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A BIOÉTICA NO INÍCIO DA VIDA

Introdução

O início da vida é um tema que sempre preocupou os homens. Com o avanço das
biociências, tornando o homem capaz de intervir mais activamente no processo da
gestação e do morrer dos seres humanos, tal preocupação tornou-se ainda maior
sobretudo se tivermos em conta que tal desenvolvimento mexe com questões relativas à
segurança da vida. Tendo a Bioética como objectivo, salvaguardar a vida na terra, visto
que o desenvolvimento científico sem sabedoria põe em risco a mesma vida, o início
desta é um dos seus principais objectos de estudo.

1.1. Conceito de “Início da Vida”.


É facto indiscutível que, biologicamente falando, o processo vital, nas formas de
reprodução sexuada, começa com a fecundação, ou seja, no momento da união do óvulo
com o espermatozóide, quando se dá a união dos gâmetas, cuja consolidação ocorre
com a implantação do óvulo fecundado no útero. A questão de fundo que fica por
responder é a seguinte: o início da vida biologia é paralelo e idêntico ao aparecimento
da vida humana ou da vida pessoal?

1.2. Quando começa a vida “humana”?


Muitas e diferentes são as respostas das ciências, das religiões e do direito sobre a
pergunta acima colocada A resposta sobre a origem de um indivíduo é muito importante
pois ajuda na resolução de conflitos relativos a práticas como o aborto, a reprodução
assistida, a manipulação dos embriões humanos, a contracepção, etc.

1.2.1. Respostas da ciência


As cinco visões abaixo elencadas sintetizam as respostas dadas pelas ciências à
pergunta acima colocada, ou seja, “quando começa a vida humana?”.

a). Visão genética: a vida humana começa na fertilização, quando o espermatozóide e o


óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto
genético único, criando-se, assim, um novo indivíduo, um ser humano com direitos
iguais aos de qualquer outro. Esta é também a opinião de muitas religiões, inclusive a
Igreja Católica.

b). Visão embriológica: a vida começa na terceira semana de gravidez, quando é


estabelecida a individualidade humana pois, até 12 dias após a fecundação, o embrião
ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas.

c). Visão neurológica: da mesma forma que, hoje, s afirma que a vida termina quando
cessa a actividade eléctrica no cérebro, ela começa quando o feto apresenta actividade
cerebral igual à de uma pessoa. Para alguns cientistas, isso acontece na já na 8ª semana;
para outros, mais tarde, na 20ª.

d). Visão ecológica: a vida humana inicia quando o feto se torna um ser independente,
isto é, capaz de sobreviver fora do útero. Segundo os médicos, um bebé prematuro só se
mantém vivo se tiver pulmões prontos, facto que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de
gravidez.
e). Visão metabólica: não existe um momento único no qual a vida tem início pois,
tanto os espermatozóides quanto os óvulos são tão vivos como qualquer pessoa. Além
disso, o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve ter um
marco inaugural. Por isso, a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante.

1.2.2. As respostas da religião


O início da vida é um tema discutido também na maioria das religiões. Eis a
visão de algumas delas, mostrando diferentes posições e suas possíveis implicações
(Koening H.G, 2012):

a). Catolicismo: para a Igreja Católica, a vida começa na concepção, quando o


óvulo é fecundado, formando um ser humano que deve ser respeitado e tratado como
uma pessoa. Consequentemente:
 O catolicismo é contra o aborto e a manipulação de embriões.
 Aceita as técnicas de reprodução, que agem como uma ajuda ao ato
conjugal e sua fertilidade;
 Encoraja as pesquisas e investimentos direccionados à prevenção da
esterilidade;
 Considera a criopreservação (congelamento) e a redução de embriões
incompatíveis com o respeito devido aos embriões humanos.
 Considera ilegal e inaceitável tratar o embrião humano como mero
“material de laboratório” e a discriminação.

b). Judaismo: “A vida começa apenas no quadragésimo dia, quando acredita-se


que o feto começa a adquirir forma humana”, diz o Rabino Shamai, de São Paulo. Para
o povo de Israel, o número 40 é símbolo de vida nova, de libertação. Antes do
quadragésimo dia:
 A interrupção da gravidez não é considerada homicídio;
 Permite-se a pesquisa com células-tronco;
 Permite-se igualmente o aborto quando a gravidez envolve risco de vida
para a mãe ou em caso de anormalidades fetais, ou ainda quando resulta
de estupro.
 No Estado de Israel, a pesquisa com células-tronco embrionárias é
autorizada em um amplo leque de possibilidades.

c). Islamismo: Religião pautada em seu livro sagrado, afirma que Deus
desempenha funções fundamentais na humanidade e no Universo: criação, sustentação,
orientação e julgamento. O início da vida ocorre quando a alma é assoprada por Alá no
feto, cerca de 120 dias após a fecundação, porém, muitos estudiosos acreditam que a
vida tem início na concepção. Consequentemente, os muçulmanos condenam o aborto,
mas muitos aceitam a prática, principalmente quando há risco para a vida da mãe. Os
embriões podem ser usados para fins terapêuticos antes do momento que tenham alma.
Nalguns países Islâmicos, as pesquisas com células-tronco embrionárias são permitidas
(Diniz D. - Avelino D., 2011).

