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Biodireito e Bioética

Todo ser humano, recém-iniciado ou adulto, são ou enfermo, com funções biológicas ou
insuficientes, deve ser respeitado em sua vida e dignidade.

Com a realidade da biotecnologia e da biomedicina, as pesquisas avançadas sobre o ser


humano e a aplicação dessas descobertas no homem fizeram surgir conflitos jurídicos não
imaginados pelo legislador, reclamando o nascimento de normas jurídicas para solucionar
tais situações, com a finalidade precípua de proteger a vida, sem desacelerar o progresso
da ciência.

A exemplo da aplicação desses avanços no homem, podemos citar a reprodução humana


medicamente assistida, que tem por objetivo auxiliar pessoas com dificuldades de
reprodução; a clonagem terapêutica, que emprega a criação e a utilização de embriões
especificamente para pesquisa, cujo escopo é desvendar a cura de doenças e, futuramente,
gerar órgãos para reposição; o transexualismo, que visa adequar o sexo físico ao psíquico,
a fim de amenizar o sofrimento psicológico e a dignidade do transexual.

Ainda nessa mesma linha de raciocínio, assuntos como sexualidade, biologia do sexo,
objeção de consciência, contracepção e aborto eugênico, bancos de sêmen e óvulos,
homossexualidade, transplante de órgãos, eutanásia, distanásia e ortotanásia, maternidade
de substituição, obesidade, dentre outros, são temas que, apesar de não regulamentados
legalmente, com o desenvolvimento biotecnológico e biomédico, visando melhorar a
qualidade de vida dos indivíduos, vêm sendo aplicados no ser humano.

Primeiramente, vale destacar que os experimentos biotecnológicos e biomédicos no ser


humano devem observar como linhas mestras os princípios bioéticos.

De acordo com a Encyclopedia of Bioethics, a Bioética é um “estudo sistemático da conduta


humana no campo das ciências biológicas e da atenção à saúde, na medida em que esta
conduta seja examinada à luz de valores e princípios morais”.

Assim, mesmo a bioética traçando limites éticos e morais para a biomedicina e a


biotecnologia, não é o suficiente para dissipar dúvidas e exageros cometidos, usando o ser
humano como objeto de manipulação. Por isso, é necessária a presença de um novo ramo
do direito dentro do ordenamento jurídico, capaz de regularizar tais assuntos. Esse novo
ramo é denominado Biodireito.

O Biodireito, apesar de sua relevância no que tange à proteção do ser humano frente à
biotecnologia, não é consagrado como ciência jurídica. Podemos analisá-lo sobre o prisma
dos direitos de 4ª geração, que se referem ao progresso técnico-científico do homem sobre
o próprio homem.

Tem-se, então, a Bioética como a disciplina que examina e discute os aspectos éticos
relacionados com o desenvolvimento e as aplicações da biologia e da medicina, indicando
os caminhos e o modo de se respeitar o valor da pessoa humana, como unidade e como
um todo. O biodireito como um processo de concretização normativa dos valores e
princípios fixados pela ética, tomando como paradigma o valor da pessoa humana. É um
novo ramo do direito da vida humana, necessário porque a legislação do passado é
insuficiente.
Conclui Emerson Ike Coan que, frente a esses avanços “se deve considerar o homem não
um simples produto da natureza, ou seja, só um ser biológico, mas um ser social capaz de
atuar conscientemente sobre aquela, modificando-a, pela sua liberdade racional e
responsável, o que implica sempre limites éticos. Isto embasa o princípio da dignidade
humana.”

O Direito e a Bioética devem estar lado a lado, cada um cumprindo o seu papel, a Bioética
no campo da obrigação moral e o direito elaborando leis legítimas que regulam as atitudes
humanas visando à proteção da vida. Assim, o Biodireito torna-se um dos pilares da
Bioética.

Censurável seria esquecer-se do surgimento de um novo ramo do Direito, vale dizer, o


Biodireito, o qual embasar-se-ia em princípios constitucionais, gerais e específicos,
valendo-se ao mesmo tempo do direito consuetudinário, de normas e regulamentos éticos
nacionais e internacionais, tendo como padrão o valor da pessoa humana.

A vida e a dignidade são os bens mais valiosos do ser humano. Admitir que esses bens são
menosprezados frente aos experimentos científicos, possivelmente acarretaria riscos de
aberrações genéticas, seleção racial, dentre outras consequências prejudiciais à
humanidade.

