na medida em que dispõe dos meios próprios e adequados para que essa ordem
seja respeitada.
Porém, certos princípios estruturais do Direito são fundados na representação
implícita do destino biológico do homem como a indisponibilidade do corpo ou a fronteira entre
as pessoas e as coisas, o que não é exatamente compatível com o novo domínio do
conhecimento humano sobre a Biologia.
É necessário a criação de um estatuto sobre o embrião o que certamente implicará
em debates envolvendo o momento de início da vida, a existência ou não de se ter um filho,
e mesmo o aborto.
Devem as leis da bioética serem flexíveis para que sempre venham atender as
evoluções futuras da ciência.
O que não significa que a lei deva evoluir ao sabor dos progressos científicos,
fornecendo conceitos adaptados às mudanças sociais que a pesquisa científica induzir na
definição de vida.
Não basta ao Direito adaptar as categorias jurídicas existentes ou formular novas
normas para a apreensão da nova realidade.
Isto significa colocar o direito à reboque da ciência, subvertendo ou desconhecendo
sua natureza científica dotada de princípios, métodos, objetos de estudo e formulações
próprias.
Não é suficiente a sua pura existência da norma jurídica, pois que o direito veicula
também uma certa gama de valores.É pois uma ciência axiológica.
É indispensável disciplinar tais intervenções humanas dentro dos conceitos de vida
e de morte.
As reiteradas intervenções sobre o corpo humano, como as técnicas de reprodução
assistida, as manipulações genéticas, as experimentações em humanos, os transplantes e a
clonagem conduzem automaticamente a uma reificação do humano.
Sem dúvida, o Homem não é COISA !!!!
A questão de fundo do Biodireito assenta-se nos valores eleitos pelo sistema jurídico
vigente e nos princípios gerais que esboçam sua base estrutural.
Adverte Perlingieri que o valor é unitário mas resultado sincrético decorrente de
múltiplos aspectos todos concorrentes: políticos, sociológicos, filosóficos e jurídicos.
Esclarece com propriedade Tepedino que os princípios dispostos na Constituição
não se confundem , em qualquer hipótese, com os princípios gerais de direito que se refere o
art. 4º LICC;
Já denunciava Japiot que a dificuldade de se precisar os princípios gerais de direito
deve se a própria a majestade do mistério que os envolve.(a própria Ciência do Direito)
A idéia de princípio herdada da geometria onde se designa as verdades primeiras e
tem variado muito historicamente.
E o entendimento oscila desde do reconhecimento como uma verdade jurídica
universal, de caráter geral e fundamental, indo até o resultado de uma decantação dessas
leis, tendo poder normativo não expresso.
De um lado, tais princípios jurídicos assumem o relevante papel de ser fonte geradora
de direito e, por outro lado, assumem o caráter de fonte subsidiária, destinada a confirmar e
manter o dogma da completude dos sistema jurídico, tendo, portanto, natureza híbrida e
flexível.
Os princípios gerais de direito não constituem uma norma à parte e, nem nova, pois
que estão ínsitos no conteúdo das regras legais ou costumeiras, já os outros princípios
constitucionais são normas jurídicas, diretrizes jus-filosóficas que espelham a ideologia
constitucional vigente.
A preocupação de se erguer princípios do Biodireito é antes de tudo, não se reduzir
a Ciência Jurídica a um papel meramente instrumental.
Não se admite que os direitos humanos sejam substituídos pelos direitos do homem
segundo suas predisposições genéticas.
Perguntar-se-ia se o clone e o clonado (o homem original) seriam reconhecidamente
seres humanos igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico?
Não se trata de simplesmente de encontrar um correspondente jurídico para Bioética,
mas de estabelecer quais normas jurídicas devem reger os fenômenos resultantes da
biotecnologia e da biomedicina, também disciplinados pela Bioética.
A Bioética lida com a existência e a sobrevivência do ser humano e possui
conformação internacional pelo menos no Ocidente.
O último estágio do grande processo revisor crítico do positivismo, não se coaduna
com o reinado absoluto da lei, construído sobre dogmas rousseaunianos, na medida em que
como resultado da experiência histórica imediata, começou a ver na lei algo em si mesmo
neutro, que não só inclui em seu seio necessariamente a justiça e a liberdade, mas como
também a mesma neutralidade pode converter-se na mais forte e formidável “ameaça” para a
liberdade, incluir uma “forma de organização do antijurídico”.