d). Budismo: Também acredita na reencarnação. Afirma que a vida é um


processo contínuo e ininterrupto, portanto, não há necessariamente um início. A vida
não inicia na união de óvulo e espermatozóide, mas está presente em tudo o que existe:
animais, plantas, família e até a água. No budismo, os seres humanos são apenas uma
forma de vida que depende de várias outras. Entre a corrente budista, não há consenso
sobre aborto e pesquisas com embriões a vida é um processo contínuo e ininterrupto.
Não começa na união de óvulo e espermatozóide.

e). Hinduísmo: existe a crença em sucessivas reencarnações, que fazem parte de


um processo de purificação. Entretanto, é no encontro entre a alma e matéria, na
fecundação, que começa a vida. Ora, dado que o embrião possui uma alma, deve ser
tratado como humano. Daí que, na questão do aborto, os hindus escolhem a acção
menos prejudicial a todos os envolvidos: a mãe, o pai, o feto e a sociedade. Em geral se
opõem à interrupção da gravidez, menos em casos que colocam em risco a vida da mãe.
Eles geralmente favorecem a pesquisa com células-tronco embrionárias, mas apenas
com blastócitos excedentes de clínicas de fertilidade, não com blastócitos criados para
pesquisa.

1.2.3. Na perspectiva Jurídica


Definir de maneira clara e simples o início da vida humana, para determinar a
partir de que momento esse novo ser será considerado vivo, terá personalidade jurídica e
será tutelada pelo Direito, é muito importante para o ordenamento jurídico. Entretanto,
até aos nossos dias, não existe um consenso sobre o tema. Vejamos, porém algumas
visões neste âmbito:

a). Visão concepcionista: segundo a Convenção dos Direitos da Criança, “a


existência das pessoas começa a partir do momento da concepção. De acordo com esse
pensamento, a partir da união dos gâmetas masculino e feminino, passa a existir uma
nova vida, uma pessoa individualizada e distinta de outro indivíduo.”, a qual já é
detentora de direitos, excepto, dos direitos patrimoniais materiais, os quais dependem
directamente do nascimento com vida.
Essa visão concepcionista é defendida por muitos juristas para quem “Toda
pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei
e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida
arbitrariamente”.

b). Visão embriológica: outros juristas defendem o início da vida a partir da


nidação, ou seja, da implantação do óvulo no útero materno. Estes, levando em
consideração a utilização de métodos contraceptivos como o Dispositivo Intra Uterino
(DIU) e a “pílula do dia seguinte”, afirmam que, não sendo estes métodos considerados
abortivos, é forçoso concluir que, tendo em conta a lei penal, o início da vida se dá com
a nidação. Caso contrário, o resultado do aborto provocado pela acção de pílulas e dos
dispositivos intra-uterinos que actuam após a fecundação, seria considerado crime.

c). Visão natalista: considera que o indivíduo se inicia somente após o parto
sendo apenas merecedor de protecção após a concretização do nascimento com vida.

2. Ponto de vista ético relativo ao embrião


As diferentes visões sobre o início da vida humana acima apresentadas
determinam um diferente posicionamento face ao problema ético relativo ao embrião.
Tal problema ético pode ser formulado da seguinte maneira: o embrião humano é um
membro da comunidade moral e, se sim, quais as condições? Eis alguns
posicionamentos:
2.1. O embrião humano deve ser considerado como pessoa e pertence à
comunidade moral. Essa posição não reconhece diferença de estatuto moral entre os
diversos estados de desenvolvimento humano (embrião, feto, recém-nascido, criança,
adulto...). Desde a concepção, o óvulo fertilizado se torna membro da comunidade
moral humana. Assim, o embrião humano é sagrado. Essa posição ética condena a
pesquisa experimental sobre os embriões bem como o aborto.

2.2. O embrião humano é uma coisa. Para essa posição, o embrião humano
é uma simples coisa e pode ser transferido, congelado, armazenado e utilizado com fins
de pesquisa.

2.3. O embrião humano é uma simples entidade biológica. Para esta


última posição, o embrião humano é uma simples entidade biológica, a não ser que seja
investido de um projecto parental de criança. Caso seja investido de um projecto
parental de criança, ele é uma pessoa em potência e sagrado. De contrário, pode ser
empregado como material com fim de experimentação científica.

3. O início da vida à luz dos princípios da Bioética


A discussão acima apresenta sobre o início da vida humana apresenta diferentes
pontos de vista, havendo quem considera a origem da vida após a concepção, a nidação
e o nascimento. Á luz dos princípios três princípios da Bioética, podemos fazer as
seguintes considerações:

a). Á luz dos princípios da beneficência e não-maleficência


Aplicando os princípios bioéticos de beneficência e não-maleficência, ou seja
fazer o bem e evitar o mal, tendo em conta que o embrião é um ser vivo, é sensato
considerar fazer o mal ao embrião é infringir os princípios acima enunciados.

b). Á luz do princípio da Autonomia


Considerando o princípio da autonomia, como a capacidade de uma pessoa gerir
a sua própria vontade, livre da influência de outras pessoas, desconsiderar a vontade do
embrião de sobreviver, é negligenciar a sua autonomia. Em outras palavras o aborto
pode ser uma forma de impor a vontade de outra pessoa a quem, como o embrião, luta
pela sua sobrevivência.

a). À luz do princípio de Justiça


O princípio de justiça preconiza direitos iguais a todos seres humanos. Caso se
considere que a vida começa com o nascimento, o embrião que é capaz de expressar-se
através de movimentos, mas não consegue ser ouvido, não terá o direito fundamental do
ser humano, o direito a vida.

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