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Stella Regina de Castro

Bioética e Biodireito

Trabalho apresentado à disciplina


“Tópicos Especiais em Bioética” sob a
orientação do Profº José Renato como
requisito parcial de avaliação.

Faculdade de Alagoas – FAL


Maceió – AL, abril de 2006.
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1. Introdução
Passam-se os anos, agrupados sob várias espécies de contagens e denominações, e o
caminhar da humanidade desemboca em descobertas que, acumuladas, de tempos em
tempos, precipitam os homens a situações inusitadas com as quais não sabem lidar. A
mente humana, eternamente instigada por necessidades - algumas vitais, outras criadas por
interrelacionamento – e por questionamentos que lhes são correlatos, tem sido responsável
por uma evolução das capacidades humanas, com conseqüente transmutação de diversas
potencialidades em efetividades; as Ciências se têm desenvolvido, tanto de forma isolada
quanto interrelacionada, e o âmbito de estudo da epistemologia cresce; o homem conhece e
controla, cada vez mais, dados que lhe são externos – postos à disposição de sua vida – e
que lhe são internos – no funcionamento de seu corpo. Entretanto, contraditoriamente, este
mesmo homem não apreende a riqueza que o envolve e o respeito necessário a todos estes
dados; este mesmo homem toma apenas ciência das Ciências, não promovendo
consciência, mas antes, uso indiscriminado e irresponsável da riqueza, destruindo-a em
busca voraz de novos conhecimentos que, cada vez mais gravosamente, não são alvo de
aplicações conscientizadoras. Passam-se os anos, a evolução é externa ao homem que
continua a questionar, precipitando-se em abismos, vivenciando involução congênita que o
força a arremeter-se sobre questões básicas, das quais, há séculos – como não consegue
resposta pacificadora – desvia, alterando cursos de navegação. A moral, a ética, a filosofia,
as religiões, tentando corrigir alterações de curso, promovem remodelações do
pensamento, iniciando tal procedimento de forma isolada – dentro de uma ou outra das
várias Ciências – até irradiar-se a outras, reclamando-lhes aderência e contribuições; em
outras palavras: tentando tornar-se interdisciplinar e salvar algo do homem para o próprio
homem. No caminho da compreensão do mais recente movimento de arremetimento que a
humanidade vive – liderado pela Bioética e produzindo seus efeitos, especificamente,
sobre a Ciência do Direito -, mister se faz distinguir alguns conceitos a fim de efetivamente
compreender o Biodireito e sua fundamentação.

2. Moral
Abrangendo usos e costumes, a moral refere-se a um conhecimento inconsciente que se
caracteriza em mecanismos de auto-defesa e preservação do homem e do grupo social. A
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subjetividade é a marca maior da moral, pois abarca aspectos subjetivos do indivíduo e da


sociedade, direcionando-se sobre propósitos e intenções que movem a humanidade em suas
ações, sobre a auto-determinação da vontade. O campo prático do comportamento humano
é o objeto da moral, e, de tal modo, se tem a moral, sintética e rapidamente, traduzida
como a razão vulgar do homem.
Essa razão vulgar, em toda sua sabedoria, impulsiona o homem a pensar, ainda que de
modo desorganizado, sobre o que fazer de sua vida.
A organização necessária à compreensão da amplitude das ações humanas torna a moral
objeto da ética.

3. Ética
A marca maior da ética é a objetividade, o conhecimento consciente do saber e do agir; a
ética não cria a moral, mas antes, faz dela seu objeto de estudo científico, debruçando-se
sobre a prática dos comportamentos humanos, desdobrando de forma objetiva as vontades
livres. Promovendo uma investigação geral sobre aquilo que é bom, a ética é um
instrumento à realização e perfeição individual e coletiva, alcançando o homem em suas
múltiplas facetas e relacionamentos com os vários tipos de seres vivos. Materializando-se
em um conjunto de regras, princípios ou maneiras, conjunto este que é particularizado em
função do grupo que o determina e ao qual se aplica, a ética é produzida por reflexão sobre
a ação humana e seus determinantes, ao mesmo tempo em que também produz reflexão
para o próprio grupo específico e para o todo que o cerca. As condutas e crenças coletivas,
tanto de grupos particularizados como do todo da sociedade, são o campo teórico da ética,
a qual, conseqüentemente, é a razão técnica da sociedade. Salutar atentar à característica
técnica da ética, pois, exatamente por sua natureza técnica, a ética é facilmente
compreendida como um dos fundamentos à limitação da liberdade de um em face da
liberdade dos demais do grupo ou da sociedade, conforme seja necessário à manutenção de
crenças e condutas individuais e coletivas, e mesmo à manutenção da vida.