O objeto do Biodireito é matéria complexa, heterogênea e que confronta normas
existentes que na maioria das vezes lhe são estranhas.
A base principiológica está na Constituição Federal Brasileira de 1988 onde constam
os valores primordiais de nossa sociedade, traduzindo, em sua maioria direitos fundamentais
do homem.
Desta forma, os princípios constitucionais devem constituir os princípios do Biodireito.
Entre os valores fundamentais estão a vida, a dignidade humana, a liberdade e a
solidariedade e sua proteção e enquanto direitos tornaram-se as pedras angulares da bioética
moderna.(grifo meu)
Todas as disposições constitucionais relativas à vida humana, sua preservação e
qualidade, estão imbricada com o Biodireito, que não se restringe as questões atinentes à
saúde, ao meio ambiente e à tecnologia.
Algumas regras de caráter generalista, com eficácia derrogatória e diretiva de todas
as regras que envolvam o ser humano, estão compreendidas entre os princípios
fundamentais, tais como o do respeito à dignidade humana, fundamento da República (CF/88,
art. 1º, III), outras dentre os Direitos e Garantias Fundamentais: quais sejam o direito à vida,
à igualdade e à saúde.
Há também normas específicas que se encontram no Título de Ordem Social (VIII)
que dedica uma seção à saúde, qualificada como direito de todos e dever do estado (art. 196),
um capítulo ao meio ambiente (art. 225) e outro à família, à criança e ao idoso (art. 226).
A remoção de órgãos e tecidos e substâncias humanas para fins de transplante,
pesquisa e tratamento, assim como a coleta, processamento e transfusão de sangue e de
seus derivados, encontram princípio limitativo de intensidade vinculante máxima, no art. 199
parágrafo quarto da CF/1988 , que veda expressamente todo tipo de comercialização em tais
atividades.
A Lei 9.434 de 04/02/1997 ao disciplinar a matéria, permitiu a remoção gratuita (grifo
meu) de órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante.
O sangue , o esperma e o óvulo foram expressamente excluídos da regulamentação
traçada pela lei.
Aliás, quanto ao sangue, este até já possui disciplina própria e deixou expressa a
exigência de gratuidade.
A disposição de gametas apesar de não regulamentada, também deverá observar a
vedação de todo tipo de comercialização sob pena de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, a Lei de Biossegurança, a Lei 8.974 de 05/01/1995, veio a dar
seguimento à norma constitucional que reconhece a todos os direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida (CF/1988, art. 225).
Atribuir o constituinte ao Poder Público o dever de assegurar a efetividade desse
direito, especificando algumas medidas para tanto (CF/1988, art. 225 parágrafo primeiro),
dentre elas:
a) “A obrigação de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do
país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético”.(inciso II);
b) a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco para a vida , a qualidade de vida e o meio ambiente
“(inciso V).
Veio a Lei de Biossegurança regulamentar os referidos incisos II e V e proibiu a
manipulação genética de células germinais humanas (Art. 8º, II); a intervenção em material
genético humano in vivo, exceto para tratamento de defeitos genéticos, respeitando os
princípios éticos, tais como o da autonomia e o da beneficência, e com aprovação prévio do
CTNBio (art. 8º, III); a produção , armazenamento ou manipulação de embriões humanos
destinados a servir como material biológico disponível (art. 8º, IV).
A primeira proibição impede portanto a CLONAGEM HUMANA no Brasil, sem
quaisquer restrições, quer se trate de clonagem reprodutiva ou terapêutica.
A matéria bastante polêmica que mereceu do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a promoção de um concorrido SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE CLONAGEM
HUMANA que foi realizado em 12 e 13 de novembro de 2001, e hoje há uma real possibilidade
para fins de utilização de células-tronco na “produção” e/ou “restauração” de órgãos.
A norma constitucional regulamentada pela Lei 8.974/95 não é expressa no que
tange aos transplantes, também não se evidenciando , a priori, discrepância da lei com sua
orientação.
E ao material genético in vivo, observa-se a expressa referência ao princípio da
autonomia e da beneficência que devem ser encarados como requisitos legais para
interveniência.
