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CIÊNCIA E ÉTICA

Os avanços, nas últimas décadas, da genética, da bioquímica e da microbiologia, ou seja, da biologia molecular,
resultaram em uma nova tecnologia voltada para a solução de problemas em benefício da sociedade. A biotecnologia vem
contribuindo significativamente em áreas necessárias à sobrevivência humana, como produção de alimentos, controle de pragas,
sanidade animal, diagnóstico de doenças hereditárias ou não, produção de hormônios e, ainda em seu início, a terapia gênica.
De tempos em tempos, e cada vez mais frequentemente, a divulgação de novos avanços científicos e tecnológicos nesta
área causam impactos na opinião pública e reacendem a polêmica sobre as precauções que se fazem desejáveis no ordenamento
e no balizamento dos limites que a sociedade deseja impor à capacidade humana em avançar no desconhecido e a velocidade
com que se deve incorporar as novas técnicas daí resultantes.
Especialmente na biotecnologia, que rompeu barreiras naturais da limitação entre espécies e possibilitou a manipulação
de um patrimônio que se originou nos primórdios da vida em nosso planeta, incluindo-se neste a criação de sequências genéticas
que nunca existiram, ou pelo menos nunca foram detectadas nos seres que conhecemos. É este avançar no desconhecido que faz
com que cientistas e não-cientistas sejam cautelosos nos passos a serem dados.
Novas tecnologias muitas vezes assustam aqueles que não acompanham seu contínuo crescimento e inovação,
particularmente quando recebem informações pela mídia em momentos particulares, quando algo espetacular ou de
consequências inesperadas é divulgado.
A ÉTICA E A RESPONSABILIZAÇÃO
Para Hegel, a eticidade pergunta pela “autodeterminação” da vontade. Pelos propósitos e intenções que movem o sujeito agente.
A responsabilização, do ponto de vista subjetivo, portanto, exige a presença destas duas condições: o saber e o querer (o
reconhecimento e a vontade). Na exteriorização a vontade reconhece como seu o que ela soube e quis fazer. Só um ato livre
pode ser responsabilizado. É o direito de saber que cada indivíduo tem.
Se a preocupação principal de Kant é estabelecer o princípio supremo do agir, a de Hegel, na moralidade, é determinar as
condições de responsabilidade subjetiva e, na eticidade, mostrar o desdobramento objetivo das vontades livres. O primeiro está
mais preocupado com os princípios do agir; o segundo mais com os desdobramentos, circunstâncias e consequências do mesmo.
As consequências e os resultados não são ignorados por Kant. O que não podem é servir de fundamento do princípio supremo
da moralidade.
É claro que toda ação, ao concretizar-se, pode ter inúmeras consequências. Não se pode, portanto, ser responsabilizado por algo
do qual não se tinha conhecimento. Só me pode ser imputado o que eu sabia acerca das circunstâncias de uma ação. No entanto,
é preciso considerar que há consequências necessárias diretamente ligadas às ações e que nem sempre poder ser previstas. Um
incêndio deliberado pode estender-se além do que o seu autor havia previsto.
Diferentemente de Kant, o qual elabora uma ética das intenções, Apel (Karl-Otto Apel) pensa uma ética da responsabilidade,
isto é, uma ética que leva em conta as consequências e efeitos colaterais dos atos dos sujeitos agentes. O meio pelo qual se chega
a normas consensuais na moral e no direito é o discurso argumentativo, exercido por todos os indivíduos. Isso os tornará
corresponsáveis pelas consequências de suas ações.
Numa perspectiva hegeliana, a insuficiência de Kant está no fato de ele ter permanecido no plano da moralidade subjetiva,
quando da fixação do princípio supremo do agir moral. É claro que Kant, ao enfatizar que o valor moral de uma ação está na
intenção ou no respeito à lei, não está afirmando que os sujeitos agentes devem ignorar os resultados e as consequências. Está
dizendo que elas não podem ser o fundamento determinante de uma ação que pretende ter valor moral. Não se pode julgar uma
ação como boa ou má, certa ou errada, pensa o autor, pelo fato de nos agradarem ou não as consequências. O problema está em
que o valor moral é tão-somente determinado pela subjetividade (propósitos e intenções). Kant dirá que o homem bom
(moralmente bom) é aquele que obedece à lei pela lei, e não por causa das consequências.
O QUE É CIÊNCIA?
A ciência pode ser definida como um conjunto de conhecimentos sistematicamente organizados, com um objeto de estudo
determinado. Este conhecimento, entretanto, não pode ser considerado como verdade absoluta. Podemos verificar, ao longo da
história, que verdades científicas sofrem transformações, muitas vezes radicais em curto espaço de tempo.
Tanto a Ciência como a Tecnologia se modificam a partir de imposições da própria sociedade, estando intimamente relacionadas
à transformação desta mesma sociedade. A Ciência, enquanto tentativa de explicar a realidade, se caracteriza por ser uma
atividade metódica.
DILEMAS ÉTICOS E A CIÊNCIA
A seguir serão apresentados alguns dos dilemas éticos enfrentados pelos profissionais da medicina:
· O Aborto
Atualmente, no Brasil, o aborto é considerado crime, exceto em duas situações: de estupro e de risco de vida materno. A proposta
de um Anteprojeto de Lei, que está tramitando no Congresso Nacional, alterando o Código Penal, inclui uma terceira
possibilidade quando da constatação anomalias fetais.