4. Bioética
Já em sua denominação, a Bioética diz sobre seus dois componentes, seus dois pontos de
partida, suas bússulas: bio (vida) e ética (consciência do conhecimento); os componentes
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da própria palavra já enunciam o que é importante e o que se busca: sabedoria no viver e


no conviver; sabedoria que propicie caminhar por essa terra de aventuras compulsórias – a
vida – de modo consciente, não como quem enfrenta, subjulga e destrói um inimigo, mas
antes, como quem desperta amigos e, conseqüentemente, vivencia fraternidade e
solidariedade, consigo mesmo e com todos os demais seres vivos. O despertar da Bioética
não atendeu a imperativos tranqüilamente requeridos, pois que cercado por conflitos nos
quais o homem se viu envolvido por fruto de suas descobertas científicas de aplicação não
regulada e para cuja aplicação o homem não tinha maturidade, vendo-se, ademais,
seduzido por poderes extremos de dominação e determinação sobre vida e morte, sobre
(in)violabilidade, no mínimo, do próprio homem. Desperta a Bioética já enfrentando
desafios, quais sejam, respostas a questões ainda básicas das quais o homem desviou-se
por desconhecer-lhes a natureza e as explicações pacificadoras que lhe permitissem
caminhar sem a companhia de fantasmas, além dos novos dilemas decorrentes das recentes
descobertas biomédicas. O início e o desenrolar da vida, a morte e o morrer, a privacidade,
a confidencialidade, os abusos contra a pessoa, os deveres para com as gerações futuras, a
aplicação de novas técnicas e tecnologias, a responsabilidade na manipulação das
descobertas biomédicas, o respeito a todas as formas de seres vivos, as possibilidades
abertas às pesquisas e seus riscos, as escolhas que os homens têm de fazer ao longo de suas
vidas pessoais e profissionais, enfim, a complexidade da vida, entendida esta não apenas
sob o aspecto do homem, é desafio determinante do despertar da Bioética.
Originariamente, a Bioética surgiu da prática médica e das pesquisas biomédicas - campo
ético no qual seus princípios se formaram -, questionando a responsabilidade científica,
tecnológica e social da aplicação e das conseqüências das descobertas das Ciências da área
da saúde. O homem e a soma de seus determinismos, no mínimo, biológicos tornaram-se
não-imperativos, mas moldáveis. O homem e a sociedade hodiernos estão confrontados
com um novo poder: o poder científico, e o equilíbrio entre o confronto e suas soluções foi
entregue à Bioética. O sopesamento entre, de um lado, os benefícios da biotecnologia e, do
outro, a vida humana, a ética e os direitos dos seres vivos depende do resgate de valores
que foram negligenciados por uma cultura tecnicista: os valores humanísticos, a primazia
do respeito ao ser vivo.
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As Ciências, isoladamente consideradas, não se bastam interna e hermeticamente, pois que


produzidas por homens, os quais se interrelacionam em teias complexas. Fundamentando-
se sobre a Antropologia Filosófica, a Bioética compreende o homem na singularidade de
sua individualidade e na universalidade da humanidade; portanto, suas diretrizes são aptas
tanto a casos individuais como a casos coletivos (sociais), legitimando-a como Ciência da
sobrevivência que não se apóia nesta ou naquela corrente filosófica, teológica ou jurídica,
mas antes, na razão e no bom juízo moral, acarretando autonomia e universalidade a seus
princípios, quais sejam: da beneficência, da autonomia e da justiça. O princípio da
beneficência traduz-se em promoção do bem estar dos outros, alcançado, muito mais do
que meramente através do não fazer ou evitar o mal ou quaisquer riscos, a adoção de
posturas efetivamente promocionais do bem; o princípio da autonomia toma como basilar o
respeito à vontade, à crença e aos valores morais do outro, o respeito à autodeterminação
do indivíduo; finalmente, o princípio da justiça quer referir-se, dentro dos vários processos
de decisão, à conduta responsável, pois que ambas – conduta e decisão -, invariavelmente,
afetam o outro, a humanidade, interferem no âmbito individual e coletivo dos seres vivos,
ou seja, o princípio da justiça impõe necessidade de respostas equilibradas capazes de
dissuadir conflitos.
Os princípios, ou pontos nodais de partida à reflexão, nascidos da Bioética, impuseram-se
indispensáveis à tomada de decisões justas e eticamente aceitáveis para conflitos modernos
provenientes das novas tecnologias médicas e biológicas ainda não reguladas pelo Direito.