Os princípios gerais da BIOÉTICA guardam em geral correspondência com os
princípios do BIODIREITO,s em prejuízo metodológico quanto a sua aplicação na medida da
relação entre Direito e Ética e na revelação de identidade de valores.
O princípio da autonomia que orienta o consentimento informado para a prática de
atividades médicas compreende o conceito de capacidade que juridicamente encontra, por
vezes, requisitos e aspectos próprios.
Referente ao princípio da beneficência onde notadamente, com relação aos
incapazes. Pois os poderes do representante sobre a pessoa do incapaz são mais limitados
do que sobre o patrimônio especialmente no que se refere as intervenções e disponibilidade
das partes do corpo do incapaz.
Sendo recomendável do ponto de vista médico, ocorrer só mediante autorização
judicial (Lei 9.263/96, art. 10, parágrafo sexto), excluída , à evidência , as hipóteses em que
houver risco de vida, muito embora ainda não haja entendimento jurisprudencial pacífico
quanto a matéria.
No que tange a Lei de Transplante, a Lei 9.434/97 regulamentada pelo Decreto
2.268/97 muito se tem debatido sobre qual deva ser a “diferença relevante” hábil a autorizar
o tratamento diferenciado entre os que estão aguardando doação de órgãos, para que se
mantenha imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios.
Em consonância com o princípio de não-maleficência não se deve causar mal ao
outro, aspecto que o diferencia do da beneficência que envolve ações do tipo positivo , tais
como prevenir ou eliminar o dano e promover o bem.
Não restando bem elucidado para os segmentos biomédicos no que se refere à
utilização de embriões humanos para retirada de células-tronco e outras experiências que lhe
causem a morte.
É oportuno salientar que boa parte da doutrina inclusive HELOISA HELENA
BARBOZA filia-se a corrente que entende haver vida desde a concepção.
Com a proibição de manipulação, produção e comercialização dos embriões
humanos, sendo material disponível biológico, assumiu a posição com amparo absoluto no
princípio da dignidade humana.
Todavia, insistem as indagações sobre a clonagem terapêutica e continua o acirrado
debate sobre o embrião humano congelado, sendo indispensável que o legislador se
pronuncie, e assim realmente o fez, quando defende abertamente o princípio da dignidade
humana.
É papel da Ciência Jurídica marcar bem as referências, ou seja, o momento do início
e do fim da produção de efeitos jurídicos de cada fenômeno.
Cabe ao Direito estabelecer para fins jurídicos o momento em que ocorrem, ainda
que esse momentum seja distinto para outros fins e/ou ramos de conhecimento, como a
medicina , a teologia.
Também, as técnicas aplicadas de reprodução humana assistida, de franca utilização
entre nós, apresentam igualmente intrincadas questões que compreendem desde o destino a
ser dado aos denominados “embriões excedentes”.
É curial a expressão de Juliane Fernandez Queiroz; “Condenados à prisão perpétua
em local frio, escuro e inóspito, sem nenhuma possibilidade de desenvolvimento e, pior, sem
ter praticado nenhum crime.(…)
Cenas de uma cela de Alcatraz ? Não. Uma visão um tanto aterrorizadora dos
embriões excedentários nos compartimentos de hidrogênio líquido. Pelo menos sob o ponto
de vista de algumas pessoas”.
O que nos impinje novamente aos debates sobre a indispensável ponderação dos
princípios constitucionais e diretamente incidentes sobre a matéria, todos de função limitativa
e grau máximo de “intensidade vinculante” quais sejam: o do melhor interesse da criança
(CF/88 art. 227), o da plena igualdade entre os filhos (Art. 227, parágrafo sexto CF/1988) e, o
da livre decisão do casal quanto ao planejamento familiar, fundado na dignidade da pessoa
humana e na paternidade responsável (CF/1988, art. 226 parágrafo sétimo).(grifo meu)
Nada menos pensa é a regulamentação do genoma humano e em especial de sua
tutela que poderá compreender todas as aplicações do DNA, bem como a disponibilidade e
utilização desses danos.
Devem então, ser relevados o princípio da dignidade humana, o direito à intimidade
ou privacidade, o direito à saúde, o direito às informações de interesses pessoal , e, ainda o
melhor interesse da criança e do adolescente quando estiverem envolvidos.