Princípios da Bioética

Os princípios basilares da Bioética e do Biodireito são: (I) não-maleficência; (II)


beneficência; (III) autonomia e (IV) consentimento informado. De acordo com a
“não-maleficência”, a pesquisa científica (bem como a intervenção médica), não pode ser
praticada com a finalidade de causar danos ou crueldades (como ocorreu nos experimentos
médicos nos campos nazistas no contexto do Holocausto). A “beneficência” visa a busca da
melhoria de qualidade de vida por meio da biotecnologia, de tratamentos médicos e
correlatos. O princípio da “autonomia” visa proteger a liberdade de escolha do ser humano e
sua autodeterminação corporal, sendo que ninguém, no gozo de suas faculdades mentais,
pode ser submetido a uma pesquisa científica ou a tratamento médico contra a sua vontade.
Por fim, para resguardar a autonomia e a dignidade humana, surge o “consentimento
informado”. Antes de um ser humano ser submetido a um procedimento médico ou
participar de uma pesquisa científica, deve-se obter seu consentimento (por meio de um
“Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE”). O paciente ou participante da
pesquisa tem total liberdade para realizar questionamentos e revogar seu consentimento a
qualquer momento.

Início da vida

Apesar de difícil e controversa a questão, pode-se dizer que existem cinco maiores
correntes que tentam responder em que momento exato se inicia a vida humana.

A primeira linha de pensamento defende que a vida começa a partir da fecundação, ou seja,
no momento em que o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide. “A ciência demonstra
insofismavelmente – com os recursos mais modernos – que o ser humano,
recém-fecundado, tem já o seu próprio patrimônio genético e o seu próprio sistema
imunológico diferente da mãe. É o mesmo ser humano – e não outro – que depois se
converterá em bebê, criança, jovem, adulto e ancião. O processo vai-se desenvolvendo
suavemente, sem saltos, sem nenhuma mudança qualitativa. Não é cientificamente
admissível que o produto da fecundação seja nos primeiros momentos somente uma
matéria germinante. Aceitar, portanto, que depois da fecundação existe um novo ser
humano, independente, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental.
Nunca se poderá falar de embrião como de uma pessoa em potencial que está em processo
de personalização e que nas primeiras semanas pode ser abortada. Por quê? Poderíamos
perguntar-nos: em que momento, em que dia, em que semana começa a ter a qualidade de
um ser humano? Hoje não é, amanhã já é. Isto, obviamente, é cientificamente absurdo”.

Há também quem afirme, numa segunda corrente, que a vida se inicia com a ocorrência da
nidação, ou seja, quando o óvulo fecundado se fixa à parede do útero, já preparado para
alimentá-lo. É a partir desse momento que o embrião passa a ter reais chances de se
desenvolver. Essa etapa ocorre por volta da segunda semana após a fecundação.

A terceira corrente afirma que a vida humana tem início na terceira semana de gestação,
quando o embrião não pode mais se dividir. É quando a individualidade do novo ser se torna
definitiva.

A quarta teoria é de que a vida começa a partir da 24ª semana de gestação, quando os
pulmões estão formados e o feto tem condições de sobreviver fora da barriga da mãe, já
possuindo autonomia. É uma das teorias mais polêmicas, pois, como sua conseqüência,
poderíamos concluir que seria permitida a realização de um aborto, mesmo numa fase
adiantada da gravidez.

Já a quinta teoria defende que a vida humana só começa com o início da formação das
primeiras terminações nervosas, a partir da segunda semana de gestação.[3] Trata-se de
uma teoria bastante lógica, já que se a morte é definida pelo fim da atividade cerebral, a
vida seria definida pelo início dessa atividade. De acordo com essa teoria, a definição sobre
a vida seria buscada pelo seu reverso – a morte.

Sob esse conceito de morte encefálica, a morte pode ser decretada quando o coração ainda
bate e, assim, é possível retirar os órgãos da pessoa para fins de realização de transplante.
Diante disso, se a vida acaba quando o cérebro para, é lícito supor que ela só começa
quando se inicia a formação do cérebro. É o pensamento de um grupo expressivo de
cientistas, principalmente especialistas em neurociência, para os quais a vida começa junto
com a formação das primeiras terminações nervosas.

Pode-se alegar que, num óvulo recém-fecundado, o cérebro ainda não começou a se
formar, e que, no caso da morte encefálica, o cérebro não funciona mais. Ou seja: num caso
a vida está por vir, no outro a vida se foi. Num caso ela é futuro, no outro ela é passado.
Ainda assim, em ambos os casos, a vida efetivamente não existiria. O filósofo francês René
Descartes, no século XVII, já proclamava: "Penso, logo existo" – a vida, pensada assim,
passa a ter uma íntima conexão com o raciocínio, com a consciência. Entretanto, há uma
forte resistência em aceitar essa quinta teoria. Para muitos, o que ela afirma é que só nos
tornamos seres humanos devido a um emaranhado de neurônios que conectados por
impulsos elétricos, respondem por nossas festas e lutos, alegrias e tristezas.[4]

Percebe-se que muitas são as teorias sobre o início da vida humana, cada uma delas
baseada num parâmetro diferente. Porém, preferimos adotar o mais lógico e coerente dos
parâmetros, que é aquele que adota como referência o momento em que a vida humana se
finda. Como se considera que a vida humana termina com o fim das atividades cerebrais,
deve-se considerar que ela se inicia a partir do instante em que começam a ser formadas as
primeiras terminações nervosas do embrião, o que ocorre por volta da segunda semana de
gestação, próximo ao momento em há a nidação. Se adotarmos qualquer outra teoria,
estaremos nos contradizendo.