5. Biodireito
Não se bastando, a Bioética demanda pluridisciplinariedade para solucionar questões que,
embora advindas do avanço especificamente biomédico, afetam a vida dos homens e suas
esperanças. O estudo sistemático da conduta humana especificamente nas áreas das
ciências da vida e dos cuidados da saúde, a tutela da vida humana em seu mais amplo
significado e em face das novas descobertas bio-tecnológicas implicam necessidade de
proteger desde o patrimônio genético do homem até sua morte, incluídos, aí também, seus
relacionamentos com todas as formas de vida, além das conseqüências do nascer e do
morrer.
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O Biodireito, mais recente ramo do Direito, assim como a Bioética, já nasce acompanhado
de dilemas, porém, abençoado pela orientação primária firmada no princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana, de cuja matriz devem partir as soluções dos dilemas.
A bio-tecnologia se impôs e reclama, cada vez mais, posicionamento quanto a novas
realidades que, de forma demasiada e freqüente, logo se tornam caducas, sucedendo-se
outras realidades que, por sua vez, produzem dilemas ainda maiores pelo acumulado das
descobertas, do poder que o homem está alcançando perante a vida, poder este que lhe
amplifica a variedade e quantidade de atos que reclamam liberdade; porém, atos não
podem ser libertos em si, mas contextualizados na sociedade, responsabilizados nas suas
conseqüências. Os acontecimentos são inelutáveis, e o Direito deles não se pode apartar
sem graves danos.
Questão que se insinua firmemente diz sobre a fundamentação da elaboração das normas
reguladoras da nova realidade científica e tecnológica: crêem os estudiosos que o Direito
deverá pautar-se, ao menos inicialmente, por recurso aos princípios da Bioética, contando
ainda com o engajamento de outras disciplinas, alcançando agrupar todas as perspectivas
do pensamento e do conhecimento; a unanimidade certamente é visível no desejo universal
de obter melhoria crescente da qualidade de vida, mas os modos dessa obtenção variam de
acordo com a natureza das diversas morais e éticas que intercambiam-se em conflito a ser
superado por um consenso mínimo que, sem fronteiras, alcance universos individuais e
coletividades universalizadas. Abeberando do caminho já percorrido pela Bioética, o
Biodireito, sem prejuízo dos princípios propriamente jurídicos, poderá caminhar a passos
mais seguros para superação de embaraços jurídico-valorativos.
As relações sociais emergidas das conquistas das Ciências da Saúde, acarretando
transformações às relações culturais, econômicas, filosóficas, etc., clamam por
regulamentação não apenas de situações presentes, de modo imediatista, mas, acima de
tudo, devido à rapidez proporcionada pela tecnologia, clamam por construção do futuro, o
qual sujeita-se, inexoravelmente, às seduções abertas pelos cientistas.
Os novos temas, e decorrentes direitos que os homens requerem, impõem questões: quem
(ou o que) formatará os moldes dos determinismos do novo homem que a Ciência pode
construir? Quem (ou o que) determinará os limites do poder dessa formatação?
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O Direito - como construção emanada do poder do Estado, heterônoma e invasora da


esfera particular - sofre questionamentos quanto à legitimidade da argumentação
fundamentadora da imposição de limites. As limitações e restrições impostas pelo Direito,
dentro de um processo democrático, hão de atender, necessariamente, a argumentos moral
e eticamente emergidos da coletividade, de forma a conjugar não-impedimento à
continuidade do fluxo de pesquisas e descobertas com a prestação destas à melhoria da
qualidade de vida dos homens, ao mesmo tempo em que devem estar atentas a não serem
seduzidas por tecnicismos futuristas e descontrolados.
O Biodireito, já em seu nascedouro, recebe como requisitos a necessidade de respeito à
dignidade do ser humano em todas as etapas do seu desenvolvimento, a proibição de
efetuar aplicações contrárias aos valores fundamentais da humanidade, o acesso eqüitativo
aos benefícios derivados das Ciências Biomédicas, a proibição de tratar o corpo humano ou
partes do mesmo como se fossem mercadorias, o respeito à autonomia das pessoas que
estão submetidas a tratamento médico, inclusive quanto a provas genéticas, assessoramento
e confidencialidade de dados, a obrigação dos Estados de respeitar e não por em risco a
biodiversidade, e o princípio de que a herança genética do homem não deve ser objeto de
manipulação nem modificação. Tais requisitos relacionam-se ou decorrem de temas
relativos ao aborto, à procriação assistida, à escolha do momento da morte (direito moral
de morrer), à não aceitação de transfusão de sangue por convicção religiosa, a escolher em
laboratório as características físicas dos filhos, à eliminação de defeitos genéticos, à
mudança de sexo, à paternidade responsável, à clonagem humana, etc..
A qualidade das posições e decisões tomadas, além dos reflexos a serem produzidos,
depende diretamente da consciência sobre os temas emergentes, não exclusivamente sob
nível ou aspecto tecnicista, mas antes, humano e amplo do potencial da vida que é maior
do que o simples hoje, aqui e agora que a cultura do imediatismo impõe sem reflexão, além
de maior do que a visão simplesmente humana, para abranger todos os seres vivos
intercambiantes no meio ambiente.

6. Referências
http://www.silviamota.com.br
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1835
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http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1838
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1840
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5664

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