No momento, não há normas específicas que disciplinem a matéria, se a existência
dos princípios já anteriormente citados facilita, de outro lado, face a diversidade da matéria,
exigir-lhes-ão maior aprofundamento na ciência jurídica para que possa fornecer os elementos
para as soluções mais legítimas e amparadas pelo ideal de justiça.
Pelo NCC a personalidade civil da pessoa humana começa com a vida, mas a lei
pões a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Houve a substituição da expressão “do homem” pela “da pessoa”, face a diretriz de
igualdade entre homem e mulher garantida constitucionalmente.
Mantém-se presente a distinção entre pessoa nascida, concebida e não concebida
ex vi os termos do art. 1.798 NCC que legitima a suceder as pessoas existentes ou já
concebidas no memento da abertura da sucessão.
E no caso de prole futura, limita-se a espera de dois anos no máximo.
E mais adiante, no art. 1.799 do NCC, refere-se aos não concebidos sob estarem
essas vidas ao abrir-se a sucessão.
Não se confunde nascituro com prole eventual e a proteção legal da pessoa humana
atinge somente o nascituro, deixando á margem o embrião in vitro.
Embora o art. 2º do NCC, ponha a salvo desde a concepção suscitando a tutela até
mesmo aos embriões de laboratório.
Ocorrendo a fecundação in vitro, é necessária a nidação (a implantação no útero
materno) para então o novo ser venha a possuir a condição de pessoa natural.
Portanto, o conceito de nascituro só existe quando há gravidez, destarte, não é
nascituro o embrião humano congelado ou criogenisado.
Deve ser jurídica e eticamente protegido como uma pessoa virtual, daí a
indispensável necessidade de se disciplinar a situação legal do embrião pré-implantatório.
Se outorgarmos personalidade jurídica ao embrião, caracterizando-o com sujeito de
direito tal qual o nascituro, tal condição seria suspensiva (implantação no útero) ou resolutiva
(não implantação) dependendo do posicionamento adotado frente à subjetividade do novo
ser.
Dar-se-ia sob dupla condição (a suspensiva e a resolutiva) posto que a nidação torná-
lo-ia nascituro, e, portanto já juridicamente amparado.
Sujeitar a personalidade jurídica a acontecimentos naturais , tais como o nascimento
com vida, morte ou até nidação em útero, porém a transferência do embrião para o útero
dependeria, além de fatores biológicos também da INTENÇÂO de quem a realizasse e de
quem se submetesse a tal intervenção médica.
Isto significaria a instrumentalização do ser embrionário, com reflexo patrimonial no
âmbito sucessório.
Os critérios legais definem herdeiro como aquele designado pelo testados ou
determinado pela lei; porém é inconcebível que a determinação sucessória dependesse
exclusivamente de ato volitivo, de médico ou da viúva ou ainda de outras pessoas.
Sendo a partilha estaria eternamente sujeita a ser alterada.
É possível cogitar que se o embrião in vitro vier a nascer, poderá pedir indenização
pelas lesões (deformações físicas ou psíquicas) nele provocadas por falhas decorrentes da
aplicação das técnicas de reprodução assistida ou da criopreservação.
E neste sentido, alerta Carlos Alberto da Mota Pinto que existe amparo jurídico ao
nascituro quanto às deformações físicas ou psíquicas que sofreu no ventre materno causadas
por medicamento ou acidente.
Ressalva o doutrinador lusitano que apesar de ter direito indenizatório isto não
acarreta a existência de personalidade jurídica que só surge com seu nascimento com vida.
Portanto, se vier o feto a ser natimorto, não terá jamais direito à qualquer indenização.
Não é pessoa natural e nem nascituro, o embrião in vitro e também não se caracteriza
como prole eventual.
Apesar de sua natureza humana, não é preciso caracterizá-lo como sujeito de direito,
titular de direito subjetivo.
Apesar da inegável similitude originária comum à todos os seres humanos, não são
os embriões dotados de personalidade jurídica, o que nos leva a necessidade da proteção
jurídica do valor do ser humano, em qualquer fase de seu ciclo vital.
Os alicerces do Estado Democrático de Direito correspondem a cidadania e
dignidade da pessoa humana consagrados constitucionalmente.
Os embriões em laboratório podem representar gerações futuras , e a eles são
perfeitamente aplicáveis o principal fundamento relativo à dignidade humana e a proteção do
direito à vida.