Esta situação já vem sendo considerada pela Justiça brasileira, apesar de não estar ainda legislada. Desde 1993, foram concedidos
mais de 350 alvarás para realização de aborto em crianças mal formadas, especialmente anencéfalos. Os juízes inicialmente
solicitavam que o médico fornecesse um atestado com o diagnóstico da má formação, além de outros três laudos para
confirmação, um outro laudo psiquiátrico sobre o risco potencial da continuidade da gestação e um para a cirurgia. Ao longo
deste período estas exigências foram sendo abrandadas. Em algumas solicitações os juízes não aceitaram a justificativa, e não
concederam o alvará tendo em vista a falta de amparo legal para a medida. Em 2000 um advogado entrou com uma solicitação
de medida liminar para impedir uma autorização de aborto de bebe anencéfalo no Rio de Janeiro. A mesma foi concedida.
Este tema tem sido discutido desde inúmeras perspectivas, variando desde a sua condenação até a sua liberação inclusive
descaracterizando-o como aborto, mas denominando o procedimento de antecipação terapêutica de parto.
· Transfusão de sangue em pacientes de certas religiões
Alegar um impedimento religioso para a realização de um ato médico é bastante mais frequente do que se imagina. Muitas vezes
os pacientes ou seus familiares ficam constrangidos de utilizarem um referencial religioso para orientar a sua tomada de decisão.
Algumas denominações religiosas, como, por exemplo, Ciência Cristã e Testemunhas de Jeová, são conhecidas por seus
seguidores imporem restrições desta ordem a algumas formas de tratamento.
A questão que envolve a indicação médica de transfusão de sangue em pacientes Testemunha de Jeová é das mais polêmicas e
conhecidas. Esta situação envolve um confronto entre um dado objetivo com uma crença, entre um benefício médico e o
exercício da autonomia do paciente.
A base religiosa que os Testemunhas de Jeová alegam para não permitirem ser transfundidos é obtida em alguns textos contidos
na Bíblia.
No livro do Gênesis (9:3-4) está escrito: “Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da
vegetação verde, deveras vos dou tudo. Somente a carne com sua alma – seu sangue – não deveis comer.”
No Levítico (17:10) existe outra restrição semelhante: “Quanto qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro
que reside no vosso meio, que comer qualquer espécie de sangue, eu certamente porei minha face contra a alma que comer o
sangue, e deveras o deceparei dentre seu povo.”
Existe mais uma citação, ainda neste mesmo sentido nos Atos dos Apóstolos (15:19-21).
Já existe uma farta bibliografia a respeito desta questão. A maioria divide-a em duas abordagens básicas: o paciente capaz de
decidir moral e legalmente e o paciente incapaz.
O paciente reconhecidamente capaz deve poder exercer a sua autonomia plenamente. Este posicionamento foi utilizado pelo
Prof. Diego Gracia, da Universidade Complutense de Madrid/Espanha. O Prof. Gracia utiliza esta situação como paradigmática
no exercício da autonomia do indivíduo frente a pressões sociais. O Prof. Dunn ressalta que esta é uma posição corajosa, mesmo
que questionável por outras pessoas que não compartilham desta crença.
Para alguns autores, como Genival Veloso de França este posicionamento só é válido enquanto não houver risco de morte
iminente associado ao estado do paciente. Nesta situação o médico estaria autorizado a transfundir o paciente, mesmo contra a
sua vontade, com base no princípio da Beneficência. O argumento utilizado é o de que a vida é um bem maior, tornando a
realização do ato médico um dever prima facie, sobrepujando-se ao anterior que era o de respeitar a autonomia. Este
posicionamento tem respaldo, inclusive no Código de Ética Médica.
A restrição à realização de transfusões de sangue pode gerar no médico uma dificuldade em manter o vínculo adequado com o
seu paciente. Ambos têm diferentes perspectivas sobre qual a melhor decisão a ser tomada, caracterizando um conflito entre a
autonomia do médico e a do paciente. Uma possível alternativa de resolução deste conflito moral é a de transferir o cuidado do
paciente para um médico que respeite esta restrição de procedimento.
Os seguidores desta denominação religiosa – Testemunhas de Jeová – estão muito bem organizados para auxiliarem as equipes
de saúde no processo de tomada de decisão. Existem Comissões de Ligação com Hospitais, que são constituídas por pessoas que
se dispõem a ir ao hospital prestar assessoria visando o melhor encaminhamento possível ao caso. A Comissão de Ligação de
Hospitais dispõe de um cadastro de médicos que pode ser útil em tais situações.
Atividade
1- Por que a divulgação de novos avanços científicos e tecnológicos causam impactos na opinião pública?
2- Qual a principal preocupação de Kant e Hegel sobre a Ética e responsabilização?
3- O que é ciência?
4- O que é dilema ético?
5- Para você, o aborto deve ser totalmente localizado no Brasil? Justifique!
6- Comente sobre os pontos positivos e negativos dos atuais avanços científicos e tecnológicos.

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