Não seria justo querer equiparar um embrião com mais ou menos oito células com um ser
humano já nascido e desenvolvido. Um embrião fora do útero materno não possui chances
de se desenvolver plenamente, somente depois de localizado no ventre materno e começar
a formar suas primeiras terminações nervosas é que ele passa a poder ser equiparado a um
ser humano moral.

Sabemos que nunca iremos chegar a uma definição exata do momento em que se inicia a
vida humana, sempre haverá aqueles que irão divergir, qualquer que seja o critério adotado.
É importante, no entanto, que adotemos algum conceito para o início da vida, pois, caso
contrário, não teremos nunca a certeza jurídica necessária para se decidir sobre certas
questões do Biodireito e da Bioética.

Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é um conceito filosófico e abstrato que


determina o valor inerente da moralidade, espiritualidade e honra de todo o ser humano.

Se o ser humano é a fonte de todos os valores que a humanidade perpetua, então não há
nada mais importante e valioso para se proteger do que a dignidade do indivíduo. É a partir
desse pensamento que o princípio da dignidade humana atua no ordenamento jurídico
brasileiro.

Visto como o pilar do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa


humana é a base de todo o direito dos países democráticos de todo o mundo. Ao mesmo
tempo, pela sua natureza filosófica, é algo de controvérsia e desconhecimento.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

Declaração Universal dos Direitos Humanos - A primeira consideração do documento


aponta que é o reconhecimento da dignidade humana que dá a base para outros direitos
fundamentais, como a liberdade, a justiça e a vida, por exemplo.

Portanto, para que esses direitos fundamentais (como direito à vida, de ir e vir, da liberdade,
de ter propriedade, de livre pensamento e expressão…) sejam cumpridos e preservados, é
preciso primeiro enxergar o ser humano enquanto mestre da sua própria vida,
autodeterminado e portador de honra e dignidade.

O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos traz que a igualdade entre
as pessoas humanas é primeiro em relação à sua dignidade:
“Art. 1º Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de
razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

A partir da Declaração, que culminou após a humanidade ter presenciado os horrores


causados pelas duas Guerras Mundiais, Estados de Direito do mundo inteiro
implementaram a dignidade humana e os direitos humanos como princípios basilares das
suas relações jurídicas, como é o caso do Brasil, com a Constituição Federal de 1988.

O princípio da dignidade humana é a base de praticamente todo o direito de países


democráticos, uma vez que é a constatação de que a plenitude do ser humano deve ser
respeitada e preservada pela figura do Estado.

Isso significa que a autodeterminação do ser humano e o seu direito de ser resguardado é
predominante sobre todos os outros direitos, sendo eles fundamentais ou não.

Uma das principais discussões práticas sobre o princípio da dignidade humana no mundo
hoje é sobre o direito de uma pessoa realizar, através do Estado, a eutanásia, ou seja, a
morte indolor de alguém através do pedido dessa mesma pessoa.

A eutanásia é fruto de uma grande discussão por colocar dois direitos fundamentais em
conflito: o princípio da dignidade humana e o direito à vida.

Por um lado, o direito à vida é inalienável e deve ser preservado a todo o custo; por outro, a
autodeterminação do indivíduo e seu direito de viver com dignidade é o fundamento para o
direito a vida, estando acima deste.

Entende-se, ao aplicar esse tipo de medida, que o sujeito deve ter a possibilidade de
escolher se continua vivendo ou não, uma vez que a sua dignidade é maior do que a
proteção que o Estado dá para a sua própria vida.

Direitos Fundamentais

Os direitos e garantias fundamentais são normas protetivas que objetivam proteger o


cidadão da ação do Estado (uma vez que o Estado é obrigado a garantir as mesmas) e
garantir os requisitos mínimos para que o indivíduo tenha uma vida digna perante a
sociedade, estão previstas na Constituição Federal de 1988, no título II da mesma.

Os artigos 5º ao 17 da Carta Magna estipulam quais são os direitos fundamentais e


garantias que o indivíduo brasileiro e a sociedade desfrutam de forma contínua.

Os direitos e garantias fundamentais estão divididos na Constituição Federal por temas


específicos. São eles: direitos individuais e coletivos (artigo 5º da CF), direitos sociais (do
artigo 6º ao artigo 11 da CF), direitos de nacionalidade (artigos 12 e 13 da CF) e direitos
políticos (artigos 14 ao 17 da CF).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

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