Não há de se afastar da proteção que emerge da Carta Magna brasileira, portanto é
odiosa a exploração comercial, o tráfico de embriões, a eugenia, o uso cosmético, a fabricação
de órgãos em embriões para futuro implantes que são absolutamente vedados.
E a maior ou menor viabilidade de vida que se define as pessoas concebidas ou
virtuais não implica também em diversificá-los em vida e nem negar a dignidade que lhes é
essencial.
E conciliar a dignidade humana com o progresso científico, tem sido o grande desafio
da Ciência Jurídica atual.
É óbvio que precisamos de ter restrições éticas quanto às técnicas de clonagem
humana principalmente pelo fato de seus resultados, como a morte da maioria dos embriões
no primeiro terço da gestação, a freqüência de natimortos, e, ainda, o nascimento de clones
com anomalias graves como as cardíacas, a imaturidade pulmonar e até que possamos
realizar a clonagem de forma segura, inclusive para fins terapêuticos.
Não podemos permitir a clonagem criminalmente irresponsável , esta deve ser
orientada para o benefício geral da humanidade.
Devemos lembrar a cirurgia plástica é forte devedora ao nazismo que propiciou
apesar de censurável, os cruéis experimentos clínicos e cirúrgicos com os judeus e
prisioneiros políticos nos campos de concentração.
Na Grã-Bretanha já se permite a clonagem humana , eis que a Casa de Lordes
aprovou em 23 / 01/ 2001 uma nova legislação que autoriza a clonagem ilimitada de embriões
humanos.
Na clonagem terapêutica, as células são cultivadas em laboratório, dando origem à
células-tronco, ainda indiferenciadas.
Tais células são estimuladas a se transformar em tecido específico e, daí utilizadas
para reposição de órgãos humanos afetados por doenças, como o mal de Parkinson , câncer,
Aszheimer e a leucemia.
Foi uma das causas para que a Grã-Bretanha viesse a aprovar a clonagem, a do tipo
terapêutica que se choca frontalmente com as legislações como a do Brasil, dos EUA e outros
países europeus, onde é proibida a clonagem humana.
Os mesmos motivos nazistas (de benefício à humanidade) e o argüido pelo primeiro
ministro britânico e que revela um fim econômico para justificar a clonagem humana
francamente permitida.
Em trâmite ainda existe a legislação brasileira, na Comissão de Constituição e Justiça
do senado Federal, proíbe , inclusive , o descarte , a manipulação e o armazenamento de
embriões humanos.
Algumas questões éticas surgem e permanecem tais como:
Para quê clonar seres humanos, se há tantos vivendo em condições miseráveis?
Porque não empreender tecnologia em áreas mais urgentes?
Será justo retirar do homem, a normalidade e a exclusividade de reproduzir-se por
meio da sexualidade?
Não poderá a clonagem atender a fins eugênicos?
Seria o clone, uma pessoa? Uma cópia?
Teria o clone, alma? Quando o seu sofrimento começa ou termina?
Desenvolvida uma pessoa previamente programada geneticamente, quais os tipos
de problemas psicológicos e existenciais que poderia enfrentar?Amada e desejada por sua
substância ou por seus adjetivos?
De quem o clone seria filho do cientista , da empresa que financiou a experiência, da
dona do óvulo, daquele que encomendou ou de quem foi retirada a célula-mãe?
Teria condições o clone, de se reproduzir sexualmente?
Como a programação genética de gênios, de artistas, atletas, será que a clonagem
não retiraria a dimensão lúdica do esporte, das artes e da pesquisa científica?
O homem perfeito me lembraria Nietzsche …. e, com razão Dostoievski exaltaria
mais contemporâneo do que nunca: – Deus está morto! Então tudo é permitido!
Seria possível casar-se com um clone?
O clone que delinqüisse poderia ser punido criminalmente ? E se ele fosse apenas
um fruto de uma falha genética?
Devem-se as experiências atender aos princípios de respeito pela pessoa humana,
beneficência e justiça?
Retornemos pois ao motivo que me traz aqui , imaginando que é irreversível o
processo de clonagem é imperioso que seja disciplinado a fim de garantir o favorecimento real
da humanidade.
Mas nem tudo são mazelas insanáveis e dramáticas…
Um dos aspectos positivos da clonagem, é a possibilidade concreta de se clonar
animais em extinção,. Como também a criação de órgão para transplantes e o combate de
doenças veterinárias.
A criação de órgãos para xenotransplantes , seria necessário a introdução de genes
humanos em animais para torná-lo imunologicamnete compatível com os seres humanos.
Lembra-se do rato com uma orelha humana em seu dorso implantada?!!
E aí, novamente outra questão ética aparece: não seria também possível o
surgimento de novas doenças?
Diante do princípio da dignidade humana, todos deverem ter o direito à identidade
genética, e mesmo no caso de benefícios direito ou indireto à humanidade, devem sopesar
os malefícios e os benefícios.(grifo meu)
Conforme preleciona José Alfredo de Oliveira Baracho; “existem princípios gerais do
corpo do homem que se devem observar: a primazia da pessoa; a dignidade da pessoa
humana; o respeito ao ser humano diante da comercialização de sua vida, inviolabilidade do
corpo humano e ainda sua integridade corpórea e genética, em face da necessidade de
terapêutica (ter consentimento e limites); a preservação da integridade da espécie humana, a
extrapatrimonialidade do corpo humano; a não-remuneração ao doador; o princípio do
anonimato; as garantias judiciárias que regem o nascimento e liberdade sexual; a analisa da
esterilização; o controle dos nascimentos provocados; interrupção da gravidez; contando da
procriação; assistência médica à todo ciclo vital do embrião humano; proteção contra
exploração comercial e a experimentação inescrupulosa; filiação do embrião; exclusão da
ligação biológica entre o doador e a criança; efeitos da filiação, da vida e da utilização do
corpo humano; utilização de órgãos e elementos corpóreos; regime aplicável à transfusão de
sangue, utilização de dados genéticos, regras de proteção específica ao uso do corpo , de
tecidos e células e produtos advindos do corpo humano”.
O primeiro documento internacional sobre a ética em pesquisa, foi o código de
Nuremberg em 1947 que se originou do julgamento de médicos nazistas que realizaram
experiências em prisioneiros, durante a Segunda Guerra Mundial;
O referido código enfatiza a questão do consentimento voluntário e da proteção da
integridade física do participante.
Depois surgiram a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1966, a
Declaração de Helsinque em 1964 que é documento fundamental no campo ético da pesquisa
biomédica.
Quanto às legislações que proíbem a clonagem podem-se citar a Declaração
Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem que no art. 11, considera a clonagem
reprodutiva de seres humanos como prática contrária à dignidade humana.
No Brasil, a Lei 8.974/ 1996 proíbe a clonagem a manipulação genética de células
germinativas humanas e embriões humanos.
Por sua vez a Instrução Normativa n8/97 da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio) veda expressamente a clonagem art. 2º II
A Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde homologada pelo Ministro de
Saúde em 10/101/1996 estipula normas éticas referentes às pesquisas com seres humanos.
A Resolução 251/97 incorpora a 196 acrescentando normas de pesquisa envolvendo seres
humanos e a de novos fármacos, medicamentos, vacinas testes diagnósticos.
E incorpora quatro referências básicas:
autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça e visa assegurar os direitos e
deveres da comunidade científica,
E perdura a dúvida até agora in albis:
O clone será pessoa ou experimento??
É necessário que a reflexão nos bancos acadêmicos seja reiterada no sentido do
homem jamais perder a sua qualidade de sujeito de direito e vir a se transforme em objeto de
direito.
Vim na verdade trazer maiores perplexidades para provocar exatamente a reflexão
e, a coerência de que o respeito a dignidade da pessoa humana deve nortear todas as
atividades indelevelmente ligadas a humanidade.

Bibliografia:
BARBOSA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de; BARRETTO, Vicente de
Paulo (Orgs.). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BERNARD, Jean. A bioética. Tradução Paulo Goya. São Paulo:Ática, 1998. Título original:
La bioéthique. (Série Domínio).
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica.
Rio de Janeiro: Renovar, 2000. (Coleção Biblioteca de Teses).
QUEIROZ, Juliane Fernandes. Embriões humanos no limbo do esquecimento. Del Rey-
Revista Jurídica, São Paulo, ano 5, n.10, p. 22-23, jan./fev./mar. 2003.

Você também pode gostar